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Iluminando

EDITOR A UMICAMI'
INTRODUÇÃ0 1

A Europa da Alta Idade Média cem sido, repetidamente, mal com-


preendida. Ela se tornou vítima, sobretudo, de duas grandes narrativas,
ambas altamente influentes na história e na escrita dahi tóriados dois úl-
timos século , e ambas tendo produzido uma falsa imagem desse período:
refiro-me à narrativa do nacionalismo e à narrativa da modernidade. Antes
de propormos um tipo diferente de abordagem, precisamos analisar essas
duas narrativas de forma critica, ainda que breve, a fim de observarmos
o que está errado com cada uma delas; is o porque os leitores deste livro
que ainda não tiveram oporcunidade de e cudar es e período terão uma
ou outra dessas narrativas como imagem-guia de suas mentes.
Por estar na origem, autêntica ou ficcionalmente, de tantos esta-
dos-nações europeus, a Alta Idade Média adqw riu um significado míti-
co para os historiadores de todas as gerações, desde que o nacionalismo
se tornou uma poderosa imagem política no começo do século XIX ou,
talvez, ainda mais cedo. Escrevem-se livros chamados O nascimento da
França, ou, mais comu mente, O desenvolvimento da.Europa, na busca pe-
los germes de uma futura identidade nacional ou europeia, que pode ser
que exista, por volta do ano 1000, para a França, a Alemanha, a Inglater-
ra, a Dinamarca, a Polônia, a Rússia, e para urna série de outras naçóe ,
!l lq;.tdo de 110111.1 . l111111ln,uid1) ~ ld,,,I,· J~ 11 ·v.i•, 100 lll!l!l 1111,utllH,:,h,

caso se procure com esforço. A história da AJta Idade Média, porcanro, p.trt · do oncincmc o fina l do nos~o pcrí d , e os ativo· agrcs ivos
corna-se parte de uma teleologia: a leitura da história em termos das suas \i,ccmas pollrico po tcríore eram dil:icilrncnce visíveis na Idade Médi..
(possíveis e inevitáveis) consequências, em direçáo a qualquer indício Da mesma forma, identidades nacionai não eram amplamente
que, supost amente, indique "por que somos os melhores" - nós ingleses 1,rocminence no ano 1000, inclusive se se rejeita a associação emre nacio-
ou franceses ou europeus (ocidentais) - ou, ao menos, para as comuni- n.,Lismo e modernidade feita por grande parte da academia conternporâ-
dade menos satisfeitas consigo mesmas, "por que somos diferentes". A ru:.1.2 Devemo reconhecer que alguma dessas identidades exi tiram. A
totalidade da história inglesa da Alta Idade Média pode assim ser vista l 11 •!aterra é um bom exemplo disso (os sombrios anos da conquista dina-
comando-se em consideração as origens do estado-nação; toda a história m. rquesa, no começo do século XI. produziram vários textos que invo-
dos Paíse Baixos, tendo em vista as origen do dinamismo comercial da , .tm uma versão dessas coisas). Também os italianos rinhan1 uma noção
fumra Bélgica ou Holanda. A falta de evidência para o nosso período d identidade comum, embora dificilmente esta tenha chegado ao sul de
ajuda a tornar comun essas leitmas nacionali tas, inclusive na atualida- Rnm:i. (é evidente que isso ainda é verdadeiro hoje em dia), e ela não levou
de. Mas são falsas leituras; mesmo quando empiricamente corretas (os ., nenhum desejo de unidade polftica. A separação geográfica, como a que
ingleses realmente tinham um estado unitário, no ano 1000; a produção o c:maJ da Mancha e os Alpes criavam, favoreceu esse processo, em ambo
e o intercâmbio comercial eram, de faco, extraordinariamente ativos na o, ca o , como também no caso dos irlandeses, que eram capazes de reco-
região que se tornaria a Bélgica), essas leituras confundem a nossa com- nhecer uma versão de comunidade irlande a, por mais fragmentada que
preensão do passado. Esse tipo de história é ruim; a história não possui , Jri anda esrivesse. No caso paraldo de Bizâncio, o que dava identidade a
celeologias dessa natureza. ,cus habitantes era, simplesmente, a coerência do sistema político multo
A Europa não nasceu na Alta Idade Média. Nenhuma identidade maior do que a de qualquer outro si tema na. Europa naquele momento;
comum unia, no ano 1000, a Espanha e a Rússia, a Irlanda e o Império ,1 "identidade nacional" bizantina não cem sido muito considerada pelos

Bizantino (no que hoje em dia são os Bálcãs, a Grécia e a Turquia), exceto hi~toriadore , já que aquele Império não foi o antep,t sado de nenhum
pela débiJ noção de comunidade que ligava as entidades poHricas cri cás. 1;\tado-naçâo moderno, embora pos ivelmente fo se o mai desenvolvido
Não havia nenhuma cu1ru.ra europeia comum e, cercarm:nce, nenhuma 11.1 Ew:opa ao final do nosso período. Em contrapartida, a França, a Ale-
economia em escala europeia. Não havia nenhum tipo de sinal de que 111. nha e a Espanha (seja cristã ou muçulmana) não tinham nada desse

a Europa pudesse, em um futuro ainda muito discante, desenvolver-se , 1naginário. O daneses podem tê-lo tido, mas, na Escandinávia como um
econômica e militarmente de modo a ser capaz de dominar o mundo. wdo, só temos evidência confiável da ua presença na Islândia. As terras
Qualquer pessoa que, no ano 1000, procurasse uma fucura industria- c~lavas ainda eram muito incipientes para cer qualquer tipo de identidade
lização teria apostado na economü do Egico, e não na da Renânia ou 11;,o especificamente vinculada ao destino das dinastias governantes. A
na dos Países Baixos, e aquela de Lancashire reria parecido uma piada. imagem do "nascimento da Europa" e do "nascimento" da grande massa
Em termos político-militares, o exrremo sudeste e o sudoeste da Euro- da posteriores nações europeias, em nosso período, é n,'io apenas releoló-
pa, isto é, Bizâncio e al-Andalus (a Espanha muçulmana), forneceram 1,:ica, mas também fantasiosa. É inceressanre o faro de existirem ligações
os estado dominantes do continente, enquanto na Europa Ocidental genealógicas com o fucuro em camas entidades poHticas do século X, mas
o desmembramento da Francia (a França moderna, a Bélgica e a Ale- i~, o não ajuda nada na compreensão da A !ta Idade Média_
manha Ocidental) pôs fim ao experimento carolíngio (cf. capítulos 15 Ainda mai inúteis, mesmo que mais antigos, são o · argumentos
e 16), a entidade polírica hegemónica nos 400 anos anteriores. O sul da l]UC situam a Alta Idade Média dentro da grande narrativa da própria mo-
Inglaterra, que constituía o estado ocidental mais coerente no ano I 000, dcrrtidade em suas muita.S variações. Es a é a narrativa que tradicionalrnen-
era minú culo. De fato, o sistemas políticos fracos dominaram a maior t: relega a coral idade da história medieval a estar, simplesmente, "no meio",
entre a solidez polltica e legal do Império Romano (ou o outro auge d:a cul- 1uc veio depoi ·. Atribuir valore ao dito período (ou a partes dele, como
mra clássica), por um lado, e a sua suposta redescoberca no Renascimento, ,1 1ucla que, com a imagem do "Renascimento Carolíngio", buscam ligar o
por outro. Foram os próprios eruditos do Renascimento que inventaram , ' cu lo IX e, talvez, o X à grande narrativa da história "real" à custa, pre u-
essa imagem; desde então, a narrativa cem sofrido dois tipos de mudanças mivclmeme, do século VI ao VIII) é uma operação sem sentido. E, como
principais. Primeiramente, as gerações posteriores - os cientistas do final do hi e riador da Alta Idade Média, a "outridade" do período, simplesmcn-
século XVII, os pensadores do Iluminismo e os revolucionários do século r ·, parece-me não ter cabimento. A riqueza dos escudos recentes sobre o
XVIU, os industriais e os socialista dos séculos XIX e XX - arrogaram período desmente a totalidade dessa abordagem histórica; e este livro terá
uma "verdadeira" modernidade para si, localizando seu ponto de inflexão fraca sado caso pareça sustentá-la de qualquer maneira.
por volta dos anos 1500. Por outro lado, na história científica do último Isso se deve ao fato de que agora é possível escrever llln tipo de
século, alguns medievaüstas têm buscado salvar, ao menos, a Idade Mé- história bem diferente sobre a Alta Idade Média. Até a década de 1970, a
dia Central e a Baixa Idade Média do opróbrio de não serem "realmente" falta de evidência desviava os pesquisadores, e uma historiografia morali-
história de modo algum, e os primórdios de processos hisróricos comuns zante, dependente do argumento do fracasso, considerou os séculos entre
europeus, de longo prazo, têm sido rastreados na reforma papal, no "Re- os anos 400/500 e 1000 como inferiores. Qualquer que seja a explicaçáo
nascimento do século Xll", nas origens das universidades e no início da dada pelas pessoas para a queda do Império Romano Ocidental no século
formação escaral de reis como Henrique II da Inglarerra ou Felipe II da V (debilidade interna, ataque externo ou um pouco de ambos), pareceu
França, isto é, no período em torno dos anos 1050-1200. óbvio que isso foi uma Coisa Ruim, e que as sociedades europeias e me-
O resultado desses dois desenvolvimentos é que um milênio in- diterrâneas levaram séculos para se recompor: calvez na época de Carlos
teiro da história europeia, a partir do :final do século XI em diante, pode Magno (768-814), ou não antes da expansão econômica e do reformismo
ser apreciado como wna sucessão contínua de marés que avançam cada religioso do século XI. A sobrevivência do Império Oriental, que seguiu
vez mais em direção à praia do Progresso; contudo, nesse imaginário, o na história como Império Bizantino, foi pouco enfatizada. Os mitos na-
período anterior é deixado, ainda, engessado. As conquistas do mundo cionalistas de origem eram tudo o que o período tinha a oferecer; de fato,
antigo conrinuam sendo vistas, por muitos, como uma luz cintilante eles sobreviveram por mais tempo do que a imagem de uma malograda
para além do sombrio mar da barbárie que, supostamence, caracteriza Alta Idade Média.
a Alta Idade Média; e a queda "do" Império Romano, no século V (ig- A maior parte disso agora, aforcunadamente, mudou; a Alta Idade
norando a sua sobrevivência no Oriente), é apreciada conio uma falha Média já não é mais o período da Cinderela. Para começar, os pesquisado-
primordial, o retrocesso a panir do qual se iniciou um longo e doloroso res da época tornaram-se mais numerosos. Na Grã-Bretanha, por volta de
processo, apesar de ser um alicerce necessário para qualquer aspecw do 1970, a presença de Peter Brown e Michael Wallacc-Hadrill, em Oxford,
mundo moderno que o observador mais deseje salientar: racionalismo, e Walter Ullmann, em Cambridge, permitiu a formação de uma massa
produtividade, mercado global, conhecimento, democracia, igualdade, crítica de escudantes graduados em História da Alta Idade Média (e tam-
paz mundial ou liberdade diante da exploração. bém em Antiguidade Tardia) que, posteriormente, obtiveram empregos
Eu mesmo sou a favor da maioria desses últimos fins; porém, para pelo país afora (pouco antes de restringirem a contratação universitária
mim, como historiador, o argumento ainda parece ridículo, já que cada com os cortes do governo de 1980); eles tiveram os seus próprios graduados
período na história possui sua própria identidade e legitimidade, que não em toda parte, ao passo que a formação acadêrnica em História deixava de
devem ser vistas em retrospectiva. O extenso período de tempo em:re os ser dominada por Oxbridge,"' e uma nova geração entrava em atividade.
anos 400 e 1000 tem a sua própria validade como campo de estudo que
de forma alguma está determinado pelo que aconteceu antes nem pelo O autor refere-se ao predomínio acadêmico, em solo inglês, das universidades de
Os escudo bizantino de.çcnvolveram-se rambém rapidamente. P r ssa p,1liuca c ~obre ciices políticas e eia is; pon:m, a, bord:i.gcm mais cconôm1-
mesma época, a arqueologia da Alta Idade Média liberrou-se da ob es ão ' .1 imrímcca. m:1ior parte da arqueologia, embora nem sempre aceita por

pelos cemicérios e a mecalurgia, e abriu-se à "nova arqueologia" das rela- 111\mriadores documentais, permite importantes de envolvimento tam-
ções espaciais e dos sistemas de cultura econômica ou material, o que teve hón n:i. hi cória socioeconômica. Os pesquisadores da Alta Idade M~dia
implicações muito mais vastas e permitiu uma dialética mais rica com a ,·,livcram, também, entre os primeiros a levar a sério uma das implicaçóc
história documental, ao menos quando os parricipames escavam dispostos . d,1virada Linguística: a percepção de que todos os nossos relatos do passa-
Fora da Grã-Bretanha, grupos similares de historiadores tentavam se livrar d, estão vinculados por convenções narrativa que devem ser adequada-
de antigas obsessões com o "decUnio" político ou cultural e a história de mente entendidas antes que eles possam er utilizados pelos hiscoriadore ;
instituições legais ou da Igreja; apenas em alguns países, particularmente , umo resultado, nas úlrimas duas décadas, praticamente t0das as fonc
nos Estados Unido, o número dos pesquisadoresdaA1ca Idade Média au- Jlto-medievais foram criticamente reavaliadas pelas sua e rratégias nar-
mentou tanto quanro na Grã-Bretanha (na Alemanha e na Itália sempre 1,1riva . O cenário dos e tudos sobre Alta Idade Média é, portanto, mais
houve mais), mas em todos os países a solisricação da abordagem histórica 1nrernacional, mais crítico e muito mais abrangente do que costwnava er.
cresceu drasricamenre nas úlcirnas crê décadas. Na maior parte da Europa Essa imagem positiva, narura.Lnenre, esconde falha . Uma delas
Continental, certamente, a arqueologia da Alta Idade Média foi também é que essa comunidade de pesquisadore recencemenre ampliada se mos-
vi rrnalrnenre inventada por essa mesma época; dificilmente existiria uma tra relucame em oferecer novos paradigmas para a nossa compreen ão do
arqueologia desse período, complexa e atualizada, fora de alguns países, período. Eu critiquei e a postura em um livro recente,FramingtheEarly
em 1970 (Grã-Bretanha, Alemanha Oriental e Ocidental, Países Baixos, Middle Ages,4 no específico conrext0 da história socioeconômica, e ofere-
Dinamarca, Polônia), mas agora ela e apresenta em praticamente rodo ci alguns parâmetros que podem funcionar nesse campo. No âmbito da
os países da União Europeia. h.í rória cultural e política, pode argumentar- e que um novo paradigma
A pesquisa romou- e também mais internacionalizada. Entre 1993 está emergindo, mas is o permanece mai implíciro do que explícito. Esse
e 1998, o projeto "Transformação do Mundo Romano", da Fundação Eu- paradigma vê muitos aspect0s da Antiguidade Tardia (ela mesma substan-
ropeia de Ciência (ESF, na sigla ingle a), envolveu dezenas de pesquisadores cialmente reavaliada: o Império Romano tardio é agora frequentemente
de quase todos os países europeus (e para além da Europa), e colocou-os apreciado como o auge romano, e não mais uma cópia inferior e totalitá-
em hocéi , de E rocolmo a lsrambul, durante uma semana, a fim de tra- ria da pax romana do século II) se prolongarem na Alra Idade Média sem
çar, coletivamence, abordagen comuns. 3 Isso não criou uma historiografia interrupção. Mais especificamente: a violência dos invasores b::í.rbaros do
"comum europeia~, por bon e maus motivos (os pressupostos nacionais e Império é um topos literário; houve poucos, ou mesmo nenhum, aspectos
o preconceitos estavam, com frequência, profundamente arraigados· em da sociedade e da culru ra pós-romanas que não tive em antecedences ro-
contrapartida, uma abordagem muito internacional do rema comportaria o manos· o século VII, no Ocidente, embora seja a centúria medieval que
risco de ser enfadonha); no entanto, levou os participantes a se conhecerem nos legou o menor número de evidências doeu meneais, produziu mais es-
melhor e a internacionalizar as amizades pessoais. Projetos po teriores ao crico que sobreviveram do que qualquer século romano, com exceção dos
ESF continuaram a prosperar durante a década subsequente, e o trabalho séculos IV e VI, demonstrando que a cultura literária não desapareceu, de
internacional sobre remas comuns é agora normal e mais orgânico. Em forma alguma, em cercas regiõe ; em resumo, pode-se continuar a escudar
termos gerais, o trabalho inovador mais recente entre os hisroriadores cem o mundo alto-medieval, oriental ou ocidental, como e fosse a Roma tar-
sido, frequenremence, no âmbito dahiscória culrural, em especial sobre alta dia. Essa abordagem fica explícita em trabalhos muiro recentes a respeito
das invasões do século V, mas afeta os escudos de séculos posteriores, do
Oxford e de Cambridge. (N. da T.)
século IX em dianre, de forma bem mais i.ndireca. É um acontecimento

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raro encontrar hisroriadore que realmence escrevem que Cario Magno, ~rrucur:is nas quais eles aruavam implificaram-se, muita vezes radical-
digamos, basicamenre operava dentro de um marco poiítico-culcural da mente. O panorama poli.rico social e econômico torna- e, como resultado,
Roma tardia, mesmo quando cles sugerem isso pela forma como o apre- n uito diferente na Alta Idade Média. Apm:iar o período a partir do ·..:ui,
sentam. Contudo, isso é um problema, já que, acreditando-se ou não que próprios termos permite reconhecer suas diferenças com o passado romano
Carlos Magno realmente operava a partir de tal estrutura, a questão não assim como também suas continuidades.
pode ser adequadamente confromada ou debatida até que seja trazida à Um resultado implfcico dos desenvolvimentos histórico recen-
tona. Acrescente-se ainda que os hiscoriadores, em geral, estão muito mais tes é que há relativamente poucos balanços da Alta Idade Média como
con cientes de que a catástrofe é um clichê literário na Alra Idade Média, urn todo. O último estudo inglês que abrangeu o período por inteiro até
mas se esquecem de que a continuidade - acomodação - também o é. ano 1000, realizado por Roger Collins, remonta a 1991 e apresenta,
Um segundo problema urge quando o hJsroriadores apegados à cm grande parte, um enfoque político. As recentes histórias sociais, de
ideia de conânwdade (ou de "transformação"), mais do que à de mudança alta qualidade em língua francesa, como as de Régine Le Jan, Jean-Pierre
abrupta, divergem dos arqueólogos. Os arqueólogos identificam simplifi- Devroey e Philippe Depreux, só vão até 900, e não incluem os mundo
cações substanciais na cultura material pós-romana, do século V ao VII (a bizantinos ou árabe . A importante síntese cultural de Julia Smith, Eu-
data exara varia segundo a região), o que, em alguns casos - a Bretanha é rope after Rome, que se aproxima, mais do que qualquer outro livro, de
um exemplo, os Bálcãs, outro - foi drástico; apenas um punhado de pro- oferecer novos paradigmas para o seu campo, da mesma forma limita-se
víncias romanas, Síria, Palestina e Egito, não as experimentaram. Bryan à Europa Latina; o me mo acontece com a receme obra de Matthew In-
Ward-Per.kins recentememe publicou urna breve e útil respo ra à história nes, /ntroduction to Earl:y Medieval Western Europe, 300-900 (de todos
cu lcural conrinuísra, 'lhe Fali oj'Rome and the End ofCivilization [A Que- esses escudos, o úkimo talvez seja o mai parecido com a abordagem do
da de Roma e o Fim da Civilização], que enfatiza a força dessas simplifica- pce ente livro, porém ele só surgiu no verão de 2007, após o meu próprio
ções arqueológicas. 5 Esre livro, eu espero, suscitará um debate e, rnmbém, rascunho ter sido concluído, e, portanto, não incorporei suas per pecci-
o estabelecimento de uma base comum entre as duas tradições; enquanto vas).6 Naturalmente, há muitas obras que lidam com intervalos de tempo
escrevo, é muito cedo para afirmar tal coisa. Contudo, precisamos desen- mais curtos, enquanto algun período ão extensivamente escudados, no-
volver interpretações históricas qae po am englobar a diver idade da no a meadamente o século V (sobretudo no Ocidente) e o século carolíngio; há
evidência, ramo literária quanto arqueológica. também muita slmeses regionais e nacionais, algumas delas abrangendo
Tanto um texto literário altamente romanizado - por exemplo, a totalidade da Alta Idade Média. No encanto, há espaço para uma nova
asEtymologiae de Isidoro de Sevilha (m. 636) - como uma escavação que pesquisa que confronta os desenvolvimentos soàopoüricos, socioeconô-
demonstra prédios muito precários e menor densidade habitacional do micos e polJtico-culcurais de todo o período entre 400 e 1000, momento
que no período romano (como se verifica em muitos sítios arqueológicos entre o fim da unidade romana e a formação de uma miríade de entidades
urbanos escavado recentemente, desde Tarragona passando por Milão até polfticas menores, através de todo o espaço da Europa e do Mediterrâneo,
Tours) constituem evidências obre o passado e nenhuma delas deveria as antigas terras romanas e as cerras não romanas, ao norre de Roma in-
ser ignorada. Quando essas duas evidências são colocadas lado a lado, de clusive. Essa é a intenção deste livro.
faro, a desintegração do Império Romano, particularmente no Ocidente, Framing the Early Middle Ages ofereceu algumas interpretações
destaca-se imediatamente como uma grande mudança. Como veremos baseante nítidas de como as mudanças sociais e econômicas poderiam ser
nos capítulos seguinte , por mais continuidade que houvesse nos valores entendidas comparativamente, região por região, a Inglaterra em relação à
e nas práticas políticas no período alto-medieval - e cerramence havia -, Dinamarca ou à Francia, a Francia em relação à lrália ou ao Egito, a Itália
as capacidades dos agentes políticos diminuíram consideravelmente, e as em relação à Espanha ou à Síria. Cercamente, essas interpretações serão
l11ltmlt11i,11,

retomadas cm cerco capítulos de te livro, principalmente nos c.ipkulos 8 .oflH'\·Hc:mo:. pd lmpéri Koman aind,.1 próspero, mas ap ·na, p, ra
e 14, e permanecem subjacentes na demais partes. Mas aqui os objetivo , 1,1hc:lc ·cr os dcmcntos constitutivo com o quais as entidades políci-
são outros. Em primeiro lugar, oferece-se uma narrar:iva política do perío- ' .,, J \~-rom:in. inevitavelmente tiveram de con truir seu ambiente":
do, composta, tanto quanto possível, pelo recentes avanços na história , ,.. t.i.menre nã para lamentar o eu fraca soou para apre encar um mo-
cultural. O ambiente sociaJ e cultura! (incluindo o religioso) denrro do .Ido .1 tJUC o e tados sucessores não conseguiram fazer jus. Aqui, assim
qual homens e mulheres fizeram escolhas políticas constituiu um ponto , 111110 em rodas as oucra sociedades discutidas, eu tentei olhar para as
de observação importante em cada um dos capítulos desce livro. Esta obra , ,.-olha políticas sem retrospect iva. Algumas figuras políticas, de fato,
pretende ser compreensível também para pes oas que não sabem nada so- f11 eram escolha terríveis (como quando Aécio permitiu que o vânda-
bre o período, uma época que tem pouco nome conhecidos do grande los comas em Cartago, em 439, ou quando os sucessores de al-Mansur,
público que os toma como pouco confiávei . Eu queria, no encanto, não 11 ,1 E panha, desencadearam a guerra civil, na década de 1010, ou calvez
só apresentar Carlos Magno - ou Erelredo II, na Inglaterra, ou Chindas- quando Luís, o Piedoso, de entendeu- e com seus filhos, em 830, na
vinro, na Espanha, ou Bnmilda, na Francia austrasiana, ou o imperador Fr.rncia [cf. capítulos 3, 13 e 15]), e colhas que tiveram consequência
bizantino icéforo li Focas, ou o califa al-Mamun -, mas explicar o mun- ruins para as estratégias políticas que tentavam promover. Porém, em
do político-culrural no qual cada um ddesoperava. Esse interesse reflete a l:ada caso, fizeram isso dentro de uma estrutura socioculcuraJ que tinha
historiografia recente, é claro. Também significa que há menos a ser dito ~t'ntido para elas, e é isso que procuro recuperar, ao menos fugazmente,
sobre a maioria camponesa do que deveria, embora os carnponese este- no espaço à minha di posição.
jam longe de estar ausentes. Por outro lado, e este é o egundo objetivo, Acima de cudo, busquei evitar a teleologia. Toda leitura sobre o
busca-se que esras análi es sejam compreendidas em um contexto econô- 1rnpério Romano no século V que se reduza aos facores que levaram à sua
mico, derivado ramo da arqueologia quanto da história dos documentos. Jis olução; ou sobre a Francia merovíngia que se limite ao que favoreceu o
É crucial para qualquer encendimemo sobre as escolhas políticas ter em poder e as ambições de Carlos Magno; ou ·obre a atividade papal do século
conta que alguns governantes eram mais ricos do que outros, e que algumas X que se preocupe apenas com o que conduziu à "Reforma Gregoriana"; ou
aristocracias eram mais rica do que outras; consequentemente, sistemas ~obre o dinamismo econômico do mundo árabe que e pergunte somente
polícicos mai complexos tornaram-se possíveis. Algumas história polí- pela sua (suposta) substituição por comerciantes e produtores italianos e,
ticas tradicionais colocaram no mesmo nível as ações dos reis de Irlanda, posceriormenre, norte-europeus será uma falsa leitura do passado. Somente
Inglaterra e Francia, dos imperadores bizanrinos, dos califus e do impe- poderema e capar dessa armacWha se tentarmos olhar diretamente para
radores romanos: mas elas não estavam. Tratava-se de uma hierarquia de cada pedaço do pas ado a partir de sua própria realidade social.
riqueza, em que esces últimos se encontravam em um extremo oposto aos
mencionados primeiramente em relação aos recursos e às complexidade ....
das estrururas estatais nas quai eles operavam. Essas diferenças estão por
trás, inclusive, dos problemas mai resolutamente político-culturais: a per- Com base nesses princípios, analiso, por ordem, o império Roma-
seguição visigótica aos judeus, a controvérsia iconoclasta, ou o papel dos no e sua queda no Ocidence (Parte I); as entidades políticas imediatamen-
intelectuais na Francia do século IX. te pós-romanas na Gália, na Espanha, na Itália, na Britânia e na Irlanda
O terceiro objetivo consisce em olhar para o período entre 400 (Parte II); a história de Bizâncio apó a crise do século VII no Império
e 1000, e todos os subperíodos dentro desse longo espaço de cempo, se- Romano Oriental, o califado árabe e os seus esrados sucessores do século
gundo seus próprios termos, sem conferir muito peso ao que veio antes X tardio, incluindo al-Andalus, isto é, a Espanha muçulmana (Parte III);
ou depois, de modo a evitar as grande narrativas criticadas no início. e, posteriormente, retornando ao Ocidente latino, o Império Carolíngio.

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eus t:Scados sucessores e seu principal imitador, a Inglaterra, e a varieda- forma demasiado liccra.1.1 so talvez eja mais fácil de perceber n;lS nar-
de de entidades políticas setentrionais, da Rússia à Escócia, que e criSta- rativas de evencos, em histórias, carcas, vidas de santos ou testemunho
lizaram no último século do nosso período, incluindo um olhar em suas de processos judiciais, que são obras de autores individuais com agendas
aristocracias e campesinatos (Parte IV). !aras, e uma série de preconceito moralizantes que ele rendem a exibir
Cada uma dessas partes é analisada comparativamente, à luz de forma clara para o leitor. O mai copioso de todos os cronistas alto-
do que outra sociedades fizeram com os mesmos ou similares recursos, -medievai , Gregório, bispo de Tours (m. 594), que escreveu uma longa
mas acima de tudo em termos de ua própria realidade, o que deve ser o história, principalmente de seu próprio século na Gália franca, e também
pomo de partida de rodo o nosso trabalho. Há muiro menos evidência numerosas vidas de sancos, era um arivo agente político ao longo de sua
para a Alta Idade Média do que para a Baixa - às vezes ela é tão pequena vida, com claros gostos e desgostos por seus contemporâneos régios (cf.
que mal podemos reconstruir uma sociedade (a Escócia é um exemplo); capítulo 4). Ele também era um aristocrata de alto nível e muito esnobe,
as razões para isso constituem um objeto de estudo interessante, porém além de ser - como bispo - um moralista profissional, tendo a respon-
uma cuidadosa crítica às fontes pode, em muitos caso • permitir-nos fazer sabilidade de incentivar, persuadir ou amedrontar seus contemporineos
diversas inferências; as páginas seguintes são apenas um breve sumário a evitar o pecado. Temos de ler tudo o que Gregório diz com esses de-
daquilo que poderia ser diro sobre o assunto. mentes em mente - elementos que ele não esconde de nós - ainda que a
A escrita da história da Alta Idade Média é uma lura permanente maioria do historiadores, de faro, o faça. Trabalhos recentes, no entaD-
com as poucas fonte di poníveis, uma vez que os hisroriadores temam, co, também alientaram a habilidade literária de Gregório, que emprega
repetidamente, extrair variados relatos históricos a partir ddas. Por esse padrões ocultos em suas anedotas aparentemente simples; e, além disso,
motivo, poucas coisas (e, de fato, poucas de grande interesse) são geralmente tais crabalhos analisaram os limites que, percebidos em forma menos
aceitas sem discussão. Mais do que em outros, nesse período é muito vi ívd conscienre, os gêneros nos quais ele escreveu impuseram ao que ele era
a recriação de seus historiadores; e nas notas de pé de página presto uma capaz de escrever ou à maneira como ele era capaz de descrever as coisas.
homenagem a essa recr.iação coletiva, tanto quanto me permite o espas;o. No Além disso, cercamente, à maior parte do que Gregório nos conta diz
entanto, a poÜtica editorial da coleção em que este livro foi original mente respeiro a fatos que ele não testemunhou pessoalmente; portanto, temos
publicado obrigou que as referências bibliográficas fossem prioritariamente de especular sobre as estratégias narrativa e a confiabilidade de seus in-
em inglê ; dessa forma, as referências não inglesas são mencionadas apenas formante também. Todo "fato" que possamo excrair de Gregório deve
onde são absolutamente indispensáveis. Do me mo modo, rodas as fontes ser visco nesse conjunto de conce.xcos.7
estão citadas em tradução, quando ela existe. A historiografia de língua Com base nessas observações, pode-se concluir que não se deve
ingle a é mais proeminente neste campo do que o era em 1970, mas não acreditar em cudo o que Gregório diz. E, de faro, seria impossível refu-
é de todo dominante; mesmo assim, as referências em outras línguas po- tar tal conclusão: entre outras coisas porque, neste caso, a ausência de
dem ser encontradas em abundincia nas bibliografias das obras listadas. evidências sobre o seu período significa que Greg6rio é a Única fome
No entanto, ler as fontes nesse período (como em todo os ou- para a grande maioria de suas declarações obre a Gália do século VI.
tros) não é de modo algum um processo direto ou automático pelas ra- Não obstante, deve-se reconhecer que, embora todas as declarações de
zões descritas acima. Cada capítulo deste livro começa com uma vinheta, Gregório fossem fic(j'.óes - e ficljóe fabr icada , para fins moralizante
como uma introdução ao ambiente da sociedade ou sociedades a serem -, ele ainda escrevia em um e tilo realista. Em ourras palavras, quamo
ali discutidas, e estas também inrroduzirâo o leitor a algumas das ques- mais buscava moralizar a respeico de sua sociedade para uma audiência
tões levantadas pelas fomes. Mas, sobretudo, deve reconhecer-se desde à qual ele deveria convencer que aquele moralismo era conveniente (ain-
o início que não é prudente tomar qualquer fonte, de qualquer tipo, de da que fo se uma audiência futura, já que a principal obra de Gregório,
O lq1.,J11 uc lfo111.1 lh1111ln.111,l11 • 1.J,1d1 J , lln,", ' "" '' ""'

·ua Histórias, não circulou durance sua vida), mais ele tinha de ancorá- lu, VI e Vll (embora mcno cm períodos posteriores, e ainda m no no
-la em uma experiência reconhecível. Então, um rei ou rainha pode ou ,mind s bizantino e árabes) -, havia o problema de que o costume era
não ter executado o seu adve rsário de sa maneira criativa, um bispo pode 111111ro distinto a depender dos lugares, e um rei de Toledo ou de Pavia.
ou não ter comprado seu cargo e aterrorizado seu clero, porém esse é o 1 ·,p criva capitais da Espanha e da Itália Setentrional, quando muico só
ripo de coisa que as pessoas pensavam que o governantes ou os bispos onhcccria os costumes de sua região e apenas uma pequena parte de ses
poderiam muito bem ter feiro em sua ociedade. As narrativas de Gre- , mcumcs. A legislação é, de fato, mais bem-vista como um guia para as
g6rio, assim como rodas aquelas fomes similares, desde a Irlanda até o mcnres do legisladores, as im como o escrito de Gregório de Tours nos
Iraque, são utilizadas aqui, desta forma: como guias para o tipo de coisa informam, em primeiro lugar, sobre o que ele pensava. A leis interagem
que poderia acontecer - pelo menos na visão de mundo dos seus auro- 0111 e alimentam-se da realidade, as im como o fazem as narrativas de
res. Muitas vezes, nos capítulos que eguem, o detalhes desse raciocín io e, rcgório; não ignifica que não po sarno usá-las, ma que elas não âo
·erão omitidos; é impo sível, em escrever de forma ilegível, introduzi r ~uia desinteressados para o comportamento ocial real .
" e" e "ma " cada vez que uma fonte é uci lizada. Mas isso deve ser com- A maioria da outras categorias de textos alto-med ievais pode ser
preendido como subjacente a roda narrativa que é citada neste livro. Nes- .mali ada e criticada da mesma forma, maç devemo nos deter em uma ca-
te sentido, as fontes abertamente ficcionais, tais como os poemas épicos rc.:goria imporcance, os documentos legais - na maioria dos casos, relativo a
de heróis, ran1bém podem er utiliza.d as por nós, como, por exemplo, o doações, vendas ou arrendamentos de terra, ou com a finalidade de regiscrar
poema anglo~saxão Beowu!f, uma das no as melhores fomes acerca dos Ji puras formai , que normalmente aconteciam por causa da cerra rnrn-
valo re aristocráticos na Inglaterra. Os problemas que oferecem o uso de bém. Grande parte des es documentos, se não todos, refere-se a contrato
tais fontes não são diferences, quanto ao eu tipo daqueles envolvido no com validade legal; os processos judiciai que sobreviveram arribu.Jam-lhes
uso de Gregório de Tours; e, de faro, os historiadores que utilizam essas •ra nde importância, sempre que houvesse documentos disponíveis. Caso
fomes consideraram, muitas vezes, que e ses problemas deviam ser leva- esses documento sejam aceito como autênticos (e nem todos o ão; muita
dos em conta.
vezes só sobrev.ivem em coleções po teriore não como originais, e mui-
A legi lação apresenta um problema similar. Pode parecer óbvio to foram forjados), eles podem ser tomados, calvez rnai do que qualquer
que uma lei não descreve o modo de as pessoas e comportarem (pen e-se outra fome, como descrições de evento reais. Essa descrição não dei a de
nas leis sobre o limit e de velocidade), mas os hi roriadores da Alta Idade ser problemática; inclu ive um documento autêntico não deixa de er um
Média tiveram de enfrentar uma historiografia arraigada que p ressupõe texco altamemeestilizado, esrrururado por uma linguagem artificial, como
exatamente is o. A escrita moderna da hi tória provém de uma tradição são os documentos legais ainda hoje, aspectos que limitam aquilo que nde
hi tórico-jurídica, e, bem adentrado o século XX. as pe oas escreviam poderia ser dico. Mesmo que os envolvidos qui e sem descrever, compre-
história social, em parcicular, dando por cerco que, se uma lei promul- cisão, o que estavam fazendo (coisa que nem todos queriam; por exemplo,
gava algo, a população em geral lhe obedecia. Se, no encanto, isso não é alguma "vendas", na realidade, eram empréstimo~ ecreros de dinheiro,
verdade na ociedade atual. me mo com rodo o poder de coerção de que rendo a cerra por garantia), eles se encontravam rescritos ao jargão jurídi-
dispõe o nosso sistema legal. muito menos verdade devia ser na Alta Idade o que o seu notário escava acosrumado a empregar, e isso pode ter pouca
Média, quando o estado eram mais fracos {frequentemente, demasia- relação com as complexidades das práticas sociais locais. Mas pode-se ao
do fracos, de faro) e, em muitos lugares, era quase impossível encontrar menos upor - rribunai po ceriores upunham - que e e pedaço de cerra
populações que conhecessem as leis promulgadas por seus governantes. ·icuado na aldeia A, com cais e cais limites, arrendada por um agricultor
Ainda que um legislador qui esse apena descrever um costume vigente chamado B, que a cultivou, foi vendido por C a um indivíduo D po r um
- coisa que, às veze , se poderia dizer que ocorreu no Ocidente, nos écu- preço de E em denarii de prata.
Com caucela, aceitaria essa rara ilha de cc;rtcza. quci>tão é o qu • 11111 I" ·,1,u n pou a ,lti:nçáo. o encanto, a cscavaçõe ão, em aJ gu ns
fazer com da. Documenco isolados nos cLzem muito pouco. Precisamos I' , 1,1, , t w110 o docu mento de terra: podem dizer coisas confiáveis so-
de coleções de textos, que, junras, podem constituir um guia sobre quan- " 111,1.lo lc vid a do · indivíduos, porém é preciso que haja muitos sítios
tas pessoas possuíam terra em A, as dificuldades financeiras de C (ou da p 11 1 cl.ir wtcza da tipicidade, de padrões e de generalidades. A arquea-
categoria de pessoas a que C pertencia), o tamanho e o alcance geográfico i, •1.1 1.1111bém rcm eus próprios pomos cego : é possível descrever o tipo
das propriedades de D, e as diferenças na estrutura ocial ou no preço da 1 1 , ·"•'' c:m que as pessoas viviam, a comida que comiam, as tecnologias
terra encre a aldeia A e as aldeias F, G e H. Essas são coisas valiosas p ara ,1m 11,.wJ m, como funcionavam as disposições espaciais, qual a distância
estudar, caso renhamos material suficiente para fazê-lo (e, ocasionalmen- I" 1, nrrn.la pelos bens que possuíam; no entanto, não se pode dizer quem
te, nós o temo até mesmo para a A Ira Idade Méd ia). Mesmo assim, elas , 1 11 Jono da terra ou que rendas foram pagas por ela. Is o, contudo, cria
são apenas raios parciais de luz. Temos que nos comprometer com wn ar- 1 lll 111cno um equilíbrio com a história documental. No geral. a arquea-
,
gumento cuidadoso ances que possamos assumir que A ou D são dpicos i, ,~1.1 n s di z mais sobre as rdações funcionais, ao passo que a hist6ria nos
da região e do período que escudamos. Além russo, o documentos dessa ,l 1, 111, is sobre a causalidade; idealmence precisamos de ambas. E quando
época (a situação somente muda no século XIII) falam-nos exaustiva- 11.1111 as duas, devemos ce.r em mente que a cultura material também pro-
mente sobre a terra. Com exceção do .Egito, onde as concLções do deserto ,~ 1,1 ignilficado. Um ritual funerário é um ato público, e o que uma pessoa
ajudaram a conservar todo tipo de textos, apenas os documentos que tra- , nlerra no solo faz sentido p ara outras; do mesmo modo, o planejamemo
tavam da terra eram considerados importantes a pomo de er mantidos 11 16:mo, a arquitetura e a pintura mural, e o de enhos em metalurgia e
a longo prazo, exceto se ocorresse um acidente; as interações sociais por , rr. mica, todos transmitem significados, muitas vezes intencionalmente,
fora do campo de transações de terra permanecem obscuras. Além disso, , (lltc precisam ser decodificado e avaliado com o mesmo cuidado que u a-
mais uma vez, com a exceção do Egito, apenas as igrejas e os mosteiros d- mos para decocLficar Greg6rio de Tours. A arqueologia (como a história
veram trajetórias suficientemente estáveis capazes de conservar alguns de .l.i ar te) pode ver-se livre das limitações da narrativa, mas não se liberta
seus arquivos desde a Alta Idade Média até o ped odo moderno (de 1650 da resrrições da comunicação. Examinaremos essa quesrão no capfrulo 9.
em diante), quando os historiadores se interessaram por publicá-las. Isso Os tipos de evidências que remos para diferentes regiões da Eu-
significa que apenas temos noticia sobre a cerra que passou para as mãos 1opa, em diferentes períodos, atuam como outras formas de rescrição da-
da Igreja, seja na data dos diplomas que temos, ou como resultado de ~uilo que podemos afi rmar sobre cada uma. A Inglaterra do século Vil
doações de propriedades à Igreja fei ras posteriormente e que vieram jun- está documentada, sobretudo, em narrativas da Igreja, com um punhado
to com suas escrituras, para comprovar a titularidade. Esses são diferen- d leis e documentos de terra, confrontado com uma vasta arqueologia
ces tipos de limitações obre as estrarégias narrat ivas dos escritores, mas, cemiterial e uma mais limitada arqueologia de asse ntamento; temos con-
mesmo assim, todas elas são limitações, e nós temos de estar cientes delas d ições de conhecer razoavelmente os va lore eclesiásticos e a dinâmica
também. No capítulo 8, cLscuriremos melhoro que podemos fazer diante política, e também a tecnologia e a e crarificação social, mas conhecemos
dessas limitações específicas. muito menos os valores aristocráticos e as estruturas políticas. Após a
As evidêncías arqueológicas e materiais estão livres das .restrições d écada de 730, na Inglacerra, as narrativas e as lei praticamente desapa-
da narrativa. De faro, os arqueólogos, por vezes, depreciaram as fontes es- recem por mais de um século, assim como ocorre com os cemitérios, mas
critas (essa foi urna tendência da década de 1980, em particular), as quais remos mujto mais documentos e tam bém escavações urbanas; podemos
preservariam apenas as atitudes das pessoas letradas e, ponanco, rescritas afirmar muito mais coisas sobre o estado e sobre as relações econômicas
às elites, enquanto as escavações e investigações arqueológicas trariam à mais amplas, porém muito menos sobre como reis manipulavam seu am-
tona a vida real, com frequência a dos campesinos, nos quais os rexros es- b iente político a fim de aumentar o seu poder ou fracassavam ao fazê-lo;

c;,1
como re ulcado. imponance qucscõcs1i córic:i, p rm:int•cem um mbt ! Nota
rio, como, por exemplo, o fracasso da .1ércia em manccr sua domina ,111
) , .rncorc~ Jc escudos b&. icos atuai . pubLcados cm inglês, que trabalham com o
centenária sobre a 1nglatcrra Central ,Meridional, duramt: e após a de lllM<l período, sãocirados no corpo do ce,cro desta Introdução. Para inrroduções ini-
cad~ de 820 (cf. capítulo 18). No geral_os clérigos mantiveram uma pr • 1J i\ ao material de fonces documentais, assim como para sínre es básicas, século por
duçao conscanre de textos locais de dierentes tipos durante roda a Al r,1 n; ulo, existem cinco grandes hist6rias coletivas da Cambridge que ão um pomo de
1uforência essencial: CA H, vols. 13-14, eNCJvJ.H, vols. 1-3. Todas foram publicadas
ldadeMédia, graças aos quais podemo:conhccer o que pensavam os eck-
.!c:poi s de 1995. Não há um equivalente para a arqueologia. Esses volumes também
siásticos (part icularmente o rigorisrai; ma apena em alguns períod , tlt i, am de lado o mundo árabe, embora uma revisão da Camb,·id~ History oflsúim.
e lugares, os aristocratas laicos empentaram-se, realmente, em escrevei n il. 1, esteja prestes a ser publicada. A principal revista, cm inglês, para o período é
- o Império Romano cardio, a Franci.carolíngia, a Bizâncio do écalo ,, HME, que comelj'Oll cm 1992. O conjunto majs va to de fome macerial, cm cra-
Juçii.o. é a valiosíssima coleção virtual, cm permanente dcsenvolviment:0: <hrrp://
X. o Iraque dos séculos IX e X-, e é 9 a partir da! que podemos obccr
www.fordham.edu/ hal.sall/ book.hanl>; as traduções cosrnmam ser amigas, mas
conhecimentos diretos sobre a menralfade das elites políticas seculare .
,.io um cxcdentc: pomo de parcida.
E_ me mo cm unidades políticas indivfaais podemos no deparar com Sobre as identidades nacionais, cf. a excelente anilise comparaciva cncre a Britânia e
diferentes concentrações de macerial. (s imperadores otonianos do fi nal a Irlanda feira por T. M. Charles-Edwards, in: R. Evans (ed.). Lordship andLeaming
do século X t iveram duas bases de po~r. a Sax:ôn.ia e a Itália Serenrrio- (Woodbridgc, 200 ). PP· ll-37.
naJ; a primeira está documentada quas exclusivamente em narrativas; a A série The 1'ranefonnatio11 efthc Roma.11 J,Vodtl foi publicada cm 12 volume pela
editora Brill de leiden. Como grupo, são histórias notavelmente mais inovadoras
segunda quase unicamente em rículos d propriedades fundiárias . Assim,
mecodologicamcncedo que as de: Cambridge. Centram- ·e no Ocidente até o ano 800.
podemo d.i correr sobre as nuanças d intriga arisrocrárica e do ricual
Chris Wickham, Fr,zmin~ the Early Middle Ages (Oxford, 2005).
político, no primeiro caso, e sobre o alcnce da riqueza arisrocrática e de
obre a contcsrai;:âo :i concinuidadc!: B. W::ud-Perkins, 1be Fall ofRomeand the End
sua relação com o patronato régio, no igundo. Os ocon ia nos devem ter efCi11iliwtio11 (Oxford, 2005); cf. também A. Giardina, "Esplosionc d.i tardoantico",
lidado ramo com o rirual quanto com 1patronaro da terra em cada uma Studi storici, 40 (1999), pp. 157-180, e c.f., para uma pcrspectiva geral, C. Wickham,
das bases, mas não conseguimos caprai:omo isso acontecia. c.m Srmth Afric.an]ournal ofMedieval and Renaissance Studies, 14 (2004), PP· 1-22.
Nosso período apresenta semp: es es cipos de limitações, como 6 Perspcctivas gerais: R. Collins, Ear/y Medieval Europe, 300-1000 (Basing~rnke,
1991; edição revisada, 1999);]. M. H . Smith. E1<rope aft.er Rrrmc (Oxford, 2005),
também ocorria no mundo antigo. É tro encontrarmos novos textos;
com uma magnífica bibüogra.fia anotada: para escudos arqueol6gicos, R. Hodges
apenas a arqueologia irá expandir- e naS'fÓXimas décadas e poderá alterar & O. Whitchousc, Mohammcd, Charlemagne and t/Je Origins ofEurope (London,
segur~menre a balança na direção do qupode ser dito a partir do registro 1983); apesar de ter sido escrita faz muito tempo, continua sendo a única pers-
material. Escamo sempre limitados no t1e podemos dizer, inclusive sobre pectiva geral ignificativa. A história ocia1 é dominada por fontes cm francê : P.
Deprcux, Lt:s ociétls occidentales du milim d,. VI' a lafin du IX' siecle (Rmncs,
as elites, que são relativamente bem do~memadas nas fomes que traba-
2002); R. LcJa.n, La Sociétéd11 ham Jvloyen Áge (Pa.ris, 200J);J.-P. Dcvroey,Éco-
lhamos, sem mencionar a grande maíor. camponesa, cujo pomo de vista nomit mralr et société danr L'Europe.fi-anque {VI-IX sitcles) (Paris, 2003); Idem,
t: tão rarame~tevisív_cl (para uma parceldo que se pode saber, ver capícu- Puissants et mi,érables (.Bruxelas, 2006).
lo_s 8 e 21). Eis o motivo pelo qual um li\O como este abrange seis séculos, - .Encrcasabordagen· reccnrcs sobre Gregório, encontramos W. Gofforc, 71,e Narrators
na~ um ou dois, como acontece com os ,1tros da coleção. De rodo modo, ofBarb,iriafl History (A.D. 550-800) (Princecon, 1988); M. Heinzdmann, Grcgory
o(Torm (Cambridge. 2001): 1. Wood, Gregory ofTours (Oxford, 1994). e em Revue
cxistc'.n demasiados dado a ponto de nmos de selecionar, por vezes, de
belge de philo/ogi.e et d'histoirc, 71 (1993). pp. 253-270; K. M itchell & 1. Wood (ed.),
maneira um tanco i mplacávd. O que seg: é apenas uma pequena amostra The World ofGregory o/Tours (Leide1\, 2002).
do que sa~emos s~br~ a ~l ra Idade Méd. Encrecanro, da conrém aquilo
que, na minha op1ruao, e essencial que ssaiba.
s2 Auguscine, Co,ifessions, 9.9; Querolus, ed. e rrad. C. Jacqucmard-le aos (Pari~.
1994), e. 67.
SJ Augustine, Co,ifessiom, 2.3; 5.8.
S◄ CorpusfnscriptionumLatinnrum 6 I (Berlin 1876) n ]779 Aula3
, com tra d . pareia
· (e
;;~;;_;ª;;~
~ . , · , , .
em K. Cooper, The Virgin and theBride (Cambridge, Mass., 1996),
ss A.
r1ava, omen nnd Lnw; Bcaucamp, Le Statut, vol. 1.
w,·

s6 Auguscinc, Confassions, 3.4.


.,, GreekPapyri intheBritishMu.seum,cd.F.G.Kenyon&H.I. Bell 5 ( (L d
1893-1917), vol. 5, n. 1660. • vos. on on,
18 M . Dzidska, Hypntia ofAlexandria (Cambridge, Mass., 1995).
" Bea ucamp, LeStatut, vo.1 2, pp. 227-247; R. BagnalJ,Egypt in LateAntiquity (Prin- 3
ccton, 1993), pp. 92-99: 130-133.
60
Beauc~mp, Le Statut, vol. I, PP· 206-208; V. Neri, / marginali nell'Ocridente tnr- CRISE E CONTINUIDADE, 400-5501
doanhco (Ba_ri, l998), PP· 233-250. Sobre Teodora, nosso problema é que a única
fonte a respeito da_ sua carreira como atriz é Procópio (Prokopios], Secret History, ed.
.e trad. H. B. Dewmg (Cambridge , M as •• 1935), e. 9, que é uma denuncia
· retórica e
mdepe_ndenre: cf. L. Br~baker, "Sex, Lies and Texcualicy", in: L. Brubaker &J. M.
H. ~m•~ (ed.), Gende~ m th~Ear'!Medieval World (Cambridge, 2004), PP· 83-101.
61
Sena arriscado as_su m1r que: tsso, inclusive, tinha algum fundo de verdade.
62
E. A. Clark,A.icmr Ptety and WomenpsFaith (Lewiscon, NY, 1986), e p. PP· 175-208.
J. M.uH.· Smith, "Did Women have a Transformation ofche Roman w'orld>" ,.. d
J2 ( ) w, . , uen er
an d n.istory, .3 2000, pp. 22-41.
63 Clark, Women, pp. 56-62; 119-126. Em 25 de fevereiro de 484, Hunerico, rei dos vândalos e dos alanos,
6-1 B e governante das ru1tigas províncias romanas do norte de África, emitiu um
rown , Power and Penuasion, PP· 35-61 .
: R. Mathisen, Roman Aristocrats in Barbm·ian G,ml (Auscin, Tex., 1993). pp. 50-51. decreto contra a heresia "homousiana" (diríamos aqui católica) da popula-
Amm1anus, Res Gestae, 30.8; Sidônio: Letters, 1.11, e p. 11.12. ção romana de seu reino. Os vândalos eram cristão arianos, e. portanto,
consideravam as crenças da maioria romana incorretas o suficiente a pomo
de precisarem ser expurgadas. Hunerico, por consequência, adaptou a lei
do imperador Honório, de 412, contra os clonaristas de África - que tinha
sido uma grande arma católica nos dias de Agostinho - e a empregou con-
tra os próprios católicos. Hunerico foi explícito quanto a isso:

É bem sabido que devolver maus conselhos àqueles que os aconselharam é um


atributo de majestade triunfante e força régia... É necessário, e muito justo, virar
contra eles o que está contido nessas leis que foram promulgadas pelo impera-
dores de diversas épocas que, com elas, tinham sido induzidos ao erro. 2

A conduta de Hunerico nesse decreto e na perseguição que dele


se originou (a qual parece ter se aqu ietado após sua morte, em dezembro
do mesn~o a_no) era de um consistente debocht:: você fizeram isso por ado um cempo na Itália. A administração vândala pan :ce cer. ido quase
coma propria; porcanco, é apena jusco que i so eja feito contra você idêntica à administração romana da província de África e composta por
agora. Com efeito, toda sua preparação para .isso era um eco delibera- africano (no máximo, eles devem ter adorado o códjgo de vesümenras
do da década de 410. Honório, em 410, havia convocado uma conlatio vândalo); a moeda era uma adaptação criativa de moddos romanos; os reis
um debate formal, encre bispo donatistas e católicos, que oco.creu em apücavam os rributos como os romanos tinham feito e, por consequência,
Cartago, em junho de 411; grande parte de suas atas sobreviveu, e elas as elítes vândalas acumulavam grandes fortunas, que gaseavam à manei-
apresentam uma impressiona.me mistura de jogos de poder cerimoniais, ra romana, em Iuxuo as residências urbanas e igrejas, corno nos contam
argumentações e injúrias, seguidos por um julgamento comra os dona.- tanto as fomes escricas quanto as arqueológicas. A arqueologia, de faro,
tistas, e, então, pela repressão, um ano depois. O clonaristas deviam sa- indica poucas mudanças na maior parte dos aspectos da culmra material
ber qu~, provavelmente, algo estava sendo armado concra eles, e quando, africana em rodo o éculo vândalo. E, é claro, ua perseguição rcligio a
e_m maio de 483, Hunerico chamou os bispos caról icos para um debate era inceiramence romana. Queros povo conquiS1:adores germânico eram
similar, em Cartago, em fevereiro do ano eguinte, estes certamente sa- também arianos, notadameme os godos, como vimos, mas de viam sua
biam o que estava por vir. Os clonaristas, em 411, e os católicos, em 484, religião, na maior parte, corno uma demarcação de sua própria identidade
tentaram evitar a discu são apresentando ummanifesco, mas Hunerico. vis-a-vis a sells novos súditos romanos, que podiam continuar católicos.
e acreditarmos no relato de seu fervoroso rival, Victor de Vita, já tinha Apenas o vândalo assumiram que sua versão do cristianismo deveria
preparado seu decreto, encurtando assim o debate. Se isso for verdade ser a universal e que as outras deveriam ser extirpadas como os próprios
foi O único desvio de Hunerico em sua reencenação do drama honoriano: romano fizeram: daí então o com negativo dos relaco contemporâneo ,
Hunerico gostava de ser um imperador romano no modo de perseguir, que são todos escritos por católicos.
uo por aro, e os católicos sabiam bem o que ele estava fazendo. Assim, é possível ver os vândalos como uma versão dos próprios
Os vândalos de África representam um paradoxo que é resumido romanos. Na verdade, eles poderiam ser vistos como um exército renega-
por essa e~p!icação.3 O us~ moderno de seu nome mostra a má reputação do que tomou o poder em uma provinda romana e a administrou de uma
~ue eles Jª ttnham, manifestada, principalmente, no polêmíco relato de maneira romana; embora os vândalos nunca tenham sido tropas federa-
Victor sobre sua craeldade e sua opre são. A maior parre dos relatos con- das imperiais, eles se assemelhavam bastance a ela , e qualquer wn reria
:emporâneos sobre os vândalos era real.mente negativa, do testemunho dificuldades para idemincar algum elemento nas suas práticas políticas
JcL<lar de Possídio sobre a chegada violenta desses grupos à África, em 429, ou sociais que tivesse raízes não romanas. Mas estaria.mos enganados caso
1s críticas do historiador romano-oriental Procópio ao seu estilo de vida
pensássemos que nada mudou quando Gen erico entrou marchando em
uxurioso, no momento da reconquista romana de 533-534. Sob O coman- Cartago. Houve duas grandes diferença . Em primeiro lugar, os vândalos
fo de seu mais bem-sucedido rei, Genserico (428-477), pai de Hunerico governaram a África como uma aristocracia fundiária militar, que conti-
- que os levou da Espanha para a Numídia, e, depois, em 439, a Cartago nuava a ver-se como etnicamente d istinra. Exércitos romanos que tomaram
: ao ce11cro cerealista afocano -, seus navios (ex-navios graneleiros, sem o poder antes do século V comentavam-se em criar seu próprio imperador
lúvida) pil.haram a Sicília, conquistaram a Sardenha e saquearam Roma e retomar aos quartéis com ricos pre emes; mas os vândalos tornaram-se
:rn 455. Hunerico não foi o único rei a perseguir os católicos. Trasamun- uma elite política, ubstituindo e expropriando a aristocracia enatorial,
Io (496--523) fez o mesmo por volta de 510. No entanto, ao contrário do cm grande parte ausente (e, também, alguns proprietários romanos que
1ue se pode imaginar, há evidências que mostram que os vândalos acredi- viviam no narre de África, embora a maioria destes tenha sobrevivido).
avam ser muiro romanos. Todos aqueles dos quais temos notícia falavam Em segundo lugar, os vândalo · dividiram a infraestrutura mediterrânea
arim. Hunecico casou- e com a sobrinha-neta de Honório, e tinha pas- do Império tardio; eles tomaram o controle da maior província exporta-
dora de grãos e azt:ite do Ocidente, principal fornecedora de alimento cais eram rodo · regidos por uma tradição romana, embora fossem mais
da cidade de Roma. A comida costumava ser, em grande parte, fornecida militarizado , suas estruturas 6 cais estive sem mais fracas, tivessem me-
gratuitamente, graças aos impostos; no encanto, os vândalos eram autó- nos inrer-relaçõe econômicas, e suas economias internas se revelassem,
nomos e mantiveram a produção africana para si - embora estivessem muitas vezes, mais simples. Uma grande mudança havia ocorrido sem que
preparados para vendê-la. A espinha dorsal de impostos Cartago-Roma ninguém, em particular, a planejasse. O propósito desce capítulo é i.nves-
chegava ao fim. A população da cidade de Roma começou a diminuir tigar como es a mudança ocorreu - mas não de maneira recrospecciva. Os
vertiginosamente depois da merade do século V; no século seguinte ela acontecimentos do século V não eram inevitáveis, t: não foram percebidos
provavelmente caiu mais de 80%. 4 E um grande rombo apareceu no cui- como tal pelas pessoas que os vivenciaram. Ne se período, ninguém via
dadosamente balanceado sistema fiscal do Império Ocidental; os roma- que o Império do Ocidente estava "caindo": o primeiro autor a especifi-
nos enfrentaram uma crise n cal. justamente quando mais precisavam camente datar seu fim (em 476) foi um cronista residente em Constanti-
gastar com as tropas. Não rer previsto que Genserico tomaria Cartago nopla, MarceUno comes, que escreveu por volta de 518.5 Vamos olhar para
apesar de um tratado firmado em 435. é indiscutivelmente o principal esses eventos em quatro divisões cronológicas: até 425, até 455, até 500 e
erro estratégico do governo imperial no século V: foi o momento em que até 550, de modo a cencar fixar quais foram as principais mudanças, ma
o desmembramento político do Império Ocidental. pela primeira vez, se também as permanência , em cada um desses estágios. Depois, então, li-
tornou uma séria possibilidade. Daí os tardios mas intensos esforços para daremos com a questao do significado dessas mudanças. 6
recapturar a África em 441,460 e, especialmente, a grande mobilização Honório e Arcádio não tiveram nenhum tipo de protagonismo
de 468, que falharam desastrosamente, apesar de a força militar vândala político, nem tampouco seus sucessores no cargo imperial, e somente por
não ser, até onde se pode observar, inusitadamente grande. No final, are- volta da década de 470 govérnantes eficazes voltaram a ocupar posições
conquista em 533-534 foi fácil; mas o Império Ocidental, nesse momento, políticas supremas. Outros governavam através deles. No Ocidente, o ho-
já deixara de existir. Não obstante o fato de serem muito romanizados, os mem force, no início do século V, era Estilicao, comandante militar (magis-
vândalo foram agentes de grandes mudanças. ter militum praesentalis) dos exércitos ocidentais desde 394: um poderoso
Essa é a característica-chave dos acontecimento do século V, pelo negociador, como ele precisava ser. Durante o tempo de sua influência, ele
menos 110 Império Ocidenral. Repetida vezes os exérciros "bárbaros» enfrentou Alarico, rei dos godos (ccrcade 391-410), que tentava estabelecer
ocuparam províncias romanas, as quais eles administravam de manei- um local permanente para seu povo. O grupos godos entraram no Império
ras romanas; nada mudou, mas cudo mudou. No ano 400, os Império pda primeira vez em 376 (como vimos no capítulo 1); após sua vitória em
Romanos, Ocidental e Oriemal, eram gêmeos, governados por irmãos Adrian6polis, em 378, eles foram deixados em paz, na década de 380, na
(Honório e Arcádio, os dois filhos de Teodósio I, que governaram entre Iliria e na Trácia, os Bálcãs modernos. Alarico foi o primeiro chefe godo
395 e 423 e 395 e 408, respectivameme), com pouca diferença estrutural a servir, com seus próprios seguidores, em um exército romano, sob o co-
entre eles e, como vimo no capítulo 1, nenhuma fraqueza interna funda- mando de Teodósio, em 394. Porém, es e acordo militar deixou de existir
mental. Em SOO, o Oriente quase não tinha sido alterado (na verdade, ele por volta de 396, e o godos de Alarico (referi mo-nos ades como visigodos
t:Stava passando por um boom econôm ico), mas o Ocidente se encontrava para evitar confusão com outros grupos góticos, embora eles não se cha-
dividido em meia dúzia de grandes seções: a África vândala, a Espanha massem assim) passaram duas décadas tentando reconquistar, pela força,
visigótica e o sudoeste da Gália, a Burgúndia (sudeste da Gália), o nor- uma posição de reconhecimento no Império. Eles atacaram a Grécia, em
te franco da Gália, a Itália ostrogótica (incluindo a região dos Alpes) e seguida se moveram para o norte, e adentraram a Itália Setentrional, em
uma série de unidades autônomas menores na Britânia e em ourras zonas 401. Esrilicão os derrotou e empurrou-os de volta àlliria, em 402, mas eles
mais marginais em outros cantos. Os maiores sistemas políticos ociden- retornaram em 408. Nesse momento, eles não eram os únicos "bárbaros"

11,1 ns
(1 \ l'\ttl\lt ITI t1

e for ou o grupo "bárbaro~" a chegarem ;1 um :icordo. 1> vhi1;0Jo _Jc


dentro do Império; outro grupos, provavclmcnce persuadido~ J Lcnt;11 .1
Ataúlfo eram, a sim como os cxér icos romano ·, dependentes d s graos
sorce do o urro lado da fronteira, d vido ao cresci menco do poder do~ huno,,
Jo Mediterrâneo, e o romanos os bloquearam acé ua rendição em 41 •
entraram durante a mesma década . .Em 405, um cx.frcico composto por
. 17; ele acabaram lutando a erviço do romano contra o vândalo na
maioria gótica. liderado por Radagaiso, acrave sou os Alpes pelo norte, 11,1
E panha - que foram parcialmente destruídos em 417-418-até que, em
direção da Itália; Estilicão os derrocou e os destruiu nos arredores de Fio
rença, em 406. Para rudo isso, Est.ilicão preci ava ele um exército maior d
418 finalmente se esrabeleceram no arrcdoce de Toulouse. Con râncio
cas~u-se com Gala Placídia, a irmã de Honório que anteriormente tinha
que aquele que a Itália po uia - especialmente por<jue ele mesmo também
ido ca ada com Ataúlfo, e rornou- e coimperador, pouco ames de sua
pretendia fazer da Ili ria parte do Império Ocidental, e não do Oriental . ,
morre cm 421. As rivalidade militares continuaram, mas a crise e acal·
por is o deslocou tropas da fronteira do Reno a fim de upri r es a necessida-
mou. Poc volta de 425, após uma uces ão di purada, Valentiniano III. so-
de. E a decisão foi provavelm nte um erro, poi eguiram• e uma inva ão
brinho de Honório e filho de Constâncio e Pladdia, tornou· e imperador
de tribo da Europa Central. üderada pdos vândalos, que arrave aram o
Reno na véspera do ano•novo de 406; uma irrupção na Gália Ocidental e do Ocidente (425•455), rendo sua mãe como regente.
0 Oriente enfrencou meno trauma durante es e per (odo. O Bál-
dcpoi (409) na E panha, que não encontrou quase neohwna re i tência;
cãs eram um dimico müitar, que empre foi a parte mais invadida do lmpé•
e também, em 407, outra inva ão da Gália, dessa vez por um u urpador,
rio Oriental; também ofreram ataques huno na região, ramo antes quanto
Constantino III (406•411), no comando do exército da Britânia romana.
depoi · da salda do godo. Mas Constanrinopla, na bordado Bálcãs, ~
Diante de a múltiplas cri es, começ:i.ram a correr boatos e eramas contra
bem defendida, e a riqueza do Oriente e encontrava no Levante e no giro,
Estilicão e, após um motim, de.: foi executado cm 408.
bem distante da fronteira norte. Acima de tudo, a Pérsia sas inicia. c:radicio-
E tilicão foi derrubado por problemas que não eram inceiramence
nal inimiga dos romano · no Oriente, esteve em paz com o lmpério por qua-
de sua própria responsabilidade; o governo ocidental, logo :ipós sua morte.
se rodo O éculo V, pcovavelmence por enfrentar eu próprio problemas
cometeu muíto erros. Estílicão tínha origem meio vàndala, e era con i•
cm outros lugares, o que garanri.u ao Império do Oriente uma grande segu·
derado por alguns como demasiadamente favorável ao "bárbaro"; aque-
rança e crarégica. A~ politica orientais eram com frequência m,:nulcua~ •
les que estavam cm eu exército italiano foram massacrados ou pa saram
às vezes violentamente, como no caso da histeria "ancibárbaros , na capital.
para o lado de Abrico. E te era dominante na lrália, em 408•410, mas os
que, em 400, desrruiu o 11111.gister militum Gainas e, logo ap6 , também seu
romanos não faziam acordos de paz com ele de forma perdurável, apesar
rival Fravira, uma ancecipaçáo do destino de Estilicão no final da década.
de ele ter itiado Roma por crê vezes. No final, de saqueou Roma em 410,
Mas, por e sa época, a maioria do chefe político do Oriente era compos·
cm um evento que chocou o mundo romano da mesma forma que o 11 de
ta de civis e não oldados, que governavam em nom de Arcádio e de seu
Setembro de 2001 chocou o E cado Unido , um grande e perrurbador
igualmente inaávo filho Teod6sio 11 (408-450); e, realmente, nesse ~ríodo
golpe ímbólko em sua autoconfiança; mas i so não teve outras rcpercu .
as imperatrizes eram particularmente proeminente cm Con_stan:mo~la,
õc e foi apenas um pas. o na longa jornada dos vi igodos rumo ao seu
como Eudóxia, a esposa de Arcádia, em 400-404, e Pttlquéna, a 1rma de
assencamenco. O godo tentaram ir cm direção ao sul, para a África, no
Teodósio, nas décadas de 410-420. Cada uma delas, entre outros ato , der-
cnranco acabaram indo para o norte e adentraram a Gália, sob eu novo
rubou ambicioso e inflexiveis patriarcas de Constantinopla. João Crisó -
chefe Araúlfo (4J0.415); lá eles encontraram uma confusão ainda maior
como, em 404, e Ne rório, em 31, re pectivamente.~ 1s o por si s6 mostra
e ajudaram a aumentá-la, poi , em 411 havia quatro imperadore rivais,
que o Império Oriental estava desenvolvendo um e tilo poHtico difere~ce
a maioria deles protegido por difcr nces grupos "bárbaro ". Lemamente,
daquele do Ocidente: o patriarca de Constantinopla, apenas e ·ta~elec1do
os exército romanos legitimi tas reagruparam- e ob um novo m11.gister
em 381, já era um protagoni ta nas poli ricas se.cu lares de uma maneua que o
militum, Constâncio ( J 1--421), que derrotou o usurpadore um a um
., ~ 1 ,-.u U l\llÍ

tinho foi, d faco, ·uidadoso cm não ambuir Jcmasiada importân ia ou


fY.IPª• em Roma, não cria ainda capaz por mai um . écul . foro de qrn .,
lon cvid. de ao grande e.xperimcruo imperial romano, poi a cidade ele -
Império Ocidental era governado a partir de Ravena, e não de R.; ma, ''Hill
rial é eparaJa d forma política terrenas. Apes:i.r dis o, seu livro ai~-
ficava que as políticas citadinas de Roma tinham se tornado mcno · cc:m r, 11\
da pres upõc uma considerável confiança no futuro imperi~. O própn_o
para de; a importância do concilio eclesiásticos e do debate doucri, ,m,
mundo poderia acabar, é claro, e Agostinho acreditava que 1s o ocorreria
como um núcleo de unidade e dissensão, também era maior no Oncnu:.
cm breve., mas não há.indicações aqui de que qualquer pessoa e pera se ou
dando ao bi pos, em geral, mai voz política do que teriam no Ocid mr
nes e momento. A relação Igreja-estado também permaneceüa muito m.m temesse o fim do Império.
As coisas mudaram na geração eguinte, por volta de 455. No
íntima no Oriente no futuro, exceto. muito tempo depois.. durante O pcrío
Oriente, a política ficou calma, exceto pelos regulares ataques huno~ no
do carolingio, no Ocidente, como veremos no capitulo 16.
Bálcãs. E se período foi marcado pela ambiciosa compÜação das lets em
Em 425, o Oriente encontrava-se e távd e tinha começado a lon ,1
vigor no Império, que se chamou Código Teodosiano. finalizada e.'.11438; 11
recuperação económica que iria continuar até o final do século VI e O inl io
essas eram leis orientai e ocidentais (muitas delas parecem rer ,do cok-
do VII. o entanto, o Ocidente também tinha alcançado, após décadas de
tadas na África), mas foram compiladas em Consrantinopla e receberam
turbulência, uma considerável e tabilidade. A maioria das fronteiras ainda
0 nome do imperador do Oriente. Tal período também foi marcado por
era guardada por tropas romanas. Havia grupos "bárbaros" assentados no
dois concílio cdesiásàcos deci ivo : o de Éfeso. em 431, e o de Cakedô-
Império, é verdade, separados da hierarquia müicar romana: os visigodo ,
nia, cm 451, como vimos no capítulo 2, embora uas defini~õcs renham
entre .Bordeaux e Toulouse, e os remanescentes da confederação vândala,
sido alcançadas à custa de alienar grandes se.cores da comunidade cristã,
no oeste da Espanha, os suevos no norte e os vândalos a dingos no sul;
do Levante e do Egico, que se úram estigmatizado como hereges mono-
mas rodo res haviam sido derrocados, e pelo meno o visigodos escavam
6.sicas. Pulquéria foi uma articuladora de destaque nos bastidores de cada
em uma aliança formal de federação com Roma. 8 Apenas nas província
um desse concilios. Ela teve um papel relarivam nte pequeno na corte, en-
etenrrionais do oeste, ao norte do rio Loire, a situação ainda era in tável.
tre ambo os concilio , e peci.almente no ano 440, ma , com a morte de
A fronrcira mais ao norte da Gália foi cada vez. mais povoada por francos,
Teodósio ll, lançou eu uces or, Marciano (450-457), ao se casar com ele,
vindos da outra margem do Reno; no noroe te havia revoltas camponesas
e foi novamente influence até sua morte cm 453. O concilio de Calcedô·
intermitem s, de grupos chamados bagaudae, que começaram a confu ão
nia, em particular, foi um momenco decisivo, mas o faro de que a poHtica
nos ano 410 e continuaram até 440, presumidamence uma reação exaspe-
do Oriente dependia des as grandes reunióe eclesiásrica mai do que da
rada contra a taxação conrínuaem tempos de fracasso militar;9 e a Britânia
havia sido abandonada pela administração romana apó 410. Entretanto, guerra fala por i me mo. ..
O Ocidente conheceu mais problemas. Os chefes mil1cares lutaram
e as áreas eram ainda mais marginai para o Ocidente do que o Bálcãs
em nome do jovem Valentiniano, porém Aécio, que tinha sua ba e na Gá-
para o Oriente. Oró io, um apologista cristão que e crevia na Espanha,
lia, obrepôs- e a ele , em 433. Aécio governou o Ocidente como magister
em 417, já podia usar o clichê de que "os bárbaros, relegando suas espa-
militum até 454, mas seus interesse permaneciam na Gália.U A responsa-
das, volraram-se para seus arado e agora valorizavam os romano como
bilidade por deixar os vândalos tomarem Cartago é essencialmente dele;
companheiros e amigos", e isso não pareceria uma vi ão fal a durante a
Aécio reagiu, mas de maneira ineficiente e demasiadamente arrasada. Sua
década eguince.w Nes e me mo período, entre 413 e 425 para ser exato,
principal preocupação eram os vi igodos, a quem ele, ao menos tempora-
Agostinho escreveu sua monumental obra A Cidade de Deus, inicialmente
riamente, pacificara em 439. Outros grupo ubárbaros" na Gália também
como reação ao saque de Roma; não era nem um cratado triunfante obre
foram persuadidos a aceitar a hegemonia militar romana, incluindo os
a vitória cri rã romana (como era o texto de Orósio), nem uma polêmica
alanos e O burgúndios, que foram as entado pelo próprio Aécio no vale
sobre o perigos enfrentados por Roma devido aos seus malfeitos. Agos-
-o-- ,-..u,uw IIIU lllf 1111

1mpério. no meio da planí ice.lo Danúbio, onJc hoic e a H_ungri., um


do B. ixoLoire e no AJco Ródano, rc::spectivameme, em 2-4 3. A .íliJ
ponto estrat gico para atacar ramo o B lcãs quanto o c:1dcnrc. las
permaneceu estável ob a h gemonfa romana, como resultado da aten ,io
eles não representavam um perigo em larga escala até qw: Átila (por v I-
de Aécio, apesar de ser inegável que mais grupos aucônomos e estabelece-
ra de 435-453) e seu irmão Bleda unificaram-nos e reforc,aram sua hege-
ram por lá apó sua morte do que antes. Do me mo modo, a Itália, cora•
monia militar sobre outro grupos "bárbaros", notavelmente o gépidas
ção do Ocidente, era na verdade meno ameaçada por invasões do que no
e aquela seção dos godo a que chamamo de osccogodo , por volta de
primeiros anos do século. Mas a Africa tinha sido perdida, como também
440. A década de 440 foi marcada por sérios ataques hunos em toda a
a Espanha logo que o vândalos a deixaram, m 429, passando principal-
direc,ões, culminando na grandes invasõe da Gália, em 4S1. e da lcália,
mente para o controle suevo, no ano 440; no enranco, aE panha, corno
em 452. Entretanto, os hunos foram derrocado na Gália (Aécio usou o
vio10s, era bem menos e encial para a infraestrutura imperial. É na década
visigodos contra ele , do mesmo modo que anteriormente usara o huno
de 440 que cerno nossas primeiras indicações, na legi lação ocidenral, de
contra os godos) e recuaram da lcália, por razões pouco claras; em 453,
que a tributação-padrão era insuficiente para pagar as cropas imperiai , 0
Átila morreu ine peradamence, e, em 454-455, conflicos entre ·eus filhos
que prenunciava o aumentos de imposcos.13 O bagaudrte reapar ceram,
e os povos sujeitado a eles ocasionaram o rápido de manrelamento da
no norte da Gália, e depoi também no noroeste da Espanha, que era a
hegemonia huna. O huno eram aterrorizante por ser um povo desc~-
parce da Pen Insula Ibérica ainda sob controle romano. Por volta de 440,
nhecido, mas, na qualidade de ameaça militar direta ao romanos, nao
alviano de Mar elha escreveu um longo e in8amado sermão chamado
pa savam de um fogo de palha. O me mo ~ode _er_dito da co~ trução,
ohre ogoverno de Deus, que atribuía os fraca sos do romanos contra 0
por Átila, de um foco polltico alternativo as cap1ca1s do Império, o que
(obviamente inferiores) "bárbaros" aos seus pr6prios pecados: notadamencc
pare ia impre ionancc na época, ma. não durou muito mai que 15 anos.
a inju ta e exces iva ra:<ação, o entretenimento público e a permissividade
Pode igualmente er argumentado que o hunos ajudaram os romanos
exuat.1-t Esse é o tipo de coisa que pregadores cristão e.xrrernisra sem-
não apenas ao lutarem ao lado de Aécio, mas também como um~ for~a
pre di seram (e ainda dizem), e seu detalhes não podem er levado muito
de e cabilidade (o que resultou em menos movimentos populac1ona1s)
a ério; não podemos concluir, por exemplo, que a província ocidemai
para além da fronteira. Mas i so também não durou para além de 54.
realmente estavam endo destruídas pela alta tributação, e seria melhor ver
O lmpério Huno entrou em colap o, mas Aécio já esta a morto,
a obra de Salviano como uma prova da conánua eficácia do si rema 6 cal.
assassinado pelo próprio Valentiniano 111, em 454, que morreu um ano
Porém, é sem dúvida verdade que a visão que Salviano tinha do Ocidente
depois como consequência direta di o. Aécio eria posreriorment~ vise~
agora incluía os "bárbaro "como agentes polícicos estáveis, alrernaciva
como (citando aqui Marcelino comes) "a principal salvação do lmpé.no Oc1-
ao domínio romano, e o mesmo se aplicava aos bagaudae {embora este
dencal ", em grande parte porque era eu último comandante a transmitir
últimos fossem, na realidade, meno escávei , e desaparecessem de nossa
uma impressão de energia m ilicar durante um longo período de tempo. Seus
fontes por volta de 450· Aécio e seu aliados bárbaros os derrotaram). SaJ-
erro , principalmente na Africa, poderiam ser con iderados igualmente fa-
~iano pen!'3''ª que o romanos muit:lS vezes escolhiam ser governados por
tais. Mas a década de 450 ainda conheceu um cerco nível de estabilidade
bárbaro a fim de escapar das injustiças do estado romano. Is o prova-
no Ocidente. Ele agora continha meia dúzia de governo "bárbaros", com
velmente não era comum nos anos 440, mas já era po sível imaginar uma
os quais qualquer chefe romano teria de lidar, embora ainda mantendo
coisa des as; no Oriente, o historiador Prisco, ao discurir acerca do hunos,
uma posição de força: codos esses governos operavam segund_o as reg~as
ne a mesma época, escreveu algo parecido.
romanas e se preocupavam baseante com o lmpécio a fim de influenciar
Aécio, em uas campanha contra o visigodos e outros povo ,
ua escolha como governantes. lsso foi demon rrado na crise que sucedeu
dependia ba cante do apoio mi litar dos huno .15 Estes último haviam,
à morcede Valentiniano, quando Genserico saqueou Roma; Teodorico II
o mais tardar na década de 420, em sua maioria, e assentado fora do

ldl\
do. visigodo (453-466) per uadiu o eparcaÁviro - urn senador da Auvfr-
raJorp ra Ocídentc,ma ,cmvez<liss Jczo cn.1doromanoai ruma
nia, no centro da Gália, e um do cx-gc:nerai de Aé io, que no momcnco
petição, dirigida a Zenão, o imperador do rieme, em que afirmava que
c~rava cm uma nus ão diplomática para ele - a reivindicar o cargo impe-
apenas um imp rador era necessário naquele momento; Odoacro então
rial, e~1455. Ávico _não era nenhum fantoche, mas is o não fez diferença.' 6
governou a Itália em nome de Zenão, como patricius {patrício), um titulo
Ele nao durou mwto, rna ainda haveria espaço para que um governante
utilizado tanto por Aécio quanto por Rídmero, apc ar de que, deruro da
enérgico, no Ocidente, mantivesse ao menos a hegemonia de Aécio, e aré
Itália, Odoacro se aurointitulava rex, rei: 8
ra~vez recuperasse aquela de Con tâncio, se pudesse obter apoio logfsrico
O ano de 476 é a dara tradicional para o fim do Império do Oci-
onencal (algumas vezes disponível), e s tives e muita orte.
dente, com a derrubada, na Itália, do último imperador, Rômulo Augús-
Ma a sorte imperial não durou muito. As duas décadas egu in-
tulo, embora seja possível considerar o ano de 480, pois Júlio Nepos, o
res, que adentraram a geração seguinte, ão o período no qual o Ocidente
predeces or de Rômulo, governou a Dalmácia até então." Mas a Itália é,
finalmente se quebrou em pedaço .17 Ávico, claramente um gaulês candi-
na verdade a região do Império Ocidental que viveu meno alterações nos
dato ao Império, foi derrotado pelo exército italiano ob o comando de
ano 470, já que Odoacro governava ao modo de Ridmero, à frente de um
Majoriano e Ric/mero, e este primeiro se tornou imperador (457-461). Ma-
exército regular. A Itália não experimentou nenhuma invasão ou cooquista
joriano teve o trabalho de obter tamo o reconhecimento oriental quanto
até489-493, com achegada de Teodorico Amaloe cu o rrogodos,porém
o suporte dos aliados gaule es de Ávico; rnmbém emitiu uma legislação
Teodorico (489-526) governou da maneira mais romana possível. O fim do
que mo tra suas aspirações reformista . Mas, e ele foi enérgico, certa-
Império foi experi meneado de maneira mais direta na Gália. O rei visigo-
mente não foi sortudo, poi Ricl mero, seu magister militium, organizou
do Eurico (466-484) foi o primeiro grande governante de um istema de
um golpe e mandou matá-lo. Ridmero, então, governou até sua morte,
governo "bárbaro" aa Gália - e o segundo no Império após Genserico - a
em 472, por meio de uma uces ão de imperadores praricamenre todo
ter uma prática política totalmente autônoma, sem inllui:ncia de nenhum
fantoches, apesar de Antêmio (467-472), uma figura militar do Oriente,
n:síduo de lealdade romana. 20 Entre 471 e 476. ele expandiu seu poder em
ter demonstrado uma cerra pre ença e autonomia, aré Rídmero e de-
direção ao leste, ao Ródano {e além, na Provença), ao norte, no encido do
e~tender e~~ ele. Foi Antêrnio quem organizou, junto com o general
Loire, e a ui, rumo à Espanha. Os godo já haviam lutado na Espanha
onental Basil1 co (cunhado do imperador Leão Ido Oriente), 0 grande
desde O final da década de 450 (inicialmente em nome do imperador Ávi-
ataque contra o vândalos, em 468, o que não foi apena um fracasso, mas
to), mas Eurico comandou, então, urna verdadeira conqui ta, que não e tá
um fracas o e pecialmenre caro. Depois disso, Ricímero concentrou-se
bem documentada, mas que pacece ter tomado todo o território (com ex-
na Itália, a qual de defendeu eficientemente, e deixou o resro do Império,
ceção de um enclave suevo no noroe te) quando de ua morte. De longe a
em grande parte, por ua própria conta, embora mantivesse ligaçõe com
mais bem documentada das conquistas de Eurico, apesar de não er a mais
o udesre da Gália arravés de eu genro, o príncipe burgúndio GundobaJ-
importante, foi a deAuvérnia, em 471-475, porque o bi pode ua cidade
do, que, durante um curto período de tempo, ucedeu a Ricímero como
central, Clermont, era o senador romano Sidônio Apolinário. 21 Sidônio,
o homem force do Império, ames de deixar a Itália para e tornar rei do
que era genro de Avito, e que tinha sido importante funcionário leigo para
burgúndios (474-516). É difícil conhecer Ricímero por meio das fontes,
ambos, Majoriano e Ancêmio, acabou sua carreira política sitiado em ua
que são hosti e vagas, mas não há indicio de que ele tivesse interesse
cidade natal, e nós podemos ver roda a mudanças política dos ano d
polícico e ambições que e escendessem para além da Itália; ele é um sinal
450 a 470 através de seus olhos. Defen or de uma aliança com o visigodos,
cla.ro de que os horizontes imperiais escavam encolhendo. Depois de mais
nos ano 450, pelo finaJ do 460 Sidônio tinha- e tomado cada vez maís
dois golpe de curta duração, Odoacro, efetivamente o próximo militar
ciente do perigos envolvidos, e hostil aos oficiais romanos que ainda lida-
supremo na1cáJia (4 6-493), não se preocupou em nomear nenhum impc-
vam com eles; cm seguida, na década de 470, podemos vê-lo de esperado
O k .111,, 11 • llon1J 1111111111111,tu ., ttl,odc d• lttVJ•, 1••• '"""

por qualquer ajuda adicional para Clermonr, e desdenho o do · envíados d, "i.mt:i •cnovcva a fim de cn onrraralim ·nro~ para Pari , provav ·lm ·ntc
itaüano que sacrí ficaram a Auvérnia para manter a Provença sob conrrol1: 11.1 ~fo:.ada de 70, ou com o· bi po que lidavam dir tamente com ló-vi~.
romano. Por volra de 480, como de relata, "agora que os ancigo grau de 110~ anos 4 ú. ui da Gália e cava muito mais bem organizado: os rei
hierarquia oficiai foram varridos ... o único slmbolo de nobreza passará vh1godos e burgúndio legislavam, taxavam, distribuíam grãos na região,
a ser o conhecimento das letras"; a hierarquia oficial tinha desaparecido, t·n1 pregavam oficiai civis romanos e criavam exércitos integrados de "bár-
apenas a culrura tradícional romana sobrevivera. lmros" e romano , que indulam generais romanos. Ma , em todos os luga-
Como epitáfio do Império Ocidencal, isso, de cerca forma, diz res da Gália, a últimas duas décadas do éculo V foram definitivamente
pouca coi a. E tá longe de ser claro que Sidônio entendia que Roma tives- pós-imperiai , no cnrido de que meia dúzia de governantes se enfrem:ou
se chegado definitivamente ao fim, e sua afirmação de que as hierarquias sem nenhuma mediação, nenhuma hegemonia distame baseada em Roma/
tradicionais haviam desaparecido é cercamente exagerada. Mas muita coisa Ravena na qual e espelhar. A Gáüa é a parte mais bem documentada do
escava mudando na Gália devido a rudo isso.22 As conquistas de Eurico Ocidente, no finaJ do éculo V, por is o podemos ver rnai claramence o
foram rapidamente alcançadas pelos burgúndios, ob o comando de Gun- que acontecia ali, mesmo que ela renha ido, indiscutivelmente, a região
dobaldo, no vale do Ródano, tendo a Provença como campo de batalha onde a mudança foi maior: maior do que na ltáüa, certamente, mas ainda
enrre esses dois povos e os o ·trogodos, nas décadas sub equences a 490. maior do que na África. onde a administração vândala, popular ou não, era
No norte, ainda havia exércitos que reivindicavam a auooridade de Roma, sólida e relarivamcnre tradicional. Todas essas regiões eram, no encanto,
sob a üderança de Egídio, ao redor de Soisson , de Arbogasto, próximo pó -romana também; a unidade e a identidade imperial eram, pdo ano
de Trier, e de Riotamo - general bretão - no Loire; mas Egídio não reco- 500, propriedade exclusiva do Oriente.
nhecera nenhum imperador de de Majoriano, e esses exércioo podem ser É preciso também reconhecer, ao discutir e ses n:inos pós-roma-
considerado unidades política independente , provavelmente fazendo no , que a transferência do governo romano era muitas vezes bem menos
uso de menos tradições romanas do que os godos e os burgúndios. Os reis organizada, ou rápida, do que as narrativas de conquista ugerem. Euglpio,
francos no norte, aliaram-se e competiram com eles, e o mais bem-suce- na Vida de Severino, nos dá uma amo tradisso. Severino (m. 482) era um
dido desses, Clóvi de Tournai (481-511), começou a conquistar ranto o homem santo, no Noricum (arual Áustria), durante os anos 470, numa
reinos francos rivais quanto as terras dos generais romanos. época em que a fronteira do Danúbio estava em desintegração, porém o
O norte da Gália fora, por muito tempo, a parte mai militarizada principal grupo "bárbaro" das proximidades, os rúgios, mantivera-se firme
da região, onde o exército estrnrurava os padrõe de posse de terra. o con- do outro lado do rio e e restringia a saquear e tomar tributos - e também
vívio social e o comércio durante o século V. 23 Nessa região, por exemplo, a comercializar com o romanos. 24 Severino ganhou o respeito do rei Fcle-
a cultura das villae chegara ao fim, por volta de 450, como rambém na teu, e foi um intermediário entre romanos e rúgios em múltiplas ocasiões.
Britânia, em rápido processo de desromanização, porém não foi as im no A vida no Noricwm era claramente miserávd, assim como fria (a imagética
cesro do Ocidente, onde a ricas residência rurai continuaram a existir do inverno é con tantemente enfatizada por Eugípio, que era um contem-
até meados do século VI; i so marca o 6.m precoce de um dos dás icos in- porâneo mais jovem de Severino, ma e mudara para a Itália, e e crevia 30
dicadores da cultura das elices civis. Sidônio, que conhecia rodo o grandes ano depois, ainda mais ao sul, em Nápoles). Tratava-se de uma provlncia
aristocratas civis da Gália, quase nunca escrevia para as pessoa ao norte do na qual os romanos concentravam-se em cidades e fortificações, e virios
Loire (um deles foi Arbogasto de Trier, a quem de elogia pela manutenção "bárbaros" percorriam o campo. O exército romano ainda existia, mas não
das tradições culturais romanas - Sidônio claramente pensava que isso era havia nenhuma liderança polftica, pelo menos na visão de Eugípio, com
difícil no norte). O resto do que sabemos sobre o norte aponta pa.ra proce- exceção do papel mediador de Severino. Essa espécie de "cerra de ninguém"
dimentos políticos bastantecircunstanciai.s, como acontece com as viagen pode ter caracterizado inclusive outras regiõe : partes do norte da Gália,
parcc · da panha ccnrral e a maioria da Brit.inia. colap o o i I n ~a
Anastácio pôde fazer i"o, e sem ao meno~ uma ba e militar, deve
\ JII •
regiões teria sido muito maior do que em qualquer área de conquista rápida,
lnd 1 ar que o i tema polfcico oriencal era e scncialmencc lido.
não imporca o quão violenta tenha sido. Mas a maior parte do cidcnt
ramos agora no ano SOO, e o Oriente, apesar de alguns probl mas
escava, apesar de tudo, sob o conrrole de sistemas de governo mais estáveis
dura.me a épo a de Zenão, ainda se mantinha estável. O Ocidente rinh.
(e mais romanos). sejam ele górico, burgúndio ou vândalo.
mudado bastante, como vimos, mas ainda havia elemento de e tabilidade
O Orience no final do século V, era um lugar menos tranquilo
também. Teodorico governava a lráLa desde Ravena, a capital romano•
do que na época de Teodósio e Pulquéria. Para começar, ele tinha agora
-ocidenraJ, com uma tradicional administração romana, uma mi cura de
governante que eram muito ma.i militarizado : Aspar.magistermilitum
UdcJ:"es senacoriai da cidade de Roma e burocratas de carreira; ele era (a im
em 457-471, homem forte de seu protegido, o imperador Leão l (457-
como Odoacro também tinha sido) respeitoso com o Senado romano, e foi
-474), até que e te o mandou matar, bem como a eu uce sor Zenão, que
urna vi ica cerimonial à cidade em 500, com comparecimento formais à
se tornou imperador por direito próprio (474-491). Em segundo lugar,
Igreja de São Pedro, ao prédio do Senado e ao palácio imperial do Palaci~o,
Zenão tinha con cantes problemas com rivai . A principal ba e militar
onde presidiu jogo , como qualquer imperador. Todo o modus operand, de
oriental tinha permanecido nos Bákãs, mas es a região militar tornara--
Teodorico era, em grande parte, imperial, e muiro comentadores o Yiram
-se mais in tável após o fim do poder huno, e grupos "bárbaros", cm sua
como um re raurador da cradiçõ impcriais.26 E a ccrramenre era a vi-
maioria godo , escavam começando a adentrar o Império novamente: dois
são do enador Ca iodoro (que viveu em torno de 485 -580), um de seu
de s u chefes, Teodorico Estrabão e Teodo,ico Amalo, cada um dele
adminisrradorc , ap6 507, e que escreveu uma cx:tensa coleção de cartas
com experiência militar romana, tentaram. ob os governos de Leão e
oficiais para Teodorico e eus sucessor imediaro , às quais ele chamou de
Zenão, ganhar poder cm Constantinopla e assentar seus re pectivos po-
Variae; Cas iodoro delibcradamencc descreveu Teodorico como um dc-
vos em uma parce favorecida dos Bákãs. O próprio Zenão era originário
fen or dos valores romano , mas era fácil para ele afirmar isso. O sistema
da lsáuria, uma remota região moncanho a - localizada no que hoje é 0
fi cal e admini r.rarivo cinha mudado pouco; os mesmos proprietários de
sudeste da Turquia - e tradicional fonte de soldados (e também de ban-
terra tradicionais dominavam a política, ao lado de uma nova (ma par-
dido ), o que poderia ser visco como urna extensão de sua competição
cialmence romanizada) elice militar goda ou ostrogoda.
com os Bálcã ; Zenão tinha rivai na lsáuria também; dessa forma, as
Teodorico olhava para além da Icália também. Ele governara a
tensões com o exército aumentaram quando ele ascendeu ao trono. Com
Dalmácia e a fronteira do Danúbio, e estava bem ciente de suas cone.xõc
efeito, por um ano (475 -476) ele e teve afastado de seu cargo, expulso
culturais com o egundo poder romano-germânico no Ocideme, o reino
pelo general Basilisco, e mesmo depois disso ainda enfrentou diver as re-
vi igórico de Alarico II (484-507), no ui da Gália e na Espanha. Orósio
voltas. Foi apenas no final dos anos 480, pouco ante de sua morce, que
havia afirma.d o que o visigodo Ataúlfo dissera, em 414, que chegara a con-
ele conseguiu liquidar seus rivais e persuadir o principal chefe guerreiro
siderar a hipótese de sub tituir Romania por Gothiti, ma achara melhor
que obrevivera, Teodorico Amalo, a sair com eu exército godo e ocu-
não fazer is o, porque os godo eram muito barbárícos e não conseguiam
par a Itália, em 489. Esses problema significaram que Zenão não teria
obedecer às leis. 27 Se essa história é verdadeira (o que é pouco provável), ela
esperanças de intervir no Ocidente pessoalmence, ainda que os dedos do
foi desmentida até o final do éculo. Teodorico, na Itália, Eurico e Alarico,
Orieme não tivessem ido queimado pelo dispendioso fracasso da guerra
na Gália, codos legislaram para cus súdicos, godos e romanos. O godo
vândala, em 468.zs Uma ignificariva estabilidade foi, todavia, restaurada
eram figura militares, é verdade, diferentemente do craco senatorial
por Anastácio I (491-518), um velho mas apto burocrata de carreira, que
(ou da maior parte dele), e eram cristãos arianos, e não católicos, mas, em
viveu por mais de 88 anos e teve cempo canco para reprimir as revoltas
oucros a pecros, escavam adquirindo os valores romanos rapidamente.
isaurianas quanto para tirar a finanças imperiais do negativo. O fato de
Nisso eles foram seguidos pelos vândalos e burgúndios, que eram, ambo ,
<.n,.·, .. 11111n11hl.1<lr

bastante influenciado pelos grandes reinos godos ao redor do ano SOO. Rurício de Limogcs (m. SiO) t: Ávico de Viéna (m. 518), bi po no!> reino.
De cerca forma, a Gothia realmente tinha sub tituído a Romania, mas o vi igodo e burgúndio, respecrivamencc, deixaram coleções de carta , es-
fizera, em grande parte, imitando os romano.s. Com efeit:o, no Mediter- critas em sua maioria para destinatários dencro de seu re pectivos reino
râneo Ocidencal, e em rodo o Ocideme ao sul do Loire e dos Alpes, uma (com a grande exceção do filho de Sidônio Apolinário, em Clermont, com
cultura política comum sobreviveu. quem ambos escavam relacionados).
Mas o mundo estava mudando. O fim da unidade política não Essa provincialização tarnpouco se restringiu à Gália. Hidácio de
foi apenas urna modificação trivial; roda a estrutura po!itica ceve de ser Chaves (m. e. 470) escreveu uma crônica que trata quase que exclusivamen-
alterada como consequência. As classes governantes das provindas ainda te da Espanha, especialmente do noroeste, onde se encontrava. 29 Victor de
eram (em sua maioria) romanas, mas escavam em rápida transformação. Vira, na África de Hunerico, via os vândalos na perspectiva dos afticani; o
O Oriente também estava se di tanciando do Ocidente. Tornara-se, por Império Romano nunca aparece em seu cexro, e mesmo os romani só são
exemplo, muito mais grego em sua cuJtura oficial. Leão I fora o primeiro referidos quando de está sendo bastante genérico. Uma cuJtura política
imperador a legislar em grego; menos de um século depois,Ju tiniano (527- comum pode rer sobrevivido, porém, em cada antiga região ou província
-565) calvez tenl1a sido o último imperador oriental a falar larim como sua romana; seus pomos de referência foram se tornando cada vez. mais locais
primeira língua. Mas é acima de tudo no Ocidente que encontramos uma e seus direcionamentos logo iriam começar a divergir. A tranquila unida-
crescente provincialização, no final do século V, o que é, ao mesmo tempo, de - que levara o biblista Jerónimo, no final do século IV, da Dalmácia a
uma consequência eu ma causa do colapso do governo central. Agostinho Tricr, em seguida a Antioquia, Constantinopla, Roma e finalmente à Pa-
considerava ainda o Império em seu conjunto; Sal vi ano levava em coma as lestina, de onde escrevera cartas à sua devota clientela espalhada por todo
imagens morais do Império, porém apenas as do Ocidente {embora ele só o Mediterrâneo, durante 30 ano - havia acabado. Voltarei a essa questão
conhecesse a Gália). Sidônío, no entanto, era definitivamente um gaulês. em termos mais gerais logo adiante neste capíruJo. 30
Por essa época, as elices gaulesas raram nre viajavam para a ItáÜa; mesmo O momento culminante do Mediterrâneo Ocidental godo ocor-
que Sidónio tenhasido o prefeito de Roma, em 468, ele foi o primeiro gau- reu por volta do ano 500. Ele foi destruído por dois homens: Clóvis, o rei
lês a ocupar esse cargo desde pelo menos 414, e também foi o úJrimo. Seus dos francos, e o imperador do Orieme,Justiníano; falaremos de ambos
colegas eram ainda mais clararneme preocupados com politicas gaulesas, separadamente. Clóvis, durante seu reinado, reunificou o norte da Gália,
como seu amigo Arvando, prefeito do pretório da Gália, cm 464-468, incluindo alguns território não romanos; em 507, atacou os visigodos,
e seu inimigo Seronato, um administrador na Gália Central, durante e derrotando e matando Alarico II, na Batalha de Vouillé, e, virtualmente,
após 469; ambos apostaram nas ambições políticas de Eurico e foram de- expulsou-os da Gália (eles mantiveram apenas o Languedoc, na costa do
mitidos por isso; 28 Victoria e Vicente, generais romanos de Eurico, foram Mediterrâneo). Os burgúndios resistiram por um tempo, porém, cm 520,
presumivelmente variantes mais bem-sucedidas do mesmo tipo: provin- os filhos de Clóvis os atacaram também e conqui taram seu reino na déca-
ciais que v.ian1 a ascensão na cone visigótica como mais relevante do que da de 534. Teodorico reagiu ocupando a Espanha visigótica, governando
a tradicional hierarquia de carreira centrada na distante Ravena. Es as fo. em nome de Amalarico (511-531), filho de Alarico, mas o si cerna político
ram mudanças políticas que fizeram muito sentido para os agentes locais, hispânico entrou em crise por duas gerações. É difícil ver que a extensão
mas tornaram-se faca.is para o que restava do Império. O próprio Sidônio hispânica de Teodorico fosse algo mais do que um reforço temporário, na
abandonou a hierarquia imperial quando se tornou bispo, em 469-470, e costa do Mediterrâneo, contra a ameaça franca; já em 511. a hegemo1üa dos
a crescente tendência dos arist:ocratas da Gália a buscar uma carreira no godos, no Ocidente. havia, em grande parte, desaparecido, com exceção da
episcopado (cf. capítulo 2) expressa essa preferência pelo local de maneira ltáHa. A dinastia merovingia de Cl6vis dominaria a política pós-romana,
bem clara. Na próxima geração, os horizontes estreitaram-se novamente: no Ocidente, pelos dois séculos seguintes. Veremos sua história no pró-
ximo capítulo Po • b
. ' agora, a ra cnfurizar uma im
geopolítica do sucesso de C!ó . porranc con equência Dada a autoconfiança de e aro , não é urprecndcnre que Justi-
vis: o norre da Gál'
militar, bascance margiri 1 . . 1a, anres uma fronteira niano também se interessasse pela guerra. Ele enfrentou as Guerras Per ·a ,
IV, quando Trier foi a caªpi:~ :~dndoalro)mano (exceto por volta do século o primeiro conflito sfoo em mais de um século, em 527-532 e 540-545, e,
,I c, enr tornou se u ·ó ·
nuc eo de grandes riquezas fundi, . 'd - m cerne no central, imermiremememe, até 562. A Pérsia sempre foi a maior barreira do Impé-
ar1asepo erpol ' · I • ._,
centro que afetava apenas a Gál· ltlco. mc1.umente, foi um rio Oriental (os Bálcãs também foram atacados durante seu reinado, mas
ia, mas ao longo d ' 1 b
acabou atinui ndo toda E O . os ecu os su sequentes isso não era nenhuma novidade, e assim, era menos crucial). A guerra saía
o-· ª uropa c1denral.
Justiniano, o segundo sucessordeAn , . cara por coma dos recursos gastos e pelas despesas da reconstrução pós-
te excedente orramentário d . d asrac10, herdou o abundan- -guerra; muitos imperadores prefeririam restringir sua atenção na defesa
T eixa .o por seu ante d d·
parte de seus 40 anos de . d cessor e e icou a maior contra os persas. Ma Justiniano usou do período de paz no Oriente, em
reina o a uma renovação . ·a1
em sua ascensão em 527 _ e . l.fllpen · Há um salto 532-540, para atacar o Ocidente também. Seu general Bdisário capturou
• • que nao rora visível _L
desde Juliano. Como . , para neunun, imperador a África vândala rapidamente, em 533-534, e avançou direto para a Itália
vimos no capitulo l . d
um ano, o código de leis de li d, . Il 'a pamr e 528, ele revisou, em ostrogócica; por volta de 540, de a havia conquistado por inteiro. Os últi-
d os juristas romanos no D . eo os10_, e. em 533, co dºfi i cou os escritos
tgesto, o quai perman . d . mos ano de Teodorico apresentaram, também, tensões com figura tradi-
to máximo do n· · R ece am ª 1~ore como tex- cionalistas, e o filósofo aristocrata Boécio, entre outros, foi executado por
1re1to omano Além d. '
(Novelas), escrutinou e revi ou~ admi _rsso, ~o~ uma série de novas leis manter comunicações traiçoeiras com o Oriente, em 526; lutas internas
e também tornou ma1·s d J . nrstraçao unperial, nos anos 530, enrre o herdeiros de Teodorico, em 526-536, levaram alguns membros
uras as e1 sobre d • .
mesmo a heresia Jºudaica d esv10s sexuais e heresia, até da dite aristocrática a ficar mais distantes do regime ostrogótico, muitos
' provocan o revoltas sa ·
pressão, no norte da Palesrina e 529 - ~~ntanas e a severa re- dos quais acabaram em Constantinopla. Porém, se a conquista da África
liberai, e, no Oriente desd , _m e )55.Jusnntano não era nenhum foi um grande sucesso, a da Itália não o foi. A maior parte dos italianos
· e en tao, cresceram O d
tolerância contra diferenças 1· . J esconrenramemo e a in- não godos era, no melhor dos casos, neutra em relação aos exércitos de
re 1g1osas· e e era r d · .
queixas dos tradicionalistas d ' . ' o av,a, um movador, e as Justiniano, e os godos reagruparam-se, após 540, sob a Lderança de Tótila
, orante seu remado . d
ra di caís presentes em sua ad . . - . , a re peito e incultos (541-552), quando a retomada da Guerra Persa forçou as tropas romanas a
. . m1rustraçao, rndicam que d
ruzac1onaí riveram a!ál,m efc . J . . as m;1 anças orga- se distanciarem da perunsula. A década de 540 viu uma Itália devastada,
o-.. e1ro. ust1n1ano era tamb,
sempre uma importante faceta p t, . . - em um construtor, enquanto exércitos romanos e godos se alternavam em conquistar e recon-
, . . Outica na tradKao r 31 EI
unrco neste capírulo· Zenão A , . .- omana. e não é o quistar áreas da penín ula; quando~ guerra, em grande parte, cessou, em
rico foram particula:rn ' . nascac10 e, talvez, até o ostrogodo Teodo-
ente ativos nessa área. m j d 554, a Itália, agora romana novamente, tinha um sistt:ma fiscal em rulnas,
de Justiniano superava e m . d d ' as a esca a as construções uma economia fragmentada e uma aristocracia muito dispersa. Isso não
.
d es igrejas ' Wto, a e to os eles com d
que ele construiu em C . ' o no caso as gran- foi bem gerenciado na época. Entretanto.Justiniano tinha, de um jcito ou
capfrulo 9), Éfeso e Jerusalém E onstancmopla (como a Hagia Sofia; cf. de outro, reinserido o Mediterrâneo Central no lmpédo, e quando seus
d ocumentadas na obra pan .• . ssas campanhas d _
d p , . .e consrruçao são bem exérci.cos rarnbém ocuparam parte da costa hispânica, em 552, quase todo
eg1nca e rocop10 S. b . E'd,;n .
resultado, os arqueólogos se t ' . o ,e os 11,aos;3z como o Mediterrâneo voltou a ser um lago romano.
d e ed iffcio romano tardio d O ornaram proptc10s a d t . d
. a :u quase to o gran- Justiniano foi, e continua sendo, uma figura controversa. Ele era
, ul o neme como sendo do se d
ec o VI, e uma nova daraç- ºd d . gun o quartel do odiado por muitos, nocadameme por aqueles dos quais di cordava e aos
bnr . ao cui a osa tem sido , •
outros patrocinadores an d . nece sana para desce- quais perseguia por razões religiosas, e que se foram comando mais nu-
res e epo1s dele Aind . d'
o compromisso escavam lá e . . a assim, o rnheiro e merosos à medida que seu reinado avançava. Isso se seguiu à ua crescente
para razer muita coisa.
hostilidade contra os monofisitas, especialmente após a morre de sua in-

150
t l l'tt' l' t.. HUIIIHllll.uJt

flucmc cspo a Teodora (da mc ·ma uma monof-i ir.), em 548, e.:, dcpob, .11 \tnl'ntc :t vis5 de que o dcsmc111bramcnco Jo cidcncc nó ·éculo V,
à sua igualmente controversa tentativa de dar um passo dourrin6.rio cm 1•111 ,i só, 111, rca o fh'lca o do projeto imperia l romano.
direção ao monofisismo, no Quimo Concilio Ecumênico de Con tan- As págin:ts anceriore deram um breve sumário dos evem s d
tinopla, em 553, o que alienou grande parte do Ocidente. De menor c- 1 O .1nos; prccí amo agora considt:rar o que ele significam. Irei me
riedade (mas demasiadameme in.fluence nos estudiosos modernos) foi a 1 on entrar mais no Ocidente, porque foi aü que as maiores mudança

obra ancipanegíricaHistóriasecreta, de Procópio, que retraraJusriniano 11 orrcram, embora a estabilidade e a prosperidade do Oriente devam agir

e Teodora como gênios malévolos, cm termo altamente coloridos e se- omo um lembrete permanente para nós de que o Império Romano não
xualizados em que Justiniano aparece caracterizado como um demônio.~~ ·sc.tva de forma algumadesrinado a quebrar. Nas décadas mais recentes,
Hoje em dia,Ju tiniano é, acima de tudo, acusado de arruinar financei- css. vi áo, já discutida no capítulo 1, cem se tornado realmente domi-
ramente o Império, graças às suas guerra fora de época no Ocidente; nante entre os h.iscoriadores. Isso significa que as invasões e ocupações
o Império Oriental, após sua morte, em 565, é comumente visco como Jas províncias ocidentais precisam estar no centro de nossas expJ icaçóes
enfraquecido, tanco militar quanto economicamente, uma situação que para o período. Mas também nas últimas décadas, n6s temos nos afastado
iria resultar nos desastre políticos dos ano pós-610. Verema a cri e do da visões cacasrrofiscas dos "bárbaros", resumidas nas famosas palavras
século VII no capíru.Jo 10, mas da não me parece cer muico a ver com de André Piganiol, na conclusão de seu livro sobre o Império tardio, es-
Justiniano. As guerras ocidentais não foram anacrônicas, pois o Impé- crito logo ap6s a Segunda Guerra Mundial: "A civilização romana não
rio Romano ainda era um conceito impottante, até mesmo no Ocidente, pereceu de morte na rural. Foi assassi nada". 35 Trabalhos recences têm, de
nem foram particularmente caras; a África foi reconquistada por uma faro, representado os novos grupos écn icos em termos bem romanos, uma
ninharia, e permaneceu romana por mais de um século, e a guerra na Itá- visão que eu aceito plenamente e pretendo desenvolver logo mais, de for-
lia teria sido uma confusão bem menor, caso Justiniano tivesse investido ma breve. Isso não diminui o simples ponto de que o Império Romano
mais, e não menos, dinheüo nela. Seus sucessores, notavelmente Tibério do Ocidente fora subsrimído por uma série de reino independentes que
II (578-582) e Maurício (582-602), mantiveram afa cados o persas, seus não reivindicavam a legirirnidade imperial. o que nos obriga a perguntar
principais oponentes. cão eficiememence quanto Justiniano riJ1ha feito .34 por que cada um desse reinos não reproduziria o estado romano em mi-
Ele também mantiveram longe os ávaros, novos detentores da hegemonia niatura, mantendo continuidades estruturais que poderiam, a prindpio,
" bárbara" no médio Danúbio, os quais, a partir dos anos 560, tornaram- ser unificadas mais carde, por Ju riniano, por exemplo. Mas o faro é que
-se os mais recentes invasores dos Bákãs, em sua maioria de lingua eslava a maioria deles n.âo o fez. Uma coisa que a arqueologia deixa bem clara,
(mas também túrquica e germânica), sendo a maior ameaça militar para a como veremos, é a dramática simplificação económica do Ocidente: isso
área desde o hunos . .Eles abandonaram a maior parte da Itália a um novo é visível ao norte do Loire, no início do V século, e nas cerras do noroe -
povo, os lombardos, mas, dado o estado em que a Irá lia e encontrava, isso te mediterrânico durante o VI. As consrruçõe cornaram-se bem menos
não foi necessariamente um fracas o estratégico. Outrossim, o dinhei- ambiciosas, a produção artesanal ficou menos profissionalizada, as trocas
ro estava suficientemente abundante nos anos 570, a pomo de Tibério restringiram-se ma.is ao nível local O si 'tema tributário e judiciário, bem
(embora não Maurício) ser mencionado como um gastador extravagan- como a densidade da atividade administrativa romana em geral, começou
te. O reinado de Justiniano não aparenta ter sido uma guinada negariva a se simplificar também. Es as foram mudanças reais que não podem ser
para o Império. Mas a conrrovér ia sobre de impõe respeito: Justiniano desconsideradas por argumenms que mostrem, embora jusrificadameme,
imprimiu sua marca em urna geração, ao redor de rodo o Mediterrâneo, que os "bárbaros" apenas se adequaram aos nichos romanos. Essas mu-
e, diferememente da maioria do governantes, os eventos de eu reinado danças fizeram-se acompanhar de alterações nas imagens, nos valores e
parecem ter sido resultado de suas próprias escolhas. Seu protagonismo no estilo cultural, que tornaram o século VII, no Ocidente, visivelmente

152
1 0 ,:' f llil\TI11:lffl U

diferente Jo século IV ou me mo do V: j c~t.tmo agora fora tio mundo rcgios. 1 i\sO rc,ulca yuc: qua e toJo imperador Jo ncnre, por m.m de
romano rardio e entrando na Alta Idade MéJia. A questão que preci a- um século, após 50 (com a úni a exce ao de Zcnão), era originário da
mo confrontar agora é como isso foi possível, dada a falta de anseio por ..:onfluência cultural do Bálcã , onde no~ idcncidadc~ estavam sendo
inovação da maior parte dos novos grupo étnicos. reformuladas o cempo rodo, e de onde também saiu uma alta pon.:en-
Para começar, no século V. há uma continuidade evidente entre cag m dos poderoso do Império, bem como dos chefe "bárbaros".r E
as lideranças do Império Ocidental (e também Oriental) e os reis "bár- havia também os cruzamento em termo pcs oai : canto Gundobaldo.
baros". Os imperadore do século V eram, cm ua maioria, fantoche , 0 burgúndio, quanto Teodorico, o osrrogodo, tiveram carreiras dentro
controlado por podero os militare : Escilicão, Con tâncio, Aécio, Rí- e fora da corte imperial antes de e tornarem rei de antiga província
címero, Á par, Zcnão, Gundobaldo e Oresce (pai de Rômulo Augúscu- romanas independentes.
lo) . .É incere ame que nenhum desse homen rcncou tomar o trono por A importância da endogamia, como critério para a sucessão,
meio da força, como outros militares tinham feito regularmente no éculo também colocava uma boa dose de pres ão sobre as mulheres imperiais. ' 8
III, e apenas doi deles (Constâncio e Zenão) e tornaram imperadom,, ós vimo que Gala Pladdia e, parricularmence, Pulquéria foram mu-
porém por meios corretos. Uma razão comumenrc apontada para isso é lhcre poderosas no começo do século V, e ambas legitimaram seus ma-
que, como "bárbaros" étnico , eles não tinham direito ao cargo imperial; ridos impcriai . Assim fez Ariadne, filha de Leão I e cspo a de Zenão e
ma , para além do faro de que nem todos eram de ascendência não ro- Anastácio, ucc sivamente. Yerina, espo a de Leão, era irmã de Basilis-
mana, não há nenhuma base contemporà.nea para esse ripo de exclusão. co. Teodora, ela mesma uma operadora política importante, apesar da
Basilisco, imperador oriental por um curro período, em 75-476, pode, dominância de seu marido, Justiniano, parece ter também promovido
na verdade, ter ido tio de Odoacro, e, portanto, um esciro, i to é, um cus parentes, apesar de haver morrido muito antes de eu esposo a,pon-
povo ubmi so ao huno de Átila; 36 ilvano, um u urpador fracassado, to de qualquer um dele ainda estar em posição de lhe suceder. Sofia,
em 355. era cercamente franco. O mais provável é que ele se ab tiveram viúva de Justino 11 (565-578), cercamente e colheu eu uce )Or, Tibério
da cornada de poder por respeito à vi ão de que a legitimidade imperial 11, e calvez Maurício também. 3~ Havia aqui um espaço para a atuação
e cava aliada à genealogia, vi ão e saque pode ercsrendidaacé a família pollrica feminina, que fora aproveitado diver as veze . Assim, não é de
de Consrancino, na metade do éculo IV; parecia ser mais fácil conrrolar urpreender que Aníciajuliana (m. 527/528) - uma rica cidadã priva-
wn imperador (ou uma érie de imperadore , como fez Ricímero) do que da de Constantinopla, ma camb'm uma de cendence de a.lenciniano
usurpar o trono. E provavelmente era. E e homens podero o tiveram 111 e de toda uma série de imperatrizes (além de espo a de um de cen-
períodos de autoridade maiores do que os da maioria dos imperadore dcnce de Á par), e carregando o titulo de pa1ricia, em 50 - renha tido
do éculo III. Um importante elemento para a legitimidade genealógi- influência ·obreJusrinfano: sua igreja de Hagios Polyeuktos, no centro
ca romana tardia era o casamento, razão pela qual codo os podero os de Constantinopla, con truída por volta de 525, foi a maior da cidad
casaram-se com as descendente de faro/lia imperiais, com o propósito até que Justiniano construiu Hagia Sofia. uma década depois, provavel-
de colocar seus filho no trono; Constâncio e Zenáo con eguiram (Ze- mente, em parce, como re . po ta.~ 0 Es e espaço para o poder feminino,
não tornou-se ele mesmo imp rador, mas, obviamence, apenas como por mais ambivalente que fosse (pois sempre era), foi uma característica
herdeiro de seu próprio, e efêmero, filho). Mas o mesmo era igualmente mai oriental do que ocidental; as cri e militares do Ocidente favorece-
verdade para a famUias reais "bárbaras", a maioria das quais tinha, ou ram uma liderança milicar mais ma culina. As mulheres, no Ocidente,
rapidamente estabeleceu, laço de ca amento com o romano , muitas capazes de dominar uma política militarizada iriam aparecer mai tarde.
vezes, sem dúvida, com a. mesma intenção. Essa rede genealógica coma com os lombardo , após 590, e o francos merov(ngios, após 575, ma
insignificante a diferença culrural, pdo meno no nívei imperiais ou ua proeminência ccve razões diferences.

ll:C
Mas voltemos ao~ chefes übárbaro ~ e eu povos: afinal, o quccxa,
rameme os definia corno não romanos, ~bárbaro " ou germ:lnicos? Exi te, conquista da Ir lia p r Teodorico), s g1:pid;.1s, os huno . e, cm d1'1vid~
atualmenre, um enorme debare sobre o assunto, com uma infinita varic- homen de a cendência romana também, e, após a onqu1 ta de!codon-
dad de posições, mesmo entre aquele que aceicam que os novos grupos co, também ab orveria todos ou ao menos a maior parre dos egu~do:, »de
étnicos buscavam se acomodar dentro das leis romanas o máximo que po- Odoacro. Porém, ele estava ligado a um chefe e tinha um nome, go -
diam: desde a crença de que havia um grande núcleo de valores e traCÜçôes ostrogodo em nos a terminologia. Es e nome ~aracte~izaria o povo co_mo
não romanos, associado ao clemenro de dominação presente em qualquei;- - 1m
um to d o, nao · portando sua origem, e rambem o remado de Teodonco.
. .
grupo invasor ou assentado, que poderia sobreviver por séculos, até a crença Foram povos como esse, hererogêneos, mas - u~1 ~spec~o esse~c1al - um-
de que o diferenciadores étnicos germânicos eram apenas uma mudança dos por um único chefe, que assumiram as provmc1as ocidentais e: de_ fato,
de nome da identidade militar do soldados romanos, e que não havia nada as renomearam: a Gália passou a er o Regnum Francorum e a Afnca, o
de tradicional neles. Quanro a essa segunda posição, é preciso reconhecer Regnum Vandalorum. Ao permanecerem à freme dess~s terras por tanto
que a maioria dos novos grupos "bárbaros", no Império do século v; tinha tempo, como ocorreu com O franco e os vi igodos, di~erentei:neme dos
um histórico de emprego no exército romano; os soldados mais bem- uce- vândalos e ostrogodos, eles tenderam a esquecer suas ongcns _d ifcre.mes e
cüdos entre eles, como os visigodos, eram efetivamente i ndi ringuívei de " e tornaram" franco ou godos - e também, crucialmente, oao romano_s.

um de racamenromilitar romano (exércitos "bárbaros'' regularmente via- É esse o processo que foi chamado de "emogênese" p~r ~c~g
javam com suas farn íl ias e dependentes; apesar de ser teoricamente ilegal, Wolfram e sua escola:42 0 reconheci menco de que identidades ern1cas sa~
seria imprudente pres1,1nür que os exércitos romanos não fuziam o mesmo flexivei , maleáveis, "construções sim acionais"; o mesmo "bárbaro", na !ta-
na prática). Podemos, no entanto, ver uma dara distinção em nossas fon- Jia do século VI, podia ser rúgio, ostrogodo e até mesm~ romano (~as isso
tes entre as forças do exército regular, que, independenrernente de origem somente a partir da reconquista romano-oriental). T:us povo tenam ad-
romana ou "bárbara" (como vimos no capírulo 1, havia, nas fronteiras, de quirido diferentes identidades sucessivamente (ou concemporaneamente),
onde os soldados geralmente provinham, pouca diferença entre ele ), eram e essas teriam trazido diferences modos de comportamento e lea:dades, e
pane de uma hierarquia militar e de uma estrutura-padrão de can:eira, até, evenrualmence, diferences memórias. Como Walter PohJ propo~ ~ecen-
e os seguidores do rei X ou chefe Y, que se identificavam com seu chefe, remente, 0 "núcleo de tradições" que fazia alguém o trogodo ou v1~1go~o
geralmente tinham um nome étnico distinto e eram aceito nb exército era, provavelmente, uma rede de crenças contraditórias e mutáveis; nao
romano como um grupo diferenciado:'' Essa é a distinção enrre Odoacro parece ter havido um conjunto estável de uadiçôes em cada grupo ~tt~n-
e Teodorico, por exemplo, sucessivos governantes da Itália. Odoacro era do cruzaram a fronteira para prestar um serviço descondnuo no exercito
o candidato do exército romano da Itália, composto apena por etnias romano, até se tornarem um assentamento em uma província romana.
.hérula, escira e torcÜingi; o próprio Odoacro era meio esciro, mas ri nha Em 650, todo reino "bárbaro" tinha suas próprias tradições, algum~s _de-
formação militar romana, e nunca é chamado de chefe dos e ciros, ou de las remetendo-se a um passado secular, uacÜ~ões essas que, sem d_unda,
nenhum outro grupo na Itália. Ele se tomou um rei, formalmente autóno- nessa época, eram elemento centrais do mito fundadores d: mmt~s de
mo, mas reconhecia Zenão, e poderia facilmente ter sido repensado como eus habitantes; da mesma forma que os mitos fundadore nao ~rec1~am
parte do Império Romano. Teodorico, em conrrasre, era wn rei dos godos, ser verdade, também não precisam ser amigo . Cada um dos_ remos ro-
cujo povo vinha com ele desde o come~o, não importando quanros deu.los rnano-german1cos
• • » ri'nha uma bricolagem de crenças e idenndades com

imperiais de também tivesse. Esse povo era cão mi to quanto os apoiado- raízes rnuiro variávei , e essas, repiro, poderiam mudar e ser rec~nfiguradas
res de Odoacro; ele certamente comportava os rúgios (que mamiveram em cada geração para se adequar à.ç novas necessidades. Os histonadores
uma identidade através de casamencos endogâmicos por 50 anos após a tendem a dar mais atenção ao relato de que o avô de Clóvis era filho de
um monstro marinho, um quinotauro, do que ao relato de que o francos
eram desccndence dos troianos, o qu1: parece 1:r nui. "litcrári ". nicnu, , 111110 o~ grandes d , as foidas, o · ·équito~ pcsso:li ·, o con umo de arne,
"autêntico"; mas o regisrro mai antigo de cada uma dessas cradiçó1:~ ,1 p. 1 , 1 1 , '"wnu.:iros de propriedade ou cercos tipo de broche ou fivela. Qua e
rece na mesma fonte do século VII, e seria difícil dizer qual delas era m.m lllllu i~,o é fui ·o, ·e visco como inal de uma identidade inata, como se os
acreditada - ou mais amiga - do que a outra. 43
11 .111rns de 700 fo sem os mesmos francos de 350. Algumas dessas marcas
De mdo isso, conclui-se que as identidade pós-romanas eram um, 1 1 11 11bém sã impreci a : grande parte das primitivas leis de propriedade
mistura complexa e tinham uma variedade de origens: romana, "bárba• r11t'Jicv:iis rinha antecedentes romanos impecáveis, ou ao menos para-
ra", bíblica; e eram, também, orais e literárias. O que elas precisavam fuzn i lo~ bem próximos; de modo semelhante, a metalurgia "germânica" às
era m~~os localizar um grupo étnico no passado, do que O di ringuir de •, rc~ lC:m antecedentes romanos, e, mesmo quando isso não ocorre, não
seus vizinho contemporâneos. Isso significa que perguntar O que era não 1111, fornece qualquer guia para as identidades étnicas de quem as usava.
romano ou "bárbaro", em relação aos novo grupos étnicos, é, em parte, .1 M.1~ seria igualmente contraproducente descartar cudo isso de urna vez
pergunta errada; o arianismo, por exemplo, era uma.heresia bem romana, n, · ,\presentar os novos grupos étnicos simplesmente como variantes da
porém, por volta de 500, para a maioria das pessoas, ele havia se tornado pn pria ociedade romana. Uma ênfase no consumo de carnes pela ari -
~ indicador ét~co a designar godos ou vândalos. A própria língua gó- 111 racia, por exemplo, parece ter sido genuinamente uma. inovação dos
tica era, no ano )00, em grande parte uma tradição litúrgica, mais asso- ( •nm: omros) francos; isso náo era parte da culinária romana., par-a.a qual
ciada com o amigo arianismo romano do que com uma "goticidade"• em 11 ,tfl/ZU era transmitido pela complexidade e pelo custo dos ingredientes,
senrido érnico; mui~os godos falavam apenas larím, sem que sua "gorici- 111 a, aparece pela primeira vez em um tratado sobre dietaesc:rito para o rei
dade" fosse afetada positiva ou negativamente. Na verdade, ao contrário ti.,nco Teodorico I (511-533) por um médico de origens gregas chamado
dos séculos XX e XXI, a llngua náo era, até onde podemo observar, um t\ 11Lirno, e continuou ao longo da Idade Média. '
marcador étnico forre em nenhum lugar nesse perlodo. Muiro franco , Uma inovação particularmente importante foi a assembleia públi-
em 600, por exemplo, ainda falavam franco (uma versão do que hoje cha- ~ ,\, a reu ni.ão formal dos membros masculinos adultos de uma comunidade
mamos de antigo alco-alemão), mas provavelmente nem todos, e muitos pt llrica, para deliberar e decidir sobre ações políticas e guerra, e, cada vez
com certeza eram bilíngues. Gregório de Tours, o mais prolífico escritor 111 .üs, para criar leis e arbitrar disputa .46 Os romanos organizavam muitas
do século VI, na Gália, que era um monoglota falante de lacim, nunca dá \. rimônias públicas ddarga escala, como vimos no capítulo 2, mas, nos
o menor indício de que tivesse alguma dificuldade de se comunicar com reinos pós-romanos, as assembleias tinham um significado mais amplo, na
qualquer pessoa nos reinos francos. Na verdade, nem ele nem qualquer medida em que representavam o princípio de que o rei rinha um relacio-
outra pessoa, no mundo franco, até o século IX, dizem qualquer coisa a n. menro direto com rodos os francos ou lombardos ou burgúndios livres;
respeito de dificuldades de comunicação entre falantes de latim e franco; •ssas assembleias derivam dos valores das comunidades tribais do período
pode ter acontecido, mas não era um problema para a "franquicidade".44 imperial, mas continuaram de maneira bem diferente no mundo pós-ro-
Isso não significa que os grupos "bárbaros" não trouxeram nada mano. Podemos, assim, traçar um contínuo de prática poHtica que liga os
de sua culturas ameriore para o Império. Há roda uma nova historio- francos e os lombardos, não com Roma, neste caso mas com os povos me-
grana que djscuce a germanidade das primeiras _práticas sociais medievais: no. romanizado ou não romanizados do norte alto-medieval; as assem-
bleias denominadas placitum pelos francos ou lornbardos, ou conventus,
pelos burgúndios, têm paralelos com agemot anglo-saxã, athingescaadi-
Wickham emprega um neologismo para traduzir a ideia de uma identidade étnica
nava e aóenach irlandesa. Essas assembleias não eram realmente para todos
para ~s godos e, a eguir, os franco . Ucilizarnos o termo "goticidaden para traduzir
Gothic-ness, "franquicidade" para Franki.shness e "germanidadc:". mai conhecido os homens livres, o tradicional kingdom-at-arms da mitologia romântica,
para rraduzir Gemum-neu. (N. da T.) ' mas, apesar disso podiam ser grandes encontros, cujo poder de legirirnar
as ações política ou judiciab dcn ava, prc isamenrc, d f. co de que muir:i, 111!11•.uivo ml·smo que nenhum ''bárb.ir '' rivcs.c e c_·tabdccido ali . ¼as,
pessoas participavam delas. De 500 a JOOO, e algumas veze maí. tarde, 11,1, pr vín ias conquist:1d:1s, a maioria no Ocidente, a mudança derivou
as políticas pública do Ocidente eram sustentadas pda panicipação di- p1111dpalmc.nte da pô içiio esrrurural de c1d:1.grupo "bárb:iro". C mo b-
reta de grande parte da sociedade livre e masculina. 1 o e somou a uma ' ·rv. do ameriormencc, o exército "bárbaro " que tomaram es a~ pro-
suposição de que uma grande parte dos livres tinha obrigações militates, vl ncias tinham objetivos diferences daqueles dos exérciro romanos que
o que era, principalmente, um produto de condições p6s-romanas, como h.1Viam tomado o poder para seus generais nos séculos anteriores. Ele
veremos em mais detalhes adiame. Mas o elo entre o compromisso militar queriam a sentar-se de volta nas terras, como seus ancestrais tinham feito
e as pollticas de assembleia deveria já ter fe:ito sentido para os exércitos ét- • mes que a geração de movimento intermitente e conquista começasse.
nicos do século V; a generalização da imagem da assembleia em cada reino 'cus chefes, e provavelmente uma boa parte do godos, vândalos e franco.
romano-germânico (mesmo no altamence romanizado estado vi ig6tico) de status mediano, também pretendiam ser uma classe governante, as i m
por si só nos permite presumi-lo. como os ricos aristocratas romanos em cada uma das províncias que ocu-
Não obstante essas novas caracccrísricas, os chefes "bárbaros" pavam. Para cumprir esse objetivo, em si bastante romano, eles precisa-
adaptavam-se cada vez mai ao mundo romano, à medida que o século V vam de propriedades, e, como conquistadores, estavam em uma boa posi-
avançava e que as elites romanas se adequavam às novas situações politi- ção para obtê-la . Embora os detalhes exatos dos assentamentos de terra
cas. É impressionante como essas elites romanas podiam criar seus novos de cada grupo "bárbaro" sejam obscuros e muito debatidos (realmente
governantes em seus escritos; quase rodo novo grupo étnico no poder teve eles devem ter sido muito variáveis), por volta de SOO, é claro que os godo
eu apologista, que estava preparado para descrever os reis "bárbaros" em e outros aristocratas "bárbaros" possuíam extensas propriedades, e esta-
termos ressonantemente romanos, como a famosa prosa panegírica de vam baseante dispo tos a estendê-las ainda mais; por exemplo, as Variae
Sidônio sobre o rei visigodo Teodorico II, que enfatizava a eriedade do de Cassiodoro incluem vários episódios em que os ostrogodos abusaram
rei, ua ace ibílidade aos embaixadores e peticionários (e seus jogo de ta- de sua autoridade polícica e militar e expropriaram as terras de outros. A
buleiw} e diminuía o arianismo dele. 7 Nunca houve um grande número partir do século V. houve uma tendência constante a cada vez meno u -
de invasores "bárbaros" em nenhwna província; toda as estimativas são tentar exércitos por meio da tributação pública e de os apoiar através de
conjecturais, porém os historiadores geralmente propóem até 100 mil para rendas derivadas da propriedade privada, o que era es encialmeme pro-
grandes grupos dominante , como os ostrogodos ou os vândalos, e cerca duto desse desejo por terra que as elites conquistadoras demonstravam.
de 20 mil-25 mil para o homens adultos que compunham seus exércicos, Em 476, de acordo com Procópio, até mesmo o exército romano da lcália
em províncias cuja população estava na casa dos mühõe . Juncando a fle- qu ria receber cerras, e o conseguiu ao apoiar Odoacro. Proc6pio pode
xibilidade émka de tantos agentes desse período, as imagens de romani- muito bem ter exagerado; o e rado ostrog6rico, na Itália, cercamente ain-
zação em muitos de nossos texto e o pequeno impacto demográfico dos da utilizava da cribucação para pagar o exército, pelo menos em parte,
invasores - l em 10? l em 20? l em 50? -, é fácil imaginar que eles não provavelmente mai do qualquer outra entidade polláca pós-romana fa-
tiveram nenhum impacto, qualquer que fosse, nas prática sociais de cada zia no início do século VI. Em geral, no encanto, a guinada em direção a
província. No entanto, se seguirmos por essa linha muito sistematicamente, cerra era permanente. 48 Após o fim da Itália oscrog6rica, não há nenhuma
correremos o risco de acabar com a possibilidade de mudanças. E mudan- outra referência, no Ocidente, a exércitos remunerados, com exceção de
ças, no século V, certamente ocorreram. mantimento para guarnições, até que o árabe reintroduziram a práti-
Ora, essa mudança não se deve muito às diferenças culrurais. As ca, na Espanha, a partir da metade do século VIlI; em outros reinos oci-
regiões que experimentaram situações péssimas de segurança, descritas dentais, apenas os oca ionais destacamento de mercenários eram pagos,
anteriormente em relação ao Noricum, teriam visto um colapso social sig- até bem depois do final do período tratado neste livro.◄ 9 Algumas dessas

lnO
cerras devem cer ido fi cai· - isco é, propricdad s publicas - e distribui 1111 ci(l e 770, p <leriam se: igualar. em riqueza, ao c ·cados d Me-
das por reis; outras provavelmente foram parte de assentamento rur;m .lu 11 1m·n ( ricncal, o lmpério Bizanti no e o cali fado árabe, que ainda
ordinãrios, nos quais proporções fixas do patrimônios de proprieráritl, as m1di~õcs rom ana de rribucação. Além disso, os esrado
1 1 111 11 11 11,1111

romanos eram cedidas aos "bárbarosn, possivelmente para ubstiruir " i H • ,d.1J orcs têm muito mais controle geral obre seus território , em
impo tos; e outras ainda (como na África vândala) podem ter sido im p,1 11< di.:v1 <l à constante presença de fiscais e coletores de impostos, em
plesmente tomadas à força. De qualquer forma, uma mudança em dirc I' 11 r, porque eu dependentes (funcionários e soldados) são as alariados .
ção a um exército com terras, e, portanto, a uma política de terras. 1 h •ovL: rnan tes podem parar de pagar salários e, por conseguinte, con-

meçou aqui; ao mesmo tempo, houve uma mudança em direção a um.t i;111:in te r maio r controle sobre seus funcionários. Mas se os exércitos

identidade étnica "bárbaran por parte dos dono de cerra. independemc- .( pc 11 dn11 da posse de cerras, eles se tomam mais difíceis de controlar.
mence de suas origens. g •ncra i podem vir a ser desleais, caso não recebam mais terras, o que
Os maiores rei no pós-romanos ainda cobravam impostos no sé• 1 , du I a qua ntidade de terras de que o governante di põe; e, se eles forem

culo VII. Mas, se o exército tinha terra , o principal gasto do orçamento tl,·,l ·ai , conseguem manter o controle de suas cerras, a menos; que sejam
romano não existia mai . A cidade de Roma, uma importante despesa, , 111 bos à força , o que é uma tarefa difícil. Os estados cuja base é a pro-
era abastecida apenas pela Icália, após 439, e perdeu a população rapi• Ili inl.uk de terra coerem o risco de se fragmentarem, de fato, pois seus tec-
damente, como vimos. As administ rações central e local dos estado. rirork>~ periféricos são difíceis de dominar totalmente e podem separar-se
pós-romanos calvez tenham sido pagas por mais tempo, mas, na maio- 111t ompkto. Isso não seria comum até pelo menos o final do século IX,
r ia deles, a adm inistração rapidamente e tornou menor e mai barara. 110 Ocidente. Muitas coisas reriam de mudar antes dis o, como veremos
Os impostos ainda enriqueciam os reis, e sua generosidade aumentava m,, próximos capítulos . .Mas isso acabou ocorrendo no final, sobretudo
o poder de atração das cortes régias. Mas isso somente por volta de 550. 11,1\ vasta terras governadas pelos francos.
Essas taxas são sempre impopulares, e coletá-las demanda t rabalho; se A transição da taxação para a distribuição de cerra , como base do
não forem essenciais, esse trabalho tende a se r negligenciado. Assim, •,rado, no Ocidente, foi o sinal mais claro de que o reinos pós-romanos
não é surpreendente que existam crescentes sinais de que eles não eram 11:1 conseguiriam recriar o Império Romano em mi níatura, por maiS" que
assiduamente coletados. Na antiga África vândala, após 534, os recon- ,cus governantes tivessem gostado da ideia. No geral. esses reinos também
quistadores romanos tiveram de reorganizar a administração dos t ribu- n:'io alcançavam o Império em sua complexidade econômica. A arqueolo-
tos para rorná-la eficiente de novo, para grande desgosto da população gia aponta urna consta.me simplificação da estrutura econômica na maior
local; na Gália franca dos anos 580, os regiscros de coleta não escavam p rce do Ocidente, por volta de 550.50 Nessa época, as ricas habitações ur·
mais sendo sistematicamente atualizados, e as taxas de imposto devem banas e rurais {villae) tinham sido em geral abandonadas, ou ubdivididas
cer sido de aproximadamente um terço em comparação com as do pe• cm casas menores; a produção artesanal era geralmente de menor escala,
ríodo imperial. Os imposco , por assim dizer, não eram mais a base do alguma veze menos habilidosa (is o é particularmente claro no caso da
estado. Para os reis, assim como para os exércitos, a posse de cerras era a produção de cerâmicas, sempre nosso melhor indicador arqueológico para
maior fome de riqueza dali em diante. a profissionalização artesana l); os produtos eram bem menos trocado en•
Essa foi uma mudança crucial. Estados que arrecadam imposcos rre as províncias do antigo Império, e denrro dessas províncias - os novos
são bem mais ricos do que a maioria dos estados baseados em terras, pois reinos - o alcance da discribuição de producos artesanais era, em geral, bem
os impostos sobre propriedade ão geralmente coletados de muico mais reduzido. O ritmo dessas mudanças variou bastante de lugar para lugar, e
pessoas além do que pagam alugue! a um senhor pelo uso de sua cerra nem todas ocorreram em rodos os lugares. No norte da Gália, as cidades
pública. Provavelmente apenas os reis francos, no auge de seu podec, isco diminuíram de tamanho e as villae foram abandonadas, em 450, mas os
padrões de produção e di cribuição de aíram bem menos (a cconomi:1 Ja A exi!>téncia de dices "b rbaras " cm cad.1 um desses reino p , •
Gália Norrenba tinha, havia muito tempo, e;; eparado da do Mediterrâ- 11 111.rno~ e ·vc um impacto na cultura das elites romanas cambém: não

neo) e se encontravam estabilizados por volta do século Vl Nn Espanha, 11' irqu · os recém-chegados fo sem culrw:almeme disrimos - como acaba-
o interior viu uma simplificação dos padrões de distribuição e um aban- 111m de ver, na maior parte dos casos, eles não eram-, mas porque eram

dono parcial das villae, a partir do 1inal do século V, enquanto a costa do 111il1care . O craro ari rocrático do Império Romano tinha sido civil,
Mediterrâneo assistiu a menos mudanças até depois de 550. Na Itália e na , m sua majoria, como vimos no capítulo 1. Isso já não era cão comum no
GáJja Meridional, o meio do VI século foi o período de maiores mudanças, 11111 ndo de Aécio; Ep:l.rquio Áviro, por exemplo, oriundo de urna grande

mas a pequena produção artesanal especializada sobreviveu, bem como as 1.,mília senatorial gaulesa, tinha sido wn dos generajs de Aécio ames de
cidades. Na África, grande região exportadora no Ocidente romano tar- rlt- ~e tomar imperador, e podia ser descrito em termos bem marciais por
dio, poucas mudanças internas são visíveis até aproximadamenre o ano wu genro Sidôn io.51 Mas, nos reinos pós-romanos, a estrurura de carrei-
500, e pode-se acompanhar a sobrevivência de importantes elementos da 1,1 . ccular tornou-se continuamente mais militarizada, e mais e mais o
estruturas económicas romana até pelo menos 600, apesar de haver urna 1,,manos ambiciosos encontraram espaço nos séquicos e exército régios,

queda contínua nas exportações africanas encontradas cm outras partes l.ldo a lado com as próprias dites "bárbaras", em vel de se manterem na
do Mediterrâneo tão cedo quanto 450. d •cadente administração civil. O próprio Sidónio nunca fez isso, mas
Essas diferenças regionais - que poderiam vir a crescer, pois nos- ~cu filho Apolinário lutou pelos visigodos em Vouillé, e Arcádio, filho
sas informaçõe estão .ficando mais detalhadas o tempo rodo, na medida uc Apolinário, era um apoiador de Childeberco Idos francos. O lugar
em que as escavações arqueológicas cienríncas se tomam mais comun em onde os valores da aristocracia civil sobreviveram por mais tempo foi na
cada país - são indicadores dos diferentes impactos que as invasões e 05 1 rópria Roma, pois a hierarquia senatorial lá era parcialmente separa-
deslocamenros populacionais de 400-550 tiveram em cada parte do Im- da do serviço estacai, mas, mesmo na Itália, os senadores podiam fazer
pério. Foram maiores do que se costuma esperar no interior da Espanba, a opção militar: Cipriano, inimigo de Boécio, que teve uma carreira
e menores no norte da Gália franca e na África vândala. Tai diferenças parcialmente militar, criou seus filhos para serem soldados e até mesmo
tarn~é~ mostram que as aristocrac.ias dos novos reinos não se equipara- para falarem o gótico.
vam a nquc::za de seus predecessores ou ancestrais, precisamente porque era Essas tendências persistiram; todas as hierarquias ariscocrá-
mais difícil possuir propriedades em terras discantes agora que o Império ti.cas seculares se tornaram militares. A única alternativa era a Igreja.
se dividira (a super-rica elite senatorial de Roma, em particular, deixara Como já mencionamos, os aristocratas tornaram-se bispos, primeira-
de existir), mas esse empobrecimento também era mu iro variável, é verda- mente na Gália, pela metade do século V; na Itália, isso era meno co-
de, em termos regionais. Vendo globaJmeme, entretanro, essas mudanças mum até a Guerra Gótica, mas normalizou-se após esse evento. Essa
mostram que os reinos pós-romanos do Ocidente foram incapazes de atin- opção eclesiástica mostra a crescente riqueza da Igreja, tanto que valia
gir a imensidade de árculação e a escala da produção do antigo Império a pena para urna famíl ia da elice buscar dominar o ofício episcopal e,
Romano. O Oriente era bem diferente nesse aspecto; no início do século assim, as terras da Igreja, em uma dada diocese. Isso também mostra a
VI, as cidades, as indústrias e a troca de produto e cavam atingindo seu crescente localização das ações políticas, pois o poder episcopal estava
auge, e continuaram nesse nível até o início do sécttlo Vll. Mas O Império concentrado, acima de tudo, dentro da diocese, com exceção dos bispos
sobreviveu no Orieore. Essa correlação é exata: a complexidade econômica mais ricos e influentes; a Igreja se rornou ainda mais descentralizada no
dependia da unidade imperial, em ambos os Impérios, Oriental e Ociden- Ocidente pós-imperial. Ser um bispo era, alguma vezes, uma opção de
tal. As implicações que essas mudanças tiveram para as sociedades locais aposentadoria (como no caso de Sidônio e de seu filho Apoliná.rio, em
no Ocidente serão discutidas no capímlo 8. Clermont), mas cada vez mais se t0rnava uma opção de carreira, com

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uma formação csp,.: ifkamencc cli:ri .,1:, · \'C.tc\ p :u<l os filht, m,1i, l 111 codo (:lSO, à medid:1 que · c:. riras· tornava mais c::dc. iá ·ric.1, ela cam-
jovens, mas, outras vcze , para família imciras.1 i A c:uen . f:mlli Jc hrn1 li ava mai~ ocialment cdrica, mais moralizante; ma isso era um
Gregório de Tours, na Gália Cemra1, no éculo VT, inclu ia ct bi pm pt oduto do gênero, não ncce sariamcnce uma mudança cial, :,eja perce-
em quatro gerações, e apenas uma figura milicar, o dux Gundulfo. h1dJ ou real. As ariscocracias tradicionais romanas, autoras da maioria de
O maior resultado dessas tendência foi que a cultura le dite no,sa fomes, ainda estavam em vigor na maior parte do Ocidente; das
secular do Império Romano perdeu seu papel como indicador destJitus. l \i~tiam ao lado de famí.l ias rnai. recentes, que ascendiam na Igreja ou no

lsso explica por que provavelmente as villae rurais foram abandmadas: ~. crcico, e. é claro, das novas elite "bárbaras", mas es último grupo
como símbolo de conforto e de luxo, das estavam fora de moda en uma 11ndae cavam copiando a cu.lrura aristocrática romana. Ainda as im, até
ociedade mais militarizada. O consumo de carne foi imroduzid• nesse ,ncsmo essa cultlll'a escava mudando. E as ariscocracias e cavam tornan-
comcxco. A vestimenta das elice também mudou; rei e ariscocr.tas da d o- ·e cada vez mais Joca.lizada , distanciando-se uma da outras. o
Alta Idade Média vestiam-se como os generais romanos tardios e não final- porvokade 650, em todos os reinos pós-romanos-, elas deixariam
como os anti.gos senadore e a ua toga tradicional. 53 Porém, acina de de pen ar em si mesmas como romanas, mas antes como francas, visigóticas
tudo. deix:ou de ser importante saber de cor Virgílio e outro cl,ssicos ou lombardas. Os «romanos", ne se momento, restringiam-se ao Império
eculares ou ser capaz de escrever poesia e prosa elaborada , coi;a que riemal. às porções não lombardas da Itália ( obrecudo a própria Roma),
Sidônio ainda considerava essencial; o manejo da espada, ou da Jíblia, • à Aquitânia - a amiga parte visigótica da Gália, ortde os francos assen-
era fonte bem mais rdevame de capital cultural. Como re ulrad1°, nos- t:tram-se em menor quantidade. Nessa época, inclu ive, os romanos eram
sas fome escritas mudam dramaticamente, tornando-se muito na.i li- vistos como coisa do passado; porém, levou todo esse tempo para qu as
gadas a remas cristãos, hagiografia , ermõe , liturgia (como acorteceu pessoas reconheces em que o Império tinha desaparecido no Ocidencc.~ 4
também em Bizâncio). Não é que todas as formas de in trução licrária Por que o lrupério Romano desapareceu no Ocidente, mas não
de apareceram; mesmo no Ocidente, as aristocracias eram geralncnte no Oriente, é um problema que tem deixado perplexo os estudiosos ao
capaze de ler, até o final do éculo IX. Mas devemos, de qualqmr ma- longo de éculos, e continuará a deixá-lo . l o não me parece refletfr as
neira, nos manter neutros em relação a tais mudanças. Como enfaizado diferenças sociais entre Oriente e Oc.idcnce, ou a divisâo do Império. Pro-
no capítulo 1, é muiro mais importante reconhecer que uma ediração vavelmente, derivou, em parte, da maior exposição da áreas c ntra.is do
complexa ex istia, acima de tudo, para demonstrar que as elites ronanas Ocidente - ltália e, especialmente, o cemro e o sul da Gália - às invasões
eram e peciai . mas, como agora a identidade das elites estava mudmdo, de fronteira; ataques no Bálcãs, no Oriente, raramente ultrapas avam
ela não era mais necessária. Constantinopla ade.na-ando o resto do Império, mas ataques nas regiões
Essas mudanças usualrnent ocorriam de maneira lenta: iinal, militares ocidentais, norte da Gália e a províncias do Danúbio. podiam
150 anos é um longo tempo (apenas na Itália as mudanças foram real- ir longe bem mais facümc.::nce. Aceitar grupo inva ores no Império Oci-
mente rápidas, sobrerudo como resultado da Guerra Gótica, nosanos dcnral e estabelecê-los como federados era uma resposta perfeitamente
540). As pe soas geralmente não e"tavam ciente dela ; aju cavam-,e fa- sensat:i à situação, desde que essas áreas federadas não se tornassem tão
ci lmcme a cada pequena mudança. Não ede modo algum claro aé que indisciplinadas a ponto de os exércitos romanos terem de ser mobilizados
ponto a maioria dos escritores ocidentais viu o mundo romano come algo para enfrentá-las, ou cão grandes que ameaças em a base fiscal do Império
acabado, no período até 550, ou até mesmo mais carde. Os escritocs ra- e assim os recur o para os próprios exército regulare . Entretanto, infe-
ramente demon travam alguma no calgia do passado, e, apes:ir de S!rem lizmente para o Ocidente, isso aconteceu. Os visigodos, em 418, podiam
certamente capazes de reclamar sobre quão terrívei eram os costulttS de ser um apoio pa.ra o Império, porém, 50 anos depois, eram inimigos dele.
seu presente, essa é uma caracreríscica dos cor1servadorcs de cada gençã.o. Como clico anteriormenre, a conqui ta do centro cereal isca africano pelos
vândalo , em 439, coisa que os romanos crroncamcnri.: nà previram l'. l ,fftll/lf!.r rn 4 //. cd. S, L,:mccl, 3 vols. (Pari~, 1972-1975); e 11J, 16.S.52, sobre 12

qual não opuseram resi cência, parece-me ser o pomo crucial, o momcm11 e ,, moddu de Hunerico.
l ourtoL~. Lt:S Viwdales ,i /í-lji-ique (Paris, 1955), e a expansiva co~ferência publi-
após o qual esses potenciais aliados podiam transformar-se em pcrig1i-, , ,id,1 como f.:Antiquiti ta.rdive, vols.10-11 (2002-2003); Possidius,Life o/A 11g1~stme,
Os recursos do exército diminuíram de.mais após isso; o equilfb.rio do po ri.ui. R.J. Dcferra.ri,.Early ChristianBingraphies (Washington, 1952), PP· 7.>-131,
der mudou. Por volta de 476, mesmo o exército romano da Itália deve lc-1 , ,lp. 28-30; Prokopios, J,Vars, e~. e crad. H. ~- Dewing (Cambrid~c, :-1-assachuscrt ,
começado a pensar que a posse de ter.ras era desejável. E, não menos im l'114-1928). 4.6.5 -9. Sobre 3 Afr-ica no penedo, cf. A. H. MemUs (cd.), Vandals
l?t11111ms and Berbcrs (Aldershot, 2004).
portante, as eüres locais começaram a lidar com os poderes "bárbaros" cm
1. Durliar,De la vil/e antique J. ia viile byzanrine (Roma, 1990), PP· 92-123.
vez de com o governo imperial, que era, agora, muito distante e cada ve,
13. rokc, "A.O. 476: The Manufaccurc of a Turning Point", Cbirou, 13 (1983),
mais irrelevante; a provi ncialização da política marcou a sentença de mom·
f'IP· 81-119.
para o Lnpério Ocidental. No Oriente, o cone.role imperial obre a ourrn ). R. Macchews, WesternAri.stocraâesanrJlmperial Co1m AD 364-4~5 (Oxford'.
grande fome de grãos, o vale do Nilo, no Egito, nunca foi ameaçado nesse 1975); H. Wolfram, History efrhe Goths (Berkeley, 1988), pp. 139-175, P.J. Hcach
período, e a csrrurura logística do Império permaneceu imocada, como cr. Guths and Romans 332-489 (Oxford, 1991), PP· 193-224.
consequência. Quando os persas e depois o árabes retiraram do conrrol ~obre Gainas eEudóxia, cf. J. H. \V/. G. Licbeschuecz, Ba1·barians and Bishops (Ox-
romano o Egito e tamb6n o Levante, após 618, o Oriente também sofreria ford, 1990). Eudóx.ia e Pulquéria: K. G. Holum, 111eod~sian E,~pmses (Berkeley,
l982): L. James, Empmses and P"wtr in Early Byz,mt11tm (~c1ct:litCr, 2001), PP·
uma enorme e rápida crise. O Império Romano Oriental (que d1amaremo 'i9-82. Sobre O reinado de Teodósjo U como um codo, cf. F. M 11lar. A C,·eek Roman
de agora em diante de Império Bizantino) sobreviveu, mas foi por pouco, !Jmpire (Berkeley, 2006).
não sem ante ter sido consideravelmente rransformado.55 J.A rce, Bál'barosy 1-0111,mos en Hispan.ia, 400-507A.D. (M:tdrid, 2005), é funda.mental .
melhor panorama desce assunto polêmico éJ. C. Sánchcz León, los Bagmul.ae
(Jaén, 1996).
Notas 10 Orosiu Seven Bookso/History ag,úmt tbe Pagam, md. R.J. Deferrari (Washington,
1964), ; .41: sobre Agostillho, cf. R. A. Markus, Saemlum (Cambridge, 1970). PP·
1 A narrariva. geral mais compleca sobre esse período aí nda é a Histoin: du Bas-Empi,·e. 5-7l: 147-l53.
2 vols. (Paris, 1949-1959), de E. Scein; narrarivas analíricas atualizadas (e muiro 11 J. farthews, in: J. Harries & I. Wood (c:d.), The 1heodo$ia11 Code (London, 1993),
disrimas) sobre o Ocidente agora cscão em 1he Fali o/the Roman Empire (London, pp.19-44.
2005), de P. Hcarcher; e Barbarian Migmtions afld the Roman West, 376-568 ,. J.M. O'Flynn, Germalissimosoftbe W~temRomanEmpini(Edmomon, 1983),pp.
(Cambridge, 2007), de G. Halsall, que di atenção à cultura marcrial CAH, vol. 7 -103; mais imporcancc eJ. R. Moss, Histm·ia, 22 (1973), PP· 711-731.
14, 1he C,zmbridge Companio1'L to the Age ofjustini,m (Cambridge 2005), de M.
11 Novels of Valmti»i,m, n. 15, C1h, pp. 529-530.
Maas (cd.), e 71)(• Mediterranean World in Late Antiquity AD 365-600 (London,
1993), de A. Cameron, são int roduções de ponta, assim como The Roman Empire
1◄ alvian On ihe Govemance o/God, crad. J. F. O'Sull ivan, The W,·itingso/Sa/.vian, the
Presbyt;.,. (Washingwn, 1947),pp. 25-232; cf. Pri kos, fragmento 11.2, in: Blockley,
ar,d ils Gumanic Peoples (Berkk-y, 1997), de H. Wolfram. Sobre a imegraçiio dos
"bárbaros" no mundo romano, a série "Transformarion of che Roman World", PP· 267-273; comparar mmbém Oro ius, Hlstory, 7.41.7.
publicada pela Bcill, é a.gora um pomo de partida essencial, incluindo Kingdoms of , o macerial básico sobre os hunos (e obre as políticas do século V cm g!ral) é_P.
1he Empire (Leiden, 1997), de W. PohJ (ed.), e Regna and Gl'ntes (Leidcn, 2003), Hcachcr, "Toe: Hu ns a.nd the End of che Roman Empin: in Westcm Eu tope ,Englzsh
de H.-W. Goetz et aL (ed.). The Fali ofRome and riu End o/Ci11ilization (Oxford, Historica/Rtview, 110 (1995).pp. 4-41.
2005). de .B. Ward-Peckins, é um poderoso golpe contra o excc.,_.;ivo concinuismo. Os "' Sidonius Apollinaris, Ponm m 11/ Leuers. cd. e nad. W. B. Anderson (C:tmbridgc.
estudio ·os discordam, muitas vcies ferozmente, obre os assuntos discutido nesse Massachusms, 1962-1965), poema 7, linhas 392-602.
caplculo, e provavclmeme comi nuarão a discordar por algum tempo. 1· P. MacGeorge,Late Roman Wadord.s (Oxford 2002).
Viccor de Vira, History ofthe Vandai l'ersecution, crad. J. Moochead (Liverpool, ,. J.-O. Tjader, Die nicl,tliterarischm l11teir,ische11 Papyri ltalims aus der Zeit 445-700
1992), 2.38-40; 3.2-14 (citações de 3.3.3, 7); sobre 411, Aaes de la Confé,-ence de
(Lund, 1955-1982), n. 10-U.

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