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HISTÓRIA POLÍTICA:

MÉTODOS E PROBLEMAS HISTORIOGRÁFICOS


EDITORA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

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autorização, por escrito, do autor. Todos os direitos reservados desta

edição 2016 para a editora.


Solange Marly Oshima
HISTÓRIA E CONHECIMENTO

Angelo Priori
Luciana Regina Pomari
(Organizadores)

História política:
métodos e problemas
historiográficos

33
Eduem
Maringá
2016
HISTÓRIA E CONHECIMENTO

Apoio técnico: Rosane Gomes Carpanese


Normalização e catalogação: Ivani Baptista CRB - 9/331
Revisão Gramatical: Tania Braga Guimarães
Edição, Produção Editorial e Capa: Eliane Arruda
Carlos Alexandre Venancio

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

História política: métodos e problemas históriográficos / Angelo Priori, Luciana


H673 Regina Pomari (org.). – Maringá, Pr: Eduem, 2016.
90p. : il. (Coleção História e conhecimento EAD), v. 33.

ISBN - 978-85-7628-677-6

1. História política – Brasil - Estudo e ensino. I. Pomari, Luciana Regina. II. Título.

CDD 21. ed. 329

Copyright © 2016 para o autor


Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo
mecânico, eletrônico, reprográfico etc., sem a autorização, por escrito, do autor. Todos os direitos
reservados desta edição 2016 para Eduem.

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S umário

Sobre os autores > 7

Apresentação da coleção > 9

Apresentação do livro > 11

Capítulo 1
História Política: definições
Letícia Aparecida Paixão / Angelo Priori
> 13

Capítulo 2
Cultura política: usos e conceitos na > 21
perspectiva da Nova História Política
Natália Abreu Damasceno

Capítulo 3
História dos partidos políticos no Brasil
> 31
Rodrigo Pereira da Silva / Angélica Ramos Alvarez / Angelo Priori

Capítulo 4
Opinião pública: das pesquisas eleitorais às mídias > 45
Angélica Ramos Alvarez / Rodrigo Pereira da Silva / Luciana Regina Pomari

5
HISTÓRIA POLÍTICA: Capítulo 5
MÉTODOS E PROBLEMAS
HISTORIOGRÁFICOS História autobiográfica e intelectual: > 57
um breve balanço historiográfico
Denilton Novais Azevedo / Gelise Cristine Ponce Martins

Capítulo 6
Biografia e História > 65
Gelise Cristine Ponce Martins / Denilton Novais Azevedo

Capítulo 7
História e Política. Sociedade, tecnologia e redes sociais > 79
Maria Vandete de Almeida (Negavan)

6
S obre os autores

ANGELO PRIORI
Graduado em História pela UEL. Doutor em História pela Unesp. Pós-Doutor

em História pela UFMG. Professor do Departamento e do Programa de Pós-

-Graduação em História da UEM.

ANGÉLICA RAMOS ALVAREZ


Graduada em História pela UEM, campus de Ivaiporã/PR. Mestranda do Pro-

grama de Pós-Graduação em História da UEM.

DENILTON NOVAIS AZEVEDO


Graduado em História pela Universidade Tuiuti do Paraná. Mestre em Histó-

ria pela Universidade Estadual de Maringá – PR.

GELISE CRISTINE PONCE MARTINS


Graduada em História pela UEM. Especialista em História e Humanidades

pela UEM. Mestre em História pela Universidade Estadual de Maringá. Pro-

fessora da Secretaria de Estado da Educação do Paraná.

LETÍCIA APARECIDA PAIXÃO


Graduada em História pela UEM. Mestre em História pela Universidade Es-

tadual de Maringá.

LUCIANA REGINA POMARI


Graduada em História pela Unesp. Doutora em História pela Unesp. Pós-

-Doutora em História pela Universidade de Barcelona. Professora do Cole-

giado em História da Unespar, campus de Paranavaí/PR.

7
HISTÓRIA POLÍTICA: MARIA VANDETE DE ALMEIDA (NEGAVAN)
MÉTODOS E PROBLEMAS
HISTORIOGRÁFICOS Graduada em História pela UFAL, Maceió/AL. Mestre em História pela Universidade

Estadual de Maringá.

NATÁLIA ABREU DAMASCENO


Graduada em História pela UFS, Aracajú/SE. Mestranda do Programa de Pós-Gra-

duação em História da UEM. Bolsista Capes. Integrante do Grupo de Estudos do Tem-

po Presente (GET-UFS/CNPq).

RODRIGO PEREIRA DA SILVA


Graduado em História pela UEM, campus de Ivaiporã/PR. Mestre do Programa de

Pós-Graduação em História da UEM. Doutor em Arqueologia.

8
A presentação da Coleção
A coleção História e Conhecimento é composta de 42 títulos, que serão utiliza-
dos como material didático pelos alunos matriculados no Curso de Licenciatura em
História, Modalidade a Distância, da Universidade Estadual de Maringá, no âmbito
do sistema da Universidade Aberta do Brasil (UAB), que está sob a responsabilidade
da Diretoria de Educação a Distância (DED) da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal do Ensino Superior (Capes).
A utilização desta coleção pode se estender às demais instituições de Ensino Su-
perior que integram a UAB, fato que tornará ainda mais relevante o seu papel na for-
mação de docentes e pesquisadores, não só em História mas também em outras áreas
na Educação a Distância, em todo o território nacional. A produção dos 42 livros, a
qual ficou sob a responsabilidade da Universidade Estadual de Maringá, teve 38 títulos
a cargo do Departamento de História (DHI); 2 do Departamento de Teoria e Prática
da Educação (DTP); 1 do Departamento de Fundamentos da Educação (DFE); e 1 do
Departamento de Letras (DLE).
O início do ano de 2009 marcou o começo do processo de organização, produção
e publicação desta coleção, cuja conclusão está prevista para 2012, seguindo o cro-
nograma de recursos e os trâmites gerais do Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação (FNDE). Num primeiro momento, serão impressos 294 exemplares de cada
livro para atender à demanda de material didático dos que ingressaram no Curso de
Graduação em História a Distância, da UEM, no âmbito da UAB.
O traço teórico geral que perpassa cada um dos livros desta coleção é o compro-
misso com uma reconstrução aberta, despreconceituosa e responsável do passado. A
diversidade e a riqueza dos acontecimentos da História fazem com que essa reconstru-
ção não seja capaz de legar previsões e regras fixas e absolutas para o futuro.
No entanto, durante a recriação do passado, ao historiador é dado muitas vezes
descobrir avisos, intuições e conselhos valorosos para que não se repitam os erros de
outrora.
No transcorrer da leitura desta coleção percebemos que os livros refletem várias
matrizes interpretativas da História, oportunizando ao aluno o contato com um ines-
timável universo teórico, extremamente valioso para a formação da sua identidade
intelectual. A qualidade e a seriedade da construção do universo de conhecimento
desta coleção pode ser tributada ao empenho mais direto por parte de cerca de 30

9
HISTÓRIA POLÍTICA: organizadores e autores, que se dedicaram em pesquisas institucionais ou até mesmo
MÉTODOS E PROBLEMAS
HISTORIOGRÁFICOS em dissertações de mestrado ou em teses de doutorado nas áreas específicas dos livros
que se propuseram a produzir.
Esta coleção traz um conhecimento que certamente marcará positivamente a for-
mação de novos professores de História, historiadores e cientistas em geral, por meio
da Educação a Distância, o qual foi fruto do empenho de pesquisadores que viveram
circunstâncias, recursos, oportunidades e concepções diferentes, temporal e espacial-
mente.
Como corolário disso, seria justo iniciar os agradecimentos citando todos aqueles
que não poderiam ser nominados nos limites de uma apresentação como esta. Roga-
mos que se sintam agradecidos todos aqueles que direta, indireta ou mesmo longin-
quamente, quiçá os mais distantes ainda, contribuíram para a elaboração deste rico rol
de livros.
Além do agradecimento, registramos também o reconhecimento pelo papel da Rei-
toria da UEM e de suas Pró-Reitorias, que têm contribuído não apenas para o êxito
desta coleção mas também para o de toda a estrutura da Educação a Distância da qual
ela faz parte.
Agradecemos especialmente aos professores do Departamento de História do Cen-
tro de Ciências Humanas da UEM pelo zelo, pela presteza e pela atenção com que
têm se dedicado, inclusive modificando suas rotinas de trabalho para tornar possível a
maioria dos livros desta coleção.
Agradecemos à Diretoria de Educação a Distância (DED) da Coordenação de Aper-
feiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (Capes), e ao Ministério da Educação
(MEC) como um todo, especialmente pela gestão dos recursos e pelo empenho nas
tramitações para a realização deste trabalho.
Outrossim, agradecemos particularmente à Equipe do Nead-UEM: Pró-Reitoria de
Ensino, Coordenação Pedagógica e equipe técnica.
Despedimo-nos atenciosamente, desejando a todos uma boa e prazerosa leitura.

Moacir José da Silva


Organizador da coleção

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A presentação do livro
Os textos que compõem este livro foram pensados para servir aos alunos do curso de
graduação em História. Esta edição foi realizada exclusivamente para os alunos matricu-
lados em cursos de História da Universidade Aberta do Brasil (UAB).
Nossa preocupação central é a de proporcionar aos estudantes as informações mais
usuais sobre as concepções metodológicas e teóricas que permeiam o debate historiográ-
fico sobre a História Política.
Nesse sentido, os capítulos foram elaborados para marcar as trajetórias da produção
historiográfica nos últimos dois séculos, desvendando como os profissionais da história,
ao longo do tempo, formularam definições sobre História Política, elaboraram métodos
e técnicas de pesquisa e abordaram os principais temas de investigação. Enfim: os textos
servem para mostrar como os historiadores trilharam o caminho da pesquisa histórica e
da produção do conhecimento sobre esse campo específico.
Ao ler o livro, o estudante irá encontrar um conjunto de textos que o auxiliará na
elaboração de um rol de questões, fundamentais para problematizar a História Política,
mas também verá como ela se relaciona com outros temas historiográficos e como está
inserida no dia a dia da sociedade.
O primeiro capítulo foi redigido para o estudante compreender a dimensão historio-
gráfica do termo História Política, para perceber a sua trajetória e dimensionar quais são
seus métodos de estudo, suas fontes, seus interesses e objetos.
Como desdobramento do primeiro, o segundo capítulo trata da cultura política, que
é uma categoria que se encontra no cruzamento entre a história cultural e a história po-
lítica. Seu significado vai além da junção das duas palavras que formam o composto da
expressão. A junção do termo ‘cultura’ com a palavra ‘política’ extrapola a intenção de
adjetivação da cultura ou mesmo a sugestão de mistura dos dois componentes. O debate
em torno desse conceito e dos seus usos é múltiplo e difuso, tanto no campo da História
quanto no campo da Ciência Política, seu berço original. Nesse texto, a autora recupera
algumas discussões que dizem respeito não só à sua definição mas igualmente aos seus
usos e às suas implicações teórico-metodológicas no contexto da Nova História Política,
apontando algumas outras categorias com as quais se relaciona.
O terceiro capítulo tem dois objetivos. O primeiro visa buscar definir o que são parti-
dos políticos, fazendo uma discussão mais teórica e metodológica. E o segundo, mostrar
concisamente a trajetória dos partidos brasileiros, nos séculos XIX e XX, com ênfase
maior no período republicano.

11
HISTÓRIA POLÍTICA: O capítulo seguinte tem por alvo apresentar algumas reflexões sobre a opinião públi-
MÉTODOS E PROBLEMAS
HISTORIOGRÁFICOS ca. É importante ressaltar que são muitos os fatores que exercem influência e contribuem
significativamente para a formatação da opinião pública na sociedade. Para elucidar o
tema, os autores centraram suas análises em dois pontos: as pesquisas de opinião du-
rante as eleições, sobretudo as pesquisas eleitorais; e a mídia, um dos mais poderosos e
perceptíveis veículos de interferência na opinião pública.
O quinto e o sexto capítulos tratam de temas correlatos. No quinto capítulo, os au-
tores apontam como nas últimas décadas houve um crescente e renovado interesse por
parte dos historiadores em pesquisar trajetórias individuais (sobretudo as autobiográfi-
cas e as memórias de intelectuais), demonstrando que com uma investigação criteriosa é
possível compreender o percurso de vida de certos personagens e como eles influenciam
e são influenciados pela realidade social. No sexto capítulo, os mesmos autores voltam
ao tema, só que agora para trilhar o caminho das biografias, fazendo um conciso mas fun-
damental esquema de como esse tema aparece na produção cultural ao longo do tempo.
Por fim, fazem alguns importantes apontamentos metodológicos sobre o trabalho com
biografias, para mostrar que as trajetórias de vidas são apresentadas como estrada e/ou
caminho em que as experiências de vida são submetidas a uma lógica discursiva que vin-
cula os acontecimentos, produzindo uma unidade onde só existiriam fragmentos.
No último capítulo, o tema das mídias é retomado, agora para desnudar a questão das
redes sociais e demonstrar como essas, enquanto forma de representação das relações
humanas, também são consideradas como uma possibilidade de mediação na formula-
ção de políticas sociais, promotoras de culturas participativas, geradoras de interação
social e com capacidade de união igualitária e democrática entre os indivíduos.
Este livro é coletivo. Foi escrito por historiadores que estão em diversos momentos de
sua carreira. Há textos de historiadores já talhados pela lida historiográfica assim como
de jovens historiadores, que constituirão o futuro da produção historiográfica brasileira.
Por fim, uma última observação. Os organizadores deste volume escolheram os extra-
tos de documentos e formularam as reflexões de aprendizagem apresentadas no final de
cada capítulo, visando atender a um procedimento comum da coleção.
Desejamos uma boa leitura a todos e esperamos que este livro seja útil para que os
estudantes possam trilhar os caminhos emocionantes da História Política, bem como os
do ‘ofício do historiador’.

Angelo Priori
Luciana Regina Pomari
(Organizadores)

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1 História Política:
definições

Letícia Aparecida Paixão / Angelo Priori

A História é, diversas vezes, entendida como um processo de construção humana


de grupos sociais que promovem transformações ao longo do tempo, sendo o político
o ponto para onde conflui a maioria das atividades do conjunto social. Considerada
por muitos historiadores como uma dimensão complexa, a História Política abre even-
tualmente campos antagônicos dentro de si.
Para compreender essa dimensão historiográfica é necessário fazer algumas indaga-
ções: Qual é a sua trajetória? Quais são seus métodos de estudo? Quais são suas fontes?
Quais são seus interesses e objetos? Ao longo deste texto buscamos responder essas e
outras indagações a respeito.
O que autoriza classificar um trabalho historiográfico dentro da História Política é
naturalmente o enfoque no ‘poder’. Mas, que tipo de poder? Pode-se privilegiar desde
o estudo do poder estatal até o estudo dos micropoderes que aparecem na vida coti-
diana (BARROS, 2004, p. 106-107).
A História Política do século XIX mostrava uma preocupação praticamente exclusi-
va com a política dos grandes Estados, ou seja, conduzida ou interferida pelos ‘grandes
homens’. Para René Rémond (1996), durante séculos a chamada História Política – a
do Estado, do poder e das disputas por sua conquista ou conservação, a partir das
instituições em que ele se concentrava, das revoluções que o transformavam – desfru-
tou junto aos historiadores de um prestígio inigualado devido a uma convergência de
fatores.
Refletia nesse tipo de história o brilho que emanava do Estado, realidade suprema
e transcendente, que é uma expressão do sagrado em nossas sociedades seculariza-
das. No Antigo Regime, a história era naturalmente ordenada tendo em vista a glória
do soberano e a exaltação da Monarquia. As revoluções que derrubaram os regimes
monárquicos não destronaram a História Política de sua posição preeminente, apenas
mudaram seu objetivo. Em vez de fixar-se na pessoa do monarca, a História Política
voltou-se para o Estado e para a nação, consagrando daí em diante suas obras à for-
mação dos Estados nacionais, às lutas por sua unidade ou emancipação, às revoluções

13
HISTÓRIA POLÍTICA: políticas, ao advento da democracia, às lutas partidárias e aos confrontos entre ideolo-
MÉTODOS E PROBLEMAS
HISTORIOGRÁFICOS gias políticas (REMOND, 1996, p. 15-16).
Não podemos deixar de mencionar que, de meados do século XVIII ao terceiro
quartel do XIX, dois grandes movimentos, a Ilustração e o Romantismo, modificaram a
concepção de história, acentuando ainda mais a importância do político:

O Estado-nação se tornou tema central tanto da investigação quanto da nar-


rativa históricas [...]. O Romantismo associou as ideias de povo e nação como
constitutivas de uma mesma entidade coletiva manifesta na língua, na história e
na cultura comum (FALCON, 1997, p. 101).

A promoção do Estado à condição de objeto por excelência de produção histó-


rica significou a hegemonia da História Política. Daí porque, no século XIX, poder é
sempre poder do Estado – instituições, aparelhos, dirigentes –; e os ‘acontecimentos’
são sempre eventos políticos, pois são esses os temas nobres e dignos da atenção dos
historiadores.
A partir de 1930, é possível dizer que começou de fato o declínio da História Políti-
ca. Cada vez mais essa história foi conhecida como tradicional. De acordo com Falcon,
de 1929-1930 aos anos pós-1945 a História Política, cada vez mais tradicional, precisa
ser encarada em termos de duas trajetórias paralelas e bem distintas: a trajetória de
seu processo e condenação pelos Annales1, e a outra, da sua sobrevivência e lenta
recuperação.
Com relação à História Política tradicional, as críticas foram incisivas e definitivas: a
História Política só se interessava pelas minorias privilegiadas e negligenciava as mas-
sas; seu objeto eram fatos efêmeros e superficiais, inscritos na curta duração, incapazes
de fazer perceber os movimentos profundos da sociedade. Outra crítica era a de que a
História Política não dispunha do apoio de uma massa documental passível de ser tra-
tada estatisticamente, o que explicaria a presumida superioridade dos dados econômi-
cos sobre suas características subjetivas e impressionistas (FALCON, 1997, p. 106-109).
A partir dos anos 1970-1980, a Nova História Política começou a se consolidar. Pas-
sou a se interessar também pelo ‘poder’ nas suas outras modalidades – que incluem
também os micropoderes presentes na vida cotidiana, o uso político dos sistemas de
representações, e assim por diante. Para além disso, a Nova História Política passou a
abrir um espaço correspondente para uma ‘História vista de baixo’, ora preocupada

1 Os Annales propuseram a ampliação do domínio historiográfico, ou seja, a história como estudo do


homem no tempo, ou a totalidade social em última análise, com a consequente redefinição de conceitos
fundamentais, como documento, fato histórico e tempo. Para esta discussão, veja nesta mesma coleção
o livro de Angelo Priori (2010).

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com as grandes massas anônimas, ora preocupada com o ‘indivíduo comum’, e que História Política:
definições
por isso mesmo pode se mostrar como portadora de indícios que dizem respeito ao
social mais amplo (BARROS, 2004, p. 107).
Para Falcon (1997), a historiografia política passou a enfocar, nos anos 1970, a
microfísica do poder; na realidade, as infinitas astúcias dos poderes em lugares histó-
ricos pouco conhecidos dos historiadores – família, escola, asilos, prisões, hospitais,
hospícios, polícia, oficinas, fábricas etc. Em suma, no cotidiano de cada indivíduo ou
grupo social.
As novas correntes marxistas também vieram em auxílio dessa restauração do polí-
tico em geral, ou da História Política em particular. Neste caso, Evelina Dagnino (2000)
menciona a importância de alguns conceitos gramscianos que passaram a integrar um
novo conjunto diversificado de referências teórico-políticas em desenvolvimento. De
acordo com a autora, o primeiro e mais óbvio é o conceito de hegemonia, um processo
de articulação de diferentes interesses em torno da gradual e sempre renovada imple-
mentação de um projeto de transformação da sociedade (2000, p. 66).
O segundo ponto refere-se ao conceito gramsciano de transformação social, segun-
do o qual a revolução não é mais concebida como um ato insurrecional de tomada de
poder do Estado, mas como um processo no qual a reforma intelectual e moral é parte
integral, em vez de, simplesmente, uma consequência possível. Duas formulações fun-
damentais estão na base dessa concepção de transformação social. A primeira refere-se
à própria noção de poder, entendida por Gramsci não como uma instituição, uma ‘coi-
sa’ a ser tomada, mas como uma relação entre forças sociais que deve ser transforma-
da. A segunda é uma forte ênfase no caráter de construção histórica da transformação
social, diferente de um processo fatalista e predeterminado (DAGNINO, 2000, p. 67).
O terceiro aspecto é a ênfase dada por Gramsci à sociedade civil como terreno da
luta política, concebida como uma ‘guerra de posições’, em vez de uma ‘guerra de
manobras’ ou ataque frontal ao Estado. Essa ênfase é um dos elementos do pensa-
mento gramsciano que veio a desempenhar papel decisivo nas novas direções que se
abriram para a esquerda na América Latina, implicando não somente uma revisão do
papel até então atribuído ao Estado como também uma ampliação do terreno político
e da pluralidade das relações de poder. Essa expansão do político estabelece novos
parâmetros para a reflexão sobre as relações entre a cultura e a política (DAGNINO,
2000, p. 67-68).
Nesse sentido, o papel desempenhado pelo conjunto da obra de Gramsci no am-
plo processo de renovação da esquerda seguramente qualificou sua contribuição ao

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HISTÓRIA POLÍTICA: campo específico das relações entre cultura e política.2
MÉTODOS E PROBLEMAS
HISTORIOGRÁFICOS A renovação da História Política foi grandemente estimulada pelo contato com
outras ciências sociais e pelas trocas com outras disciplinas, afirmou Réne Remond
(1996). O objetivo da História Política, por natureza interdisciplinar, torna isso uma
necessidade mais imperativa que em outros casos. É impossível para a História Política
praticar o isolamento: a pluridisciplinaridade é para ela como o ar de que precisava
para respirar.
Ainda para o autor, a História Política deve bastante às trocas com outras disci-
plinas: sociologia, direito público, psicologia social e mesmo psicanálise, linguística,
matemática, informática e cartografia, dentre tantas outras. A umas a História Política
pediu emprestadas técnicas de pesquisa ou de tratamento; a outras, conceitos, um vo-
cabulário, uma problemática. Às vezes pediu uma e outra coisa às mesmas disciplinas,
já que os métodos e as técnicas estão geralmente ligados aos tipos de interrogação
formulada e a uma forma de abordagem intelectual.
A outras ciências do homem em sociedade a História Política tomou de emprés-
timos noções e interrogações. Em contato com o que se chama de Ciência Política
é que ela se interessou por fenômenos sociais que até então negligenciava, como a
abstenção, embora essa seja o inverso e o corolário da participação. A Ciência Política,
conjugando seus efeitos com a sociologia, obrigou o historiador a formular perguntas
que renovam as perspectivas (RÉMOND, 1996, p. 30).
Seria possível, então, definir-se uma problemática própria?

Reconhece-se que é fundamental que o historiador político passe do estudo


institucional do Estado para o estudo do poder; e também que devem ser eli-
minadas das pseudoquestões tradicionais – como a do conceito de soberania.
O essencial é o conceito de acontecimentos políticos a ser revisto, ponto de
partida para uma história política compreensiva, embasada em conceitos como
sistema partidário, períodos críticos, além de maior abertura aos elementos
culturais tidos até aqui como extrapolíticos (FALCON, 1997, p. 124).

Peter Burke, em A escrita da história, destaca o fato de estar a História Política di-
vidida (nas instituições e entre os historiadores) entre dois tipos de preocupação: com
os centros de governo (poder) e com as raízes sociais (da política e do poder). Outro
fator assinalado por Burke é a descoberta da cultura pelos historiadores políticos – a
começar pelo conceito de ‘cultura política’.
Em seus estudos, Alvarez, Dagnino e Escobar (2000, p. 17-21) utilizam a ‘política
cultural’ para chamar a atenção para o laço constitutivo entre cultura e política, e

2 A obra teórica de Antônio Gramsci é ampla e diversa. Os conceitos aqui elencados aparecem em vários
livros, entre eles nestas referências (GRAMSCI, 1966, 1991, 2007).

16
a redefinição de política que essa visão implica. Tal laço constitutivo significa que a História Política:
definições
cultura entendida como concepção do mundo, como conjunto de significados que
integram práticas sociais não pode ser entendida adequadamente sem a consideração
das relações de poder embutidas nessas práticas. Com a expressão ‘política cultural’
eles se referem, então, ao processo pelo qual o cultural se torna fato político.
Os autores realizaram uma análise dos movimentos sociais na América Latina nos
anos 1980 e enfatizaram que todos os movimentos sociais põem em prática uma po-
lítica cultural. E afirmam que seria tentador restringir o conceito de política cultural
àqueles movimentos que são claramente culturais. Nos anos 1980, essa restrição resul-
tou numa divisão entre movimentos sociais ‘novos’ e ‘velhos’.
Os ‘novos’ eram aqueles para os quais a identidade era importante, aqueles enga-
jados nas ‘novas formas de fazer política’ e os que contribuíram para formas novas de
sociabilidade. As opções favoritas eram os movimentos indígenas, étnicos, ecológicos,
femininos, homossexuais e os de direitos humanos. Ao contrário, os movimentos ur-
banos, camponeses, operários e de bairro, entre outros, eram vistos como lutas mais
convencionais por necessidades e em busca de recursos.
As identidades e estratégias coletivas de todos os movimentos sociais estão ine-
vitavelmente vinculadas à cultura. As políticas culturais são também postas em ação
quando os movimentos intervêm em debates políticos, tentam dar novos significados
às interpretações culturais dominantes da política, ou desafiam práticas políticas esta-
belecidas (ALVAREZ; DAGNINO; ESCOBAR, 2000).
Como afirma Evelina Dagnino (2000), o conceito de política cultural é importante
para se avaliar o alcance das lutas dos movimentos sociais para democratização da so-
ciedade e para destacar as implicações menos visíveis e amiúde negligenciadas dessas
lutas. Ela sustenta que as contestações culturais não são meros ‘subprodutos’ da luta
política, mas, ao contrário, são constitutivas dos esforços dos movimentos sociais para
redefinir o sentido e os limites do próprio sistema político.
Alvarez, Dagnino e Escobar (2000) interpretam política cultural como processo
posto em ação quando conjuntos de atores sociais moldados por e encarnando dife-
rentes significados e práticas culturais entram em conflito uns com os outros. A cultura
é política porque os significados são constitutivos dos processos que, implícita ou ex-
plicitamente, buscam redefinir o poder social. Isto é, quando apresentam concepções
alternativas de mulher, de natureza, raça, economia, democracia ou cidadania que
desestabilizam os significados culturais dominantes, quando os movimentos põem em
ação uma política cultural.
O ângulo mais importante para analisar as políticas culturais dos movimentos
sociais talvez seja a relação com seus efeitos sobre a(s) cultura(s) política(s). Cada

17
HISTÓRIA POLÍTICA: sociedade é marcada por uma cultura dominante. Os autores definem cultura política
MÉTODOS E PROBLEMAS
HISTORIOGRÁFICOS como a construção social particular em cada sociedade do que conta como ‘político’.
Desse modo, a cultura política é o domínio de práticas e instituições, retiradas da
totalidade da realidade social, que historicamente vêm a ser consideradas como pro-
priamente políticas (da mesma maneira que outros domínios são vistos propriamente
como ‘econômicos’, ‘culturais’ e ‘sociais’).
Os objetos da História Política são todos aqueles atravessados pela noção de ‘po-
der’. Nesse sentido, teremos de um lado aqueles antigos enfoques da História Política
tradicional que, apesar de terem sido rejeitados pela historiografia mais moderna a
partir dos anos 1930, nas últimas décadas do século XX começaram a retornar com
novo sentido. A guerra, a diplomacia, as instituições, ou até mesmo a trajetória política
dos indivíduos que ocuparam lugares privilegiados na organização do poder, tudo isso
começa a retornar a partir do final do século XX, com um novo interesse (BARROS,
2004).
Além desses objetos que se referem às relações entre as grandes unidades políticas
e aos modos de organização dessas grandes unidades políticas que são os Estados e
as Instituições, ganham especial destaque as relações políticas entre grupos sociais de
diversos tipos, destaca Barros (2004, p. 109). A rigor, as ‘ideologias’ e os movimentos
sociais e políticos sempre constituíram pontos de especial interesse por parte da nova
historiografia iniciada com o século XX. Por outro lado, tal como já ressaltamos, hoje
despertam um interesse análogo às relações interindividuais (micropoderes, relações
de poder no interior da família, relacionamentos intergrupais), bem como o campo
das representações políticas dos símbolos, dos mitos políticos, do teatro do poder. Em
muitos desses âmbitos, são evidentes as interfaces da História Política com outros cam-
pos historiográficos, como a História Cultural, a História Econômica, ou, sobretudo, a
História Social.
Por fim, destacamos que dentro do campo da História existem diversas abordagens
e especialidades. Mesmo dentro das divisões geradas por um mesmo critério de coe-
rência existem as interfaces e as interpenetrações, combinações de duas ou três dimen-
sões historiográficas, as convivências de duas ou três abordagens, seja por alternância
ou por complementaridade, e por fim as ambiguidades e objetos comuns aos vários
domínios. José D’Assunção Barros (2004) nos alerta sobre o problema das ‘dimensões’
da realidade social. Existem pelo menos três delas que são extremamente complexas e
de certo modo deixam suas marcas em todas as outras: a Política, a Cultural e a Social.
De alguma maneira, tudo nas relações humanas é perpassado pelo ‘poder’ nas suas
múltiplas formas (macropoderes e micropoderes): tudo o que é humano é parte da
‘cultura’ no seu sentido mais amplo, e o ‘social’ pode estar identificado como a própria

18
sociedade. De qualquer modo, a historiografia será sempre um campo complexo e que História Política:
definições
resiste às subdivisões, o que não impede que elas sejam pensadas como parâmetros
mais gerais de orientação.

Referências

ALVAREZ, Sônia; DAGNINO, Evelina; ESCOBAR, Arturo. O cultural e o político nos


movimentos sociais latino-americanos. In: ALVAREZ, Sônia; DAGNINO, Evelina;
ESCOBAR, Arturo. (Org.). Cultura e política nos movimentos sociais. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2000. p. 15-57.

BARROS, José D’Assunção. O campo da História: especialidades e abordagens.


Petrópolis: Vozes, 2004.

DAGNINO, Evelina. Cultura, cidadania e democracia: a transformação dos discursos


e práticas na esquerda latino-americana. In: ALVAREZ, Sônia; DAGNINO, Evelina;
ESCOBAR, Arturo (Org.). Cultura e política nos movimentos sociais. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2000. p. 61-102.

FALCON, Francisco. História e poder. In: CARDOSO, Ciro Flamarion Santana;


VAINFAS, Ronaldo (Org.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia.
Rio de Janeiro: Elsevier, 1997. p. 61-90.

GRAMSCI, Antônio. Cadernos do Cárcere – Maquiavel: notas sobre o Estado e a


Política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. v. iii.

GRAMSCI, Antônio. Concepção dialética da História. Rio de Janeiro: Civilização


Brasileira, 1966.

GRAMSCI, Antônio. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro:


Civilização Brasileira, 1991.

PRIORI, Angelo (Org.). Introdução aos estudos históricos. Maringá: Eduem, 2010.

RÉMOND, René. Por uma História política. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996.

19
HISTÓRIA POLÍTICA:
MÉTODOS E PROBLEMAS
HISTORIOGRÁFICOS
Fontes e referenciais para o aprofundamento temático

Estudar a história do político é estar convencido de que o político existe por


si mesmo, professar que ele tem uma consistência própria e uma autonomia
suficiente para ser uma realidade distinta.
O historiador, nem por isso crê que o político mantenha todo o resto sob
sua dependência. Seria ingênuo acreditar que o político escapa das determina-
ções externas, das pressões, das solicitações de todo tipo. Foi e continua sendo
uma contribuição das pesquisas das últimas décadas lançar luz sobre o jogo dos
interesses, as correspondências entre os pertencimentos sociais e as escolhas
políticas, acompanhar a intervenção dos grupos de pressão e mostrar que a de-
cisão política era a resultante de uma multiplicidade de fatores que nem todos
eram políticos, podendo ir até a alienação da vontade política e o confisco do
Estado. Mas seria excessivo inferir a partir daí que a política nunca é mais do
que a consequência de parâmetros que lhe são estranhos. (...)
O historiador do político não reivindica como objeto de sua atenção prefe-
rencial essa hegemonia: não pretende que tudo seja político, nem terá a impru-
dência de afirmar que a política tem sempre a primeira e a última palavra; mas
constatar que o político é o ponto para onde conflui a maioria das atividades e
que recapitula os outros componentes do conjunto social.

Extrato documental extraído do livro:


REMOND, René. Por uma História política. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV,
2003. p. 444-46.

1) Reflexão para aprofundamento temático


Tomando como referência o extrato documental apresentado acima, bem como as discus-
sões ao longo do texto, elabore uma definição de História Política, pontuando qual o papel
dos historiadores para a retomada desses estudos.

20
2 Cultura política:
usos e conceitos na
perspectiva da
Nova História Política

Natália Abreu Damasceno

Cultura política é uma categoria que se encontra no cruzamento entre a história


cultural e a história política. No entanto, sua significação vai muito além da junção das
duas palavras que formam o composto da expressão. A junção dos termos ‘cultura’ e
‘política’ extrapola a intenção de adjetivação da cultura ou mesmo a sugestão de mis-
tura dos dois componentes (CASTRO, 2008). O conceito de cultura política une dois
termos bastante conhecidos pela história para formar uma definição particular, que
interage com ambas as palavras de que é composta mas não é nem uma nem outra. O
debate em torno desse conceito e dos seus usos é múltiplo e difuso, tanto no campo
da História quanto no campo da Ciência Política, seu berço original. Neste breve texto,
recuperaremos algumas discussões que dizem respeito não só à sua definição mas
também aos seus usos e às suas implicações teórico-metodológicas no contexto da
Nova História Política, apontando algumas outras categorias com as quais se relaciona.
Muito se tem discutido sobre o surgimento de novos paradigmas e tendências
historiográficas decorrente das intensas transformações do século XX e da crescente
interação entre a História e as Ciências Sociais. A história política representou, nesse
contexto, um dos pontos de tensão dessas transformações, tendo muitos de seus con-
ceitos questionados ou mesmo rejeitados por importantes instâncias da historiografia
ocidental. No caso francês, a história política foi relegada ao exílio a partir da Segunda
Guerra Mundial e solapada pelos preceitos do marxismo e da Escola dos Annales. Po-
rém, apesar de seus detratores, a história política tradicional persistiu, e, à revelia do
seu pretendido desaparecimento por parte da crítica acadêmica, muitas de suas obras
se tornaram sucessos editoriais e predominaram entre o grande público, ávido por
respostas às contradições da contemporaneidade.

21
HISTÓRIA POLÍTICA: Além disso, a sociedade pós-industrial baseada no domínio tecnológico, a universa-
MÉTODOS E PROBLEMAS
HISTORIOGRÁFICOS lização da burocracia, o retorno do acontecimento como notícia e o importante papel
da mídia de massa como veículo produtor de significação política escancararam a invia-
bilidade desse exílio, trazendo à tona a necessidade de explicações para as angústias,
os anseios, e para as vigorosas mudanças políticas do dinâmico século XX. No entan-
to, a história política tradicional, produzida predominantemente, desde o século XIX,
pela escola metódica e/ou positivista, mostrava sinais de falência diante desses novos
desafios e dos constantes ataques das correntes estruturalistas, as quais, via de regra,
privilegiavam abordagens socioeconômicas e minimizavam a autonomia do político.
Em meados da década de 1970, o historiador francês Jacques Julliard (1988) ques-
tiona o desinteresse das correntes historiográficas predominantes, à sua época, em
relação à história política, e sustenta que ela deve ter suas formas mais tradicionais
repensadas, porém jamais ignoradas. Em capítulo que compõe o livro História: novas
abordagens, o autor denuncia uma estagnação da história política, decorrente de seu
exílio nos debates acadêmicos. Segundo ele, o mundo moderno, a expansão do apa-
relho estatal e o desenvolvimento dos meios de comunicação carecem urgentemente
do ‘retorno’ do político às produções científicas e de ajustes e avanços em seu estudo.
Nesse sentido Julliard pontua que, a fim de superar esse atraso da história política
e adequá-la às demandas sociais modernas, é necessário tocar em algumas questões
básicas, como por exemplo a definição do conceito de poder político e da natureza do
que é político, a distinção entre história factual e história política, e a compreensão da
multiplicidade de atores políticos.
É precisamente nesse contexto, quando a história política começa a pensar a coleti-
vidade de atores sociais para além do Estado e das instituições, a explorar os jogos de
força que configuram as redes de poder, e a miríade de fontes e abordagens possíveis
no estudo do político que o conceito de cultura política passa a ser utilizado por his-
toriadores desse campo. Sendo assim, cabem as questões: Qual é, afinal, a origem do
conceito de cultura política? E de que forma ele foi incorporado pela história política?
As primeiras discussões que trouxeram à tona a definição de cultura política foram
feitas por cientistas políticos estadunidenses na década de 1950 e consolidadas por
eles mesmos na década seguinte, com a publicação do livro The Civic Culture: political
attitudes and democracy in five countries, de Gabriel A. Almond e Sidney Verba (CAS-
TRO, 2008). Segundo o cientista político Henrique Carlos Castro, o conceito original
de cultura política é etnocêntrico e serviu como instrumento ideológico de compreen-
são e intervenção na realidade, uma vez que suas implicações teóricas foram pouco
discutidas em favor da criação de um modelo que atendesse às demandas políticas do
contexto em que foi forjado. Portanto, filha de seu tempo, essa definição carregava o

22
discurso ideológico da imposição do modelo de democracia dos Estados Unidos para Cultura política:
usos e conceitos na
o mundo ocidental típico do período da Guerra Fria. Todavia Castro pondera que, perspectiva da
Nova História Política
apesar de suas limitações, o conceito inicial de cultura política possui um importante
legado acadêmico, no sentido de contribuir para a compreensão da existência da rela-
ção entre o que as pessoas pensam e a organização da sociedade. Isto é, numa época
em que os estudos do político privilegiavam esferas estatais e institucionais como ob-
jeto de pesquisa e agentes da história, Almond e Verba sinalizaram a necessidade de se
deslocar o foco da pesquisa para os grupos sociais a fim de se entender a relação entre
os comportamentos políticos e a forma como se organiza a sociedade.
Segundo Serge Bernstein (1998), um dos baluartes do que se convencionou cha-
mar de Nova História Política na França, o conceito de cultura política desponta, no
campo da história, a partir da necessidade de apreender fenômenos complexos do
comportamento político que teorias marxistas e idealistas da sociologia e mesmo da
psicanálise falharam em explicar satisfatoriamente. Nesse sentido, historiadores fran-
ceses influenciados pela antropologia se apropriaram do conceito a partir da década
de 1980, renegando, no entanto, a sua gênese determinista e de eficácia limitada. Essas
reformulações teriam sido motivadas pela renovação da história política, que passava
a extrapolar as suas fronteiras anteriormente cerceadas exclusivamente por eventos,
fatos e grandes personalidades da história (COSTA, 2011).
Devido às muitas críticas que recebeu o conceito original de cultura política, este
tornou-se uma categoria polissêmica e apropriada de maneiras diversas a depender
da área do conhecimento e da filiação teórica dos pesquisadores que a incorporaram.
Contudo, focaremos nos conceitos e nos usos mais próximos às tendências recentes
da história política; afinal, estes já comportam discussões plurais e demasiado amplas.
Para Berstein, cultura política é um conceito de múltiplos parâmetros que permite
ao historiador compreender as motivações que levam atores sociais a adotarem este
ou aquele comportamento político. A partir de um conjunto de referenciais e códigos
formalizados, a cultura política reúne grupos de indivíduos em torno de uma leitura
comum e normativa do passado histórico, de um plano de organização política do
Estado e de uma concepção de sociedade ideal que traduz um devir compartilhado.
Nessa perspectiva, a cultura política revela visões de mundo e marcas das experiências
vividas num determinado entendimento do passado e de projeções do futuro. O autor
acrescenta que o nascimento de uma cultura política ‘corresponde às respostas dadas
a uma sociedade face aos grandes problemas e às grandes crises da sua história, res-
postas com fundamento bastante para que se inscrevam na duração e atravessem as
gerações’ (BERSTEIN, 1998, p. 355). Logo, a cultura política é um fenômeno histórico
e evolutivo, pois sofre transformações ao sabor das mudanças experimentadas pela

23
HISTÓRIA POLÍTICA: sociedade. Aliás, ela se alimenta tanto de um contexto cultural de uma sociedade ou de
MÉTODOS E PROBLEMAS
HISTORIOGRÁFICOS um grupo quanto de outras culturas políticas. É, portanto, um corpo vivo e permeável.
Quando não se adapta à realidade, seu destino é o declínio. Assim, as representações
de uma cultura política não podem entrar em forte contradição com a realidade obje-
tiva. Caso contrário, ela perde sua credibilidade e o próprio sentido de sua existência.
Ainda, o uso do conceito de cultura política concebe o político em toda a sua
dimensão simbólica, que, para além de uma forma de enunciação, é também agente
enunciante. As suas formas de expressão pressupõem vocabulário, palavras-chaves e
fórmulas repetitivas que ‘são portadoras de significação, enquanto ritos e símbolos de-
sempenham, ao nível do gesto e da representação visual, o mesmo papel significante’
(BERSTEIN, 1998, p. 351). Dessa maneira, extrapolando os limites das tradições e as
formalidades da ‘racionalidade’ de uma ideologia, a noção de cultura política é pos-
sível de ser ‘aplicada à massa daqueles que têm opiniões políticas, qualquer que seja
seu nível cultural, e ainda que não estejam em condição de sustentar uma discussão
teórica’ (BERSTEIN, 2003, p. 89), pois remete a um conteúdo ideológico que não
se explica mas se sente e se transmite por meios difusos, como memória, símbolos,
bandeiras, festas, canções, etc. Por meio dessa propriedade de aliar racionalidades a
sensibilidades, o conceito de cultura política integra as tendências de ampliação do
foco da análise para atores sociais diversificados.
O livro intitulado Cultura e política nos movimentos sociais latino-americanos
(2000) expande essa noção sob a perspectiva de cientistas políticos e sociais. Nessa
obra, a cultura política é vista como arma de luta para classes subalternas. Consiste,
portanto, em uma construção social particular do que conta como ‘político’. Nesse
sentido, sustenta-se que seu fortalecimento entre segmentos sociais desfavorecidos
viabiliza a redefinição de conceitos (de democracia, cidadania, espaço público, socie-
dade civil etc.) para que discursos e práticas que legitimam a dominação sejam des-
valorizados. Diante da pluralidade de culturas políticas que coexistem, se influenciam
e entram em disputa em uma sociedade (BERSTEIN, 1998), (ALVAREZ; DAGNINO;
ESCOBAR, 2000), torna-se papel dos movimentos sociais, de acordo com essa abor-
dagem, tentar desestabilizar a cultura política dominante redimensionando o político.
Desse modo, a cultura política abrange campos de negociação de poder a partir do
questionamento e da desconstrução do poder social legitimado.
A partir dessas considerações, torna-se evidente que o que se entende por políti-
co, cultura política e poder está intimamente entrelaçado. Façamos considerações a
respeito. Segundo Francisco Falcon (1997), a partir da consolidação da Nova História
Política os conceitos de poder e de político passam ‘ao domínio das representações
sociais e de suas conexões com práticas sociais’ (FALCON, 1997, p. 119). Desse modo,

24
o poder é entendido como elemento inerente às relações humanas, de forma que Cultura política:
usos e conceitos na
imaginários, memórias coletivas e práticas discursivas são entendidos como domínios perspectiva da
Nova História Política
do poder. Assim sendo, o político é uma modalidade da prática social e não uma esfera
alheia às relações entre os indivíduos (RÉMOND, 2003).
Ao tratar da dimensão simbólica do poder, o que, em grande medida, flerta com o
próprio conceito de cultura política, Pierre Bourdieu (2007) faz considerações esclare-
cedoras para o nosso entendimento. Analisando o sistema simbólico de representações
que regem a prática social e dão legitimidade ao poder político, Bourdieu afirma que é
nas disputas pelo ‘fazer ver’ e ‘fazer crer’, travadas por forças sociais circunscritas num
campo de poder, que se define a forma legítima de dominação. Desse modo, o poder
simbólico é o poder de construção da realidade que estabelece o sentido imediato do
mundo social, sedimentando concepções homogêneas de tempo, espaço, causa e mes-
mo do devir, o que contribui para a reprodução da ordem social. Nesse sentido, a signi-
ficação política dos fatos e acontecimentos da vida social não é natural, mas passa pelas
‘lutas pelo monopólio de fazer ver e fazer crer, de dar a conhecer e de fazer reconhecer,
de impor a definição legítima das divisões do mundo social’ (BOURDIEU, 2007, p. 113).
Semelhante modelo interpretativo abre perspectivas que apontam para uma análise
mais abrangente das vias por onde transita o político. Ora, se as nossas vias de acesso
ao mundo também compõem o político, por meio da disputa pelo ‘fazer ver’ e ‘fazer
crer’, isso nos leva a uma maneira mais complexa de se pensar o exercício do poder e
o da dominação, os quais, de acordo com Bourdieu, raramente são efeito de uma im-
posição imperativa, mas fruto da contribuição dos agentes (incluindo os dominados).
Portanto, se pensarmos a cultura política como um núcleo duro a partir do qual seus
adeptos interpretam o mundo e atribuem significados que representam interesses e
valores próprios e que fazem frente às disputas por poder, ou por um projeto ideal de
organização do Estado em jogo numa sociedade, é possível pensá-la como uma forma
de poder simbólico.
De maneira similar, a cultura política também se entrelaça com duas outras cate-
gorias, a opinião pública e o imaginário social. Ao dissertar sobre opinião pública,
Walter Lippmann (1997) 1 sustenta que os cidadãos experimentam o mundo numa se-
gunda mão, por meio de uma realidade filtrada pelo prisma de interpretações alheias.
A complexidade do mundo moderno faz com que, nos regimes democráticos, seja-
mos convocados a decidir sobre coisas que não experienciamos. Diante disso, cria-
mos imagens de um mundo que não podemos alcançar, e é precisamente com base

1 Vale lembrar que a obra Public Opinion, à qual nos referimos, foi originalmente publicada em 1922.
Essa discussão é, então, anterior ao próprio conceito de cultura política. [Nota do organizador: veja
neste volume capítulo específico sobre Opinião Pública].

25
HISTÓRIA POLÍTICA: nessas representações que nos posicionamos e atuamos sobre a realidade (BOUR-
MÉTODOS E PROBLEMAS
HISTORIOGRÁFICOS DIEU, 2007). Dessa forma, por definição, Lippmann entende Opinião Pública como
as imagens mentais dos homens – as quais são uma mistura de imagens próprias, de
imagens pensadas por outros, de suas necessidades, propósitos e relacionamentos –
que conduzem a sua ação social.
Esse autor define ainda uma categoria essencial para a nossa reflexão, os estereóti-
pos. Para ele, os estereótipos forjam nossos padrões (standards) e são internalizados
por intermédio das artes, dos códigos morais, das filosofias sociais e das agitações po-
líticas. Acrescenta que o homem define algo antes mesmo de vê-lo, pois muitas vezes
lhe contam sobre o mundo antes mesmo que possa experimentá-lo. Assim, diante da
avalanche de acontecimentos no ‘mundo externo às nossas cabeças’ (the outer world)
‘nós pinçamos o que a nossa cultura já definiu por nós, e tendemos a perceber o que
pinçamos sob a forma que nos foi estereotipada pela nossa cultura’ (LIPPMANN, 1997,
p. 55, tradução nossa)2.
De modo semelhante, o conceito de imaginário social também aponta para a in-
ternalização de imagens mentais e de conjuntos de significados a partir dos quais se
condicionam os posicionamentos políticos. Vejamos. Segundo Bronislaw Baczko, as re-
presentações coletivas que sustentam o poder político guiam as ações, modelam com-
portamentos, mobilizam energias e legitimam as violências (reais ou simbólicas). Capaz
de transformar o arbitrário em legítimo, o imaginário constitui pontos de referência
– em um vasto sistema simbólico – construídos pelas coletividades, por meio dos quais
elas se percebem, bem como os outros (amigos, inimigos, rivais, aliados etc) e o mundo
que as rodeia. É a partir do imaginário que se elaboram objetivos de uma coletividade,
assim como as suas crenças comuns e a distribuição de papéis e posições sociais.
Considerando que a cultura política é composta por valores, crenças, tradições
e demais elementos de identificação que lhe dão coerência e são produtos de uma
experiência histórica compartilhada por um grupo (CASTRO, 2008), é possível perce-
ber que esquemas mentais de interpretação da realidade, como a opinião pública, os
estereótipos e o imaginário social estão condicionados a esse conjunto de variáveis.
Isto é, ainda que possua um longo tempo de maturação (segundo Berstein sua gêne-
se leva no mínimo duas gerações para se consolidar) que lhe garante uma força du-
radoura, profundamente interiorizada e ‘impermeável à crítica racional’ (BERSTEIN,
1998, p. 360), a cultura política passa por desvios, confirmações e fortalecimento das
certezas adquiridas, ou seja, possui a sua dimensão razoavelmente flexível e inseri-
da na curta duração. A nosso ver, é precisamente nessa dimensão que se encontra a

2 LIPPMANN, Walter. Public Opinion. New York: Free Press Papebacks, 1997.

26
fluidez do circunstancial, que condiciona os imaginários sociais e a opinião pública, Cultura política:
usos e conceitos na
por exemplo, os quais a curto prazo permanecem ligados à experiência da conjuntura, perspectiva da
Nova História Política
enquanto a longo prazo contribuem para modelar visões de mundo, posturas estáveis
e, consequentemente, culturas políticas.
A complexidade do conceito de cultura política permite que os exercícios de aná-
lises sejam realizados em diversos níveis. No entanto, uma vez que se trata de um
conceito ligado a uma experiência compartilhada, Henrique Carlos Castro atenta para
o fato de que é fundamental para qualquer tipo de abordagem considerar as particula-
ridades da formação histórica de um grupo detentor de uma cultura política, seja ela
republicana, cristã, socialista, neoliberal etc. Para ele, a empiria é o melhor caminho
para evitar generalizações que atropelem as especificidades do coletivo e dos indiví-
duos entre os quais floresceu a solidariedade de uma visão de mundo comum. Afirma
então que, ‘nesse sentido, o uso do instrumental da cultura política deve ser mais
indutivo, ou seja, procurar conhecer a realidade das sociedades, que dedutivo, aplicar
um conceito determinado’ (CASTRO, 2008, p. 28). Assim, para se pensar uma cultura
política faz-se necessário resgatar as histórias, dinâmicas e tradições que comportam
um sistema político específico.
Para além da sua dimensão coletiva, a cultura política envolve também certo grau
de subjetividade. Proliferada de forma direta ou indireta em locais tradicionais de so-
cialização política, como família, escolas, universidades, exército, sindicatos, partidos
políticos, veículos de comunicação, trabalho ou quaisquer outros meios sociais de
convivência, a forma como esse conjunto de valores e crenças será recebido e percebi-
do está suscetível às variáveis da trajetória individual. Logo, vale lembrar que, ao longo
da vida das pessoas, pensamentos, convicções, opiniões e certezas são reformulados,
consolidados, reafirmados e elaborados de diferentes formas. Portanto, há que se con-
siderar que muitas vezes as culturas políticas são coerentes mas não necessariamente
são coesas (BERSTEIN, 1998).
Conforme vimos, em linhas gerais o conceito de cultura política é amplo e abstrato.
Porém, não podemos nos contentar com sua condição de mera abstração. Devemos
fazer uso da flexibilidade de que dispõe essa categoria teórica para que, ancorada no
exercício empírico, ela nos possibilite compreender as relações que os grupos sociais
estabelecem com a organização política da sociedade, bem como a pluralidade de
elementos componentes das lógicas que motivam os comportamentos políticos. Não
nos esqueçamos de que a função do conceito de cultura política é, antes de tudo, a
de uma chave explicativa que nos permite pensar o político no nível das representa-
ções sociais, do imaginário e de práticas discursivas associadas ao poder. A sua defi-
nição surge, portanto, como comentado anteriormente, das demandas sociais, face à

27
HISTÓRIA POLÍTICA: incapacidade de uma história política tradicional, voltada para as instituições e para o
MÉTODOS E PROBLEMAS
HISTORIOGRÁFICOS Estado, de explicar as paixões, os sentimentos, os sentidos e as imaginações coletivas
que movem o político. Por isso, o uso do conceito de cultura política se faz essencial
para quem quer se aventurar nessa seara. Apesar da complexidade de sua definição,
que não raro gera equívocos no seu uso, é preciso amadurecer o debate sobre as pos-
sibilidades que o termo oferece. Por isso, esperamos que as considerações feitas aqui,
ainda que preliminares, motivem a busca pelos inúmeros caminhos que o estudo da
cultura política abre para o historiador.

Referências

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nos movimentos sociais latino-americanos. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2000.

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conceito adequado à América Latina. Revista de Estudos e Pesquisas sobre as
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contemporânea. In: OLIVEIRA, Camila Aparecida Braga; MOLLO, Helena Miranda;
CASTRO BUARQUE, Virgínia Albuquerque (Org.). Caderno de Resumos e Anais
do 5º. Seminário Nacional de História da Historiografia: biografia & História
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VAINFAS, Ronaldo (Org.). Domínios da Historia: ensaios de teoria e metodologia.
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28
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usos e conceitos na
novas abordagens. 3. ed. Rio de Janeiro: Ed. Francisco Alves, 1988. p. 180-196. perspectiva da
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REMOND, René (Org.). Por uma História política. Tradução de Dora Rocha. 2. ed.
Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003.

Fontes e referenciais para o aprofundamento temático

Usamos a expressão Cultura Política para designar o conjunto de atitudes,


normas e crenças, mais ou menos largamente partilhadas pelos membros de uma
determinada unidade social e tendo como objeto fenômenos políticos. Assim, po-
deremos dizer, a modo de ilustração, que compõem a Cultura Política de uma cer-
ta sociedade, os conhecimentos, ou melhor, sua distribuição entre os indivíduos
que a integram, relativos às instituições, à prática política, às forças políticas ope-
rantes num determinado contexto; as tendências mais ou menos difusas, como
por exemplo, a indiferença, o cinismo, a rigidez, o dogmatismo, ou, ao invés, o
sentido de confiança, a adesão, a tolerância para com as forças políticas diversas
da própria, etc.; finalmente, as normas, como por exemplo, o direito-dever dos ci-
dadãos a participar da vida política, a obrigação de aceitar as decisões da maioria,
a exclusão ou não do recurso a formas violentas de ação. Não se descuram, por
último, a linguagem e os símbolos especificamente políticos, como as bandeiras,
as contra-senhas das várias forças políticas, as palavras de ordem, etc.

Extrato documental retirado de:


SANI, Giácomo. Cultura política. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCI, Nicola;
PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. 9. ed. Brasília, DF: Ed. UnB,
1997. p. 306, v. 1.

29
HISTÓRIA POLÍTICA: 1) Reflexão para aprofundamento temático
MÉTODOS E PROBLEMAS
HISTORIOGRÁFICOS

Tomando como referência este capítulo e o documento acima, faça uma pequena
redação relacionando e explicando os principais conhecimentos, tendências, normas,
linguagens e símbolos que conformam a realidade política em que você vive.

(Observação: não tome como referência apenas a grande política, como a adminis-
tração de uma cidade, os partidos ou os políticos, mas sim as pequenas coisas do dia a
dia, do cotidiano, como o ‘jeitinho’ brasileiro por exemplo).

Anotações

30
3 partidos políticosHistória dos
no Brasil

Rodrigo Pereira da Silva / Angélica Ramos Alvares / Angelo Priori

Este capítulo tem dois objetivos. Primeiro, buscar definir o que são partidos polí-
ticos. E segundo, mostrar concisamente a trajetória dos partidos brasileiros, durante
a República.
A trajetória dos partidos políticos no Brasil, ao longo do século XX, passou por
inúmeras transformações, que contribuíram significativamente para a configuração das
organizações partidárias que compõem o cenário político atual brasileiro. Essa confi-
guração se cristalizou principalmente com a promulgação da Constituição Federal de
1988, a qual prevê, no Artigo 17, a livre ‘criação, fusão, incorporação e extinção de
partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o plu-
ripartidarismo, e os direitos fundamentais da pessoa humana’ (BRASIL, 1988, p. 20).
Com essa nova formatação foi possível criar, e em alguns casos recriar, diversos par-
tidos políticos que outrora atuavam na clandestinidade, principalmente nos períodos
em que a repressão foi exercida como forma de manter a ordem estabelecida no país.
A inserção desses novos partidos ampliou e possibilitou, a partir de então, uma maior
e melhor participação da sociedade civil nas discussões sobre o campo da política e
o entendimento do sistema democrático. No entanto, essa evolução não ocorreu de
forma simples e espontânea, mas, como pontua o historiador Rodrigo Patto Sá Motta,
‘foram se desenvolvendo a partir das lutas empreendidas ao longo do período moder-
no, muitas vezes de maneira violenta, desde o século XVII, aproximadamente, até o
século XX’ (MOTTA, 2008, p. 13), e principalmente a partir de fins do século XIX é que
foram tratados enquanto objetos de estudos.
Mas, afinal, o que são partidos políticos? Quando e por que surgiram? Qual a sua
função na sociedade política contemporânea? Considerando esses questionamentos,
que já foram alvos de estudos efetuados por várias áreas das ciências humanas e polí-
ticas, este capítulo tem como objetivo realizar uma breve exposição sobre os partidos
políticos a partir dos questionamentos acima citados, e posteriormente analisar a for-
mação e o desenvolvimento dos partidos no cenário politico brasileiro.

31
HISTÓRIA POLÍTICA: Partidos Políticos: definições
MÉTODOS E PROBLEMAS
HISTORIOGRÁFICOS Existem atualmente diversos trabalhos que buscam uma explicação plausível para o
fenômeno denominado de partidos políticos. De acordo com Serge Berstein,

a importância das funções que um partido detém na sociedade contemporânea,


muito além dos aspectos descritivos em que durante muito tempo consistiu
seu estudo, explica e justifica a retomada de interesse por esse tipo de pesquisa
histórica (2003, p. 93-94).

Embora seja possível, em determinados períodos da antiguidade, verificar alguns as-


pectos que nos remetem à moderna organização partidária, é importante ter em mente
que ela só surge efetivamente na Grã-Bretanha, a partir do século XIX. Por se constituir
como ‘afirmação do poder da classe burguesa e de um ponto de vista político, é o
momento da difusão das batalhas políticas pela sua constituição’ (OPPO, 1998, p. 899).
Na visão de Berstein (2003), é ao cientista político Maurice Duverger que devemos
a primeira tentativa de explicação global do nascimento dos partidos políticos. Em
seus estudos Duverger concluiu que, de fato, nenhum país do mundo, exceto os Esta-
dos Unidos, conhecia os partidos políticos no sentido moderno do termo: ‘encontra-
vam-se tendências de opiniões, clubes populares, associações de pensamento, grupos
parlamentares, mas nenhum partido propriamente dito’ (DUVERGER, 1970, p. 11).
Para ele, ‘o partido político é um fenômeno ligado à instituição parlamentar, e sua aná-
lise convence na medida em que corrobora os dados da história’ (DUVERGER, 1970,
p. 11). Seguindo essa lógica, Berstein afirma que Duverger identificou dois tipos de
partidos: a) os chamados ‘partidos de quadros’, que são aqueles de ‘criação eleitoral e
parlamentar, nascidos da iniciativa dos eleitos desejosos de controlar os comitês que
canalizam a massa de eleitores [...]. Sua razão de ser é precisamente ganhar as eleições
para dominar o parlamento’ (BERSTEIN, 2003, p. 64-65; b) e os partidos de ‘origem
externa’’ ao parlamento, que são emanados de:

grupos de pressão, sindicatos, sociedade de pensamento, igrejas, associações


de ex-combatentes etc., eles têm em geral estruturas mais estritas que fazem
da base militante representada nos congressos a fonte essencial do poder par-
tidário, e mostram-se desconfiados em relação aos eleitos (BERSTEIN, 2003, p.
64-65).

Mas quais são os critérios que permitem definir os partidos em relação às outras
forças políticas? Berstein, tomando como referência um intenso debate entre cientistas
políticos americanos, apontou quatro critérios:
• A duração no tempo, que garante ao partido uma existência mais longa que a
vida de seus fundadores, e implica que ele responda a uma tendência profunda

32
da opinião pública [...]. Tal definição exclui de fato as clientelas, as facções, os História dos partidos
políticos no Brasil
partidos ligados unicamente a um homem.
• A extensão no espaço, que supõe uma organização hierarquizada e uma rede
permanente de relações entre uma direção nacional e estruturas locais, abran-
gendo uma parte da população. Este segundo critério exclui do campo dos
partidos os grupos parlamentares sem seguidores no país e as associações locais
sem visão de conjunto da nação.
• A aspiração ao exercício do poder, que necessita de um projeto global que possa
convir à nação em seu conjunto, e que, por isso, implica a consideração de arbi-
tragem necessária aos interesses contraditórios que aí se manifestam.
• Enfim, a vontade de buscar apoio da população, seja recrutando militantes,
seja atraindo o voto dos eleitores, condição indispensável para a realização do
objetivo anterior1.

Para Max Weber – embora ele não tenha produzido uma teoria satisfatória para
os partidos políticos nem fosse essa a intenção do seu livro –, os partidos políticos
podem ser definidos como uma associação que visa um fim deliberado, seja ele ‘obje-
tivo’, como ‘a realização de um plano com intuitos materiais ou ideais’, seja ‘pessoal’,
isto é, destinado a obter ‘benefícios, poder e, consequentemente, glória para os chefes
e sequazes, ou então voltados para todos esses objetivos conjuntamente’ ( WEBER,
2004, p. 156).
Segundo Anna Oppo, essa definição de Max Weber põe em relevo o caráter associa-
tivo do partido, que, assim concebido, compreende ‘formações sociais diversas, desde
grupos unidos por vínculos pessoais e particularistas às organizações complexas de es-
tilo burocrático e impessoal, cuja característica comum é a de se moverem na esfera do
poder político’ (1998, p. 899). Essa acepção aparece pela primeira vez em países que
buscaram adotar formas de governo representativo2. Dessa forma, o estudo de Weber
nos direciona a verificar que o nascimento e o desenvolvimento dos partidos estariam
‘ligados ao problema da participação, ou seja, ao progressivo aumento da demanda
de participação no processo de formação das decisões politicas, por parte de classes e
estratos diversos da sociedade’ (OPPO, 1998, p. 899).

1 O debate apontado por Berstein pode ser encontrado em La palombara & Weiner (1969).
2 Não que os partidos nasçam automaticamente com o Governo Representativo; é mais porque os pro-
cessos civis e sociais que levaram a essa forma de governo, que previa uma gestão de poder por parte
dos ‘representantes do povo’, teriam depois conduzido a uma progressiva democratização da vida polí-
tica e à integração de setores mais amplos da sociedade civil no sistema político (OPPO, 1998, p. 899).

33
HISTÓRIA POLÍTICA: Mas qual a função dos partidos políticos? Tomando como perspectiva histórica, Ser-
MÉTODOS E PROBLEMAS
HISTORIOGRÁFICOS ge Berstein enfatiza que o partido aparece como o ‘lugar onde se opera a mediação po-
lítica’, o qual serve, tanto para os países em desenvolvimento como para as democracias
parlamentares consolidadas, como um elemento de ‘mobilização das massas, de seleção
das elites, de difusão de ideologias, em suma, de estruturação social’ (2003, p. 93). De
acordo com Rodrigo Patto Sá Motta, os partidos servem como ‘um meio privilegiado
(não o único) para a população se organizar e participar da política’ (2008, p. 13).

Partidos Políticos no Brasil


Segundo Rodrigo Patto Sá Motta, ‘a formação dos primeiros partidos no Brasil se
deu no bojo do processo de independência e de construção do Estado e da Nação’
(MOTTA, 2008, p. 19). Durante o período colonial, não havia condições propícias que
favorecessem o surgimento de um sistema de partidos, e um dos fatores que colabora-
va para isso era o fato de que as transformações brasileiras foram muito influenciadas
pelos acontecimentos europeus.

Nosso território era subordinado a Portugal, não tinha autonomia e muito me-
nos liberdade. Na própria metrópole portuguesa reinava ainda o absolutismo e
foi somente em 1820, com a eclosão da Revolução do Porto, que começaram as
reformas liberalizantes em Portugal (MOTTA, 2008, p. 19).

No Império, o sistema partidário era incipiente. Nos primeiros anos, os partidos


ainda não existiam, pelo menos no aspecto moderno. Segundo Motta, havia ‘grupos
de opiniões, pessoas que partilhavam determinados pontos de vistas políticos [...] mas
os grupos não eram nem organizados nem duradouros o suficiente para serem carac-
terizados como partidos’ (2008, p. 23).
Da década de 1830 até 1880 a política brasileira passou a girar em torno basica-
mente de dois partidos: um denominado de Partido Conservador, caracterizado prin-
cipalmente pela defesa de um regime forte, com autoridade centrada na figura do
Imperador e pouca liberdade para as províncias; e outro, Liberal, que defendia o forta-
lecimento do parlamento e maior autonomia nas províncias. Muito embora ambos fos-
sem escravistas, o Partido Liberal – diferentemente do Partido Conservador – defendia
um processo que acenasse, para o futuro, mesmo que de forma lenta e gradual, para
a abolição da escravatura.
Com a Proclamação da República, em 1889, surgiram os partidos republicanos re-
gionalizados. Em várias províncias foram criados núcleos partidários, os mais fortes
dos quais se situavam em São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, não por acaso
estados que ocuparam posição de destaque na primeira fase republicana (MOTTA,
2008, p. 39).

34
Essa estrutura de poder estabeleceu o que a historiografia denominou de corone- História dos partidos
políticos no Brasil
lismo, com o fortalecimento dos poderes locais nas mãos dos coronéis, que contro-
lavam a vida cotidiana das pessoas e, sobretudo, o poder público local. A ascensão
do coronelismo se refletiu diretamente no processo político brasileiro, já que esses
coronéis passaram a manipular as eleições e realizar arranjos prévios para garantir o
controle do poder. Como os funcionários do governo é que controlavam os procedi-
mentos eleitorais3 e faziam as contagens dos votos, era frequente que os resultados
eleitorais favorecessem os grupos locais de poder, que, por sua vez, sustentavam o
grupo político dominante (LEAL, 2012).
Nesse período se destacaram o Partido Republicano Mineiro (PRM) e o Partido
Republicano Paulistano (PRP), os quais, por meio da política denominada de Café-
-com-Leite, alternaram-se na presidência do país. Esse quadro se modificou drastica-
mente com a Revolução de 1930 e o início da Era Vargas, que extinguiu ou colocou na
ilegalidade os partidos.
Ainda no primeiro terço do século XX o cenário mundial foi palco do surgimento
de correntes ideológicas extremistas que se espalharam pelo mundo inteiro. No Brasil
podemos verificar, principalmente, dois partidos ideológicos que se destacaram.
De um lado, o Partido Comunista do Brasil (PCB). Fundado no ano de 1922, foi
o responsável pela frustrada tentativa de Golpe de Estado (ou Intentona Comunista,
como ficou conhecida) no ano de 1935, o que levou à prisão seus principais líderes. O
PCB esteve a maior parte no tempo na ilegalidade. Aliás, na história de quase 80 anos
desse partido (fundado em 1922, sobreviveu até 1991, quando se transformou no Par-
tido Popular Socialista, PPS), foram poucos os momentos de legalidade desse partido.
O mais duradouro ocorreu logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, entre 1945
e 1947. Em 1962, com a crise dos partidos comunistas internacionais, que sofreram
forte impacto com as denúncias de crimes cometidos por Stalin, na Rússia, o partido
se dividiu, surgindo um segundo Partido Comunista, o PC do B. Com o Golpe Militar
de 1964, os integrantes do partido foram obrigados a atuar na clandestinidade e, em
muitos casos, a se exilarem em outros países, em decorrência da repressão exercida
pelo regime militar4.
Do outro lado, inspirado no Movimento Fascista do italiano Benito Mussolini, a
Ação Integralista Brasileira (AIB). Fundado em 1932, tinha como líder principal Plínio

3 Neste período (Primeira República) o poder judiciário eleitoral ainda estava subordinado ao poder
executivo; aliás, como a maioria das esferas da justiça.
4 A literatura sobre a história do Partido Comunista Brasileiro (PCB) é ampla. Um livro que faz uma boa
síntese é o de Dulce Pandolfi (1995). Sobre o PCdoB, ver o trabalho de Sales (2000). Sobre o integralis-
mo, uma boa síntese foi realizada por Hélgio Trindade (1974).

35
HISTÓRIA POLÍTICA: Salgado. Esse partido, mesmo tendo certa simpatia do Governo Vargas, foi extinto em
MÉTODOS E PROBLEMAS
HISTORIOGRÁFICOS 1937 com a instauração do Estado Novo. O partido ainda tentou tomar o poder em
1938, mas também teve a sua iniciativa frustrada pela repressão do Estado Novo.
Segundo Sá Motta, a década de 1930 caracterizou-se como ‘um momento rico do
ponto de vista político, com o aparecimento de várias experiências partidárias e uma
crescente participação política dos eleitores’ (2008, p. 62). Entretanto, esse aspecto
não deve ser tratado de forma exagerada, pois, como bem pontua o autor,

muitas debilidades da dinâmica partidária permaneceram: tendências regiona-


listas acentuadas, corrupção política, trocas de favores, partidos com organiza-
ção frágil etc. Outro aspecto problemático da década de 1930 foi o aumento
da influência das propostas autoritárias. Os partidos e líderes políticos mais
populares foram aqueles mais entusiastas do autoritarismo como alternativa
para enfrentar os desafios do Brasil (MOTTA, 2008, p. 62).

Em 1945, com o fim do Estado Novo e a redemocratização, novos partidos políticos


foram sendo constituídos. Quatro partidos se destacam nesse período:
• Partido Social Democrático (PSD), fundado em 1945, concentrava em suas hos-
tes a ala mais conservadora, que apoiava Getúlio Vargas.
• Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Também fundado por aliados de Getúlio
Vargas, sua base eleitoral era composta, principalmente, por trabalhadores ur-
banos, e tinha importante influência no movimento sindical.
• Partido de Representação Popular (PRP), também fundado em 1945, foi ideali-
zado por Plínio Salgado, reunindo membros da antiga Ação Integralista Brasilei-
ra (AIB). O PRP possuía um caráter ideológico de extrema-direita.
• União Democrática Nacional (UDN), fundada no mesmo período que o PSD,
PTB e PRP, era composto, em grande parte, por políticos de oposição ao Gover-
no Vargas. Com uma orientação conservadora de direita, a UDN buscava congre-
gar setores da burguesia e da classe média urbana5.

Embora com menos expressão, o contexto político do período 1945-1964 favore-


ceu o nascimento de dois outros partidos. O Partido Socialista Brasileiro (PSB), fun-
dado em 1947, que surgiu como uma alternativa ao PCB e ao PTB, situado ideologica-
mente entre o socialismo marxista e a socialdemocracia; e o Partido Social Progressista
(PSP), fundado em 1946, tendo grande expressão no Estado de São Paulo, elegendo
inclusive o seu líder Adhemar de Barros para Governador; e com a morte de Getúlio

5 A bibliografia da ciência política e da historiografia sobre esses partidos é vasta. Sobre a UDN e o
PTB ver, respectivamente, Benevides (1981; 1989); sobre o PSD, Hippolito (1985); e sobre o PRP, Calil
(2010).

36
Vargas, em 1954, Café Filho, então filiado ao partido, assume a Presidência até 1955.6 História dos partidos
políticos no Brasil
Esses partidos tiveram importante destaque na vida política nacional, no período
de 1945 a 1964. No entanto, com o golpe militar de 1964 o cenário político brasileiro
muda drasticamente. Com o Ato Institucional nº. 1 (AI-1) foram cassados os mandatos
parlamentares, bem como os direitos políticos, de todos aqueles que se opunham ao
novo regime. A pá de cal que sepultou o sistema partidário brasileiro veio em 27 de
outubro de 1965, com a publicação do Ato Institucional nº. 2 (AI-2), que extinguiu os
partidos políticos, sepultando o pluripartidarismo brasileiro. Na sequência do AI-2,
no dia 20 de novembro de 1965 foi publicado o Ato Complementar nº. 4 (AC-4), que
normatizava a criação de novas organizações políticas. Como esse Ato Complementar
impunha a regra de que para se criar um novo partido havia a necessidade do apoio de
pelo menos 1/3 dos deputados federais e senadores, a medida acabou, quase que por
inércia, instituindo o sistema de Bipartidarismo. A partir daí, durante todo o período
da Ditadura Militar o Brasil teve apenas dois partidos: A Aliança Renovadora Nacional
(ARENA) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB)7.
Fundada em 1966, a ARENA é vista como uma consequência natural do golpe mi-
litar de 1964. É nessa agremiação que se filiaram todos os políticos que apoiaram
diretamente o golpe ou se beneficiaram com a instauração do regime de exceção. Já o
MDB, também fundado em 1966, era o único partido autorizado a fazer oposição ao
regime. Leve oposição, diga-se. A existência de um partido de ‘oposição’ possibilitava
o discurso sobre a democracia. Como enfatizou Rodrigo Patto Sá Motta,

a atitude dos dois eram muito parecidas, ambos muito obedientes e dóceis ao
regime. A diferença era que o MDB seria o partido do ‘sim’, e a ARENA seria o
partido do ‘sim senhor’, ou seja, os dois se dobravam à vontade do poder, mas
a ARENA o fazia com mais servilismo e menos pudor (2008, p. 97).

O Bipartidarismo se manteve até 1979. Nesse ano o Congresso Nacional, ouvindo


as manifestações populares que lutavam contra a Ditadura Militar, tomou duas me-
didas importantes, que tiveram reflexo no processo de redemocratização do País. A
publicação da Lei de Anistia e da Lei que pôs fim ao Bipartidarismo. A Lei de Anistia,
embora limitada, permitiu a reintegração na vida pública das pessoas exiladas e dos
militantes de esquerda que foram punidos pelo regime militar. Já a Lei nº. 6767, de 20

6 Sobre o PSB, um bom livro é o de Alexandre Hecker (1998); e sobre o PSD, o livro de Regina Sampaio
(1982).
7 Sobre a Arena, recomendamos o brilhante livro de Lucia Grinberg (2009). Sobre o MDB, duas leituras
podem ser elucidativas. O livro de Maria D’ Alva Kinzo (1988) discute a gênese e a trajetória do partido;
e o de Ana Beatriz Nader (1998) analisa a atuação política de alguns deputados e senadores do partido
que tiveram uma posição oposicionista mais contundente.

37
HISTÓRIA POLÍTICA: de dezembro de 1979, extinguiu o Bipartidarismo (Artigo 2º.) e ditou normas para a
MÉTODOS E PROBLEMAS
HISTORIOGRÁFICOS criação de novos partidos.
A partir daí houve a consolidação do sistema partidário que conhecemos hoje.
Convém, entretanto, destacar alguns partidos que foram criados à luz da Lei 6767 e
cuja atuação se mostra mais ativa do que outros. O Partido dos Trabalhadores (PT),
fundado em 1980, é considerado uma das referências de partidos de esquerda na Amé-
rica Latina. O PT surgiu a partir da luta dos sindicatos operários na busca de ampliar
a participação popular na política. Conseguiu vencer as eleições para a Presidência da
República em 2002 com Luís Inácio Lula da Silva (que exerceu a função durante dois
mandatos) e se mantém no poder até hoje.
Outro exemplo é o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), também
fundado em 1980, que é um dos partidos com maior número de filiados do país e com
grande representatividade nos estados. Segundo Motta, o PMDB apareceu como o

principal herdeiro do antigo partido da resistência democrática. Sua criação


correspondia à intenção da maioria dos políticos e militantes do MDB de man-
ter unida a frente oposicionista, fundando um novo partido que desse continui-
dade à luta contra o autoritarismo (2008, p. 105).

Em 1980, no bojo da reforma partidária implantada pela Lei 6767, foi fundado
o Partido Democrático Social (PDS), sucessor político e ideológico da Arena. O PDS
agregava as várias facções situacionistas, embora estivessem recebendo constantes ata-
ques por manter um regime repressivo e com altos ‘custos sociais e econômicos de
uma modernização consumada em pleno auge de um ciclo depressivo da economia
mundial’ (CHACON, 1998, p. 201).
No limiar dos anos 1980 surgem, ainda, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que
reivindicava a história e o programa do antigo PTB varguista; o Partido Democrata
Trabalhista (PDT), liderado por Leonel Brizola; e o Partido Popular (PP), cuja maior
liderança era o senador Tancredo Neves. Em convenção nacional realizada em 20 de
dezembro de 1981, os dirigentes do Partido Popular resolveram extinguir o partido e
se incorporar ao PMDB. Em 1985 foi fundado o Partido da Frente Liberal (PFL), que,
sob uma orientação ideológica conservadora, atuava num viés neoliberal. Em 2007
esse partido mudou de nome para Democratas (DEM).
Outro fato significativo no processo de redemocratização da sociedade brasileira,
além do movimento ‘Diretas Já’, que pedia o retorno das eleições para Presidente da
República, foi a legalização dos partidos comunistas. Em 08 de maio de 1985 houve a
legalização do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Mas esse partido já estava passando
por um processo interno de transformação, bem como via suas bases ideológicas se-
rem cada vez mais corroídas, como fruto da crise do socialismo real, da queda do Muro

38
de Berlim, do fim da União Soviética e da influência da Perestroika e da Glasnost8, História dos partidos
políticos no Brasil
com grande impacto nas hostes internas do partido. Nos dias 25 e 26 de janeiro de
1992, o X Congresso Extraordinário do PCB declarou o partido extinto. Os dirigentes
abandonaram o modelo marxista-leninista e a foice e o martelo como símbolo oficial.
Criaram, então, o Partido Popular Socialista (PPS), tendo com símbolo uma bandeira
vermelha com a sigla grafada em amarelo-ouro (TAFARELLO, 2009).
Por fim, é importante comentar sobre o Partido da Social Democracia Brasileira
(PSDB), que foi formado em 1987/1988 em decorrência de uma cisão no interior do
PMDB. O PSDB resultou da reunião de um grupo de parlamentares descontentes com
os rumos adotados pelo PMDB durante as votações da Constituinte9. No primeiro mo-
mento, o desempenho político e eleitoral do PSDB não correspondeu às expectativas
iniciais dos seus fundadores, situação que se modificou com a eleição de Fernando
Henrique Cardoso à presidência em 1994. Fernando Henrique Cardoso exerceu o
mandato por dois períodos (1995-2002). No seu governo é que se efetivou o plano
real, implantou-se a política de privatização de várias empresas estatais e foi consolida-
da a estratégia política neoliberal.
Nos últimos 20 anos o sistema partidário brasileiro se solidificou e se diversificou.
Hoje existem 32 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral10, o que demonstra
não só a peculiaridade da política brasileira, mas a falta de partidos ideológicos, com
interesses representativos bem definidos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao analisarmos a trajetória dos partidos políticos ao longo do processo histórico é
possível perceber a diversidade de explicações que buscam defini-los enquanto meio
viável para a participação da sociedade civil nas discussões políticas de um país. No
caso brasileiro, o que se verifica é uma instabilidade dos partidos, marcada principal-
mente pelas disputas de poder, desencadeando uma maior permanência de uns em
detrimentos de outros; ou ainda as rupturas institucionais, como os casos da revolu-
ção de 1930, do Estado Novo e da Ditadura Militar.

8 Perestroika (reconstrução) e Glasnost (transparência) foram medidas adotadas por Mikhail Gorbat-
chev, presidente da União Soviética (1985-1991), para reestruturação econômica daquele país, bem
como a instituição da liberdade de expressão e de associação para a sociedade.
9 Esses partidos mais recentes podem ser analisados a partir de estudos como os de Nicolau (1996),
Motta (2008) e Chacon (1998). Aliás, Vamireh Chacon fez um dos estudos mais completos sobre os
partidos políticos no Brasil, desde o Império até o ano de 1995.
10 Dados disponíveis no sítio do TSE: <http://www.tse.jus.br/partidos/partidos-politicos/registrados-
-no-tse>. Acesso em: 19 dez. 2014.

39
HISTÓRIA POLÍTICA: Além da instabilidade e das mudanças constantes, outras debilidades estiveram pre-
MÉTODOS E PROBLEMAS
HISTORIOGRÁFICOS sentes na história dos partidos brasileiros. As organizações políticas, na maioria dos
casos, tinham fortes traços elitistas, devotando verdadeiro desprezo pelas massas po-
pulares (MOTTA, 2008, p. 118). Muito embora sejam visíveis os problemas, sobretudo
a fragmentação do sistema partidário e a falta de nitidez dos programas partidários, é
necessário reconhecer os aspectos positivos, como enfatiza Motta, pois,

no mínimo, serviram como elemento politizador, elaborando propostas para o


encaminhamento dos problemas nacionais e animando as discussões dos gran-
des temas de interesse do país. Também cumpriram o papel de divulgadores
dos projetos políticos, auxiliando na tarefa de levá-los ao conhecimento da opi-
nião pública (MOTTA, 2008, p. 119).

Dessa forma, é necessário reconhecer a importância que os partidos políticos de-


sempenharam para o desenvolvimento e a consolidação do processo democrático,
cumprindo um serviço de mobilização e organização da sociedade, mesmo que pelo
viés da elite. O importante é perceber a ‘existência de possibilidades de consolidar
nossa jovem experiência democrática [...] e a necessidade de concentrar esforços na
solução dos problemas sociais, pois democracia política não rima com miséria e desi-
gualdades de renda’ (MOTTA, 2008, p. 123).

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Paulo: Difel, 1974.

WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da Sociologia compreensiva.


Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. São Paulo: Imprensa Oficial;
Brasília, DF: Ed. UnB, 2004. v. 2.

Fontes e referenciais para o aprofundamento temático

Para preservar e proteger os direitos e as liberdades individuais, um povo democrático


deve trabalhar em conjunto para modelar o governo que escolher. E a maneira principal de
fazer isso é através dos partidos políticos:
a) Os partidos políticos são organizações voluntárias que ligam as pessoas a seu governo.
Os partidos recrutam candidatos e fazem campanha para os elegerem a cargos públicos
e mobilizam as pessoas para participarem na escolha dos governantes.
b) O partido da maioria (ou o partido eleito para controlar os ministérios do governo)
procura decretar leis sobre muitas políticas e programas diferentes. Os partidos de
oposição são livres para criticar as ideias políticas do partido da maioria e apresentam
as suas próprias propostas.
c) Os partidos políticos proporcionam uma forma dos cidadãos responsabilizarem os di-
rigentes do partido pelas suas ações no governo.
d) Os partidos políticos democráticos acreditam nos princípios da democracia de modo
que reconhecem e respeitam a autoridade do governo eleito, mesmo que os seus líde-
res partidários não estejam no poder.
e) Como qualquer democracia, os membros dos vários partidos políticos refletem a diver-
sidade de culturas de onde provêm. Alguns são pequenos e construídos em torno de
um conjunto de convicções políticas. Outros são organizados em torno de interesses
econômicos ou de uma história comum. Outros ainda são alianças livres de vários cida-
dãos que podem juntar-se apenas em período eleitoral.
f ) Todos os partidos políticos democráticos, quer sejam pequenos movimentos ou grandes
coligações nacionais, têm valores comuns de compromisso e tolerância. Sabem que só
através de grandes alianças e de cooperação com outros partidos políticos e organizações
é que eles podem proporcionar a liderança e a visão comum que vai ganhar o apoio da
população do país.
g) Os partidos democráticos reconhecem que as opiniões políticas são flexíveis e variáveis
e que o consenso pode, com frequência, surgir de um confronto de ideias e valores em
um debate pacífico, livre e público.

42
h) O conceito de oposição leal é inerente a qualquer democracia. Significa que todos os História dos partidos
políticos no Brasil
lados no debate político – por mais profundas que sejam as diferenças – partilham os
valores democráticos fundamentais de liberdade de expressão e religiosa e de proteção
legal igual. Os partidos que perdem as eleições passam para a oposição – confiantes
que o sistema político continuará a proteger o direito de organizar e denunciar.

Documento intitulado: ‘Princípios da democracia – partidos políticos’, publicado no site


da Embaixada dos EUA no Brasil. Disponível em: <http://www.embaixada-americana.org.
br/democracia/parties.htm>. Acesso em: 29 dez. 2014.

1) Reflexão para aprofundamento temático


Considerando o capítulo e o documento publicado no sítio eletrônico da Embaixada dos
Estados Unidos, em Brasília, faça uma pesquisa sobre o sistema partidário dos EUA e do Mé-
xico. Após, estabeleça comparações e diferenças entre os sistemas partidários dos três países:
Brasil, México e Estados Unidos. Elabore um texto crítico e reflexivo.

Anotações

43
HISTÓRIA POLÍTICA:
MÉTODOS E PROBLEMAS
HISTORIOGRÁFICOS
Anotações

44
4 Opinião pública:
das pesquisas
eleitorais às mídias

Angélica Ramos Alvares / Rodrigo Pereira da Silva / Luciana Regina Pomari

Desde o século XIX, a opinião pública sempre despertou interesse entre os histo-
riadores, mesmo os positivistas. Porém, com o declínio da história política, a própria
opinião pública, como produto daquela, também foi perdendo lugar na historiografia,
talvez porque os pesquisadores não se deram conta, como enfatizou Becker, de que
‘a opinião pública procede em grande medida das estruturas mentais’ (2003, p. 186).
Quando a história política volta, renovada, nas décadas de 1970 e 1980, consequente-
mente as discussões sobre opinião pública retornam e se ampliam, e ela passa a ser es-
tudada sob novas perspectivas, gerando novas problemáticas para a pesquisa histórica.
Este capítulo tem por objetivo apresentar algumas discussões concernentes à opi-
nião pública. Entretanto, é importante ressaltar que são muitos os fatores que exercem
influência e contribuem significativamente para sua formatação, na sociedade. Para
buscar elucidar o tema, centraremos nossas análises em dois pontos: as pesquisas de
opinião durante as eleições, sobretudo as pesquisas eleitorais; e a mídia, um dos mais
poderosos e perceptíveis veículos de interferência na opinião pública.
As eleições, como fonte e objeto para a história, também adquiriram novas abor-
dagens com a renovação da história política. O ato eleitoral ganhou uma significação
que fez dele o mais sincero e significativo de todos os comportamentos coletivos, pois
permite compreender os comportamentos eleitorais e observar as opiniões públicas
dispersas na sociedade (REMÓND, 2003, p. 37). O estudo das eleições abriu inúme-
ros caminhos aos historiadores, que agora podem analisar as campanhas eleitorais
como primeiro ato de uma eleição: as estratégias dos candidatos, as transmissões de
opiniões, a formação de atitudes, a interação entre os políticos e os movimentos de
opinião pública e as pesquisas eleitorais, o que constitui foco de um dos tópicos deste
ensaio.

45
HISTÓRIA POLÍTICA: A mídia, no entanto, ainda não ganhou a necessária relevância no estudo da histó-
MÉTODOS E PROBLEMAS
HISTORIOGRÁFICOS ria política renovada. As vastas fontes da imprensa escrita e audiovisual são deixadas
de lado pelo historiador do político. Tal fato é alarmante, pois ‘na vida cotidiana de
um jornal, de uma rádio, de uma televisão, se reflete constantemente a vida política do
país’ ( JEANNENEY, 2003, p. 225). Existe uma influência específica da imprensa escrita
e principalmente do rádio e da televisão no cenário político de cada nação.
No que diz respeito à mídia, o historiador pode estudar: a mudança de comporta-
mento, ou não, que ela acarreta nos cidadãos; a influência dos poderes públicos sobre
ela; o dinheiro mais ou menos oculto que a irriga; as relações de poder no seu interior,
etc. Desse modo, a história política dos meios de comunicação deve se enriquecer com
um estudo da ‘socialização’ dos homens e da formação de suas opiniões, apreendendo
o meio em seu conjunto e considerando os vínculos que unem esses homens, vínculos
múltiplos que aproximam os atores da mídia de todos os outros ( JEANNENEY, 2003,
p. 222-223).

OPINIÃO PÚBLICA
Nas últimas décadas, é notável o crescimento da expressão opinião pública, que
ganha espaço e notoriedade em várias esferas da sociedade, principalmente nos meios
acadêmicos. Muito embora o crescente e multidisciplinar interesse pela opinião públi-
ca, isso ainda não permitiu reduzir as controvérsias que rodeiam tal expressão. Desse
modo, estabelecer uma explicação única para isso não seria viável, pois seu uso é
polissêmico.
Neste ensaio, evidentemente sem nenhuma pretensão de esgotar os debates sobre
o assunto, consideramos a opinião pública como um conceito que tem por intenção
compreender os comportamentos e as atitudes das populações e dos grupos de pessoas
em confronto com os acontecimentos, isto é, frente ao contexto social que os cerca.
Ao pensarmos a expressão em debate nos remetemos à ideia de grupos, coletivida-
des e sociedade – a opinião de grupos diversos de pessoas que apresentam consensos
e controvérsias em seus discursos sobre determinados temas de interesse coletivo.
Como salienta Nicola Matteucci,

a Opinião pública é de um duplo sentido: quer no momento da sua formação,


uma vez que não é privada e nasce do debate público, quer no seu objeto, a
coisa pública. Como opinião, é sempre discutível, muda com o tempo e permite
a discordância: na realidade, ela expressa mais juízos de valor do que juízos de
fato, próprios da ciência e dos entendidos (1998, p. 842).

Ainda seguindo os postulados desse autor, ‘a existência da Opinião pública é um


fenômeno da época moderna: pressupõe uma sociedade civil distinta do Estado, uma

46
sociedade livre e articulada’ (MATTEUCCI, 1998 p. 842). Nessa sociedade emergiram Opinião pública:
das pesquisas
vários centros que passaram a formatar opiniões coletivas – um agrupamento de in- eleitorais às mídias

divíduos associados e interessados em exercer influência na arena política e nas ações


do governo, num esforço constante de entrar no espaço político das decisões que lhes
dizem respeito.
Um dos pioneiros a desvendar explicações em torno do conceito de opinião públi-
ca foi Walter Lippmann, para o qual:

aqueles aspectos do mundo que têm a ver com o comportamento de outros


seres humanos, na medida em que o comportamento cruza com o nosso, que é
dependente do nosso, ou que nos é interessante, podemos chamar rudemente
de opinião pública. As imagens na cabeça destes seres humanos, a imagem de si
próprios, dos outros, de suas necessidades, propósitos e relacionamentos, são
suas opiniões públicas (2008, p. 40).

Ao formarmos uma opinião sobre qualquer assunto estamos automaticamente com-


partilhando opiniões já defendidas por outras pessoas e grupos, pois as opiniões são
formatadas, implícita ou explicitamente, por meio de um processo de discussões coleti-
vas relativas a um assunto de relevância pública que esteja sendo expresso publicamen-
te. Entrementes, Lippmann salienta que a opinião pública ‘é uma ilusão, pois fica claro
que se torna impossível às pessoas chegarem a um sentido comum das ocorrências e
dos fatos e a um propósito unificado’. Nesse sentido, ‘a opinião pública não emerge das
pessoas naturalmente. É um processo de animação social através do qual estes persona-
gens interessados no controle social se envolvem’ (LIPPMANN, 2008, p. 13).
Em razão dos controles sociais almejados por certos grupos que formam as opi-
niões públicas, algumas opiniões influem mais que outras sobre a sociedade, forman-
do assim a ‘opinião dominante’, que se alastra e interfere de maneira decisiva nas
opiniões daqueles indivíduos que ainda não possuem um posicionamento formado
sobre algum acontecimento e também influi nas decisões políticas. Muito embora,
como argumenta Becker (2003, p. 191), nem sempre a opinião pública que engloba
o maior número de pessoas pode influir mais intensamente sobre um acontecimento,
pois ‘minorias atuantes’ podem causar mais influência que uma maioria silenciosa.
Um dos campos sociais que mais exerce influência, e ao mesmo tempo é influencia-
do pela opinião pública, é o campo político. Ademais, as pessoas falam de política quan-
do se trata de um assunto interessante para elas, e principalmente quando esse assunto
interfere direta ou indiretamente em suas vidas. Nesse sentido, a política, enquanto
uma instituição social, é palco de debates e consegue interferir na opinião pública. Em
contrapartida, a opinião pública integra-se ao processo histórico, e peculiarmente à po-
lítica, principalmente porque tem o poder de tornar ou não possível a política de seus

47
HISTÓRIA POLÍTICA: representantes. Como afirma Habermas, a sociedade civil pode ‘ter opiniões públicas
MÉTODOS E PROBLEMAS
HISTORIOGRÁFICOS próprias, capazes de influenciar o complexo parlamentar (e os tribunais), obrigando o
sistema político a modificar o rumo do poder oficial’ (1997, p. 106).
As diversas lutas que se travam em um cenário político democrático impulsionam
a sociedade para mudanças, porém tais mudanças só acontecem se forem consenti-
das e aceitas pela opinião pública. Nesse sentido, percebemos que a opinião pública
é produto de entraves e resultado de debates e conflitos.

Ela [a opinião pública] é o fator determinante para a mudança [...] é mensurá-


vel, por meio de sondagens e pesquisas, sendo possível entender as questões
políticas, a correlação de forças e alguns outros fatores que fazem parte do
espectro da sociedade civil (PAZIM et al., 2012, p. 24).

Há variadas maneiras e variados lugares que possibilitam às pessoas entrar em con-


tato com determinados assuntos relativos ao cenário político da sociedade, ou seja,
são vários os espaços nos quais a opinião pública se manifesta. Dentre exemplos des-
ses lugares podemos mencionar o local de trabalho, a igreja, os amigos, os vizinhos, a
família, os clubes e salões, partidos e associações, as notícias da televisão, o rádio, os
jornais e revistas, grupos organizados, eleições, pesquisas, discussões em reuniões so-
ciais, redes da vida cotidiana, etc. Todos esses são ‘espaços e meios mais usuais através
dos quais as pessoas se informam e trocam opiniões sobre as coisas da vida pública’
(NASCIMENTO, 2013, p. 190).
Existem duas formas de opinião pública: a estática, que engloba os costumes, os
hábitos, os usos – resultados das tradições, das estruturas da sociedade e da formação
moral e intelectual que os indivíduos recebem – e a história das mentalidades, por
exemplo; e a dinâmica, resultado da reação imediata da opinião mediante um aconte-
cimento. Desse modo, os comportamentos da opinião pública são uma alquimia entre
o estado das mentalidades e o contexto em que determinado grupo de opiniões estão
inseridos (BECKER, 2003, p. 187-188).
Levando em consideração esses dois tipos de opinião pública é possível perceber
o porquê de mesmo as pessoas que parecem estar situadas fora da cena política con-
seguirem mobilizam opiniões sobre ela, pautados em valores morais e éticos interio-
rizados desde a infância e concretizados ao longo da vida. Esses valores influem nas
percepções que as pessoas apresentam sobre a política e os assuntos públicos.
Vários debates permeiam a opinião pública entre os pesquisadores, e um deles se
refere à questão de ser ela una ou diversa na sociedade. Muitos historiadores, em con-
traposição aos sociólogos por exemplo, defendem a ideia de uma pluralidade de opi-
niões públicas, isto é, a existência de várias tendências. E, observando a complexidade

48
da sociedade, seria escorregadio se falar em opinião pública; antes, seria mais viável Opinião pública:
das pesquisas
falar de opiniões públicas, cada qual interferindo no imaginário de determinados seg- eleitorais às mídias

mento sociais.
Não existe uma, mas várias maneiras de identificar os fenômenos de opinião públi-
ca. Faria sentido falar em ‘opiniões públicas’.

[...] Nesse sentido, a opinião pública não designa apenas uma coisa, mas várias.
Isso porque a coletividade também não tem uma única forma de se manifestar,
mas diversas (FIGUEIREDO; CERVELLINI, 1995, p. 177).

Atualmente são consideráveis as fontes que nos permitem trabalhar com a opinião
pública, que vão desde jornais aos mais variados tipos de imprensa. Porém, tudo o
que juntarmos ilustra a opinião pública, como os relatórios das atividades administra-
tivas, politicas e diplomáticas, as cartas, os diários íntimos, os resultados eleitorais, as
entrevistas orais ou questionários escritos, etc. Cabe ao historiador criticar os teste-
munhos recebidos, descobrir os erros de ótica; afinal, o objetivo não é o testemunho
único, mas fazer sobressair a dominante que se destaca do conjunto dos testemunhos
(BECKER, 2003, p. 199).

Opinião pública e pesquisas eleitorais


As pesquisas de opinião, em especial as pesquisas eleitorais são vistas atualmen-
te como um dos pontos marcantes da opinião pública. As pesquisas, assim como as
campanhas eleitorais, são exemplos cabais de interferência dos candidatos, partidos
e meios de comunicação nos debates da opinião pública, moldando a forma como
gostariam de conduzir o jogo político em um determinando momento.
É intensa a discussão em torno da influência das pesquisas de opinião, em especial
das pesquisas eleitorais, nas decisões de votos do eleitorado. Embora cada público se
utilize das informações disponíveis nessas pesquisas da forma como bem entender,
a problemática gira em torno de compreender se as pesquisas de opinião durante as
eleições interferem, ou não, no processo de formação da opinião pública e se compro-
metem a decisão do eleitor na escolha do candidato.
Em um estudo sobre as eleições presidenciais de 1989, Luiz Miguel do Nascimento
(2013) argumenta que no segundo turno da eleição de 1989, o jornal O Diário do
Norte do Paraná costumava reproduzir, na primeira página, como manchete principal
ou segunda manchete, os resultados de pesquisas de opinião pública. Nessas pesqui-
sas, as intenções de voto giravam em torno de 50% a 38% para Collor e Lula, respec-
tivamente. Registra o autor que ‘à medida que diminuía a diferença no percentual
de intenções de votos entre Collor e Lula, as notícias iam deixando de ser manchete

49
HISTÓRIA POLÍTICA: principal ou de ocupar lugar de destaque na primeira página. Ou seja, à medida que
MÉTODOS E PROBLEMAS
HISTORIOGRÁFICOS Lula subia nas pesquisas de intenção de voto, diminuía o interesse do jornal em divul-
gar a informação sobre o assunto (NASCIMENTO, 2013, p. 119-120).
Como argumenta Marcello Baquero (1995, p. 87), o que chama a atenção na con-
temporaneidade é a forma como o resultado das pesquisas eleitorais é divulgado e
apresentado ao público, acabando por exercer efeito de influência e manipulação so-
bre o eleitorado. Desse modo, os eleitores que ainda não decidiram seus votos acabam
por optar pelo candidato que se encontra na frente nas pesquisas eleitorais, sem levar
em consideração suas propostas e seus planos de governo.
É importante observar os veículos de transmissão dessas pesquisas, bem como as
intenções e omissões que existem por detrás de determinadas informações, o que
permite analisar quem apresenta estas informações e qual o interesse destas pessoas
ou organizações no processo eleitoral (BAQUERO, 1995, p. 87). A apresentação des-
sas pesquisas, por vezes, é dada como se seu resultado fosse definitivo, sem que seja
explicitado ao público que há grandes possibilidades de margem de erro, o que acaba
por influenciar fortemente a decisão dos eleitores.

As novas influências são o clima de opinião [...] que as pessoas têm para definir
quais atitudes estão em alta entre o público em geral e quais estão em baixa,
a prontidão para expressar a intenção de voto em público ou a tendência a
manter-se em silêncio (a espiral do silêncio), a ameaça de isolar os que apoiam
o outro lado imbuindo os temas eleitorais de uma dimensão moral, e o papel
da mídia, que é pública por definição neste processo (NEUMANN, 1993, p. 76).

As pesquisas eleitorais, como salienta Neumann (1993, p. 76), contribuem para a


formação da teoria espiral do silêncio, pois a partir dos seus resultados cria-se um cli-
ma de opinião em que os eleitores dos candidatos que se encontram na frente acabam
por influir sobre a população indecisa, enquanto os eleitores do mais fraco preferem
se omitir em discussões, sendo seus candidatos postos à margem nos debates públi-
cos cotidianos. Ademais, temos evidências de que o voto pode ser influenciado por
amigos, vizinhos, enfim, pelo meio social em que a pessoa vive (NASCIMENTO, 2013,
p. 132-133).
Inúmeros fatores influem sobre a decisão do voto. Em 1988, Fernando Collor en-
comendou uma pesquisa de opinião para sondar quais eram as principais qualidades
que os cidadãos esperavam do novo presidente da República, a fim de se preparar
para transparecer essas características no próximo pleito. A enquete detectou que para
68,9% dos entrevistados o novo presidente teria que ter curso superior; para 60,2 saber
falar bem; para 53,3 ser jovem; para 49% vestir-se elegantemente. Ademais, 61,5% afir-
maram que para decisão de voto não possuíam preferência partidária, e 32% alegaram

50
que se baseavam na pessoa, imagem, aparência e personalidade (NASCIMENTO, 2013, Opinião pública:
das pesquisas
p. 121). No caso específico, Collor se utilizou desses dados com muita eficácia, o que eleitorais às mídias

contribuiu para realizar sua campanha vitoriosa.


Um fenômeno comum nas eleições recentes é que muitos eleitores ‘escolheram
em quem votar em função do candidato ao invés de votar a partir da escolha em deter-
minado partido político’ (CERVI, 2006, p. 174). Alguns eleitores votam em candidatos
sem levar em consideração os scripts de seus partidos, e isso é perceptível nos debates
públicos cotidianos que ocorrem em tempos de eleições, como foi muito visível no
pleito eleitoral de 2014 para Presidência da República.
Muitos são os critérios utilizados pelos cidadãos no ato da escolha do candidato.
No pleito eleitoral de 2014, para Presidente da República, mesmo com o resultado
final apertado, ficou evidente que os dados que serviram para Collor não foram tão
eficazes para Aécio Neves. A opinião pública de 2014 tinha interesses e expectativas di-
ferentes daquelas de 1989. Enquanto em 1989 o país vivia uma grave crise econômica,
e também pública, a ideia de um ‘salvador da pátria’ ganhou mentes e corações. Em
2014, com a estabilidade democrática e econômica da sociedade, o voto foi mais para
garantir o que se tem do que propriamente para conseguir algo novo.

Opinião pública e mídia


Os suportes de difusões de informações – imprensa escrita, televisão, rádio, in-
ternet – são poderosos divulgadores de mensagens e ideias carregadas de juízos de
valor que interferem significativamente na opinião pública, ou seja, são instrumentos
valiosíssimos na formação de opiniões. Esses veículos podem influenciar diretamente
o público, pois, ‘por trás de cada jornal ou aparelho de TV e de rádio há um grupo de
pessoas controlando tais meios de comunicação. Essas pessoas, como qualquer outra
parcela da sociedade, têm opiniões e interesses próprios’ ( JORGE, 1997, p. 128).
Como salienta Walter Lippmann (2008), ainda que as informações veiculadas
pelos meios de comunicação pareçam inofensivas e desinteressadas, é intrínseco o
vínculo entre informação e poder, tanto que esses meios decidem, de acordo com
suas posições e com intervenções de agentes externos, a forma como as informações
devem chegar ao público. A mídia transmite informações de acordo com suas visões
de mundo e seus posicionamentos; todavia, o mais alarmante é que, por vezes, essas
informações são recebidas pelo público como neutras.
Atualmente percebe-se um sensacionalismo exacerbado por parte da mídia, de
modo a conquistar o público. Contudo, para um telespectador/leitor atento muitos
são os indícios que apontam para o posicionamento dela com relação a certos temas
sociais, e isso pudemos perceber, nos últimos pleitos eleitorais, em vários programas da

51
HISTÓRIA POLÍTICA: televisão, que transmitiam, implícita ou explicitamente, sua posição frente às eleições.1
MÉTODOS E PROBLEMAS
HISTORIOGRÁFICOS A mídia possui poder de influência junto aos cidadãos e é capaz de interferir na
opinião pública das mais variadas esferas sociais. Para o cidadão desatento, as informa-
ções veiculadas pelos meios de comunicação são incorporadas como verdades e são
inquestionáveis. Como argumenta Nascimento (2013), algumas pessoas não se dão
conta de que o produto final veiculado pela mídia é resultado de uma série de decisões
que atendem a interesses específicos. Prova disso é que,

a publicidade, muitas vezes, atua a partir de conhecimentos prévios a respeito


do público que se pretende atingir. [...] Antes de ser lançado um novo produto
no mercado, procura-se saber, por intermédio de sondagens de opinião, qual o
gosto ou a preferência do consumidor, para descobrir se a mercadoria terá ou
não uma boa margem de aceitação (NASCIMENTO, 2013, p. 150).

A influência, no entanto, é reciproca, pois, embora a mídia forneça informações


com vistas a atender a um público-alvo usando grande poder de manipulação, o públi-
co é um componente fundamental para sua sobrevivência.
No mundo contemporâneo, os meios de comunicação de massa são considerados
entre os mais poderosos meios de propagação de informações, disseminação de ideo-
logias e pontos de vistas particulares. Vale lembrar que mídia e política possuem uma
relação íntima, e por vezes a primeira é um dos poucos meios de que alguns cidadãos
se utilizam para entrar em contato com o mundo político.
Dessa forma, a mídia se torna um poderoso disseminador de ideologias políticas,
e em alguns casos pode formatar o cenário político nacional de acordo com suas po-
sições, e, assim, acaba por influenciar os cidadãos a pensar da mesma forma; afinal, o
ser humano é um ser social, mutável e passível de influência. Percebe-se, então, que
a mídia interfere diretamente sobre a opinião pública, muitas vezes transformando
interesses privados em públicos.
É impossível dar conta do debate em torno do conceito de opinião pública em
tão poucas páginas. É importante ressaltar que uma das principais problemáticas que
se põe ao historiador que pretende estudar o assunto é perceber a maneira como os
acontecimentos agem sobre as pessoas, mas também como eles foram influenciados,
percebidos e reproduzidos pelos grupos sociais.

1 Um exemplo evidente de posicionamento da mídia em pleitos eleitorais foi o caso ocorrido nas eleições
de 1989, principalmente o último debate entre Fernando Collor e Lula, em que a mídia, em especial a TV
Globo, se posicionou ao lado de Fernando Collor. ‘Houve mais do que adesão da mídia a sua candidatura,
ao seu programa de governo; em alguns casos procuraram transformá-lo em uma espécie de ‘salvador da
pátria’, contra a suposta ameaça que Lula e o PT representavam’ (NASCIMENTO, 2013, p. 123).

52
Um exemplo dessa influência reciproca são as pesquisas de opinião, em especial Opinião pública:
das pesquisas
as realizadas durante os períodos eleitorais. Ainda que haja controvérsias a respeito eleitorais às mídias

da influência dessas pesquisas na decisão de voto, pode-se observar que os indecisos


são mais fortemente influenciados pela propaganda do vencedor ( VEIGA, 1996, p.
12). Existe certa atração pelos candidatos que estão no topo das pesquisas, por isso é
comum escutarmos em tempos de eleições: ‘vou votar em fulano para não perder meu
voto’. As pesquisas eleitorais se tornaram um meio de marketing político e propagan-
da eleitoral cada vez mais presente na mídia – um dos mais poderosos e perceptíveis
veículos que influem sobre a opinião pública.
Como veículo transmissor de opiniões, os meios de comunicação possuem o poder
de omitir, manipular e alterar informações de acordo com seus interesses. Entretanto,
o mais alarmante é que grande parte do público passa a considerar as informações que
recebem como verdadeiras e inquestionáveis, sem análise crítica, o que colabora para
a formação de uma opinião pública dominante por vezes distorcida.
Diante disso, é preciso que os historiadores problematizem as informações pro-
vindas dos meios de comunicação, questionando a origem e os posicionamentos por
detrás dessas informações – que na maioria das vezes estão a serviço de interesses
externos –, levando em consideração que informação é diferente de posicionamento
ideológico.
A opinião pública não é uma opinião única: o que existe são opiniões múltiplas,
provindas de uma colisão de opiniões diferentes que se influenciam e se alteram
reciprocamente. Em uma sociedade democrática não existe política que possa se
desenvolver por muito tempo sem a legitimação das tendências dominantes da opi-
nião pública, cujo apoio é imprescindível. Tanto que a opinião pública pode ser
vista como um instrumento de poder, uma vez que ao mesmo tempo em que os
acontecimentos influem são significativamente influenciados por ela, e, mesmo, de-
pendentes dela.

53
HISTÓRIA POLÍTICA:
MÉTODOS E PROBLEMAS
HISTORIOGRÁFICOS
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Fontes e referenciais para o aprofundamento temático

Documento: charge de Néo Correia, disponível em:


<http://iconoclastia.org/wp-content/uploads/2013/03/manipulacao-midiatica1.jpg>.
Acesso em: 29 dez. 2014.

1) Reflexão para aprofundamento temático


Faça uma busca na Internet sobre pesquisas eleitorais. Utilize como referência as eleições
municipais de 2012 e as presidenciais de 2014. Elas são bons parâmetros para se pensar
sobre o tema, bem como sobre o papel da mídia. Com os dados das pesquisas, faça uma
análise do teor da charge acima.

55
HISTÓRIA POLÍTICA:
MÉTODOS E PROBLEMAS
HISTORIOGRÁFICOS
Anotações

56
5 História autobiográfica
e intelectual:
um breve balanço
historiográfico

Denilton Novais Azevedo / Gelise Cristine Ponce Martins

Tomo partido, vivo, sinto que já pulsa nas consciências viris do meu partido a
atividade da cidade futura que estamos construindo. E, nela, a cadeia social não
pesa apenas sobre poucos; nela, nada que sucede se deve ao acaso, à fatalidade,
mas é obra inteligente dos cidadãos. Não há nela ninguém que fique olhando
pela janela enquanto poucos se sacrificam, consumindo-se no sacrifício; nin-
guém que fique à janela, escondido, querendo usufruir um pouco do bem que
a atividade de poucos cria e que manifeste sua desilusão ofendendo o sacrifica-
do, o que consumiu, porque este não teve êxito em sua tentativa.
Antônio Gramsci

Durante um longo período houve enorme hesitação por parte dos historiadores em
trabalhar com a história biográfica e autobiográfica, pois havia o receio de se perder a
objetividade. Alguns críticos, inclusive, chegaram a questionar o status dessa prática
como científica, sob a acusação de que se assemelhava mais ao gênero literário do que
propriamente ao conhecimento histórico. De certa maneira, a justificativa não era total-
mente falsa, uma vez que a maioria dessas pesquisas foram produzidas por profissionais
de outras áreas, principalmente por jornalistas e literatos, que não empregavam um mí-
nimo de rigor científico nem uma necessária análise crítica para com a documentação.
No decorrer da segunda metade do século XX, com a expansão das duas principais
correntes historiográficas ocidentais, A Escola dos Annales e a Historiografia Marxis-
ta, o estudo dos personagens individuais na história foi gradualmente sendo substi-
tuído por análises estruturais e processuais (SCHMIDT, 2014, p. 195). De acordo com
Francisco Doratioto,

a biografia seria um exercício intelectual praticamente supérfluo, desviando o


historiador de sua tarefa mais nobre, a de analisar padrões de continuidades e
de rupturas na história das sociedades. É compreensível, pois, a relutância que
houve em se escrever a história de um indivíduo (DORATIOTO, 2009, p. 14).

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HISTÓRIA POLÍTICA: Sem embargo, nas últimas décadas tivemos um crescente e renovado interesse por
MÉTODOS E PROBLEMAS
HISTORIOGRÁFICOS parte dos historiadores em pesquisar sobre as trajetórias individuais. Por meio de uma
investigação criteriosa, alguns historiadores se esforçaram para compreender o percur-
so de vida de certos personagens. De certa maneira, acabaram inaugurando uma nova
prática de conhecimento histórico, com técnicas e métodos inovadores.
Os historiadores italianos Giovanni Levi e Carlo Ginzburg foram pioneiros nessas
pesquisas. Ambos demonstraram na prática a possibilidade de se compreender vários
elementos do passado por meio do estudo do percurso de vida de certos indivíduos.
Em A herança imaterial, publicado no ano de 1985, Levi demonstrou, por meio
de uma análise rigorosa acerca do percurso de vida do padre Giovan Battista Chiesa,
um homem da região do Piemonte, no século XVII, alguns importantes elementos do
Antigo Regime, tais como a hierarquia social daquela sociedade, o mercado de terras,
bem como a vida dos camponeses. O interessante na investigação empregada por Levi
foi que, ao longo do texto, a história de vida do padre Chiesa, figura central, gradual-
mente foi perdendo espaço para outras questões fundamentais, tais como a economia,
a vida social e política daquela sociedade. Ademais, devemos notar que a trajetória
apresentada pelo historiador não seguiu rigorosamente uma linearidade, com o tradi-
cional começo, meio e fim (LEVI, 2000).
Em O queijo e os vermes, estudo publicado no ano de 1976, Ginzburg, valendo-se
de uma série de documentos inquisitoriais de um moleiro conhecido como Domenico
Scadella Menochio, morador da região do Friuli, ao produzir uma espécie de biografia
desse moleiro, reconstruía vários aspectos importantes da cultura religiosa e campo-
nesa da ‘Itália’ do século XVI. Para a realização dessa pesquisa, Ginzburg procurou
confrontar os depoimentos de que dispunha com os documentos oficiais da Santa
Inquisição. Grosso modo, a obra do historiador italiano se tornou um divisor de águas
para a investigação histórica como um todo (GINZBURG, 1998).
Essa nova maneira de se pensar a história biográfica, e também autobiográfica,
possibilitou que os historiadores reconstruíssem, entre outros aspectos, os desejos,
as aspirações, bem como a visão de mundo dos personagens investigados. Segundo
Doratioto, nos últimos anos tem-se constatado uma crescente demanda por tais estu-
dos que contemplam as trajetórias individuais na sociedade brasileira. Como podemos
notar, esse espaço foi preenchido predominantemente por jornalistas e não por histo-
riadores (que têm uma maior sensibilidade para com as mudanças e com o contexto
histórico). A esse respeito, argumentou Doratioto:

O interessante é que, mesmo neste caso, constata-se que essa biografia satis-
faz aquela parcela de leitores intelectualmente menos exigente, a qual busca
construções históricas lineares e com personagens facilmente classificáveis em
tipologias dicotômicas (bom/ruim, reacionário/progressista, nacionalista/entre-
guista etc.) (DORATIOTO, 2009, p. 15).
58
Dito isso, é preciso ter em mente que não existe uma linearidade, tampouco uma História autobiográfica
e intelectual:
coerência no percurso de vida do (auto)biografado. De acordo com Levi, é um enor- um breve balanço
historiográfico
me equívoco o pesquisador supor que os sujeitos históricos respeitam ‘um modelo
de racionalidade anacrônico e limitado, ao que acrescentou: seguindo uma tradição
biográfica estabelecida e a própria retórica de nossa disciplina, contentamo-nos com
modelos que associam uma cronologia ordenada, uma personalidade coerente e está-
vel, ações sem inércia e decisões sem incertezas (LEVI, 1996, p. 169).
Atento a isso, Pierre Bourdieu forneceu-nos uma dimensão precisa do problema.
Para ele,

produzir uma história de vida, tratar a vida como uma história, isto é, como
um relato coerente de uma sequência de acontecimentos com significado e
direção, talvez seja conformar-se com uma ilusão retórica, uma representação
comum da existência que toda uma tradição literária não deixou e não deixa de
reforçar (1996, p. 185).

A respeito da questão do relato autobiográfico, são sugestivas suas orientações. De


acordo com o sociólogo,

sem dúvida, cabe supor que o relato autobiográfico se baseia sempre, ou pelo
menos em parte, na preocupação de dar sentido, de tornar razoável, de extrair
uma lógica ao mesmo tempo retrospectiva e prospectiva, uma consciência e
uma constância, estabelecendo relações inteligíveis, como a do efeito à causa
eficiente ou final, entre os estados sucessivos, assim constituídos em etapas de
um desenvolvimento necessário (BOURDIEU, 1996, p. 184).

Além do mais, em conformidade com o pensamento de Bourdieu, aquele que se


aventura a escrever sobre a história da trajetória de vida de um personagem deveria,
antes de qualquer coisa, reconstruir toda a superfície social onde o sujeito se encontra-
va localizado, pois somente procedendo dessa maneira a reconstrução teria sentido.
Apesar disso, apesar das dificuldades inerentes a esse campo de pesquisa, com base
em François Dosse,

escrever a vida é um horizonte inacessível, que, no entanto sempre estimula o


desejo de narrar e compreender. Todas as gerações aceitaram a aposta biográfi-
ca. [...] A biografia pode ser um elemento privilegiado na reconstituição de uma
época, com seus sonhos e angústias (2009, p. 11).

Outro aspecto importante que não poderíamos deixar de mencionar é a percepção


interdisciplinar que faz parte deste campo de estudo. No caso específico deste capítu-
lo, estaremos dialogando a todo instante com elementos da história intelectual, uma
vez que o personagem contemplado era um indivíduo intelectualizado.

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HISTÓRIA POLÍTICA: Para Noberto Bobbio, a expressão intelligentsia como sinônimo de intelectual foi
MÉTODOS E PROBLEMAS
HISTORIOGRÁFICOS utilizada pela primeira vez pelo romancista russo P. D. Boborykin em meados do sé-
culo XIX, ou seja, 40 anos antes de a expressão haver surgido na língua francesa; pos-
teriormente, a expressão foi difundida para outras regiões. O conceito de intelectual
no vocábulo russo, inicialmente, significava um grupo muito particular de pensadores
independentes que articulavam entre si para realizar críticas ao poder czarista, em
especial quanto à situação de atraso em relação aos países da Europa Ocidental.
Sobre a definição de intelectual no contexto russo, essa expressão foi frequente-
mente utilizada no plural, intelectuais, figuras que se posicionam coletivamente para
reivindicar algo. Essa categoria era composta por ‘homens de cultura’, figuras que
geralmente se sobressaem na sociedade da qual fazem parte devido ao prestígio que
possuem em suas profissões: médicos, engenheiros, advogados, escritores, etc. (BOB-
BIO, 1997, p. 121-124).
O conceito de intelectual da forma mais aproximada da que conhecemos na atuali-
dade surgiu na França do final do século XIX, após um julgamento arbitrário realizado
pelas forças militares envolvendo Alfred Dreyfus, um oficial judeu do alto escalão do
exército francês, acusado de traição à pátria.
A discussão em torno do caso Dreyfus dividiu praticamente toda a sociedade fran-
cesa daquela época; o julgamento chamou a atenção de importantes personalidades
que, valendo-se do prestígio que haviam adquirido em suas respectivas áreas, passa-
ram a fazer uso da palavra a favor de uma causa política. Esse foi o caso, por exemplo,
dos escritores Anatole France e Theodor Herzl, sendo o mais notável o consagrado
Émile Zola, que na ocasião publicou um artigo no jornal literário L’Aurore com o se-
guinte título: J’accuse! O texto, direcionado ao presidente da República, Félix Faure,
exigiu a imediata revisão do caso.
Devido à enorme repercussão que o caso adquiriu, as autoridades foram obrigadas
a rever o julgamento. A partir dessa revisão Dreyfus foi absolvido das acusações, e aca-
bou sendo readmitido pelo exército. Nesse episódio, marcado pela inserção de figuras
ilustres no cenário político, o intelectual adquiriu um papel importante na sociedade,
o de defesa dos valores universais (SILVA, 2002, p. 16).
Segundo informou Roger Chartier, o intelectual passou a carregar em seu discurso
a noção de verdade, e se transformou no portador de uma fala autorizada. Conforme
acrescentou o historiador, o indivíduo intelectualizado consegue fazer-se ouvido no
meio social em que se encontra inserido por meio da publicação de livros, artigos,
manifestos, cursos, palestras, traduções, entre outros (CHARTIER, 1992).
O contexto posterior à Grande Guerra agregou novo sentido ao conceito de in-
telectual. Além da divisão estabelecida entre o intelectual de esquerda e o de direita,

60
ganhou forma a noção de engajamento a uma causa política, seja ela por meio da História autobiográfica
e intelectual:
filiação partidária, seja pela devoção a uma ideologia. um breve balanço
historiográfico
Entretanto, esse modelo de intelectual engajado por inteiro a uma causa político-
-ideológica entrou em declínio a partir do final da década de 1980, como resultado
do desmoronamento do socialismo nos países do leste europeu. Três advertências
fundamentais: 1) deve-se ter em mente que este campo de estudo implica uma inves-
tigação que abrange outros domínios do conhecimento humano. E, por conseguinte,
essa relação pluridisciplinar integra, ao mesmo tempo, a história, a sociologia, bem
como a filosofia (ALTAMIRANO, 2007); 2) para alguns pesquisadores essa relação tem-
-se mostrado bastante fecunda e problemática ao mesmo tempo, pois, se por um lado
constatamos o enriquecimento da pesquisa por meio do diálogo com outras áreas
do conhecimento humano, por outro lado as dificuldades para delimitar o campo de
atuação do historiador tornam-se enormes; 3) é de fundamental importância destacar
que não existe um aparato teórico pronto, à disposição do historiador; trata-se de algo
que deve ser construído no decorrer da própria pesquisa.
Por último, realizando um breve retrospecto sobre o que tem sido a Nova História
Política nas últimas décadas, a partir dos questionamentos do grupo ligado à revista
dos Annales nos anos 1930 e, posteriormente, dos historiadores marxistas, a história
política tradicional1 sofreu severas críticas, e passou a ser colocada num segundo plano.
Com a emergência da Nova História no início da década de 1970, a marginalização
da dimensão política foi ainda maior, uma vez que a história passou a privilegiar a lon-
ga duração, sob influência da corrente estruturalista. A renovação da história política
ocorreu somente no final da década de 1970 e início de 1980, com a incorporação de
tudo aquilo que a historiografia anterior havia criado. Ocorreu também uma mudança
de perspectiva entre os historiadores marxistas, presentes em grande número nas uni-
versidades, menos deterministas-estruturalistas, que deixaram de entender a política
como mero reflexo da base social.
A mudança de eixo na história política foi enriquecida, sobremodo, a partir das

1 Na segunda metade do século XIX, sobretudo nos principais países da Europa ocidental, a História
Política passou a desfrutar de um status nunca antes experimentado. A pesquisa histórica, por exem-
plo, cumpria uma finalidade prática e indispensável naquela conjuntura: por meio do arrolamento dos
documentos oficiais, os historiadores procuravam narrar cronologicamente as principais realizações
dos grandes estadistas da história, que estavam frequentemente preocupados em exaltar a retidão e o
caráter heroico dessas figuras públicas, o exemplo ideal a ser seguido pelos demais cidadãos. Apesar de
todo o rigor para com a documentação (introduzido por essa geração de historiadores), e de todo apelo
pela neutralidade do pesquisador, não deixaram de reproduzir um discurso laudatório e apologético.
Essa história factual era inteiramente desprovida de qualquer senso crítico. Em síntese, a história políti-
ca tradicional (também chamada de metódica positivista) estava inteiramente a serviço do Estado Nação,
que se encontrava em processo de formação ( JABINET-CAIRE, 1994).

61
HISTÓRIA POLÍTICA: contribuições de Edward Thompson, Michele Perrot, Richard Hoggart, entre outros.
MÉTODOS E PROBLEMAS
HISTORIOGRÁFICOS Além do mais, as décadas de 1970/1980 inauguraram uma nova fase de estudos, a par-
tir das dimensões da história política2. Segundo Ângela de Castro Gomes, esta nume-
rosa literatura iria rever e refinar uma ampla série de questões, iluminando aspectos
como o das condições de vida da classe trabalhadora; suas variadas formas de organi-
zação ideológica; o lugar político ocupado pela imigração e pelos imigrantes, e muitos
outros (GOMES, 1996, p. 76).
Francisco Falcon destacou algumas importantes características dessa renovação: a
ampliação da noção de poder, redefinição enormemente influenciada pelo pensamen-
to filosófico de Michel Foucault (fala-se em poderes e não mais em poder); o diálo-
go com outras áreas do conhecimento humano, principalmente a aproximação com
as ciências políticas e sociais, o que possibilitou que o poder fosse entendido como
um conjunto de práticas, representações sociais ou imaginários políticos (GIRARDET,
1987); o poder simbólico (BOURDIEU, 2010); a descoberta da cultura política a partir
do diálogo com a antropologia, etc. (BERSTEIN, 1998).
Em síntese a História Política, renovada, ampliou significativamente seus horizontes.
Novos temas, abordagens e problemáticas ganharam destaque, como por exemplo os estu-
dos de autobiografias, sistemas eleitorais, partidos políticos, culturas políticas, entre outros.

Referências

ALTAMIRANO, Carlos. Ideias para um programa de História intelectual. Tempo


Social: Revista de Sociologia da USP, São Paulo, v. 19, n. 1, p. 9-17, 2007.

BERSTEIN, Serge. A cultura política. In: RIOUX, Jean-Pierre; SIRINELLI, Jean-François


(Org.). Para uma História cultural. Lisboa: Editorial Estampa, 1998. p. 349-363.

2 Diante desse novo cenário a História Política estava condenada a desaparecer. Entretanto, soube refle-
tir sobre os próprios erros, e passou a dialogar e a incorporar elementos de outros campos (Linguística,
Direito, Psicologia, Ciências Políticas e Sociais). Ademais, de acordo com o historiador, as novas atribui-
ções do Estado, que nas últimas três décadas do século XX estenderam seus domínios, contribuíram
para ampliar o interesse pelo aspecto político. Segundo Rémond, ‘à medida que os poderes públicos
eram levados a legislar, regulamentar, subvencionar, controlar a produção, a construção de moradias,
a assistência social, a saúde pública, a difusão da cultura, esses setores passaram, uns após os outros,
para os domínios da história política’ (RÉMOND, 1996, p. 24). Em linhas gerais, as dimensões políticas
podem ser identificadas em todos os segmentos da sociedade e, portanto, este campo não possui fron-
teiras totalmente definidas. Para René Rémond, o político, na perspectiva da História Política renovada,
se constitui numa atividade que tem como objetivo a conquista ou a manutenção do poder.

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BOBBIO, Norberto. Os intelectuais e o poder: dúvidas e opções dos homens de História autobiográfica
e intelectual:
cultura na sociedade contemporânea. São Paulo: EdUnesp, 1997. um breve balanço
historiográfico

BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: AMADO, J.; FERREIRA, M. M. (Org.). Usos
e abusos da História oral. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1996. p. 183-191.

BOURDIEU, Pierre. A representação política: elementos para uma teoria do campo


político. In: BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
2010. p. 163-202.

CHARTIER, Roger. Textos, impressão, leituras. In: HUNT, Lynn (Org.). A nova
história cultural. São Paulo: Martins Fontes Ed., 1992. p. 211-237.

DORATIOTO, Francisco. Escrever a História do grande personagem histórico. In:


PRIORI, Angelo (Org.). História, memória e patrimônio. Maringá: Eduem, 2009. p.
13-22.

DOSSE, François. O desafio biográfico: escrever uma vida. São Paulo: Edusp, 2009.

FALCON, Francisco. História e poder. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS,


Ronaldo. (Org.). Domínios da História: ensaio de teoria e metodologia. Rio de
Janeiro: Campus, 1997. p. 61-90.

GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro


perseguido pela Inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

GIRARDET, Raoul. Para uma introdução ao imaginário político. In: GIRARDET, Raoul.
Mitos e mitologias políticas. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

GOMES, Ângela de Castro. Política: História, Ciência, Cultura etc. Estudos


históricos, Rio de Janeiro, v. 9, n. 17, p. 59-84, 1996.

JABINET-CAIRE, Marie-Paule. Introduction à l’Historiographie. Paris: Nathan


Université, 1994.

LEVI, Giovanni. A herança imaterial: trajetória de um exorcista no Piemonte do


século XVII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.

63
HISTÓRIA POLÍTICA: LEVI, Giovanni. Usos da biografia. In: AMADO, J.; FERREIRA, M. M. (Org.). Usos e
MÉTODOS E PROBLEMAS
HISTORIOGRÁFICOS abusos da História oral. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1996. p. 167-182.

RÉMOND, René. Do Político. In: RÉMOND, René (Org.). Por uma História Política.
Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996. p. 441-450.

SARTRE, Jean Paul. Em defesa dos intelectuais. São Paulo: Ática, 1994.

SCHMIDT, Benito Bisso. Biografia: um gênero de fronteira entre a História e a


Literatura. In: RAGO, Luiza Margareth; GIMENES, Renato Aloízio de Oliveira (Org.).
Narrar o passado, repensar a História. Campinas, SP: Edunicamp, 2014. p. 191-202.

SILVA, Helenice Rodrigues. Fragmentos da História intelectual: entre


questionamentos e perspectivas. Campinas, SP: Papirus, 2002.

Fontes e referenciais para o aprofundamento temático

Neste ponto, talvez seja o caso de arriscar uma avaliação mais subjetiva das tendên-
cias dentro do campo como um todo. Infelizmente, porém, a história intelectual não
é um todo. Ela não tem nenhuma problématique norteadora. Seus praticantes não
compartilham nenhum sentimento de terem temas, métodos e estratégias conceituais
em comum. Num dos extremos, eles analisam os sistemas dos filósofos; no outro,
examinam os rituais dos iletrados. Mas suas perspectivas podem ser classificadas de
‘cima’ para ‘baixo’, e poderíamos imaginar um espectro vertical onde os temas se trans-
formam gradualmente entre si, passando por quatro categorias principais: a história
das ideias (o estudo do pensamento sistemático, geralmente em tratados filosóficos),
a história intelectual propriamente dita (o estudo do pensamento informal, os climas
de opinião e os movimentos literários), a história social das ideias (o estudo das ide-
ologias e a difusão das ideias) e a história cultural (o estudo da cultura no sentido
antropológico, incluindo concepções de mundo e mentalités coletivas).

Extrato documental extraído do livro: DARNTON, Robert. O beijo de Lamourette:


mídia, cultura, revolução. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 188].

1) Reflexão para aprofundamento temático


Tomando como referência este capítulo e o documento acima, defina o que é história inte-
lectual, apresentando suas principais categorias bem como os cuidados metodológicos que os
historiadores devem ter para analisar este assunto.

64
6 Biografia
e História

Gelise Cristine Ponce Martins / Denilton Novais Azevedo

Biografia é sempre um desafio à ingenuidade. Talvez por isso já tenha sido con-
siderada um gênero literário e, para alguns, até se confunda com história. Pois
não são poucas as armadilhas que a espreitam: a paixão pelo biografado produz
julgamentos passionais, uma vida extraordinária faz desaparecer as circunstân-
cias do meio, um texto enfadonho faz pesarem como chumbo as páginas dedi-
cadas a uma pessoa só (REVISTA... 2006, p. 94).

A produção biográfica perpassa todos os períodos da história humana: Antiguida-


de, Idade Média, Renascimento, Idade Moderna e Pós-Moderna. O termo biographia
– escrita da vida –, cunhado na Grécia Antiga, é definido como a narração da vida de
um indivíduo (SCHMIDT, 1996). A palavra Biografia foi dicionarizada em 1721, desig-
nando um gênero que tinha por objeto a vida dos indivíduos (PRIORE, 2009).
Embora a biografia nunca tenha estado ausente das reflexões historiográficas ou
das práticas profissionais dos historiadores, muitas vezes fez-se acompanhar de um
mal-estar explícito ou implícito (MALATIAN, 2008). As críticas recorrentes a esse gê-
nero englobam três aspectos. Um primeiro seria a proximidade da biografia com a
literatura, que a afastaria de um compromisso com a verdade. Em segundo lugar, a
associação da biografia à história política tradicional, focada na figura do grande ho-
mem. O terceiro aspecto remonta à ideia de que as biografias valorizam o indivíduo em
detrimento da coletividade (SILVA, 2013).
A biografia retém cada vez mais a atenção dos historiadores. Apesar de ser consi-
derada uma das primeiras formas de história, a moda da biografia histórica é recente
(PRIORE, 2009). A ‘rejeição’ e o ‘retorno da biografia’ acompanharam as transforma-
ções historiográficas (LEVILLAIN, 2003).

HISTÓRIA DA BIOGRAFIA: DA ANTIGUIDADE CLÁSSICA


AO SÉCULO XX
Idade Antiga
A separação entre biografia e história é herança da historiografia grega. Os gregos
associavam a história a uma narrativa da coletividade, compromissada com a verdade,

65
HISTÓRIA POLÍTICA:
e atrelavam o estilo biográfico ao panegírico1 (LEVILLAIN, 2003). Políbio atribuía à bio-
MÉTODOS E PROBLEMAS grafia o estatuto de território sujeito à exaltação tendenciosa de um indivíduo, grupo
HISTORIOGRÁFICOS
de indivíduos ou causa (MALATIAN, 2008). Tanto em Heródoto quanto em Tucídides,
a preocupação com o efeito literário era maior do que com a exatidão das informações
(PRIORE, 2009).
O modelo grego influenciou profundamente os romanos. Tito Lívio encheu seus
textos com discursos imaginários para destacar a psicologia dos personagens evocados
(PRIORE, 2009). Suetônio separou a biografia imperial da história imperial, esclarecen-
do que escrevia biografias e não história, ainda que, para ele, fosse o inverso do elogio
(LEVILLAIN, 2003).
Para os historiadores gregos e romanos, o discurso não tinha função de prova expli-
cativa; era um procedimento retórico ligado a um acontecimento histórico mais amplo
(PRIORE, 2009). As biografias da Antiguidade eram escritas com base em incidentes,
frases e ditos, conversas, cartas e outros documentos, e, na falta desse material factual,
seus autores criavam livremente para preencher as lacunas de suas informações. Havia
também a valorização da mimese (imitação), e o uso do exemplo como instrumento
moral, recurso da maioria das escolas retóricas (COSTA, 2010).

Idade Média
No período medieval, predominou a produção hagiográfica: vidas de santos, rela-
tos de milagres, listas episcopais, Anais e Crônicas. As biografias de santos, inspiradas
em modelos da Antiguidade, apresentavam um teor panegírico2 e tinham a função de
servir de exemplo aos leitores (COSTA, 2010).
A partir dos séculos XII e XIII, os santos deixaram o mundo fechado dos monasté-
rios. A santidade passou a ser imitada no cotidiano, e a narrativa sobre a vida de cava-
leiros invadiu a Idade Média. Era o início de um período de heróis. Heróis, ao mesmo
tempo, objetos de transferência do sagrado, atores de intrigas e portadores de valores
positivos (PRIORE, 2009).

1 Discurso elogioso e poético voltado aos grandes heróis.


2 A hagiografia não é simplesmente a versão cristã do panegírico, mas uma separação radical entre his-
tória profana e história sagrada, entre história política e história escatológica. A hagiografia, cujo modelo
é a vida de Santo Antônio por Atanásio, foi uma destruição do ideal do filósofo pagão e a proposição de
um tipo ideal cristão, acessível ao comum dos mortais pela piedade. A partir daí, todos os outros tipos
ideais – rei, general etc. –, tornaram-se inferiores (LEVILLAIN, 2003).

66
Renascimento Biografia e História

Na Renascença emergiu uma nova maneira de viver e de conceber o homem no


mundo. O indivíduo começou a se liberar de tutelas tradicionais que pesavam sobre
o seu destino. O mundo social mudou de núcleo de gravidade. Das leis superiores
impostas por Deus, pelo Estado ou pela família, tal centro voltou-se para o culto de si.
O indivíduo tornou-se meta e norma de todas as coisas (PRIORE, 2009).
Nos séculos XIV e XV despontaram as crônicas relatando grandes feitos, com ênfase
na figura do herói. Os biografados eram governantes, filósofos, generais, literatos. A
narrativa biográfica renascentista tinha uma organização cronológica e priorizava a es-
trutura temática (origens, formação, trabalho, sociabilidade, personalidade e epitáfio
funerário). Quanto ao estilo, as biografias eram anedóticas, romanceadas, dramáticas e
apresentavam o formato biográfico do ‘diálogo’ (COSTA, 2010).

Idade Moderna
A construção do indivíduo na Idade Moderna se fez acompanhar pelos trabalhos
modelares de tipo biográfico (MALATIAN, 2008). Os séculos XVI e XVII foram marcados
por mudanças historiográficas envolvendo a erudição metódica, a história diplomática,
o sentimento nacional e a acentuação do lado literário e retórico da história. Nesse pe-
ríodo, considerava-se que a história devia estudar os motivos e as paixões que guiavam
as ações humanas e apresentar heróis de alto-relevo (COSTA, 2010). No século XVIII, o
herói foi substituído pelo ‘grande homem’, que devia ser proveitoso à sociedade. Uma
das formas de contar seus feitos, ou estudá-lo, era a biografia (PRIORE, 2009).

Século XIX: Romantismo, Marxismo e História Metódica


No século XIX, as biografias tiveram importante papel na construção da ideia de
‘nação’, imortalizando heróis e monarcas, consolidando um patrimônio de símbolos
feito de ancestrais fundadores, monumentos, lugares de memória, tradições popu-
lares, no cenário de uma história que embelezava o acontecimento, o fato (PRIORE,
2009). Mesmo um historiador como Leopoldo Von Ranke, que demonstrava excessiva
preocupação com a objetividade, estudava o Estado como uma entidade viva, ‘um
indivíduo’ (COSTA, 2010).
Na primeira metade do século XIX o historiador inglês Thomas Carlyle exaltou
que o herói era o meio de expressão do fluxo caótico da vida e do acesso ao universal,
encarregado de exprimir sua época, de dar sentido à história (MALATIAN, 2008). Além
de Carlyle, alguns historiadores alemães, como Johann Gottfried Herder e Wilhelm
Von Humboldt, lutaram para o resgate da valorização do indivíduo, fundando uma
tradição historiográfica que se opunha à tendência positivista de propor leis gerais
para a história (LORIGA, 2011).
67
HISTÓRIA POLÍTICA: Nos 50 anos que se seguiram, duas posturas teórico-metodológicas viriam abalar
MÉTODOS E PROBLEMAS
HISTORIOGRÁFICOS tais convicções: de um lado a de Michelet, que colocou em primeiro plano os valores
coletivos, expressos pelo povo, deixando aos indivíduos o papel de representantes de
paixões coletivas; e, de outro, a de Marx, que colocou as classes sociais no centro da
história, reduzindo o papel do indivíduo ainda que se ocupasse dele pontualmente,
como em O 18 de Brumário de Luís Bonaparte (MARX, 2011)3.
Em fins do século XIX, quando os avanços da metodologia histórica tornaram mais
exigentes os procedimentos científicos, alguns historiadores contestaram a identifi-
cação da biografia com a história. As modificações de caráter profissionalizante na
historiografia motivaram a substituição de uma literatura de celebração (biografias en-
cantadas) por uma crítica (biografias desencantadas) (COSTA, 2010).
Ainda que os historiadores metódicos – Monod, Langlois, Seignobos – criticassem
os historiadores românticos e sua imagem do herói que realizava os desígnios da Pro-
vidência, do progresso; e além da desconfiança de Durkheim em relação ao papel do
indivíduo na História, o século XIX continuou sendo um campo fértil para os estudos
biográficos. A biografia era um passatempo de homens cultivados, literatura prestigio-
sa de acadêmicos, praticada por políticos e letrados em geral; sem, contudo, o estatuto
de cientificidade (MALATIAN, 2008).

Século XX
O interesse dos historiadores contemporâneos pelas biografias é percebido em
diversas correntes historiográficas, como a nova história francesa, o grupo de histo-
riadores britânicos de inspiração marxista, a psico-história, a nova história cultural
norte-americana, a micro-história italiana, a historiografia alemã atual e a historiografia
brasileira recente (SCHMIDT, 1997). Abordaremos, de forma sintética, algumas dessas
vertentes.

Escola dos Annales


No início do século XX, os historiadores da primeira geração dos Annales comba-
teram a história política tradicional, centrada na atuação dos grandes homens, pro-
puseram a colaboração com as ciências humanas menos atentas às ações individuais
(especialmente a geografia, a sociologia e a economia) e introduziram a noção de

3 Embora o título remeta a um personagem individual, este não assume o papel de protagonista. Ao
contrário, Marx destaca a pouca capacidade do sobrinho de Napoleão, chamando-o de ‘cérebro de
toucinho’. E afirma que ele não subiu ao trono por suas qualidades pessoais, mas em circunstância das
lutas de classes na França, o que permitiu que um personagem medíocre e grotesco desempenhasse um
papel de herói (SCHMIDT, 2012).

68
história-problema, reivindicando uma história total (COSTA, 2010). Biografia e História

Não houve uma ruptura com o gênero biográfico, propriamente, mas um ajuste da
abordagem ao novo campo teórico e metodológico que se abria para a temporalidade
ampla, o econômico e o social (MALATIAN, 2008). Uma das características dessa pro-
dução biográfica consistiu na redução da autonomia dos personagens, inserindo-os no
contexto em que viveram, visto como limite para a atuação individual (COSTA, 2010).
Marc Bloch, ao estudar Filipe II e o franco-condado, ocupou-se do papel dos in-
divíduos, inserindo-o no quadro das estruturas agrárias da sociedade feudal. Lucien
Febvre esclareceu trajetórias individuais, rompendo com a concepção de heróis e cen-
trando-se na mentalidade de um período e de um grupo. Escreveu Martinho Lutero,
um destino (2012) e A religião de Rabelais (2009)4.
Os meados do século XX mantiveram a história biográfica em segundo plano. Cou-
be a Fernand Braudel, da segunda geração dos Annales, sublinhar as relações entre o
homem, a geografia e as condições materiais de vida, numa visão totalizante e socioe-
conômica da história. Em O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrâneo à Época de Felipe
II (1947), o mar é o protagonista e não o rei (PRIORE, 2009). Embora comportasse a di-
mensão individual da atuação de Felipe II, o espaço biográfico reservado na obra se re-
fere à duração curta, ao evento, à história mais veloz que a das estruturas e conjunturas.
A década de 1960 foi marcada pela quantificação. Qualquer ação humana servia como
dado para a construção de amplas séries estatísticas, único meio capaz de captar os movi-
mentos de longa duração. Pierre Chaunu e Le Roy Ladurie chegaram a proclamar a morte
da biografia (COSTA, 2010). Foi o apogeu da desclassificação da biografia, que, no en-
tanto, continuava sendo produzida pelos que afrontavam as críticas (MALATIAN, 2008).
Nos anos 1970 e 1980 ocorre o fim da rejeição à biografia, graças a uma verdadei-
ra mudança de paradigmas, decorrente da crise do marxismo e do estruturalismo. A
explicação histórica cessava de se interessar pelas estruturas para se centrar sobre os
indivíduos, suas ações e suas relações com o ambiente social ou psicológico. Essa his-
tória ‘vista de baixo’ dava as costas à história dos grandes homens (MALATIAN, 2008;
PRIORE, 2009).
Dentre as biografias produzidas pela terceira geração dos Annales destaca-se a de
São Luís e a de São Francisco, escritas por Jacques Le Goff; e a biografia intitulada

4 Martinho Lutero, um destino, sem ser uma biografia comum, utiliza o procedimento biográfico e
combina a erudição e a história-problema para mostrar que, embora os homens façam a História, só
o historiador sabe a História que eles fazem e que, consequentemente, é a deles. Em O problema da
incredulidade no século XVI – a religião de Rabelais, Febvre estuda não Rabelais, o incrédulo, mas a
descrença, numa duração longa: o século, que ultrapassava o vivido do personagem; e específica: o
confronto entre o humanismo e a Igreja, das esperanças do Tertium Regnum à Contrarreforma instalada
(LEVILLAIN, 2003).

69
HISTÓRIA POLÍTICA: Guilherme Marechal ou o melhor cavaleiro do mundo, da autoria de Georges Duby.
MÉTODOS E PROBLEMAS
HISTORIOGRÁFICOS Na concepção da Nova História, a análise de trajetórias individuais deveria servir para
a compreensão da sociedade (STEFFENS, 2010). Como bem explicou Duby,

o particular [...] só me interessava quando me informava sobre o coletivo. O


verdadeiro tema do livro não é Guilherme, mas a cavalaria, seu ideal, os va-
lores que ela afirmava respeitar. E também um sistema político, o feudalismo,
pois através desse caso concreto, o funcionamento de suas engrenagens pode
ser descoberto com maior clareza que nos tratados ou nas cartas (DUBY, 1993,
p. 137).

Nova esquerda inglesa


O grupo de historiadores britânicos de inspiração marxista constituiu-se nos anos
1940, congregando historiadores como Eric Hobsbawm, Edward Thompson e Chris-
topher Hill. Uma das preocupações fundamentais desse grupo consistia em recuperar
a dimensão subjetiva dos processos sociais, negligenciada pelas tendências estrutura-
listas do marxismo. Christopher Hill escreveu Oliver Cromwell (1988), uma biografia
do líder da Revolução Inglesa do século XVII, na qual destacou a importância desse in-
divíduo para a história da Inglaterra. Sua formação marxista fez com que privilegiasse
a inserção classista do personagem, considerando-o como um precursor da burguesia
inglesa (SCHMIDT, 1996).

Nova História Cultural e Micro-História


A Nova História Cultural demonstra a importância de se estudar trajetórias de pessoas
comuns, não relacionadas à vida pública, à política. E comprova que a análise de uma
trajetória de vida não implica a impossibilidade de se retratar o contexto social no qual o
indivíduo se insere. Estudos da Micro-História destacaram-se nesse sentido (SILVA, 2013).
A coleção Microstorie, dirigida por Giovanni Levi e Carlo Ginzburg foi publicada
na Itália, nos anos 70, voltando-se principalmente para pesquisas biográficas (COSTA,
2010). A Micro-História aproxima-se da terceira geração dos Annales, ao se preocupar
com os anônimos e ao se concentrar no tempo de fatos, ações e representações que
cercam o indivíduo. E distancia-se ao enfatizar os conflitos de classe (devido à in-
fluência marxista), ao não se preocupar com a longa duração e ao renunciar à história
totalizante (PRIORE, 2009).
Seguem os principais expoentes dessa abordagem de pesquisa. Carlo Ginzburg, au-
tor do clássico O queijo e os vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido
pela Inquisição (1976), sobre o moleiro friulano Domenico Scandella, o Mennochio.
Natalie Zemon Davis, com O retorno de Martin Guerre (1982), a respeito da trajetória
de um impostor que se faz passar por marido de uma camponesa do sul da França.

70
Judith Brown, que narra a vida de Benedetta Carlini, uma freira lésbica, em Atos Impu- Biografia e História

ros (1986). E Giovanni Levi, que escreve A herança Imaterial: trajetória de um exor-
cista no Piemonte do século XVII, acerca do exorcista Giovan Battista Chiesa (1986).

Nova História Política


Durante muito tempo censurou-se a história política por só se interessar pelas
minorias privilegiadas e esquecer o povo, as multidões, as massas, o grande número.
Talvez fosse uma censura justificada, numa época em que os historiadores políticos se
acantonavam na biografia dos notáveis. Não se aplica mais, certamente, contra uma
história que pretende integrar todos os atores – mesmo os mais modestos – do jogo
político, e que se atribui como objeto a sociedade global (RÉMOND, 2003).
A história política, de resto, jamais fora destruída pela constituição progressiva da
História em ciência social. Sua reabilitação decorreu de um debate no interior de uma
escola histórica – a dos Annales5 – e era mais um processo de tipo ecumênico, no qual
a Nova História caminhava na direção dos historiadores do político, muitos dos quais
já haviam absorvido métodos da história social (LEVILLAIN, 2003).
O fim dos anos 70 e início dos 80 marca o florescimento da biografia na França,
fenômeno associado ao ‘retorno da narrativa’ e à reabilitação dos estudos de História
Política (LEVILLAIN, 2003), devido à necessidade de responder às críticas que incidiam
sobre o gênero, em sua excessiva valorização da personalidade e da importância do
sujeito, o perigo do falseamento das perspectivas e a heroicização dos indivíduos (MA-
LATIAN, 2008).
A Nova História Política caracteriza-se pela revalorização do sujeito, do acontecido
e da narrativa (CONCEIÇÃO, 2011), bem como pela percepção do político como o
lugar onde se articulam o social e sua representação (ROSANVALLON, 1995). Nessa
perspectiva, a trajetória do biografado insere-se na política, pois, como as ideias políti-
cas surgem dos indivíduos, as biografias são uma forma especial de estudar essa esfera
(SILVA, 2012).

5 Em Combates pela História, de 1974, Jacques Le Goff e Pierre Nora destacavam a especificidade de
um gênero situado nas fronteiras da Literatura e da História e o designavam como um terreno onde
acampavam esses vulgarizadores de baixo nível, esses escrevinhadores da historieta, que se valiam de
certa arte de escrever para fazer o grande público esquecer sua insuficiência científica. Atenuando essas
declarações, em 1981 Le Goff anunciava sua biografia de São Luís, dizendo: Considera-se de modo geral
que a história dita nova, e em particular a École des Annales, não estão especialmente interessadas na
biografia. Isto é ignorar que Lucien Febvre escreveu um Lutero, e que a grande tese de Fernand Braudel
sobre Filipe II e o Mediterrâneo é também, à sua maneira, uma biografia’ (LEVILLAIN, 2003, p. 142-143).

71
HISTÓRIA POLÍTICA: Historiografia brasileira
MÉTODOS E PROBLEMAS
HISTORIOGRÁFICOS Acompanhando a tendência internacional de renovação historiográfica e inspiran-
do-se em correntes variadas como a nova história francesa, o novo marxismo britânico
e a micro-história italiana, desde meados dos anos 1980 muitos historiadores brasilei-
ros voltaram a apostar na biografia como forma de lidar com diversos problemas de
pesquisa. Não se trata de um movimento homogêneo, muito menos de uma escola,
mas de pesquisas produzidas em lugares institucionais diversificados que expressam
uma preocupação mais ampla: a de repensar interpretações consagradas sobre a histó-
ria brasileira a partir do percurso de certos indivíduos em contextos específicos (SCH-
MIDT, 2012).
Entre os historiadores brasileiros que produziram biografias históricas destacam-se:
Maria Odila da Silva Dias, Eduardo Silva, Elciene Azevedo, Glória Kaiser, Kenneth Max-
well, Lia Moritz Schwarcz, Magda Ricci, Dênis de Moraes, Margareth Rago, Laura Maria
de Mello e Souza, Nicolau Sevcenko, Francisco Falcon, Evaldo Cabral de Mello, Janaína
Amado, José Murilo de Carvalho, Mary Del Priore, Miriam Moreira Leite, Maria Lacerda
de Moura, Alexandre Hecker, Maria Elena Bernardes, entre outros (COSTA, 2010).

O historiador e as biografias, na atualidade


A ‘epidemia biográfica’ faz parte de nosso tempo presente. Um dos fatores que mais
se destaca nessa procura pelo indivíduo é o discurso pós-moderno – caracterizado pela
crítica aos macromodelos explicativos e suas teorias sociais globais, e pela valorização
das microações individuais, numa busca pela subjetividade. Os biógrafos da atualidade
percebem seus personagens como sujeitos múltiplos, conflituosos, entrecortados por
decisões incertas; não como indivíduos plenos, coerentes, lineares e objetivos, cuja
existência pode ser absorvida em sua totalidade (DA CONCEIÇÃO, 2011).
As biografias caíram como luva para resolver alguns problemas práticos dos histo-
riadores, como a contradição entre ideias, representações e práticas sociais, e a falsa
oposição entre indivíduo e sociedade. O indivíduo não existe só, mas numa rede de
relações sociais diversificadas. Na vida de um indivíduo convergem fatos e forças so-
ciais, assim como o indivíduo, suas ideias, representações e imaginário inserem-se no
contexto social ao qual pertence (PRIORE, 2009).
Constata-se um aumento substancial do interesse por biografias, tanto por parte
do público leitor como do mercado editorial. Dentro do campo da historiografia, as
biografias acompanharam o próprio desenvolvimento da disciplina e de seus métodos.
Nesse sentido, o interesse do historiador dá-se tanto na utilização das biografias como
fontes documentais quanto na escrita de biografias históricas (SILVA, 2012).

72
A biografia como fonte histórica Biografia e História

Ainda temos muito poucas reflexões sobre os métodos de trabalho com fontes
biográficas, embora essas sejam já de grande conhecimento e utilização pelos histo-
riadores. O uso de biografias como documentação está no cerne das renovações da
História Política e, principalmente, no da ampliação de objetos, problemas, técnicas e
documentos, proposta desde a primeira geração dos Annales e impulsionada com a
Nova História (SILVA, 2012).
Os escritos biográficos, assim como os ‘documentos oficiais’ exigem sua crítica in-
terna e externa, bem como o seu tratamento como ‘monumento’, segundo ensina Le
Goff6. As biografias nos permitem compreender as tensões do contexto nos quais são
produzidas, isto é, levam-nos a perceber a própria temporalidade do conhecimento
histórico e a busca pelos homens, ao escreverem a história, de respostas para questões
do seu tempo (STEFFENS, 2010).
Em resumo, para utilizar a biografia como fonte histórica, independentemente
de sua opção teórico-metodológica, o historiador deve seguir os seguintes passos:
1) compreender sua escrita em seu contexto de produção; 2) sondar as intenções do
biógrafo (se é de elogiar ou denegrir o biografado); 3) descobrir quem foi o biógrafo e
atentar para sua subjetividade (analisar a trajetória do biógrafo ajuda a compreender o
modo como ele filtra o contexto histórico); 4) observar como o biografado é descrito
fisicamente, já que o biógrafo pode sugerir uma aproximação entre as características
físicas e o caráter, mostrando como o classifica (os personagens são quase sempre este-
reotipados: ‘mocinhos’ x ‘bandidos’); 5) verificar se o retrato do biografado é o retrato
do próprio biógrafo7 (SILVA, 2012).

Como escrever biografias históricas


E quanto à escrita das biografias? Graças ao gênero, o historiador se tornou um es-
critor que se dirige a um público que aguarda uma narrativa de acontecimentos enca-
deados e uma intriga codificada por fatos reais, interpretados. A estrutura da biografia
se distingue da do romance por uma característica essencial: os eventos contados pelo
historiador são baseados em documentos, e não nascidos da imaginação (PRIORE,
2009).

6 Não existe um documento objetivo, inócuo, primário. [...] O documento não é qualquer coisa que
fica por conta do passado, é um produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças
que detinham o poder. Só a análise do documento enquanto monumento permite à memória coletiva
recuperá-lo e ao historiador usá-lo cientificamente (LE GOFF, 2003, p. 535-536).
7 O retrato de Talleyrand, que nos foi deixado por Chateaubriand, parece-se com um certo Talleyrand,
mas parece ainda mais com um certo visconde amargo que se chama Chateaubriand (ORIEUX, [19--?],
p. 36 apud SILVA, 2012).

73
HISTÓRIA POLÍTICA: A existência e o acesso à documentação são as primeiras preocupações do histo-
MÉTODOS E PROBLEMAS
HISTORIOGRÁFICOS riador que pretende escrever uma biografia. É preciso inserir o biografado em seu
contexto, analisar sua representatividade mesmo em sua singularidade, mostrar como
ele faz parte de um momento histórico e como é possível, através de sua trajetória,
compreender esse momento. O biografado não deve ser apresentado como herói, mas
como uma espécie de receptáculo de correntes de pensamento e de movimentos que
sua vida torna compreensível (SILVA, 2012).
Os historiadores se debatem com várias questões metodológicas. Como compor o
relato biográfico, quando iniciá-lo, qual o período a ser trabalhado (MALATIAN, 2008);
escolher um tipo de enfoque – a inserção cultural, social, intelectual, institucional do
biografado – ou englobar aspectos gerais; atentar para a normatização ou não do bio-
grafado dentro do sistema em que se encontra; trabalhar com uma variedade enorme
de fontes, como cartas, memórias, objetos pessoais, entrevistas etc. (documentos que
trazem outros olhares sobre o biografado e o olhar deste sobre si mesmo) (SILVA, 2012).
O historiador ainda precisa escapar da ilusão biográfica, conceito de Pierre Bourdieu
(2006) segundo o qual a ordem cronológica com que se organizam as biografias con-
cede um sentido artificial à existência. A trajetória de vida é apresentada como estrada,
caminho, carreira, corrida, e o indivíduo é visto como tendo uma identidade coerente,
com projetos e intenções. As experiências de vida são submetidas a uma lógica dis-
cursiva que vincula os acontecimentos, produzindo uma unidade onde só existiriam
fragmentos.
Voltando à escrita da biografia, não se tornou frequente dizer que um bom livro de
história se lê como romance, escapando ao tédio que inspiram os livros universitários?
E nessa fórmula elogiosa, o como é fundamental. Trata-se de história garantida, de fatos
acontecidos, de um fenômeno histórico explicado, de arquivos e documentos inéditos
examinados, de novos conhecimentos descobertos. Não obstante, o livro se lê: a mon-
tagem, a intriga e a escrita fazem com que os leitores o penetrem como numa obra de
ficção. Convida o leitor a se deixar arrastar pelo prazer da leitura; instrui enquanto di-
verte. E, por fim, é graças a esse como que o leitor ganha nas duas frentes: a da história
e a da literatura (PRIORE, 2009, grifos da autora).
Mary Del Priore propõe que historiadores brasileiros devem repensar os tipos de
textos que produzem e, entre eles, o papel da biografia, que não deve atender exclusi-
vamente às exigências herméticas da Academia, mas também precisa responder a uma
demanda social. Devem produzir textos que reencontrem o tempo perdido, que cha-
mem à cena os fantasmas da história, que tenham capacidade de conversar com os
mortos, que permitam a magia entrar na vida de outrem e que façam dos historiadores
caçadores de almas capazes de encantar os leitores graças às biografias históricas (PRIO-
RE, 2009).
74
Pode-se concluir que a biografia clássica e as hagiografias medievais serviam para Biografia e História

dar exemplos morais à sociedade leitora. Do Renascimento até o século XIX, a biogra-
fia consistia na história dos grandes homens, na exaltação dos heróis. No século XX,
verifica-se a rejeição e o retorno do gênero, acompanhando as mudanças ocorridas na
historiografia.
Atualmente, há várias abordagens e possibilidades para o historiador trabalhar com
biografias, bem como certos cuidados a serem tomados e grandes dificuldades a serem
enfrentadas. A escrita de uma biografia deve se aliar à concepção do trabalho historio-
gráfico, considerado interpretativo e não ausente da subjetividade do historiador. Sub-
jetividade e inserção social também são conceitos fundamentais na análise da biografia
como documento histórico; nesse caso, a subjetividade e a trajetória do biógrafo, que
motiva a escolha do biografado, a maneira como ele é mostrado e as possíveis razões
para isso (SILVA, 2012).
Escrever uma biografia, dentro da renovação dos estudos históricos, não é fazer
simplesmente a história dos grandes, mas examinar os atores, célebres ou não, como
testemunhas, como reflexos e como reveladores de uma época. Portanto, a biografia
não se circunscreve mais a um indivíduo isolado, e sim à história de uma época vista
através de um indivíduo ou de um grupo de indivíduos (PRIORE, 2009).

Referências

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Revista Cantareira, Niterói, n. 15, p. 1-9, 2011.

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DUBY, Georges. A História continua. Rio de Janeiro: Zahar, 1993.

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75
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MÉTODOS E PROBLEMAS
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MARX, Karl. O 18 de Brumário de Luís Bonaparte. São Paulo: Boitempo, 2011.

PRIORE, Mary Del. Biografia: quando o indivíduo encontra a história. Topoi, Rio de
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RÉMOND, René. Uma História presente. In: RÉMOND, René (Org.). Por uma
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ROSANVALLON, Pierre. Por uma História conceitual do político. Revista Brasileira


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SCHMIDT, Benito. Construindo biografias. Historiadores e jornalistas: aproximações


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SCHMIDT, Benito Bisso. O gênero biográfico no campo do conhecimento


histórico: trajetória, tendências e impasses atuais e uma proposta de investigação.
Anos 90, Porto Alegre, n. 6, p. 165-192, 1996.

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SILVA, Semíramis Corsi. O historiador e as biografias: desafios, possibilidades e


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STEFFENS, Marcelo Hornos. A biografia na pesquisa histórica: uma análise do


trabalhismo no Brasil. Revista de Teoria da História, Goiânia, n. 4, p. 3-17, 2010.

76
Biografia e História

Fontes e referenciais para o aprofundamento temático

Devo escrever uma biografia? É com essa pergunta que normalmente reage
o historiador, quando se lhe apresenta a possibilidade de escrevê-la. A reação se
justifica, pois o profissional da História trabalha com temas, quer os grandes, no
nível processual, quer aqueles mais limitados no tempo ou em sua abrangência.
Em um ou outro nível, porém, os indivíduos transitam pelo tema e, embora a
História seja feita pelos homens, eles têm sua individualidade de certo modo
dissolvida em categorias mais amplas como as sociais, as políticas, as econô-
micas, as culturais ou, ainda, as de gênero. São operários, políticos, mulheres,
homens, homossexuais, escritores, pedreiros, professores, artistas, etc. Consti-
tuem exceções os homens que emergem da vala comum dessas categorias e que
passam a ter nome e registro visual nas análises históricas processuais ou com
abordagem temática abrangente. Quando isto ocorre é porque esses indivíduos
se tornaram expoentes de suas categorias e, assim, não se perderam no anoni-
mato da História.
Um dos grandes riscos de se escrever uma biografia é o de se criar, quer a
priori, quer nas primeiras fases da pesquisa, uma postura definida em relação
ao biografado, seja a de aversão, seja a de admiração. Um convencimento tão
precoce aprisiona intelectualmente o historiador, comprometendo a escolha e
a interpretação das fontes, o que vai resultar no retrato estereotipado do biogra-
fado. Por certo que, no desenrolar das pesquisas, ocorrerá um posicionamento
valorativo, consciente ou não, por parte do pesquisador, mas será resultado
de bases documentais sólidas, o que é mais justificável do que uma frágil visão
exploratória inicial. Na realidade, não vejo necessariamente como erro adotar
essa postura, desde que solidamente fundamentada a partir do emprego, na
pesquisa, da metodologia histórica. Erro maior pode ser o de não se posicionar
em relação ao biografado, quer em nome de uma suposta objetividade cientí-
fica, quer por adesão a um relativismo histórico que rejeita referenciais éticos
atemporais. Creio que o trabalho do historiador é o de apresentar uma verdade
aproximativa em relação a seu objeto; afinal, ele a estudou profundamente e,
frequentemente, por anos. Se é impossível compreender todas as motivações e
condicionantes de um personagem histórico, até porque muitas delas não fica-
ram registradas, isso não quer dizer que não se pode apreender parte delas. A

77
HISTÓRIA POLÍTICA:
MÉTODOS E PROBLEMAS extensão e profundidade desta compreensão dependerão da variedade e rique-
HISTORIOGRÁFICOS
za das fontes disponíveis para pesquisa. A biografia deve apresentar ao leitor a
avaliação que o historiador faz do seu personagem, sob pena de se empobrecer
a História ao se restringir à descrição dos fatos como se fossem auto-explicati-
vos. Esta postura lembra a dos positivistas, ao defenderem que a reprodução do
conteúdo de séries documentais, por si só, revelava a História.
Portanto, o valor historiográfico de uma biografia não depende unicamente
da grandeza do biografado, a qual é definida pelos padrões da época em que
viveu e pelas repercussões posteriores de sua atuação na vida social. O valor his-
toriográfico também depende da própria postura teórica do historiador quanto
ao objetivo e as possibilidades ao se escrever uma biografia.

Extrato documental extraído do livro:


DORATIOTO, Francisco. Escrever a história do grande personagem histórico.
In: PRIORI, Angelo (Org.). História, memória e patrimônio. Maringá: Eduem,
2009. p. 13; 20-21.

1) Reflexão para aprofundamento temático


Tomando como referência o capítulo, bem como o extrato documental acima, elabore
uma explicação sobre a relação entre Biografia e Política, atentando para demonstrar o valor
historiográfico dessa discussão para a História Política.

Anotações

78
7 História e Política.
Sociedade, tecnologia
e redes sociais

Maria Vandete de Almeida (Negavan)

São da década de 1970 os primeiros registros que dão conta das modificações tec-
nológicas que ficaram conhecidas como Revolução Técnico-Científica ou revolução
das tecnologias de informação e comunicação, na qual as técnicas eletrônicas, como a
microeletrônica, a automação, a robótica e a informática em suas redes e vias de alcan-
ce global, intensificaram e generalizaram as capacidades dos processos de trabalho e
produção, e se apresentaram como uma das características mais notáveis da globaliza-
ção do capitalismo (IANNI, 1997, p. 157).
Acerca do mesmo contexto, no qual a economia mundial e as políticas de investi-
mento além-fronteiras passaram a articular-se e a usufruir as potencialidades das tec-
nologias, de circuitos eletrônicos e respectivos mecanismos de disseminação de infor-
mações, favorecendo que o período se tornasse conhecido como era da globalização é
que o historiador Nicolau Sevcenko observa: se por um lado a multiplicação de redes
de computadores, comunicações por satélite, cabos de fibras ópticas e mecanismos
eletrônicos de transferência de dados e informações em alta velocidade desencadeou
uma revolução nas comunicações, por outro, permitiu uma ‘atividade especulativa
sem precedentes (2001, p. 29). E assim, como um novo ciclo de expansão do capitalis-
mo, se por um lado o imperativo tecnológico nos negócios tomou grande amplitude,
devido ao papel valorativo da informação em escala mundial, por outro resultou num
mundo em franca e concretizada globalização, no qual as corporações mundiais in-
tegradas em ‘rede’1 consolidaram-se com novas dinâmicas globais, regionais e locais.

1 A palavra ‘rede’ tem origem no latim, do vocábulo rete ou retis, significando o entrelaçamento de
fios com aberturas regulares que formam uma espécie de tecido ou teia, e remete a ideia de fluxo, de
movimento.

79
HISTÓRIA POLÍTICA: Ainda na mesma década, o termo ‘Sociedade da Informação’ emerge, especialmen-
MÉTODOS E PROBLEMAS
HISTORIOGRÁFICOS te nos Estados Unidos e no Japão, e tende a reforçar o relevante papel que a geração, a
disseminação e a aplicação efetiva da informação, aliadas ao impacto da evolução e às
inovações da revolução tecnológica, com a marcante influência dos novos sistemas de
comunicação, nos quais se destacam a televisão e as redes de computadores, como a
Internet, passam a desempenhar fator decisivo nos setores econômico, social, cultural
e político das nações.
No entanto, em fins da década de 1980 e início da década de 1990, definitiva-
mente hegemônico e com a roupagem de neoliberalismo é que se afirmaram o ca-
pitalismo globalizado e o paradigma de uma nova ‘economia informacional’, cujo
potencial tem sido determinado e catalisado por fluxos de informação e por redes
de intercâmbios instrumentais que simbolizam a transição e caracterizam a emer-
gência de dinâmicas diferenciadas e de novas condições históricas à produtividade,
na qual novos paradigmas se abrem e estabelecem espaços novos de comunica-
ção, interação e socialização, como o ciberespaço e as comunidades virtuais.2 Espa-
ços públicos de poder e de comunicação mediados por computador, que excedem
e suplantam métodos remotos, reconfiguram hábitos culturais e ignoram distân-
cias geográficas, fundados no interesse comum de pessoas físicas e jurídicas e de
novos mercados e ainda na interoperalidade de tecnologias e de redes; arraigados
na constituição de uma nova sociedade ou, como sugere o sociólogo espanhol
Manuel Castells (1999), com uma nova terminologia, a de ‘Sociedade em Rede’.

Redes sociais e política


Histórica e politicamente, não é recente a formação de redes na sociedade: estudos
apontam que são primitivas suas origens. Contudo, segundo alguns estudiosos, essas
origens estão ligadas à formação das grandes redes comerciais, entre os séculos XV e
XVI, por ocasião das grandes navegações, o que corrobora a padronização econômica
e cultural de nações e inaugura um novo processo de relações sociais e políticas, de
produção industrial e tecnológica, genericamente denominado globalização.
Apesar do destaque que se possa dar a aspectos e artefatos tecnológicos, o eco-
nomista e tecnólogo espanhol David de Ugarte (2008, p. 17-18) atribui o nascimento
de redes econômicas à tecnologia dos transportes e das telecomunicações. Enfatiza a

2 Ciberespaço pode ser entendido como o ‘espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial
dos computadores e das memórias dos computadores’ (LÉVY, 1999, p. 92). Comunidades virtuais ‘são
agregações culturais que emergem quando pessoas suficientes começam a ‘colidir’ com outras frequen-
temente no ciberespaço. Uma comunidade virtual tal como ela existe hoje é um grupo de pessoas que
pode ou não conhecer-se fisicamente, mas que troca palavras e ideias através da mediação do computa-
dor e de uma rede’ (RHEINGOLD, 1996 apud RODRIGUES, 1999, p. 1).

80
invenção e a importância do telégrafo3 para a formação de redes sociais. Segundo esse História e Política.
Sociedade, tecnologia
estudioso, de 1851 a 1858 o telégrafo uniu e miscigenou os interesses econômicos do e redes sociais

Reino Unido, da França e dos Estados Unidos, dando impulso tanto à primeira globa-
lização quanto ao imperialismo.
De outro modo, ou tomando como referência o cenário de mudanças sociais, a par-
tir da década de 1970, decorrentes da transição de um regime econômico de acumu-
lação fordista para um regime de acumulação flexível, bem como da própria globaliza-
ção, em seus processos de internacionalização ou ‘mundialização’ das relações sociais,
culturais, políticas e econômicas, as quais deflagraram transformações nas relações
entre indivíduos e sociedade, teóricos das ciências sociais e humanas, e de áreas afins,
resgatam a noção de rede oriunda dos estudos e da contribuição do sociólogo alemão
Norbert Elias (1994, p. 7), que possivelmente terá sido um dos primeiros estudiosos
a utilizar metaforicamente o termo em sua obra A sociedade dos Indivíduos, em que
procura refletir sobre o problema da relação entre indivíduo e sociedade a partir de
um tema central: ‘os indivíduos e a sociedade não são entidades estanques, mas ape-
nas perspectivas diferentes de uma mesma instância’.
Em um primeiro momento, perfaz a obra de Norbert Elias a proposição de que
cada pessoa está unida a outras por laços invisíveis, como laços de trabalho e pro-
priedade, de instintos e afetos, o que a torna dependente de outros, enquanto outros
dependem dela, disso resultando redes de dependências que estabelecem funções
no interior das associações humanas, e que tecem e compõem o todo social. Sob esse
ângulo de exposição, o autor expressa o seu entendimento de sociedade, e a peculiar
formação de redes, ao analisar que

essa rede de funções que as pessoas desempenham umas em relação a outras,


a ela e nada mais, que chamamos sociedade. Ela representa um tipo especial
de esfera. Suas estruturas são o que denominamos estruturas sociais. E, ao fa-
larmos em leis sociais ou regularidades sociais, não nos referimos a outra coisa
senão isto: às leis autônomas das relações entre as pessoas individualmente
consideradas [...]. Mas o que aqui chamamos rede, para denotar a totalidade
da relação entre indivíduo e sociedade, nunca poderá ser entendido enquanto
a sociedade for imaginada, como tantas vezes acontece, essencialmente como
uma sociedade de indivíduos (ELIAS, 1994, p. 16; 23).

E ao esboçar uma imagem do que seria essa estrutura de rede na composição das
interações e inter-relações humanas, tece as seguintes considerações:

3 Um dos primeiros telégrafos de que se tem notícia foi patenteado em 01 de maio de 1849 por Samuel
Morse.

81
HISTÓRIA POLÍTICA: Para ter uma visão mais detalhada desse tipo de inter-relação, podemos pensar
MÉTODOS E PROBLEMAS no objeto de que deriva o conceito de rede: a rede de tecido. Nessa rede, mui-
HISTORIOGRÁFICOS tos fios isolados ligam-se uns aos outros. No entanto, nem a totalidade da rede
nem a forma assumida por cada um de seus fios podem ser compreendidas em
termos de um único fio, ou mesmo de todos eles, isoladamente considerados;
a rede só é compreensível em termos da maneira como eles se ligam, de sua re-
lação recíproca. Essa ligação origina um sistema de tensões para o qual cada fio
isolado concorre, cada um de maneira um pouco diferente, conforme seu lugar
e função na totalidade da rede. A forma do fio individual se modifica quando se
alteram a tensão e a estrutura da rede inteira. No entanto essa rede nada é além
de uma ligação de fios individuais; e, no interior do todo, cada fio continua a
constituir uma unidade em si; tem uma posição e uma forma singulares dentro
dele (ELIAS, 1994, p. 28).

Tal singularidade, segundo Elias, relaciona ‘ideias, convicções, afetos, necessidades


e traços de caráter produzidos no indivíduo mediante a interação com outros; e na
rede de relações de que ele emergiu e na qual penetra’ (1994, p. 36).
Desse modo, a existência real de redes sociais4 na sociedade, enquanto forma de
representação das relações humanas, também é considerada como uma possibilidade
de mediação na formulação de políticas sociais, promotoras de culturas participativas,
geradoras de interação social e com capacidade de união igualitária e democrática
entre os indivíduos.
A partir da década de 1990, com o grande desenvolvimento de tecnologias de
informação e comunicação, acentuou-se o uso do termo, com debates e estudos em
torno do paradigma ‘redes sociais’. Com o suporte de dispositivos eletrônicos e de
novas tecnologias, como a Internet e a linguagem www5, tornaram-se ‘virtuais’, al-
cançando considerável extensão no seu campo de ação, como no caso das redes de
organizações não governamentais, conforme é observado e relatado por Armand e
Michéle Mattelart:

O campo de ação das redes de organizações não governamentais estendeu-


-se consideravelmente na década de 1990. Em 1998, ao término de uma ação
em conjunto mantida havia três anos, mais de seiscentas organizações em
aproximadamente setenta países, ligadas entre si pela internet, colocavam em
xeque as negociações intergovernamentais, conduzidas sob o signo do livre-
-cambismo e no quadro da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), sobre o Acordo Multilateral sobre o Investimento (AMI).
Ao final de 1999 mobilizada contra a conferência da OMC reunida em Seattle

4 A ideia de redes sociais surge no início do século XX, a partir de reflexões e abordagens analíticas do
fenômeno, que contribuiu e trouxe para o campo das ciências sociais o método de Análise das Redes
Sociais (ARS). ARS é uma ferramenta metodológica de origem multidisciplinar que estabelece um novo
paradigma na pesquisa sobre a estrutura social (FERREIRA, 2011).
5 A Internet se tornou conhecida nos Estados Unidos a partir de 1969, e a linguagem www, ou World
Wide Web foi concebida por Tim Berners-Lee em 1989.

82
fez inflamarem-se os questionamentos sobre o papel da rede das redes, como História e Política.
adjuvante da construção de novas formas de resistência ao projeto de mundia- Sociedade, tecnologia
e redes sociais
lização neoliberal (MATTELART, 2011, p. 173).

Esse foi um evento de participação e de intervenção política vigorosa, digno de re-


gistro histórico, composto de indivíduos e instituições, organizados em redes, conec-
tados e mediados entre si por redes tecnológicas de comunicação e fluxos de informa-
ções virtuais, o que assinalou a ‘transformação e possibilidade de um espaço público
em escala planetária, quer seja, nacional e internacional’ (MATTELART, 2011, p. 173).
O sociólogo brasileiro Gustavo Lins Ribeiro (2000, p. 465; 478), ao abordar e ao
adentrar a complexidade do debate sobre ‘globalização, era da informação e organiza-
ções não-governamentais’, considerando serem esses elementos ‘causa e resultado de
muitas mudanças na vida política, social, cultural e econômica contemporânea’, sus-
tenta que muitos atores diferentes, como agências governamentais, partidos políticos,
sindicatos, ONGs, etc., comportando diferentes ideologias (progressistas, conservado-
ras, repressoras), utilizam-se de redes de computadores, utilizam-se das redes virtuais.
Nessa direção de análise, Lins Ribeiro, abordando a relação entre Internet e o ati-
vismo político das ONGs, e atentando para o uso que seus ativistas fazem de redes
eletrônicas, especialmente daquelas entidades voltadas às questões ambientais, e jus-
tificando-se com a consideração de que seus atores são altamente sensíveis às novas
formas de aperfeiçoar a prática política e as ideologias que estimulem o transnaciona-
lismo, ressalta que,

as ONGs e suas redes são, de fato, um novo sujeito político que cria novas
formas de ação e impasses para mecanismos mais antigos de representação e
ação políticas. Uma vez que não estão necessariamente investidas das preten-
sões de representatividade universal e corporativa, típicas das metanarrativas
do Iluminismo responsáveis pelos perfis institucionais e ideológicos da maioria
dos atores e aparatos tradicionais, as ONGS podem ser um eficaz sujeito polí-
tico, fragmentado, descentrado em um mundo pós-moderno. [...] habituadas
ao networking no espaço físico e ávidas por meios eficientes de comunicação e
informação, as ONGs rapidamente encontram nas redes eletrônicas um outro
meio útil e poderoso para suas necessidades organizativas e políticas (RIBEIRO,
2000, p. 480).

Em contrapartida, e cientes do potencial desse novo meio de comunicação, como


não deixa de observar esse autor, as ‘ONGs do Terceiro Mundo’ passaram a promover
e enaltecer o uso das tecnologias digitais, enfatizando na mídia jornalística o ‘potencial
das redes eletrônicas para a capacitação política e a democratização da informação em
nível mundial’ (RIBEIRO. 2000, p. 481).
Do mesmo modo, ou contemplando a relação que esses segmentos passaram a
adotar com as tecnologias de informação e comunicação, o teórico da comunicação

83
HISTÓRIA POLÍTICA: Dênis de Moraes observa que
MÉTODOS E PROBLEMAS
HISTORIOGRÁFICOS
organizações não-governamentais e entidades civis dos quatro quadrantes estão
utilizando cada vez mais a Internet para divulgar suas reivindicações e desenvol-
ver espaços de interação e de mobilização pelos direitos da cidadania [...] que
põe em xeque a velha estrutura piramidal da chamada grande mídia, descorti-
nando um novo campo de expressão contra-hegemônica (MORAES, 2002, p. 1).

E assim, ainda no decorrer dos anos de 1990, mesmo antes de a Internet se alas-
trar em teia planetária, grande parte das ONGs até então existentes evoluíram para a
constituição de redes que produzissem ações locais e intraorganizacionais (divisões e
ramificações de uma mesma entidade) e interorganizacionais (entre diferentes ONGs).
Esse é um fator que contribuiu para o processo. Conforme ainda ressalta o autor,

a exigência de intensificar parcerias; o desenvolvimento tecnológico; a inter-


nacionalização de conflitos sociais e ambientais; a necessidade de amplificar a
oposição ao neoliberalismo e seus efeitos nefastos, como o empobrecimento,
o desemprego, a competição desenfreada, o esvaziamento dos poderes públi-
cos, o desprestígio das instituições de representação popular, o absolutismo do
mercado e do lucro (MORAES, 2002, p. 3).

Um outro feito, também digno de registro histórico nesse cenário contextual, é a


insurreição do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), iniciado em 1994,
contra a precária situação econômica e social das populações indígenas, além do acor-
do realizado entre o estado mexicano e o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio
(NAFTA). Com a incorporação de tecnologias de informação em suas dinâmicas e em
ações coletivas, o que se tornou fato amplamente divulgado na literatura de diversas
áreas do conhecimento, definido por Castells (1999) como a primeira guerrilha infor-
macional, o episódio se transformou e culminou em um movimento de repercussão
internacional, quando o conflito, os gritos das manifestações e as reivindicações dos
zapatistas foram divulgados em meios de comunicação de massa e em conexões ele-
trônicas, fato que arrebatou a imaginação popular pelo mundo todo ao congregar
apoio para sua causa através de redes eletrônicas de faxes e da Internet – em conexão
com o mundo da mídia e uma estrutura descentralizada de grupos de solidariedade
(CASTELLS, 2003, p. 115).
Em 1999, acentuam-se o aparecimento e o crescimento de redes sociais formadas
por cidadãos comuns da sociedade civil em decorrência das manifestações realizadas
por movimentos sociais contra a Organização Mundial do Comércio (OMC), em cida-
des como Seattle, Praga e Gênova.

A revolta de Praga inspirou-se na de Seattle, cidade norte-americana que sediou,


em dezembro de 1999, a Rodada do Milênio, promovida pela Organização

84
Mundial do Comércio (OMC). Cinquenta mil pessoas encheram as ruas, no História e Política.
primeiro ato público expressivo contra o neoliberalismo. Os movimentos civis Sociedade, tecnologia
e redes sociais
provaram em Seattle que não poderiam ser mais ignorados pelos artífices da
governança global. A Web foi valiosa na preparação dos atos, através de correio
eletrônico, boletins, listas de discussão e fóruns. ‘A troca de informações pelos
computadores permitiu uma articulação inédita entre grupos com os mais di-
ferentes interesses e localizados em 140 países’, diz Maria Luísa Mendonça, re-
presentante no Brasil da Global Exchange, uma das ONGs que coordenaram as
manifestações. Naqueles dias, Global Exchange <www.globalexchange.org> e
Indymedia registraram 1,5 milhão de visitas. [...] A mesma estratégia de difusão
virtual foi em Gênova, em 2001, palco de brutal repressão contra os ativistas.
A rede foi peça-chave na convocação de centenas de entidades civis européias
para protestarem contra a reunião dos líderes do G-8 (MORAES, 2002, p. 13).

Trata-se de momentos históricos, organizados e registrados em redes, que ‘emer-


giram do relacionamento entre os atores sociais e das situações políticas que exigiam
respostas coletivas’, conforme atenta o especialista em gestão de redes Cássio Martinho:

Uma multifacetada constelação de redes de ONGs, pessoas e grupos de afi-


nidade em cada uma das áreas da ação política e social humana – educação,
saúde, cultura, assistência social, meio ambiente, gênero, defesa de direitos e
economia solidária, entre outros – passou a existir. Embora grande parte dessas
articulações seja informal ou dependa da temperatura política para fomentar a
mobilização coletiva, elas subsistem por longos períodos de tempo como ins-
trumento de organização das lutas. As redes tornaram-se a principal forma de
expressão e organização coletiva, no plano político e na articulação de ações
de grande envergadura, de âmbito nacional ou internacional, das ONGs e dos
novos movimentos sociais (MARTINHO, 2003, p. 11).

Em território brasileiro, considerando-se a expansão e a organização social em re-


des, em decorrência da incorporação das tecnologias de informação e comunicação ao
processo, especialmente da Internet, Martinho também registrou que,

em 1996, a liberação do uso comercial e doméstico da Internet no Brasil deu


novo alento ao trabalho das redes que já existiam e proporcionou um ambiente
favorável à constituição de listas de discussão e comunidades virtuais, que se
tornaram embriões de várias articulações de rede que se seguiram. A criação
da ONG Rede de Informações para o Terceiro Setor - RITS, em 1998, também
merece destaque neste ligeiro histórico por ter sido a primeira organização de
âmbito nacional voltada especificamente para o fomento da organização em
rede e do uso de ferramentas para o trabalho colaborativo à distância (MARTI-
NHO, 2003, p. 12).

Ademais, e para além do uso de ferramentas tecnológicas, em se tratando do pro-


cesso de construção de redes, ainda esclarece o especialista:

Na experiência concreta das redes da sociedade civil nascidas por geração


espontânea no calor de processos participativos, os valores e princípios de

85
HISTÓRIA POLÍTICA: conduta são tácitos e, em geral, pelo pertencimento dos atores ao amplo es-
MÉTODOS E PROBLEMAS pectro dos movimentos democráticos, não precisam ser explicitados. A prática
HISTORIOGRÁFICOS
da decisão compartilhada, por exemplo, em tese já se encontra incorporada à
rotina de operação e de trabalho desses atores, bem como outros valores, como
os relativos à cidadania, à cooperação e ao direito à participação (MARTINHO,
2003, p. 56).

E cidadania, nessas condições de participação e atuação em rede, nas quais dificil-


mente atores sociais poderão se encontrar isolados, implica a construção de identi-
dades sociais que resulte em indivíduos conscientes de seus direitos a comunicação,
informação e conhecimento, enquanto bens públicos que lhes possibilitem maior al-
cance e exercício de sua autonomia, em processos de intervenção e de luta que favo-
reçam construções coletivas capazes de transformar realidades sociais, econômicas e
políticas, bem como de alterar os rumos da história.
Usualmente como característica na sociedade chamada de sociedade da informa-
ção, dados os avanços em informática, o uso intenso dos sistemas de informação e a
conquista de novas tecnologias, muitas são as possibilidades de produção, acesso e
disseminação da informação por meio de tecnologias eletrônicas e de conexões pla-
netárias, o que concedeu ao capitalismo contemporâneo uma nova fase de desenvol-
vimento quanto ao fenômeno econômico da globalização e permitiu à estrutura da
sociedade um novo conceito, o de ‘sociedade em rede’, cuja dimensão tende a estabe-
lecer direta relação e interação entre política, tecnologia e sociedade.
Mediante tal realidade social de efervescência tecnológica, de acessos à informação
e possibilidades de comunicação instantânea; de transformações, mudanças e adapta-
ções das atividades realizadas pelos indivíduos em sociedade; de dinâmicas diferencia-
das ou mesmo de conflitos sociais, observa-se que ‘novas’ tecnologias de informação
e comunicação também são responsáveis por paradigmas teóricos, sociais, culturais,
políticos e tecnológicos postos à sociedade, dentre os quais a formação de redes.
Tais paradigmas, ou redes sociais, que, potencializadas por tecnologias contemporâ-
neas da comunicação, despontam como virtuais, são capazes de transpor obstáculos de
mobilização espacial, interação social, diversidade e identidade cultural; de alimentar a
produção e disseminação da informação e do conhecimento; de incentivar e evidenciar
a participação comunitária e a cooperação voluntária com construções coletivas, são
capazes de tornar os indivíduos aptos a criar laços sociais, a transformar e produzir uma
nova sociedade, e a reconstruir e reconduzir o mundo, mesmo e a partir de baixo.
Isso também ocorre, segundo enuncia Dênis de Moraes, porque a organização em
redes, dentro e fora da Internet, se revela inovadora:

86
Elas facilitam a intercomunicação de indivíduos e agrupamentos heterogêneos História e Política.
que compartilham visões de mundo, sentimentos e desejos. Permitem unir for- Sociedade, tecnologia
e redes sociais
ças, intercambiar experiências e articular iniciativas. Servem de estuários para a
defesa de identidades culturais, a promoção de valores éticos e a democratiza-
ção da esfera pública (MORAES, 2002, p. 2).

Para além de tais constatações, faz-se relevante procurar formas possíveis com as
quais dispositivos como a Internet e as redes sociais, em suas versões off e on line,
possam colaborar para a construção de novas esferas públicas, enquanto espaços de
disputa, de definição e redefinição de significados entre atores sociais e políticos, com
e nas quais esses mecanismos sejam capazes de alterar relações de poder na sociedade,
de modificar as maneiras como as pessoas agem e interagem, presencial e ou virtual-
mente; e que possam, por fim, favorecer e legitimar sistemas democráticos.

Referências

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CASTELLS, Manuel. A Galáxia da Internet: reflexões sobre a internet, os negócios e


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br/cadernos/01-2010.pdf>. Acesso em: 07 jan. 2013.

ELIAS, Nobert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994.

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IANNI, Octavio. Teorias da globalização. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,


1997.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999.

87
HISTÓRIA POLÍTICA: MATTELART, Armand; MATTELART, Michéle. História das teorias da comunicação.
MÉTODOS E PROBLEMAS
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MARTINHO, C. Redes: Uma introdução às dinâmicas da conectividade e da


auto-organização. WWF-Brasil, Brasília, 2003. Disponível em: <http://www.
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MORAES, Dênis de. Comunicação alternativa e redes virtuais: os movimentos sociais


na Internet. Semiosfera, Rio de Janeiro, ano 2, n. 3, dez. 2002. Disponível em:
<http://www.semiosfera.eco.ufrj.br/anteriores/semiosfera03/perfil/mat1/frmat1.
htm>. Acesso em: 29 dez. 2014.

RIBEIRO, Gustavo Lins. Política cibercultural: ativismo político à distância na


comunidade transnacional imaginada-virtual. In: ALVAREZ, Sonia E.; DAGNINO,
Evelina; ESCOBAR, Arturo (Org.). Cultura e política nos movimentos sociais
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SEVCENKO, Nicolau. A corrida para o século XXI: no loop da montanha-russa. São


Paulo: Companhia das Letras, 2001.

UGARTE, David. O poder das redes: manual ilustrado para pessoas, organizações
e empresas chamadas a praticar o ciberativismo. [S. l.: s. n.], 2008. Disponível em:
<http://pt.scribd.com/doc/23701745/O-Poder-das-Redes-David-de-Ugarte>. Acesso
em: 10 set. 2012.

Fontes e referenciais para o aprofundamento temático

A crescente multiplicação de conhecimentos, as redes de informação cada vez mais


densas, o aumento constante das taxas de produtividade, o desenvolvimento acelerado
e encadeado de novos materiais, novos projetos e novas configurações de sistemas,
todos esses fatores se refletem uns sobre os outros, de tal forma que, num curto inter-
valo de tempo, as circunstâncias iniciais de um processo se transformam para além de
qualquer das possibilidades previstas no seu primeiro momento. Portanto, seus efeitos

88
História e Política.
mais abaladores, suas consequências mais desestabilizadoras, seus impactos mais alar- Sociedade, tecnologia
e redes sociais
mantes irão ocorrer em algum ponto do futuro, envolvendo pessoas, circunstâncias e
regiões que não compartilharam das decisões originais, mas que então sofrerão plena-
mente os resultados do processo desencadeado anos antes, por outra geração, a qual,
por sua vez, não estará mais aqui para assumir a responsabilidade pelas iniciativas que
tomou.

Extrato documental extraído do livro:


SEVCENKO, Nicolau. A corrida para o século XXI: no loop da montanha-russa.
São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 45.

1) Reflexão para aprofundamento temático

Tomando como referência este capítulo e o extrato documental acima, faça uma análise
sobre a relação entre ética e tecnologia, e seus impactos na sociedade atual.

Anotações

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HISTÓRIA POLÍTICA:
MÉTODOS E PROBLEMAS
HISTORIOGRÁFICOS
Anotações

90

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