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POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA

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edição 2016 para a editora.


Solange Marly Oshima
FORMAÇÃO DE PROFESSORES - EAD

Mário Luiz Neves de Azevedo


(ORGANIZADOR)

Política Educacional
Brasileira

2. ed. revisada e ampliada

13
Eduem
Maringá
2010
Coleção Formação de Professores - EAD

Apoio técnico: Rosane Gomes Carpanese


Normalização e catalogação: Ivani Baptista CRB - 9/331
Revisão Gramatical: Annie Rose dos Santos
Edição, Produção Editorial e Capa: Carlos Alexandre Venancio
Eliane Arruda
Fotos Capa: ASC - Assessoria de Comunicação UEM

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Política educacional brasileira / Mário Luiz Neves de Azevedo, organizador. - 2.ed.


P769 Maringá : Eduem, 2010.
202p.: il. 21cm. (Coleção formação de professores - EAD; n. 13)

ISBN 978-85-7628-244-0

1. Educação – Políticas – Brasil. 2. Políticas educacionais – Brasil. I. Azevedo,


Mario Luiz Neves de, org.

CDD 21. ed. 379.81

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3a reimpressão 2016 - revisada
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S umário
Sobre os autores > 7
Apresentação da coleção > 11
Prefácio > 13
Apresentação do livro > 19
CAPÍTULO 1
As políticas públicas recentes para a infância no Brasil
Adão Aparecido Molina / Ângela Mara de Barros Lara
> 21
CAPÍTULO 2
O Ensino Fundamental no Brasil: considerações necessárias
Marta Lúcia Croce
> 37
CAPÍTULO 3
O Ensino Médio no Brasil: política educacional pós-1988
Lúcia Vitorina Bogo / Amélia Kimiko Noma
> 53
CAPÍTULO 4
Políticas públicas para a Educação
Superior no Brasil: de FHC a LULA > 69
Mário Luiz Neves de Azevedo / Afrânio Mendes Catani

CAPÍTULO 5
Políticas públicas para o Ensino Superior a distância: a
qualidade dos cursos de graduação em questão > 93
Maria Luisa Furlan Costa

CAPÍTULO 6
Educação do campo: política
para a concretização das diretrizes > 101
Irizelda Martins de Souza e Silva / Maria Aparecida Cecílio / Kiyomi Hirose

CAPÍTULO 7
A educação de pessoas com deficiência
Elis Milena Veiga Moreira de Azevedo / Nerli Nonato Ribeiro Mori
>109
CAPÍTULO 8
Políticas educacionais para populações indígenas
Lúcia Gouvêa Buratto / MARIA SIMONE JACOMINI / Rosângela Célia Faustino
>123
5
POLÍTICA CAPÍTULO 9
EDUCACIONAL
Ações afirmativas e as cotas
> 137
BRASILEIRA
para negros no ensino Superior
Walter Lúcio de Alencar Praxedes

CAPÍTULO 10
Educação ambiental: referenciais
para a prática política e científica > 149
Luzia Marta Bellini

CAPÍTULO 11
Políticas públicas de educação de
jovens e adultos no Brasil pós-1988 > 157
Edinéia Fátima Navarro Chilante / Amélia Kimiko Noma

CAPÍTULO 12
O Estatuto da Criança e do
Adolescente: do direito à educação > 173
Eliana Silvestre

CAPÍTULO 13
Políticas públicas para educação e saúde
Aparecida Meire Calegari-Falco / José Ricardo Penteado Falco
> 183
CAPÍTULO 14
Classes criativas e educação no século XXI
Daniel Clark Orey
> 195

6
S obre os autores
ADÃO APARECIDO MOLINA
Graduado em Letras (UEM). Mestre em Educação (UEM). Doutor em Educação (UEM). Profes-

sor da Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Paranavaí.

AFRÂNIO MENDES CATANI


Professor da Faculdade de Educação (FEUSP) e PROLAM (USP). Graduado em Administração

Pública (FGV-EAESP). Mestre em Sociologia (USP). Doutor em Sociologia (USP). Pesquisador

do CNPq (bolsista produtividade).

AMÉLIA KIMIKO NOMA


Professora do Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Estadual de

Maringá (UEM). Graduada em Psicologia (USP-Ribeirão Preto). Mestre em Educação (UFSCar-

-São Carlos). Doutora em História (PUC-SP).

ÂNGELA MARA DE BARROS LARA


Professora do Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Estadual de

Maringá (UEM). Graduada em Pedagogia (UEM). Mestre em Educação (Unimep/PIRACICA-

BA). Doutora em Educação (Unesp-Marília).

APARECIDA MEIRE CALEGARI-FALCO


Professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação da Universidade Estadual de

Maringá (UEM). Graduada em Pedagogia (UEM). Mestre em Educação (UEM). Doutora em

Educação (UEM).

DANIEL CLARK OREY


Membro NDE Matemática-EaD. Graduado em Education (OSU/USA). Mestre em M.A.

(N.M.S.U./USA). Doutor em Education (UNM/USA).

EDINÉIA FÁTIMA NAVARRO CHILANTE


Professora da Faculdade Estadual de Educação, Ciências e Letras de Paranavaí (Fafipa). Gra-

duada em História (UEM). Mestre em Educação (UEM). Doutoranda em Educação (Unicamp).

7
POLÍTICA ELIANE SILVESTRE
EDUCACIONAL
BRASILEIRA Advogada da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura, membro da equipe do Programa Multidis-

ciplinar de Estudo, Pesquisa e Defesa da Criança e do Adolescente (PCA/PEC/UEM), mestre

em História (UEM), doutora em Sociologia (Unesp/-Araraquara).

ELIS MILENA VEIGA MOREIRA DE AZEVEDO


Educadora Infantil do Centro de Educação Infantil da Universidade Estadual de Maringá

(UEM), graduada em Educação Física (UFMA), especialista em Educação Infantil (UEM). Mes-

tre em Educação (UEM).

IRIZELDA MARTINS DE SOUZA E SILVA


Professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação da Universidade Estadual de

Maringá (UEM). Graduada em Pedagogia (UEM). Mestre em Educação (Unimep). Doutora

em Educação (Unimep).

JOSÉ RICARDO PENTEADO FALCO


Professor do Departamento de Biologia Celular e Genética da Universidade Estadual de Ma-

ringá (UEM). Graduado em Ciências Biológicas (Unesp/Rio Claro). Mestre em Biologia Celular

(Unicamp). Doutor em Biologia Celular e Estrutural (Unicamp).

KIYOMI HIROSE
Professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação da Universidade Estadual de

Maringá (UEM). Graduada em Pedagogia (Fafipa). Mestre em Educação (UEM).

LÚCIA GOUVEIA BURATO


Graduada em História (Fafimam). Mestre em Educação (UEM). Doutoranda em Educação

(UFSCar). Professora da Secretaria de Estado da Educação do Paraná.

LÚCIA VITORINA BOGO


Graduada em Pedagogia (Facivel). Mestre em Educação (Uem). Pedagoga da Secretaria de

Estado da Educação do Paraná.

LUZIA MARTA BELLINI


Professora do Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Estadual de

Maringá (UEM). Graduada em Ciências Biológicas (USP). Mestre em Educação (UFScar). Dou-

tora em Psicologia Social (USP).

MARIA APARECIDA CECILIO


Professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação da Universidade Estadual de

Maringá (UEM). Graduada em Pedagogia (UEM). Mestre em Educação (UEM). Doutora em

Educação (Unesp/Marília).

8
MARIA LUISA FURLAN COSTA Sobre os autores

Professora do Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Estadual de

Maringá (UEM). Graduada em História (UEM). Mestre em Educação (UEM). Doutora em Edu-

cação (Unesp/Araraquara).

MARIA SIMONE JACOMINI


Professora do Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Estadual de

Maringá (UEM). Graduada em História (UEM). Mestre e Doutora em Educação (UEM).

MÁRIO LUIZ NEVES DE AZEVEDO


Professor do Departamento de Fundamentos da Educação (UEM). Graduado em História

(UEM). Mestre em Educação (UFSCar). Doutor em Educação (USP). Pesquisador do CNPq

(bolsista produtividade).

MARTA LÚCIA CROCE


Professora do Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Estadual de

Maringá (UEM). Graduada em Pedagogia (Fafipar). Mestre em Educação (PUC-PR). Doutora

em Educação (Uninove).

NERLI RIBEIRO NONATO MORI


Professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação da Universidade Estadual de

Maringá (UEM). Mestre em Psicologia da Educação (PUC-SP). Doutora em Psicologia Escolar

e do Desenvolvimento Humano (USP).Pesquisadora Capes Observatório da Educação.

ROSÂNGELA CÉLIA FAUSTINO


Professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação da Universidade Estadual

de Maringá e do Programa de Pós-Graduação em Educação (UEM). Graduada em História

(UEM). Mestre em Educação (UEM). Doutora em Educação (UFSC).

WALTER LÚCIO DE ALENCAR PRAXEDES


Professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Maringá (UEM).

Graduado em Ciências Sociais (USP). Mestre em Educação (USP). Doutor em Educação (USP).

9
A presentação da Coleção
A coleção Formação de Professores - EAD teve sua primeira edição publicada em
2005, com 33 títulos financiados pela Secretaria de Educação a Distância (SEED) do
Ministério da Educação (MEC) para que os livros pudessem ser utilizados como material
didático nos cursos de licenciatura ofertados no âmbito do Programa de Formação de
Professores (Pró-Licenciatura 1). A tiragem da primeira edição foi de 2500 exemplares.
A partir de 2008, demos início ao processo de organização e publicação da segunda
edição da coleção, com o acréscimo de 12 novos títulos. A conclusão dos trabalhos
deverá ocorrer somente no ano de 2012, tendo em vista que o financiamento para
esta edição será liberado gradativamente, de acordo com o cronograma estabelecido
pela Diretoria de Educação a Distância (DED) da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal do Ensino Superior (CAPES), que é responsável pelo programa denominado
Universidade Aberta do Brasil (UAB).
A princípio, serão impressos 695 exemplares de cada título, uma vez que os livros
da nova coleção serão utilizados como material didático para os alunos matriculados
no Curso de Pedagogia, Modalidade de Educação a Distância, ofertado pela Universi-
dade Estadual de Maringá, no âmbito do Sistema UAB.
Cada livro da coleção traz, em seu bojo, um objeto de reflexão que foi pensado
para uma disciplina específica do curso, mas em nenhum deles seus organizadores
e autores tiveram a pretensão de dar conta da totalidade das discussões teóricas e
práticas construídas historicamente no que se referem aos conteúdos apresentados. O
que buscamos, com cada um dos livros publicados, é abrir a possibilidade da leitura,
da reflexão e do aprofundamento das questões pensadas como fundamentais para a
formação do Pedagogo na atualidade.
Por isso mesmo, esta coleção somente poderia ser construída a partir do esforço
coletivo de professores das mais diversas áreas e departamentos da Universidade Esta-
dual de Maringá (UEM) e das instituições que têm se colocado como parceiras nesse
processo.
Neste sentido, agradecemos sinceramente aos colegas da UEM e das demais insti-
tuições que organizaram livros e ou escreveram capítulos para os diversos livros desta
coleção.
Agradecemos, ainda, à administração central da UEM, que por meio da atuação
direta da Reitoria e de diversas Pró-Reitorias não mediu esforços para que os traba-
lhos pudessem ser desenvolvidos da melhor maneira possível. De modo bastante

11
POLÍTICA específico, destacamos o esforço da Reitoria para que os recursos para o financiamento
EDUCACIONAL
BRASILEIRA desta coleção pudessem ser liberados em conformidade com os trâmites burocráticos
e com os prazos exíguos estabelecidos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação (FNDE).
Internamente enfatizamos, ainda, o envolvimento direto dos professores do De-
partamento de Fundamentos da Educação (DFE), vinculado ao Centro de Ciências
Humanas, Letras e Artes (CCH), que no decorrer dos últimos anos empreenderam
esforços para que o curso de Pedagogia, na modalidade de educação a distância, pu-
desse ser criado oficialmente, o que exigiu um repensar do trabalho acadêmico e uma
modificação significativa da sistemática das atividades docentes.
No tocante ao Ministério da Educação, ressaltamos o esforço empreendido pela
Diretoria da Educação a Distância (DED) da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal do Ensino Superior (CAPES) e pela Secretaria de Educação de Educação a
Distância (SEED/MEC), que em parceria com as Instituições de Ensino Superior (IES)
conseguiram romper barreiras temporais e espaciais para que os convênios para a li-
beração dos recursos fossem assinados e encaminhados aos órgãos competentes para
aprovação, tendo em vista a ação direta e eficiente de um número muito pequeno de
pessoas que integram a Coordenação Geral de Supervisão e Fomento e a Coordenação
Geral de Articulação.
Esperamos que a segunda edição da Coleção Formação de Professores - EAD possa
contribuir para a formação dos alunos matriculados no curso de Pedagogia, bem como
de outros cursos superiores a distância de todas as instituições públicas de ensino
superior que integram e ou possam integrar em um futuro próximo o Sistema UAB.

Maria Luisa Furlan Costa


Organizadora da Coleção

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P refácio
EDUCAR A VONTADE: LIÇÕES DE DANTE E SWIFT

Na escola de projetadores políticos eu realmente me senti muito mal [...]. Não


há nada de muito extravagante e irracional que algum filósofo já não tenha afir-
mado ser verdade. Devo, no entanto, ser justo para com esta parte da academia
[...]. Havia um doutor muito engenhoso [...]. Esta pessoa ilustre empregara de
forma muito útil seus estudos para descobrir remédios para todas as doenças
e corrupções [...]. Sempre que um primeiro ministro se pronunciasse [...], ao
retirar-se deveria receber uma torção no nariz, se não um chute na barriga, um
soco na testa, três tapas em cada ouvido, levar uma alfinetada nas nádegas ou
ser beliscado no braço [...] para prevenir o esquecimento. Ele dizia que cada
senador do grande conselho de uma nação depois de ter dado sua opinião e
argumentado em defesa dela, deveria ser obrigado a dar um voto em contrário
de maneira direta, porque se isso fosse feito, o resultado iria infalivelmente
determinar o bem público (SWIFT, 1996, p. 218-219).

A epígrafe é um pequeno excerto do clássico As Viagens de Gulliver (SWIFT, 1996),


que veio a público pela primeira vez em 1726. Seu autor, o irlandês Jonathan Swift,
não imaginava que sua obra, carregada de ironia, denúncia e ridicularização, tivesse os
elementos de indignação expurgados e fosse adaptada ao estilo infantil.
Quase trezentos anos depois, a crítica à superficialidade e aos falsos valores huma-
nos permanece atual. Falar de ‘políticas públicas para a educação’ é um exercício de
crítica ao que aí está e, também, um exercício de memória, principalmente para que
aqueles que têm mandato não se esqueçam do que foi aprovado e também para que os
cidadãos lembrem-se dos direitos que conquistaram e que se tornaram lei. Em um país
de cultura visual e de pouco acesso à leitura, como é o caso do Brasil, é fundamental
que os professores dominem o debate sobre a construção das políticas públicas.
O ente que faz, executa e garante qualquer lei é o Estado. Assim, o estudo sobre
políticas públicas deveria sempre vir acompanhado de um debate relativo ao conceito
de Estado. Por ser uma construção histórica e uma criação própria da luta entre classes
e atores sociais, o Estado é um campo de contradições e pugnas; logo, as políticas dali
provenientes, as políticas públicas, também carregam a mesma marca, são fruto dos
confrontos entre as classes sociais e entre os atores sociais, isto é, as políticas públicas
portam o consenso e a contradição das diversas forças que agem na sociedade.
Neste sentido, não é ocioso reafirmar que o Estado é um campo em que as forças
políticas estão em luta, a construção das políticas públicas tem o Estado como o campo

13
POLÍTICA das contendas e é o resultado objetivo, na forma de projetos, programas e leis, do jogo
EDUCACIONAL
BRASILEIRA entre as forças que se antagonizam em seu interior. De acordo com Bourdieu:

O Estado é resultado de um processo de concentração de diferentes tipos de


capital, capital de força física ou de instrumentos e coerção (exército, polícia),
capital simbólico, concentração que, enquanto tal, constitui o Estado como de-
tentor de uma espécie de meta capital, com poder sobre os outros tipos de
capital e sobre seus detentores [...] (1996, p. 99-100).

Bourdieu elabora uma curiosa imagem do Estado, descrevendo-o como dotado


de ‘mão direita’ (defensora dos interesses privados e financistas) e ‘mão esquerda’
(interesses públicos e sociais), sendo que no Estado capitalista em geral ocorre o pre-
domínio da mão direita do Estado sobre a mão esquerda, conforme assevera o próprio
Bourdieu: ‘eu penso que a mão esquerda do Estado tem o sentimento que a mão direi-
ta não sabe mais ou, pior, não quer mais verdadeiramente saber o que a mão esquerda
faz’ (1998, p. 10). Dessa forma, será possível observar, no presente livro, com as nuan-
ces peculiares que os autores imprimem a cada artigo, esse caráter contraditório do
Estado na geração das políticas públicas para a educação.
Assim, o livro que ora se apresenta, Política Educacional Brasileira, é o resultado
do esforço de diversos autores que aceitaram o desafio de compor um trabalho soli-
dário e coletivo e que tem por fito servir de instrumental escrito para a formação de
alunos de graduação na modalidade a distância. Genericamente o livro, qualquer livro,
é um exemplo na história de uma eficaz tecnologia de aprendizagem que, desde a in-
venção da imprensa, há mais de 500 anos, de certo modo e apesar do preço, tornou-se
uma mídia democratizada.
As complexas instalações, os artefatos eletrônicos e a possibilidade de o conheci-
mento ser transmitido por intermédio de ondas e sinais digitalizados são partes de
uma revolução na forma de ensinar e aprender. A educação a distância está para a edu-
cação moderna como esta (a educação moderna) estava para a escolástica. Reservadas
as particularidades e guardadas as devidas proporções, as tecnologias para a educação
a distância constituem elemento de transformação, similar ao aparecimento do livro
impresso para o método escolástico. Segundo Christophe Charle e Jacques Verger, em
História das Universidades,

o ensino escolástico era principalmente oral. Era evidentemente o caso da dis-


puta, mas era igualmente proibido ditar suas ‘leituras’; os estudantes seguiam
as explicações magistrais sem tomar notas. Contudo, o livro [árduo trabalho
de copistas] tinha seu espaço nesse tipo de ensino; o mestre deveria possuir as
autoridades que ele ‘lia’ e consultar os principais comentaristas anteriores [...].

14
Versões escritas das leituras e das disputas, redigidas pelo mestre ou com base Prefácio
em anotações de ouvintes, circulavam profusamente. As universidades procura-
vam facilitar o acesso de seus membros ao livro. Porém, até o século XV, havia
bibliotecas apenas nos grandes colégios (1996, p. 36).

A educação a distância, sendo proveniente de resoluções públicas, isto é, por ser


um tipo de política pública e estando sob a direção do ente público, pode ser um efi-
caz meio de democratização do acesso ao Ensino Superior e deve ser compreendida
como uma verdadeira aliança entre o mundo digital e o mundo do livro, pois essa
modalidade de ensino não prescinde e não dispensa o trabalho do professor e as
maravilhas produzidas pelo livro impresso. A propósito, a experiência de educação a
distância da Universidade Estadual de Maringá (UEM) é uma prova inconteste dessa
séria e feliz união. A título de informação, dos alunos graduados na primeira turma
nessa modalidade de ensino na UEM, dezenas foram aprovados como professores, em
2005, em concurso público promovido pelo Estado do Paraná.
Não podemos imaginar que a educação a distância seja apenas um setor a ser ex-
plorado pela iniciativa privada com vistas à expansão do capital ou somente um modo
fácil de se conseguir um diploma. Historicamente, para opróbrio da academia, houve
casos de perversão de um tradicional instituto da universidade, a peregrinação acadê-
mica, que era, por um lado, uma positiva e enriquecedora experiência de intercâmbio
entre estudantes e professores estrangeiros e, por outro lado, excepcional e obscura-
mente, era uma forma de se conseguir um diploma universitário de maneira menos
rigorosa. Para Charle e Verger, ‘no século XVII, numerosos estudantes de Medicina,
escoceses ou ingleses, continuavam a ir para o Continente (Europa continental), tanto
para se formar nas faculdades célebres de Leyde ou Paris como para obter um douto-
rado fácil em Reims ou Caen’ (1996, p. 50).
Entretanto, as fraudes e outros vícios havidos e registrados na história da universi-
dade devem servir como exemplo do que não se pode seguir. A educação contempo-
rânea e o certificado que acompanha essa conquista, obrigatoriamente, necessitam da
marca e do caráter da qualidade. A educação pública, socialmente pertinente, de massa
e com qualidade, precisa ‘manter distância’ de censuráveis características como as que
foram operadas por algumas universidades (a partir do século XVII), ainda, citando
Charle e Verger:

Talvez o mais inquietante seja o fato de os graus parecerem ter sido cada vez
mais fáceis de serem obtidos, a julgar-se pelas taxas de êxito crescente que se
percebe. De 1600 a 1800, as taxas de êxito passam, em Oxford (bacharelado
em Artes) de 35% para 58%; em Franeker (Países Baixos) de 6% para 71%. Po-
rém, sobretudo a partir do século XVII, pelo menos, a fraude nos exames e o
não respeito aos estatutos [...] tomaram uma tal dimensão que nos levam a

15
POLÍTICA um questionamento sobre sua significação social. O absenteísmo professoral,
EDUCACIONAL associado à falta de assiduidade dos alunos, esvaziavam aulas e disputas. Assim,
BRASILEIRA
muitos apresentavam-se para os exames sem ter realizado os estudos exigidos
[...]. Pequenas universidades provincianas [...] especializaram-se vergonhosa-
mente na venda de graus a preços de liquidação e sem exame sério. A fraude
revestia-se de múltiplas formas; teses redigidas por autores profissionais, envio
de um substituto em lugar do verdadeiro candidato, inscrições prévias feitas
por correspondência’ (1996 p. 60).

Dessa forma, esperamos que esta obra coletiva possa servir aos alunos de gradua-
ção para sua verdadeira e honesta formação. Sem maior détour, este livro é composto
por quatorze capítulos. O primeiro capítulo, de Adão Aparecido Molina e Ângela Mara
de Barros Lara, discute sobre a infância no contexto das políticas educacionais e das
políticas neoliberais da década de 1990. O segundo capítulo, de Marta Lúcia Croce,
trata das políticas públicas para o Ensino Fundamental. Em seguida, o terceiro capítu-
lo, de Lucia Vitorina Bogo e Amélia Kimiko Noma, discute as políticas para o Ensino
Médio no Brasil após a promulgação da Constituição de 1988. O quarto capítulo, de
Mário Luiz Neves de Azevedo e Afrânio Mendes Catani, analisa as políticas públicas
para a educação superior no Brasil, desde o governo Fernando Henrique Cardoso até
o momento da publicação, pelo Ministério da Educação, da terceira versão do projeto
de reforma universitária da gestão do Presidente Luís Inácio Lula da Silva (agosto de
2005). O capítulo cinco, de Maria Luisa Furlan Costa, reporta-se às políticas públicas
para o ensino a distância em nível superior. As autoras do sexto capítulo, Irizelda Mar-
tins de Souza e Silva, Maria Aparecida Cecílio e Kiyomi Hirose, examinam as políticas
para a educação do campo. Elis Milena Veiga Moreira de Azevedo e Nerli Nonato Ri-
beiro Mori fazem, no sétimo capítulo, um exame da história do atendimento educacio-
nal das pessoas com deficiência. Lúcia Gouvêa Buratto, Maria Simone Jacomini e Ro-
sangela Célia Faustino, autoras do oitavo capítulo, investigam a respeito das Políticas
educacionais para populações indígenas. O capítulo número nove, de Walter Lúcio de
Alencar Praxedes, problematiza a questão das políticas públicas relativas à igualdade
racial e às cotas para negros no ensino superior. O décimo capítulo, desenvolvido por
Luzia Marta Bellini, tem por objeto a educação ambiental. O décimo primeiro capítulo,
de Edinéia F. N. Chilante e Amélia Kimiko Noma, ocupa-se das políticas públicas para
a educação de jovens e adultos no Brasil a partir de 1988. O capítulo doze, de Eliana
Silvestre, relativo ao Estatuto da Criança e do Adolescente, celebra os vinte anos de
existência do diploma legal e insere-se especialmente nesta coletânea em virtude de
sua importância como política pública de educação e, ao mesmo tempo, de proteção
das crianças e dos adolescentes. O capítulo treze, de Aparecida Meire Calegari-Falco
e José Ricardo Penteado Falco, discorrem a respeito da interface entre as políticas

16
públicas para educação e saúde. Por derradeiro, Daniel C. Orey, com base em sua con- Prefácio

ferência proferida na UEM, em 30 de junho de 2005, desenvolve uma discussão acerca


das oportunidades que a educação, o talento, a tolerância, a tecnologia e a diversidade
podem oferecer para o desenvolvimento de uma localidade ou país.
Para finalizar, gravamos aqui um pensamento de Dante Alighieri, presente em seu
clássico A Divina Comédia, quando, pela fala de Virgílio, seu ‘mestre’ nas artes das
letras e fictício cicerone em sua visita ao inferno e ao purgatório, o aconselha a não
ceder ao cansaço e à preguiça:

Ânimo! Não é cedendo ao ócio nem refestelando-se sobre plumas que se obtém
êxito. Aquele que à inatividade se entregar deixará de si sobre a terra memória
igual ao traço que o fumo risca no ar e a espuma traça na onda. Vence a fadiga
e o torpor, recobra o ânimo, que das vitórias sobre os perigos, a primeira é a
da vontade sobre o corpo. Pensa que devemos subir muito mais alto e que foi
pouco o haver saído desse abismo. Se o que disse te aproveita, demonstra-o
(2003, p. 101).

Tem esse pequeno extrato do pensador maior da Renascença italiana o objetivo


de estimular a vontade na aquisição de conhecimento e no desenvolvimento da ciên-
cia. Em resumo, emular cada um para que não se quede nos obstáculos e na falta de
ânimo1.

1 Esse raciocínio dantesco, no bom sentido do termo, é uma homenagem àqueles que não
sucumbiram aos óbices e souberam ganhar forças para implantar essa novidade (a educação a
distância) na UEM, recordemos aqui do núcleo irradiador/executor da EAD na UEM formado
pelas professoras Maria Luisa Furlan Costa, Jane Fadel, Ruth Izumi Setoguti Rosane Gomes
Carpanese e José Carlos Gomes. Façamos aqui, também, a justa homenagem a todos os que,
mesmo sem o registro dos nomes em virtude do espaço e para não ser injustos pelo esquecimen-
to, participaram (professores, servidores e dirigentes) da experiência de formar 1.146 estudantes
em nível de graduação, os quais, agora diplomados, em seus domicílios, distantes da sede da
UEM, com seus talentos e esforços estão educando, em suas legítimas funções escolares, muitos
cidadãos brasileiros.

17
POLÍTICA
EDUCACIONAL
BRASILEIRA
Referências

BONELLI, Laurent; PELLETIER, Willy. Lê Monde diplomatique, Brasil, São Paulo,


dez. 2009.

BOURDIEU, P. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Tradução. de Mariza Corrêa.


Campinas, SP: Papirus, 1996.

BOURDIEU, P. Contre-feux. Paris: Raison d’Agir, 1998.

CHARLE, C.; VERGER, J. História das universidades. São Paulo: Edunesp, 1996.

DANTE ALIGHIERI. A divina comédia. São Paulo: Nova Cultural, 2003.

SWIFT, J. As viagens de Gulliver. São Paulo: Nova Cultural, 1996.

Anotações

18
A presentação do livro

As reformas se sucedem aparentemente de maneira dispersa e desordenada. O


tecnicismo confundiu a todos e seus efeitos só se tornam aparentes depois de
algum tempo, quando os decretos adotados chegarem à dimensão da prática
(BONELLI; PELLETIER, 2009).

Essa apresentação é motivada pela segunda edição do livro Política Educacional


Brasileira, obra que é resultado do trabalho de vários educadores que aceitaram contri-
buir com primeira edição que ocorreu em 2005. Assim, na atualidade, incentivados por
política pública federal de formação de professores por intermédio de cursos, em nível
de graduação, da área de educação na modalidade a distância, mais uma vez, os autores
gentilmente concederam suas reflexões para uma nova edição1.
Dessa forma, os capítulos a seguir, essencialmente críticos às reformas de matiz priva-
tista e liberalizante, só puderam aqui se reunir devido ao esforço dos autores e, ao mes-
mo tempo, a políticas públicas de abertura de vagas gratuitas e públicas nessa modalida-
de que foram respondidas positivamente pela Universidade Estadual de Maringá (UEM).
Nesse sentido, para a segunda edição do livro, os autores foram convidados a fazer
a revisão e a atualização de seus textos que, no conjunto, perfazem quatorze capítulos.
Primeiramente, encontram-se os textos que tratam dos níveis estritamente formais da
educação no Brasil (Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio e Educação
Superior), e, depois, por contribuições a respeito de modalidades e políticas focalizadas
de educação (Educação a Distância, Educação do Campo, Educação para Pessoas com
Deficiência, Educação Indígena, Educação e Igualdade Racial, Educação Ambiental, Edu-
cação de Jovens e Adultos, Estatuto da Criança e do Adolescente, Educação e Saúde e
Educação e Classes Criativas).
O livro procura discutir as políticas públicas para a educação no Brasil em todos os
seus níveis e aspectos. Esse é um exercício fundamental para os futuros professores, pois
a educação é uma atividade essencial para a vida cidadã, para a democratização e para
o desenvolvimento social completo. A propósito, esse foi o grande sonho de Antonio
Gramsci (1894-1937), seminal pensador italiano que, com firmeza de propósitos, defen-
deu a construção de uma escola de excelência para todos, traduzida pela reconhecida
expressão ‘Escola única’.

1 Registre-se aqui meu agradecimento especial a profa. Aparecida Meire Calegari-Falco que cordialmen-
te auxiliou-me nos trabalhos para a 2ª. edição desse livro.

19
POLÍTICA Ainda não alcançamos, no século XXI, a materialização desse sonho de Gramsci no
EDUCACIONAL
BRASILEIRA Brasil. Infelizmente, nosso país apresenta grandes desigualdades sociais, que, no setor
educacional, revelam-se pela oferta da melhor escola para uma pequena parcela da po-
pulação e uma ‘educação possível’, uma escola de simples frequência, para a grande
maioria.
Ao avançarmos na leitura deste livro, perceberemos que muito há de se fazer no Brasil
para alcançarmos a plena democratização e o desenvolvimento em todos os âmbitos. No
momento de redação dessa apresentação (2ª. Edição), nosso país volta a ter déficit na
balança de pagamentos, próximo de 24 bilhões de dólares, no final de 2009; projeta-se,
para 2010, um déficit de 40 bilhões de dólares. Somente a balança comercial no setor de
tecnologia alcançou um déficit de 55 bilhões de dólares em 2009. Dessa maneira, com o
país sofrendo uma espécie de ‘primarização da economia’, tem sido o setor agropecuário
o principal financiador das importações de produtos mais avançados em tecnologia e do
pagamento de serviços, lucros e royalties para as matrizes de empresas multinacionais .
Sabemos que a educação não pode ser considerada uma panaceia; entretanto, ne-
nhum país conseguiu alcançar o desenvolvimento sem alocar decididamente grandes
somas para o financiamento da educação em todos os níveis e sem possuir um sistema
nacional de educação com qualidade para todos. Esperamos que, em futuro próximo,
talvez já na 3ª. edição deste livro, possamos notar avanços significativos na educação bra-
sileira e, quem sabe, comemorar a universalização da educação com qualidade, de modo
que a excelência alcance indistintamente a todos.
Podem contribuir, para isso, por exemplo, a implantação de um Sistema Nacional
Articulado de Educação, a ser garantido em novo PNE, um aumento do percentual do
orçamento da União, dos Estados e dos Municípios para a educação e o fim da DRU
(Desvinculação de Recursos da União) para o setor educacional, conforme lei aprovada
em outubro de 2009 pelo Congresso Nacional que permitirá, gradativamente até 2011,
recompor 20% o orçamento do MEC.
Não é ocioso lembrar, também, que no ano de 2010, ocorre a CONAE (Conferência
Nacional de Educação), que tem como um de seus objetivos a promoção de um sistema
nacional de educação a ser contemplado no novo Plano Nacional de Educação (PNE).
Possivelmente se confirme que o Estado não pode abrir mão de maior regulação educa-
cional e que se inaugura, para o século XXI, tempos de pós-neoliberalismo, com a aberta
defesa de uma educação nacional, pública, gratuita e de qualidade para todos.

Mário Luiz Neves de Azevedo


Organizador

20
1 As políticas públicas
recentes para a
infância no Brasil

Adão Aparecido Molina / Ângela Mara de Barros Lara

Do mesmo modo que a educação, a infância não pode ser compreendida fora de
um contexto socioeconômico e político. Por isso, quando se fala em infância, não é
possível se referir à criança em si sem se considerar o tempo, o lugar e a estrutura
social em que ela está inserida. Portanto, neste capítulo discutimos a infância no con-
texto das políticas educacionais e das políticas neoliberais da década de 1990, cujo
período representa um avanço na legislação no que tange à proteção e à garantia de
direitos para a educação infantil brasileira.
O nosso objetivo é mostrar como as políticas neoliberais, através dos organismos
multilaterais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), in-
fluenciaram as políticas educacionais por meio das propostas de financiamento e do
modelo de educação infantil desejado para esse período. Dessa forma, evidenciam-se
as contradições dessas políticas de atendimento que transformam as perspectivas dos
direitos das crianças, garantidos pela legislação, em perspectivas de necessidades.
Kramer (1996) afirma que no final dos anos 70 do século XX, nos então chamados
países de Terceiro Mundo, dentre eles o Brasil, as crianças pobres representavam o
fracasso na escola, escola essa que seguia modelos educativos já ultrapassados. Surgi-
ram, assim, novas preocupações com as teorias educacionais e com a pedagogia. ‘O
intenso debate político-educacional que se desencadeou a partir daí foi fundamental
na consolidação de um firme marco teórico e de clara visão política em defesa de uma
infância considerada na sua dimensão de cidadã de direitos’ (p. 17).
Hoje, falar em educação infantil no Brasil significa, necessariamente, retomar a
Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 e a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº. 9394/1996 (BRASIL, 1996a). Por
intermédio desses documentos, podemos obter uma visão clara dos direitos adquiri-
dos pela criança, considerada cidadã e sujeito de direitos, e dos caminhos tomados
pelas políticas públicas destinadas à infância de nosso país. A Constituição Brasileira
de 1988, no capítulo III – Seção I – Da Educação, estabelece:

21
POLÍTICA Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
EDUCACIONAL promovida e incentivada com a colaboração da sociedade visando ao pleno
BRASILEIRA
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho.
Art. 208. Item IV. Atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a 6
anos de idade (BRASIL, 1988).

Nascimento (2003) estuda a sociologia da infância na década de 90 do século XX


e considera que esse período representa um grande avanço na história, na legislação,
nas pesquisas e nas discussões gerais acerca da infância. Segundo a pesquisadora, a
década de 90 do século XX representa um marco, sobretudo na legislação, ao decretar
leis que agregaram a educação infantil ao sistema nacional de educação, caracterizan-
do-a como primeira etapa da educação básica.
A partir dos princípios contidos sobre os direitos sociais, na Constituição Federal
de 1988, cria-se a Lei nº. 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, que de-
fine as responsabilidades dos adultos em relação aos indivíduos em desenvolvimento
em todos os setores da sociedade onde quer que se encontrem esses indivíduos. Desse
modo, o Poder Público passou a ter responsabilidade em relação às crianças e aos jo-
vens, especialmente na oferta de educação, para que se possa desenvolver a formação
da cidadania nesses indivíduos.
As garantias apresentadas pela Constituição Federal de 1988, em consonância com
um movimento internacional que reconheceu os direitos da infância, aprovados na
Convenção sobre os Direitos da Criança (CONVENÇÃO, 1989), asseguraram no Brasil,
pela Lei Federal 8069, ‘Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA’, ‘[...] os direitos à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à digni-
dade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária’, além de colocá-los
a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade
e opressão (Artigo 227 da Constuituição/Artigos 4º e 5º do ECA, apud NASCIMENTO,
2003).
Nascimento postula que os avanços na legislação são incontestáveis, considerando
a criança como ator social, alguém que é, no presente, e, portanto, como cidadã de di-
reitos. Nessa perspectiva, conforme a autora, muitas pesquisas são desencadeadas no
sentido de se estabelecer um novo paradigma nas concepções de infância e educação.
Por conseguinte, a escola tem que fazer valer, mediante seus princípios e funda-
mentos pedagógicos, os direitos da infância e da juventude. Esses direitos sociais,
dentre eles a educação, encontram respaldo legal na Constituição Federal de 1988,
Artigo 6º. ‘São direitos sociais: a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma da Constituição’.

22
Da mesma maneira, a LDB nº 9.394/96, retomando os direitos garantidos pela As políticas públicas
recentes para a
Constituição no Título III – do direito à educação e do dever de educar – Artigo 4º infância no Brasil

item IV – determina: ‘Atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças de


zero a seis anos de idade’. Sobre a afirmação e a garantia desses direitos apontados
pela LDB nº às crianças, Cerisara (2002, p. 331) pontua:

Vale destacar que a LDB nº foi construída tendo por base a Constituição de
1988 que reconheceu como direito da criança pequena o acesso à educação
infantil – em creche e pré-escolas. Essa lei colocou a criança no lugar de sujeito
de direitos em vez de tratá-la, como ocorria nas leis anteriores a esta, como
objeto de tutela. Nesta mesma direção, a LDB nº também, pela primeira vez na
história das legislações brasileiras, proclamou a educação infantil como direito
das crianças de 0 a 6 anos e dever do Estado. Ou seja, todas as famílias que op-
tarem por partilhar com o Estado a educação e o cuidado de seus filhos deverão
ser contempladas com vagas em creches e pré-escolas públicas.

A seção II da lei trata especificamente da Educação Infantil nos artigos 29, 30 e


31, nos quais essa educação é considerada como primeira etapa da educação básica e
tem por finalidade o ‘[...] desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade,
em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da
família e da comunidade’ (Artigo 29). No Artigo 30, fica estabelecido que essa educa-
ção será oferecida em ‘[...] creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até
três anos de idade e [...] pré-escolas, para crianças de quatro a seis anos de idade’. O
Artigo 31 determina que a avaliação na educação infantil seja feita ‘mediante acompa-
nhamento e registro do seu desenvolvimento, sem o objetivo de promoção, mesmo
para o acesso no ensino fundamental’. Esse artigo manifesta uma concepção correta de
avaliação quando a desvincula da promoção ao Ensino Fundamental, encaminhando-a
para o acompanhamento do desenvolvimento infantil.
Cerisara (2002), ao discutir a educação infantil nas reformas educacionais, lembra
que o texto final da LDB nº evidencia certa concordância com os princípios neoliberais
apresentados pelo governo e pelo Poder Público no período. Outro aspecto importan-
te que deve ser lembrado, em consonância com a autora, diz respeito ao direito de
todas as crianças à educação infantil. Todavia, a autora aponta o fato de que as vagas
nas creches públicas dão preferência às crianças de mães trabalhadoras que ganham
baixos salários. Prova disso é que 90% das crianças de todo o Brasil continuam fora das
creches, sem ter acesso a uma instituição de educação infantil1. Nesse contexto, fica
evidente, pela desresponsabilização do Estado com a educação Infantil, uma estratégia

1 Veja-se: BRASIL. Ministério da educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educa-


cionais. Números da Educação no Brasil 2001. MEC/INEP, 2001a.

23
POLÍTICA típica das políticas neoliberais em não prover os recursos necessários para o cumpri-
EDUCACIONAL
BRASILEIRA mento de acordos, transformando, assim, a perspectiva de direitos da legislação em
perspectiva de necessidades.
Com as mudanças introduzidas na legislação a partir da Constituição de 1988 e
com a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional, de 20 de dezembro de 1996 (LDB nº 9394/96), após
uma longa luta pela requalificação das creches e pré-escolas, o Ministério da Educação
lançou o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Esse documento
aparece no contexto das reformas educacionais em andamento na segunda metade da
década de 90 do século XX como mais uma ação do governo do Presidente Fernando
Henrique Cardoso.
Nas palavras de Cerisara (2002, p. 338):

[...] o RCNEI é um documento produzido pelo MEC que integra a série de


documentos Parâmetros Curriculares Nacionais. Se é possível considerar um
possível avanço para a área a existência de um documento que se diz voltado
especificamente para a educação infantil, é preciso verificar até que ponto ele
efetivamente garante a especificidade defendida pelos educadores da área para
o trabalho a ser realizado com meninos e meninas de 0 a 6 anos em instituições
educativas como creches e pré-escolas. Além disso, é preciso verificar até que
ponto ele contempla o que anuncia.

O Referencial Curricular é composto por três volumes, sendo que o primeiro é


um documento introdutório que apresenta uma reflexão referente às creches e pré-
-escolas. O segundo volume trata da formação pessoal e social da criança e o terceiro
volume do conhecimento de mundo. Esse volume contém:

[...] seis documentos referentes aos eixos de trabalhos orientados para a cons-
trução das diferentes linguagens pelas crianças e para as relações que estabe-
lecem com os objetos de conhecimento: Movimento, Música, Artes Visuais,
Linguagem Oral e Escrita, Natureza e sociedade e Matemática (BRASIL2, 1998b).

Sobre o Referencial, Kuhlmann Júnior (1999, p. 52) assinala:

Sabe-se que, agora, o documento estará denominado no singular – referencial


– apresentando-se como uma das perspectivas possíveis de se pensar a Edu-
cação Infantil. Mas o Referencial Curricular Nacional terá um grande impacto.
A ampla distribuição de centenas de milhares de exemplares às pessoas que
trabalham com esse nível educacional mostra o poder econômico do Ministério
da Educação e seus interesses políticos, muito mais voltados para futuros resul-
tados eleitorais do que preocupados com a triste realidade das nossas crianças

2 Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil – RCNEI, v. 1, apresentação.

24
e instituições. Com isso, a expressão no singular – referencial – significa, de fato, As políticas públicas
a concretização de uma proposta que se torna hegemônica, como se fosse única. recentes para a
infância no Brasil

Cerisara (2002, p. 338) alega que ‘em fevereiro de 1998 a versão preliminar do docu-
mento foi encaminhada a 700 profissionais ligados à área da educação infantil para que
em um mês fosse devolvido ao MEC um parecer sobre essa versão’. Para a autora, em
outubro de 1998 a versão final do RCNEI foi divulgada sem atender às solicitações dos
pareceristas para que as discussões relativas ao documento fossem estendidas por mais
tempo. O MEC, não atentando para essas solicitações, porque tinha grande interesse
em divulgar esse documento, acabou lançando o Referencial antes mesmo que as Dire-
trizes Curriculares Nacionais fossem aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação.
O parecer da ANPEd3 (ASSOCIAÇÃO, 1998) sobre o Referencial sugere, dentre ou-
tras modificações, uma revisão na linguagem utilizada no documento no sentido de
que houvesse maior clareza nos encaminhamentos dados aos conteúdos nele apresen-
tados, para que os profissionais da área possam ter acesso a essas informações de uma
maneira mais adequada e coerente com o seu nível de compreensão e conhecimento.
Dentre outras falhas apresentadas no documento, apontadas pelos pareceristas da
ANPEd, estão as fontes bibliográficas utilizadas na elaboração do Referencial e elen-
cadas juntas nas referências, como se faz nos trabalhos acadêmicos. Segundo eles, as
obras e os materiais utilizados deveriam estar separados por temas, o que seria conve-
niente para um documento de caráter pedagógico, pois facilitaria a compreensão no
momento de sua utilização. Na visão da ANPEd (ASSOCIAÇÃO, 1998, p. 92),

um documento orientador, o qual será utilizado por equipes de todo o país,


deveria conter indicações de leituras organizadas por temas, com informações
mais claras sobre como ter acesso aos textos sugeridos e o que pode ser encon-
trado em cada obra, de forma a favorecer a educação continuada e a autonomia
intelectual de professores e equipes técnicas.

O parecer indica, ainda, outras irregularidades contidas no documento, nas defini-


ções e conceitos e na forma de organizar as áreas de conhecimento de maneira uniforme
para as faixas etárias de 0 a 3 anos e de 4 a 6 anos de idade. Muitas das propostas apre-
sentadas no documento não estariam adequadas para as crianças menores de 2 anos.

3 O parecer da ANPEd sobre o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil é


um documento elaborado a partir de 230 pareceres emitidos por diversos pesquisadores da
área de Educação Infantil, entre os 700 profissionais e pesquisadores que foram convidados
pelo Ministério da Educação (MEC) para analisar a versão preliminar do Referencial. Veja-se:
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO –
ANPEd (1998).

25
POLÍTICA Além dos aspectos abordados acima, considerados irrelevantes pelo parecer da
EDUCACIONAL
BRASILEIRA ANPEd, existem também outros problemas no Referencial, que são discutidos pelos
pareceristas. Sobre a concepção de desenvolvimento infantil, o parecer alerta que o
Referencial, além de não apresentar, em alguns momentos do texto, linguagem clara e
objetiva, contempla uma abordagem psicológica e cognitivista em seu conteúdo, sem,
no entanto, considerar outras situações importantes na realidade da criança como, por
exemplo, os aspectos naturais, culturais, sociais, históricos e políticos.
Em relação à concepção de currículo adotada no Referencial, existem discrepân-
cias, na opinião dos comentaristas, que identificaram uma proximidade com a propos-
ta do sistema educacional espanhol4 e, em alguns momentos, características de uma
visão tradicional de ensino. Ambas oscilam no documento. A própria concepção de
avaliação, conforme o parecer, estaria calcada no modelo tradicional de escola. Isso
estaria em desacordo com o proposto na LDB nº 9.394/96, no qual a avaliação propõe
o ‘acompanhamento e registro do desenvolvimento infantil, sem o objetivo de promo-
ção para o ensino fundamental’ (Artigo 31).
No que se refere ao conteúdo dos volumes II e III da versão preliminar do Referen-
cial, o parecer faz menção à proposta de trabalho com a linguagem e indica falhas no
sentido de que a ‘língua escrita’ vem antes da ‘língua oral’, em um período em que a
criança está aprendendo a se comunicar através da linguagem falada.
Cerisara (2002) considera que o primeiro volume do Referencial, denominado
‘Introdução’, apresenta um texto bem elaborado e ilustrado com bonitas fotografias,
revelando a diversidade cultural da infância brasileira, porém essa diversidade nem
sempre é considerada nos conteúdos propostos pelo Referencial. Para a autora, o volu-
me I do documento procurou contemplar as indicações feitas pelo parecer da ANPEd,
dando mais ênfase à criança na Educação Infantil e não às concepções de educação
que aproximam a creche e a pré-escola do Ensino Fundamental. Isso demonstra um
ponto positivo da equipe do MEC ao acatar as indicações do parecer no sentido de
melhorar esse volume do documento.
Não obstante, acerca dos volumes II e III, a autora argumenta que estão organiza-
dos em uma estrutura comum, cujos conteúdos e orientações didáticas caracterizam
uma aproximação com o que é trabalhado no Ensino Fundamental. Dessa forma, as
especificidades das crianças pequenas acabam se perdendo e a educação infantil fica

4 Aparecem referenciadas nas propostas curriculares internacionais (RCNEI, v. 3. Bibliogra-


fia, p. 246) as obras: ESPANHA. Currículo oficial. Orientaciones didácticas. Ministério de
Educación y Ciencia. Madrid, Espanha, 1992. ESPANHA. Currículo de la etapa. Educación
Infantil. Madrid: Ministério de Educación y Ciencia, 1992.

26
submetida à versão de escola de Ensino Fundamental, aprisionando o desenvolvimen- As políticas públicas
recentes para a
to natural das crianças. Assim, a concepção de educação infantil apresentada no Refe- infância no Brasil

rencial fica distante daquelas constantes nos documentos da COEDI5 de 1994 a 1998,
consideradas um avanço nas Políticas Nacionais de Educação Infantil. Nesse contexto,
o Referencial pode ser visto apenas como um material de apoio aos profissionais que
devem refletir sobre o trabalho a ser desenvolvido nas instituições de educação infantil.
Nascimento (2003) expõe que, no final de 1998, o Conselho Nacional de Educação
(CNE) estabeleceu as ‘Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil’, des-
fazendo, inclusive, a dicotomia entre o cuidar e o educar, tão presente nas discussões
relativas ao papel da educação infantil no desenvolvimento da criança, criando um
novo paradigma na concepção de educação e infância.
O Referencial Curricular não possui caráter obrigatório ou mandatório. Por isso
não deve ser considerado como recurso único a ser utilizado nas instituições de Edu-
cação Infantil. Como orientação nacional para esse nível de formação, existem as ‘Di-
retrizes Curriculares Nacionais’6, que apresentam as diretrizes obrigatórias7 a serem
seguidas na Educação Infantil:

1 – Educar e cuidar de crianças de 0 a 6 anos supõe definir previamente para


que sociedade isto será feito, e como se desenvolverão as práticas pedagógicas,
para que as crianças e suas famílias sejam incluídas em uma vida de cidadania
plena. Para que isto aconteça, é importante que as Propostas Pedagógicas de
Educação Infantil tenham qualidade e definam-se a respeito dos seguintes fun-
damentos norteadores:
a - Princípios Éticos da Autonomia, da Responsabilidade, da Solidariedade e do
Respeito ao Bem Comum;
b - Princípios Políticos dos Direitos e Deveres de Cidadania, do Exercício da
Criticidade e do Respeito à Ordem Democrática;
c - Princípios Estéticos da Sensibilidade, da Criatividade, da Ludicidade, da Qua-
lidade e da Diversidade de manifestações Artísticas e Culturais (BRASIL, 1998a).

Cerisara (2002) pondera que as ‘Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação


Infantil’ incentivam e orientam projetos pedagógicos, buscando objetivos relaciona-
dos ao desenvolvimento integral da criança, através da participação das famílias, pro-
fessores e crianças, permitindo que os mesmos assumam a autoria dos projetos. Dessa
maneira, o que se busca, nessa integração, é um espaço onde as crianças possam,
juntamente com os adultos, conquistar o direito de viver de forma digna e prazerosa.
Para isso são necessárias políticas públicas que considerem a diversidade da infância
brasileira e contemplem a formação do cidadão.

5 Coordenação Geral de Educação Infantil.


6 Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. MEC/CNE, 1998a.
7 Ibidem, p. 10.

27
POLÍTICA Rosemberg (2002, p. 27-28) assinala que ‘as políticas de educação infantil contem-
EDUCACIONAL
BRASILEIRA porâneas nos países subdesenvolvidos têm sido fortemente influenciadas por modelos
ditos ‘não formais’ a baixo investimento público, propugnados por organismos mul-
tilaterais’. Na concepção desta autora, as influências sobre os projetos da educação
infantil brasileira, na atualidade, provêm do Banco Mundial.
A autora considera que a Educação Infantil é integrada às políticas sociais e é um
subsetor das políticas educacionais e de assistência aos trabalhadores. Para ela, as po-
líticas sociais são uma intervenção do Poder Público com o objetivo de ordenar a
sociedade entre as necessidades e os interesses que surgem em seus diferentes seg-
mentos. Nesse contexto de âmbito nacional participam, juntamente com o governo,
os organismos multilaterais.
A autora explica que na administração federal do governo Fernando Henrique Car-
doso (a partir de 1995) foram incorporadas nas políticas econômicas regras do FMI, e
nas políticas educacionais regras do Banco Mundial. Nas políticas educacionais, segun-
do ela, houve uma priorização de investimentos públicos para o Ensino Fundamental,
enquanto que na Educação Infantil houve a implementação de programas de baixos
investimentos para as crianças pequenas pobres.
Rossetti-Ferreira e Ramon e Silva (2002, p. 90) salientam que os programas desen-
volvidos pelas políticas públicas para a infância ‘procuram situar-se numa perspectiva
de direitos enquanto o discurso e os documentos do Banco Mundial, em regra, os
atrelam mais a uma perspectiva de necessidades’. Na visão destas autoras, as políticas
são justificadas como auxílio aos necessitados com o objetivo de evitar consequências
antissociais. Assim, esses programas de intervenção social guardam o conceito, histo-
ricamente construído, da necessidade de livrar a sociedade dos efeitos causados pela
pobreza e de evitar a marginalização.
Em 16 de fevereiro de 2000, o Ministério da Educação, por intermédio do Con-
selho Nacional de Educação, estabeleceu as ‘Diretrizes operacionais para a educação
Infantil’ (BRASIL, 2000, p. 1-2) no intuito de sanar a grande quantidade de dúvidas
geradas pelos artigos da LDB/96 relativas à educação infantil e a sua especificidade,
que determinam os seguintes aspectos normativos:

1) Vinculação das instituições de educação infantil ao sistema de ensino;


2) Proposta pedagógica e regimento escolar;
3) Formação de Professores e outros profissionais para o trabalho nas institui-
ções de educação infantil;
4) Espaço físico e recursos materiais para a educação infantil.

As Diretrizes Operacionais (BRASIL, 2000, p. 1-2) apontam que a política nacional


para as crianças de 0 a 6 anos e suas famílias deverá ser desenvolvida com a participação

28
e o apoio de todos os segmentos da sociedade, com os Ministérios da Educação, da As políticas públicas
recentes para a
Saúde, da Previdência Social, da Justiça e do Trabalho e, ainda, com as Secretarias, com infância no Brasil

os Conselhos Estaduais e Municipais, os Conselhos Tutelares, os Juizados das Varas


da Infância, as Associações e as Organizações da sociedade civil, juntamente com os
profissionais da comunicação e da informação.
Nessa perspectiva, as políticas públicas para a infância não podem ser oferecidas
em forma de auxílio aos necessitados, transformando-se em educação tutelada, as-
sistencial ou de exclusão. As políticas devem considerar as crianças como sujeitos de
direitos, cidadãos em desenvolvimento, promovendo a inclusão social e a autonomia
dessas crianças para que elas possam efetivar o exercício pleno da cidadania8.
O Deputado Federal Ivan Valente9, na apresentação do Plano Nacional de Educação
– PNE (BRASIL, 2001b), assevera que a vitória pela criação de um Plano Nacional de
Educação é resultado de uma luta historicamente organizada em defesa de uma edu-
cação pública de qualidade que contemple todos os brasileiros. Segundo o Deputado,
as reivindicações daqueles que trabalham e acreditam na educação brasileira revelam o
compromisso de lutar pela educação como direito do povo e dever do Estado.
Apesar das lutas dos professores, pesquisadores em educação e demais segmentos
da sociedade, o Deputado Ivan Valente destaca que as políticas educacionais brasilei-
ras, na atualidade, são globalmente impostas por organismos internacionais, como o
Banco Mundial. No entanto, o PNE (BRASIL, 2001b, p. 10 – Apresentação), por meio
do envolvimento de diferentes segmentos da sociedade e da educação brasileira, ‘res-
gata a política como atividade própria da sociedade nacional’.
A criação do PNE (BRASIL, 2001b), atrelado a uma política governamental em
prol da educação brasileira, aumenta a resistência democrática ao neoliberalismo que
tira dos povos o direito de planejar e decidir seus próprios destinos. Organizações
como OMC10, FMI11 e Banco Mundial – organismos de políticas neoliberais – traba-
lham pelos interesses do capital internacional e das grandes corporações dos países
desenvolvidos.

8 ‘Os melhores resultados de uma política eficiente contra a pobreza são obtidos, justamente,
quando os assistidos alcançam um estado no qual são emancipados da ajuda e, para tanto, o
indivíduo deve ter direito à educação e ao aprendizado contínuo’ (DEMO, 2000* apud ROS-
SETTI-FERREIRA; RAMON; SILVA, 2002, p. 90). *DEMO, P. Educação pelo avesso: assis-
tência como direito e como problema. São Paulo: Cortez, 2000.
9 Professor, deputado federal (PT/SP) que encabeçou a apresentação do Projeto de Lei 4.155/98
– PNE da Sociedade Brasileira – à Câmara dos Deputados.
10 Organização Mundial do Comércio.
11 Fundo Monetário Internacional.

29
POLÍTICA O PNE é resultado de uma luta organizada por diferentes segmentos da sociedade
EDUCACIONAL
BRASILEIRA brasileira, principalmente pelos profissionais da educação, pelo Fórum Nacional em
defesa da Escola Pública, os quais lutaram desde o processo constituinte por um pro-
jeto educacional ‘voltado para assegurar ao povo brasileiro uma educação construtora
de cidadania, como direito de todos’ (BRASIL, 2001b, p. 11).
Todavia, de acordo com Ivan Valente, ao ser apresentado à Câmara dos Deputados,
no dia 10 de fevereiro de 1998, o PNE – Sociedade Civil12 obrigou o governo FHC a
apresentar ao Parlamento o seu Projeto (Projeto de Lei 4.173/98) no dia seguinte e
ambos tramitaram no Congresso. A proposta do governo, de acordo com o Deputado,
foi elaborada com o objetivo de garantir as políticas neoliberais do Banco Mundial que
determinam baixos investimentos para o setor da educação.
A apresentação de dois projetos para a educação brasileira, um da sociedade civil,
democrático e popular, e um do governo, neoliberal, materializava duas concepções
diferentes de escola e de política educacional. Enfim, após muita pressão da socieda-
de, a Lei 10.172, de 09 de janeiro de 2001, sancionou o PNE com algumas diferenças
do proposto no PNE – Sociedade Civil, contemplando, apenas, algumas medidas nele
contidas.
O Plano Nacional de Educação – PNE (BRASIL, 2001b, p. 52), na seção de Educação
Infantil, retomando os direitos garantidos à infância na Constituição Federal de 1998 e
na LDB nº 9.394/96, considera que a educação ‘deve estar presente desde o momento
em que a criança nasce como meio e condição de formação, desenvolvimento, integra-
ção social e realização pessoal’.
No PNE, a Educação Infantil também é considerada como primeira etapa da edu-
cação básica, estabelecendo as bases de formação do desenvolvimento pessoal e da
socialização das crianças. Nessa perspectiva, a Educação Infantil inicia a educação da
pessoa e suas diretrizes consideram que as primeiras experiências vividas na infância
marcam profundamente o indivíduo.
O PNE reforça, também, que a Educação Infantil não é obrigatória, mas que é um
direito da criança. Neste sentido, a possibilidade das crianças frequentarem um centro
de educação infantil de qualidade leva um número crescente de famílias a buscarem
vagas para seus filhos nessas instituições. Daí a responsabilidade em oferecer uma edu-
cação de qualidade que justifique essa procura, pois a qualidade na Educação Infantil é
fator fundamental para o desenvolvimento das crianças. Por isso os profissionais, para
trabalharem nessa educação, devem possuir uma formação acadêmica de qualificação

12 ‘O PNE - Sociedade Civil, como ficou conhecido, é uma das mais importantes produções
político-educacionais de nossa história’ (VALENTE, Ivan apud BRASIL, 2001b, p. 11).

30
específica em cursos superiores e, ao atuarem com as crianças, devem estar em constan- As políticas públicas
recentes para a
te harmonia com o trabalho pedagógico, o desenvolvimento e a aprendizagem delas. infância no Brasil

O PNE apresenta, ainda, outras considerações importantes acerca das práticas pe-
dagógicas no processo unitário de desenvolvimento da criança, apregoando que:

constitui diretriz importante a superação das dicotomias creche/pré-escola, as-


sistência ou assistencialismo/educação, atendimento a carentes/educação para
classe média e outras, que orientações políticas e práticas sociais equivocadas
foram produzindo ao longo da história. Educação e cuidados constituem um
todo indivisível para crianças indivisíveis, num processo de desenvolvimento
marcado por etapas ou estágios em que as rupturas são bases e possibilidades
para a seqüência (BRASIL, 2001b, p. 59).

As medidas propostas pelo PNE implementam as diretrizes e os referenciais curri-


culares nacionais para a Educação Infantil, buscando melhoria na qualidade do atendi-
mento. Essas medidas reforçam que as diversidades regionais e as expressões culturais
de cada região devem ser consideradas porque formam a ‘base sócio-histórica sobre a
qual as crianças iniciam a construção de suas personalidades’ (BRASIL, 2001b, p. 60).
Devido ao fato já constatado em muitas pesquisas de que a Educação Infantil causa
efeitos positivos no desenvolvimento e na aprendizagem das crianças, essa educação
vem crescendo e vem sendo recomendada por organismos e conferências internacio-
nais. Sobre essa discussão, Araújo (2002, p. 59-60) expõe:

A declaração de Nova Delhi sobre ‘Educação para todos’, aprovada em 16 de de-


zembro de 1993 pelos nove países em desenvolvimento e de maior população
do mundo, do qual o Brasil faz parte, reafirmou o compromisso com a criança
de 0 a 6 anos. Posteriormente, o ‘Marco de Ação de Dakar’, realizado em abril
de 2000, confirmou o compromisso coletivo para a ação e fez um balanço do
desafio da ‘Educação para Todos’, constatando que houve um progresso signifi-
cativo em muitos países, mas que a situação ainda é inaceitável para o início de
um novo século. O Marco de Dakar propõe expandir e melhorar o cuidado e a
educação da criança pequena e determina que todos os países deverão desen-
volver seus planos nacionais de ação até, no máximo, o ano de 2002.

Mesmo a Educação Infantil sendo considerada um direito de toda criança e tam-


bém uma obrigação do Estado, a criança não é obrigada a frequentar uma instituição
de Educação Infantil, porém se a família desejar, o Poder Público deverá atendê-la
nessas instituições. O que o Plano Nacional de Educação recomenda, nas instituições
de Educação Infantil, é ‘uma educação de qualidade prioritariamente para as crianças
mais sujeitas à exclusão ou vítimas dela’ (BRASIL, 2001b, p. 60).
A respeito das dificuldades encontradas na Educação Infantil, Silva (2002, p. 156)
explica:

31
POLÍTICA A educação infantil, parte integrante da educação básica atribuída aos municí-
EDUCACIONAL pios, convive com algumas questões: o esvaziamento da concepção de direito
BRASILEIRA
conquistado e expresso na Constituição de 1988, a secundarização dentre as
prioridades municipais, a cobertura insuficiente e a premente necessidade de
construção coletiva de uma proposta pedagógica inserida no reordenamento
dos sistemas de educação dos municípios.

Embora o PNE garanta o direito das crianças pequenas a essa primeira etapa da
educação básica, o Brasil enfrenta, ainda, imensas dificuldades no sentido de garantir
a educação infantil, tanto em termos de quantidade quanto de qualidade. Com a des-
centralização do financiamento13 da educação infantil dos recursos estaduais e federais
e com a centralização dos recursos nos municípios, o grande desafio é cumprir os
propósitos estabelecidos para esse nível de educação. O PNE, através de seus objetivos
e metas para um período de cinco anos, estabelece um percentual crescente de aten-
dimento nas creches e pré-escolas para as crianças de 0 a 6 anos14.
Para que isso ocorra, são necessárias políticas educacionais capazes de promover o
acesso das crianças pequenas a uma educação infantil de qualidade por intermédio de
um número suficiente de vagas em todos os municípios.
O texto das Diretrizes Operacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2000, p. 6),
discorrendo acerca da gestão nas políticas municipais para a infância, faz a seguinte
observação:

Merece registro a ausência de articulação e racionalidade nas ações dos setores


de educação, saúde, assistência social e cultura, o que torna difusa a políti-
ca municipal para infância. O fracionamento de ações é um importante fator
para o desperdício dos escassos recursos financeiros desses setores na área da
infância. A racionalização dos recursos existentes, através de bons processos
de gestão, permitiria um expressivo acréscimo do atendimento à criança nos
municípios brasileiros.

A Lei 9.424/96 (Fundef )15 determina que, no mínimo, 25% dos valores referentes
aos impostos repassados pela União ao município deverão ser aplicados em favor da
manutenção e desenvolvimento do Ensino Fundamental. Contudo, não estabelece ne-

13 ‘a educação infantil é tratada, em termos de gasto, como competência praticamente exclusiva


dos municípios e, ‘naturalmente’, das famílias’ (VALENTE, 2001, p. 22).
14 ‘Ampliar a oferta da educação infantil de forma a atender, em cinco anos, a 30% da popu-
lação de até 3 anos de idade e 60% da população de 4 a 6 anos (ou 4 e 5 anos) e, até o final da
década, alcançar a meta de 50% das crianças de 0 a 3 anos e 80% das de 4 e 5 anos’ (BRASIL,
2001a, p. 61).
15 Lei nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996 dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvol-
vimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – Fundef (BRASIL, 1996b).

32
nhum percentual que possa ser destinado à Educação Infantil que, também, encontra- As políticas públicas
recentes para a
-se sob a responsabilidade dos municípios. Dessa forma, a Educação Infantil, muitas infância no Brasil

vezes, fica à mercê de entidades públicas não-governamentais e dos fundos recolhidos


pelas promoções realizadas com as comunidades locais.
As questões discutidas neste texto apontam para o fato de que a educação infantil
no Brasil, no final da década de 80 do século XX, ganhou um respaldo legal na Consti-
tuição de 1988, passando a ser considerada um direito da criança de 0 a 6 anos de ida-
de. Esses direitos constitucionais também são confirmados pelo ECA (BRASIL, 1991)
e pela LDB nº 9.394/96 e ratificados pelas Diretrizes Operacionais para a Educação
Infantil (BRASIL, 2000).
Não obstante, além das reformas econômicas ocorridas durante a década de 90
do século XX e das pressões dos Organismos Multilaterais, houve um investimento
e uma preocupação maior com a universalização do Ensino Fundamental. A falta de
compreensão e de definições na área da Educação Infantil gerou também uma falta de
articulação entre autoridades municipais e os diferentes segmentos da sociedade, acar-
retando prejuízo às políticas públicas para a infância que, ainda, apresentam um índice
de atendimento bastante deficitário em relação à perspectiva de direito das crianças de
0 a 6 anos, garantida na legislação, caracterizando, dessa forma, apenas a perspectiva
de necessidades em consonância com os organismos internacionais.

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Proposta de Atividade

1) Retire do texto os pontos fundamentais sobre as políticas de educação infantil no Brasil.

Anotações

36
2 O Ensino Fundamental
no Brasil: considerações
necessárias
Marta Lúcia Croce

INTRODUÇÃO
Aristóteles é considerado pelos educadores, estudiosos da filosofia e da ciência
política como o primeiro filósofo que relacionou o sentido de ‘política’ com o de ‘as-
sociação humana’, desde a concepção mais simples (família, grupos, clãs) até a mais
complexa (Estado, cidade). Para ele, a política se efetiva a partir da supremacia das
relações que se estabelecem entre os indivíduos e que são regidas pelo poder de uns
sobre os outros, no mundo natural.
Esse princípio aristotélico nos permite compreender as inter-relações humanas,
caracterizadas pelo sentido de autoridade, que se apresentam tanto na família quanto
nos demais agrupamentos sociais. Explica, também, os elementos estruturantes e as
bases de poder e troca que compõem o que conhecemos por ‘cidade’ e ‘ Estado’. São
relações que têm primazia sobre os indivíduos, já que ‘[...] o todo tem prioridade
sobre as partes [...]’ e ‘[...]o estado é ao mesmo tempo natural e precede o indivíduo’
(ARISTÓTELES, 2006).
Com as transformações ocorridas na trajetória do homem sobre a terra, ao longo
dos séculos, desde a antiguidade, o conceito de política sofreu um desgaste de cunho
filosófico e prático, moral e ético, nunca sequer sonhado pelos pensadores antigos.
Todas as primeiras noções de estado, democracia e relações de poder adquiriram ma-
quiagens diferentes a cada novo ciclo da humanidade. A história descreve essa traje-
tória e nos deixa cientes do poder do homem sobre o seu próprio destino a partir do
sistema político, que pode ser autoritário, autocrático, democrático.
Retomando Aristóteles (2006), e em conformidade com o que a história confirma,
podemos enunciar que o modo de organização da sociedade, as leis e normas que a
regem são determinações dadas pelos homens agindo de acordo com a sua natureza.
No que concerne ao nosso atual momento histórico, almeja-se um sistema democráti-
co, em nome do bem estar coletivo e da igualdade de direitos, para todos os cidadãos.
Na sociedade democrática, ainda nos valendo dos ensinamentos aristotélicos, é
imprescindível a participação de todos para a tomada de decisões que visem ao bem

37
POLÍTICA comum. Sem a participação dos indivíduos na formulação de leis e na vigilância e
EDUCACIONAL
BRASILEIRA manutenção da ordem, em todos os setores da vida social, podemos nos deparar com
uma descaracterização do estado democrático, com o benefício de alguns em detri-
mento ao direito de outros. Logo, é a participação ativa do cidadão nas decisões do
Estado que garantirá o exercício da cidadania e a realização do bem comum, como
princípio de democracia.
A partir destas considerações e para que possamos diferenciar, ao longo do texto,
as políticas públicas implantadas pela União, chamaremos de ação do Estado tudo o
que se refere às normas, programas e projetos do governo federal. Trata-se, todavia, de
uma breve análise das políticas educacionais brasileiras a partir da legislação vigente e
das ações políticas que, revestidas de uma ideia democrática, implantam-se na esfera
ampla do Estado e no cotidiano dos indivíduos.
É importante lembrarmos que é em Aristóteles que encontramos as bases do direi-
to democrático e a premissa de que este somente se efetiva se houver ação do indiví-
duo nas decisões do Estado. Para que isso se torne verdade, tanto Aristóteles, na anti-
guidade clássica, quanto para os estudiosos contemporâneos e os cidadãos comuns,
a principal necessidade do homem é a liberdade. Sem ela os indivíduos deixam de
viver plenamente a democracia, e viver democraticamente significa usufruir de plena
liberdade. Indivíduos livres podem participar ativamente do processo de planejamen-
to e implementação das normas legais, que têm como função determinar e organizar
a sociedade humana.
Não nos caberá, neste capítulo, questionar ou refletir sobre o que se define e o
que se vive como democracia ou o ‘ser democrático’, mas queremos expor o que está
estabelecido nas leis do Estado para que cada um de nós possa usufruir da vida cidadã.
Ser cidadão é ser livre e ser livre perpassa pela plena convicção do que é ser livre e de
que a liberdade é uma prerrogativa da educação. Somente pela educação alcançamos
o status de seres humanos conscientes da nossa liberdade cidadã.
Vale ressaltar que Aristóteles e os autores contemporâneos, escolhidos para guiar-
-nos nas discussões contidas neste texto, podem nos fornecer a fundamentação neces-
sária ao entendimento do discurso e das ações políticas que determinam a organização
do Estado. Por conseguinte, nos auxiliam na compreensão do papel da educação esco-
lar e de sua função social, enquanto comunidade organizada institucionalmente livre
e democraticamente ativa.
De acordo com A Política de Aristóteles, os Estados devem se manter livres e ínte-
gros na sua forma de governo, o que se consegue combinando educação e Constituição.

O mais importante meio para a conservação dos Estados, mas também o mais
negligenciado, é fazer combinarem a educação dos cidadãos e a Constituição.

38
Com efeito, de que servem as melhores leis e os mais estimáveis decretos se não O Ensino Fundamental
se acostumar os súditos a viverem segundo a forma de seu governo? [...] Ora, no Brasil: considerações
necessárias
educar os súditos em consonância com o Estado, não é adular os grandes ou o
povo, nem empenhar-se em comprazê-los, mas acostumar os cidadãos a manter
sua oligarquia ou democracia (2006, p. 242).

Este excerto nos remete à defesa aristotélica de que leis gerais ou específicas visam
sempre ao bem comum e priorizam a garantia do bem estar do Homem e da sua quali-
dade de vida em comunidade. No entanto, ele também nos é de grande valia para que
possamos compreender que as formulações legais, imprescindíveis à manutenção do
Estado e da cidade, afetam, sobremaneira, a vida do cidadão e que ser cidadão é ter o
direito de participar e de interferir efetivamente nas ações políticas, garantindo, assim,
o estabelecimento e a manutenção do bem comum, da democracia.
Buscando ainda os clássicos, ao estudarmos Marx (apud REGO, 1991), passamos a
conceber uma outra noção de Estado, ‘[...] destituído da áurea de superioridade entre
os homens...] (p. 1). Em conformidade com Rego, (1991) essa noção se amplia com
Gramsci, proeminente intelectual italiano do final do século XIX início do XX, e do
qual transcreve as ideias de Estado a partir das forças sutis que permeiam as decisões
de poder:

[...] que desenvolve uma visão mais elaborada e complexa sobre a sociedade e o
Estado. Para ele o Estado é força e consenso. Ou seja, apesar de estar a serviço
de uma classe dominante ele não se mantém apenas pela força e pela coerção
legal; sua dominação é bem mais sutil e eficaz (REGO, 1991, p. 1).

Os conceitos e a visão de Estado em Marx e Gramsci devem fazer parte de todos


os estudos que versem sobre políticas públicas. O conhecimento dos modos de or-
ganização social e da soberania do Estado sobre a vida e a liberdade dos cidadãos se
constituem recursos intelectuais indispensáveis ao entendimento do que a educação
representa para os indivíduos a partir da união dos homens, quer em nível micro (fa-
mília/comunidade) ou macro (sociedade/Estado).
No intuito específico de discutirmos as políticas públicas para a educação brasi-
leira, especialmente aquelas decisões voltadas à melhoria do Ensino Fundamental,
tomaremos os textos legais que organizam o poder do Estado. São chamados de atos
políticos e declaram o interesse do Poder Público pelo bem estar social. Constituem-se
em diretrizes que buscam a garantia de qualidade ao processo de escolarização das
crianças de seis a catorze anos, em estabelecimentos de ensino formal.
Com um discurso de participação democrática, formação para a cidadania, descen-
tralização do poder do Estado e inclusão social com direito à educação para todos,
surgiram no cenário nacional inúmeras leis, decretos, pareceres e emendas, além de

39
POLÍTICA um número elevado de programas e projetos governamentais, que neste momento
EDUCACIONAL
BRASILEIRA estão em pleno vigor no Brasil. São documentos que citamos, na continuidade deste,
pois tratam-se das decisões que se sobressaem como política pública voltada para a
educação fundamental. Daremos ênfase para os planos, programas e metas do atual
governo federal, que serão desenvolvidos em parceria com estados e municípios.
Finalizamos este capítulo expondo os dados apresentados na contabilização das
matrículas iniciais no Ensino Fundamental, referentes aos anos de 2008 e de 2009. Uti-
lizando os dados fornecidos pelas escolas é possível, ao Estado, averiguar o número de
alunos que se matriculam e frequentam as escolas de Ensino Fundamental. Além disso,
vários mecanismos e instrumentos de avaliação coletam dados relativos ao funciona-
mento da escola e de como ocorre o resultado do processo de ensino e aprendizagem,
como é o caso da Prova Brasil
O conjunto de resultados obtidos nas avaliações nacionais formam o Ideb (Índice
de Desenvolvimento da Educação Básica), que permite conhecer o número de alunos
que frequentam a escola, os evadidos e os excluídos do processo por razões várias.
Para Saviani (2009), o Ideb acrescenta maior credibilidade aos ‘[...] pontos de estran-
gulamento[...]’ e auxilia na tomada de ‘[...] medidas para saná-los [...]’ (p. 43).

DECISÕES, AÇÕES POLÍTICAS E DIREITOS HUMANOS


Na Declaração Universal dos Direitos Humanos, firmada na Assembleia Geral das Na-
ções Unidas, de 10 de dezembro de 1948, destacamos a já reconhecida assertiva de que
‘Toda pessoa tem direito à educação’. Porém, os esforços empreendidos pelas sociedades
do mundo inteiro, no sentido de assegurar a ‘educação para todos’, esbarram na exis-
tência ou na inexistência das políticas públicas, enquanto pensamento e proposta social
de todos os países e que deve ser abrangente e descentralizadora para ser democrática.
No Brasil, as políticas públicas voltadas à educação adquiriram maior destaque e
transformaram-se em leis de grande amplitude social a partir da década de 1980. Com
a promulgação da Constituição Federal do Brasil, em 1988, e com os debates acadêmi-
cos que fizeram parte da Assembleia Constituinte, demos passos qualitativos e quanti-
tativos importantes no sentido de garantir mudanças reais nas propostas de educação
escolar para o Ensino Fundamental.
Desde então, as decisões de impacto político e administrativo dos governos federal,
estadual e municipal têm buscado atender às demandas de acesso e permanência, em
escolas do Ensino Fundamental, com o propósito de alcançar qualidade de ensino e de
aprendizagem. Como descreve o Artigo 205 da Constituição Federal de 1988, a educa-
ção brasileira é um direito de todo cidadão, que deve ser assegurado pelo Estado, pela
família e pela sociedade civil:

40
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e O Ensino Fundamental
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimen- no Brasil: considerações
necessárias
to da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para
o trabalho (BRASIL, 1988).

O direito à educação, determinado no texto legal da Constituição Federal do Bra-


sil, é ratificado no Estatuto da Criança e do Adolescente como Lei n° 8.069, de 13 de
julho de 1990. Esse direito também está garantido pelas orientações publicadas na
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB nº 9394, promulgada em 20 de
dezembro de 1996 e no Plano Nacional de Educação – PNE, instituído pelo Ministério
da Educação, em 2001.
Saviani (2009) nos auxilia na compreensão dessas determinações políticas em vi-
gor, mantidas, asseguradas e ampliadas por decisões do Ministério da Educação (MEC)
e que valem para todo o território nacional. O autor nos alerta que, para a garantia
de uma qualidade real na educação, é preciso que se veja e priorize a qualidade como
questão de Estado e não de governo. Isto significa que: ‘Precisamos de uma estrutura
com relativa autonomia e bastante distanciada daquilo que eu chamo de política miú-
da, que envolve os embates entre partidos’ .
No caso do Ensino Fundamental, além das propostas federativas, a maior parte das
decisões políticas são tomadas em nível de estados e municípios. Ficam a cargo dessas
esferas do Poder Público legislar, planejar, implementar e orientar as escolas no modo
de garantir a organização escolar e gerir todos os recursos administrativos e pedagógi-
cos necessários ao bom encaminhamento da educação.
Está posto que decisões políticas como eleição ou indicação para diretores, jor-
nada de trabalho, divisão por série ou ciclos, currículo, dentre outros, constituem-se
obrigação das secretarias de educação, estaduais e municipais. Temos, assim, a prática
descentralizada da gestão educacional estendendo-se aos diretores e profissionais da
educação que atuam nas escolas de Ensino Fundamental. Todavia, esbarramos nas
questões relativas à autonomia desses educadores, no sentido de tomarem decisões
internas fundamentais ao bom funcionamento da escola e ao bem estar das pessoas
que nela convivem, ensinam e aprendem.
Queremos, com tais afirmativas, alertar para a importância de que cada escola, atra-
vés dos Conselhos Escolares, lute pela autonomia real no planejamento e execução do
Projeto Pedagógico, enquanto unidades escolares autônomas e responsáveis, adminis-
trativa e pedagogicamente, pelo sucesso ou fracasso dos alunos de seis a catorze anos.
Existe, em nível mundial e nacional, uma busca por patamares ideais de educa-
ção. Autores como Silva e Costa (1997) acreditam que, apesar dos problemas socio-
culturais e econômicos, no Brasil desenvolvem-se estudos avançados com vistas à

41
POLÍTICA implementação de políticas sociais e educacionais. Tenta-se incorporar essas políticas
EDUCACIONAL
BRASILEIRA às estratégias de reforma educacional com relativo êxito, considerando as dimensões
continentais e a diversidade cultural do país.
Pontos importantes devem se constituir em temática de estudos acadêmicos, para
que possamos partilhar democraticamente dos rumos traçados para a educação fun-
damental. Ressaltamos os seguintes aspectos, que podem ser objeto de reflexões por
parte dos educadores:

- Esclarecimentos necessários ao estudo das políticas públicas para o Ensino


Fundamental.
- Ações políticas que garantam a observação das leis em vigor.
- Projetos e Programas voltados ao Ensino Fundamental.
- A Avaliação, em todos os seus níveis, como readequação do modelo educacio-
nal, no Brasil do século XXI.

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O ENSINO FUNDAMENTAL


O panorama educacional brasileiro alterou-se, significativamente, após a promulga-
ção da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394/96, de 20 de dezembro
de 1996. Foram estabelecidos os paradigmas para o atendimento nas escolas, desde
os níveis de escolarização até os objetivos pedagógicos e a formação dos profissionais
da educação. Destacou-se a importância do Ensino Fundamental, para a criança e o
jovem, no sentido de prepará-los para o trabalho e para o exercício pleno da cidadania.
Segundo a LDB nº 9394/96, a oferta do Ensino Fundamental deve acontecer em
todo o território nacional, atendendo a população de 6 a 14 anos e àqueles que tive-
rem ultrapassado o período regular de escolarização. O atendimento será, preferen-
cialmente, na rede pública, com garantia de vagas, permanência até o final do curso e
qualidade no ensino.
Dar prioridade ao Ensino Fundamental significa, para o sistema educacional bra-
sileiro, a superação dos problemas ligados ao ensino e à aprendizagem. Ademais, é o
caminho mais indicado para a erradicação do analfabetismo a médio e longo prazos.
Esses argumentos estão presentes na fala de governantes, educadores e de todas as
pessoas preocupadas com os rumos da sociedade do Século XXI.
Da união do governo com a sociedade civil nasce a possibilidade do planejamento
e funcionamento das políticas públicas; do lado governamental, através das decisões
políticas e da implementação de programas voltados ao bem comum. À sociedade
cabe apoiar, acompanhar, fiscalizar e sugerir programas de âmbito nacional e local que
propiciem a construção de um meio social menos excludente e mais justo.

42
Um aspecto que merece atenção, quando o assunto trata de decisões e ações de O Ensino Fundamental
no Brasil: considerações
cunho político, é o entendimento do termo políticas públicas. Mesmo entre especia- necessárias

listas e políticos há divergências, pois trata-se de um tema relativamente novo para a


sociedade brasileira e é natural, portanto, que haja controvérsias.
No sentido de buscar esclarecimento, os textos publicados por Azevedo (1997) e
Lück (2000) são de grande valia. Para estes autores, políticas públicas podem ser en-
tendidas como tudo o que os governos implementam para os cidadãos. São medidas
de cunho legal efetivadas e ampliadas por ações no meio social.
Cabe, aqui, uma outra explicação conceitual: estabelecer a diferença entre política
pública e decisão política. Azevedo (1997) e Lück (2000) assinalam que a política pú-
blica acontece a partir de uma decisão política que só é possível se houver interesses
comuns entre políticos e sociedade civil.
Por sua vez, uma decisão política deve conferir, àqueles que deverão executá-la, a
adequação dos fins pretendidos aos meios disponíveis. Assim, uma política pública
implica uma decisão política, que em maior ou menor grau afetará os rumos do que
se pretende ver concretizado no meio social.
As políticas públicas, por conseguinte, reafirmam a decisão política e traçam ações
estrategicamente planejadas pelos governantes. Destarte, é a união de esforços entre
governo e sociedade que pode promover a sua efetivação. Por outro lado, elas estão
atreladas à ampliação e manutenção de recursos materiais, humanos, econômicos e
financeiros. São os programas e projetos socias e educacionais que devem expressar a
vontade política de captar esses recursos e disponibilizá-los.
Com o esclarecimento dessas ideias, é possível propalar que as políticas para a
educação precisam estar voltadas para a democratização e ampliação das oportu-
nidades educacionais. Isto posto, é pertinente esclarecer que os projetos voltados
para o desenvolvimento socioeducativo podem advir de base política e econômica
nacional ou orientados e financiados por organismos internacionais. Nesse âmbito,
estamos diante de outro fator determinante do funcionamento da escola de Ensino
Fundamental.
Quando se trata da interferência de agentes internacionais, as decisões políticas
ficam atreladas ao financiamento de programas para diferentes áreas sociais. Logo,
políticas públicas e programas devem ser tratados nas suas especificidades, o que nos
remete à necessidade de entendermos como as políticas são pensadas e transformadas
em leis, para que atendam a todos os cidadãos, e compreendermos que os programas
financiados por agentes internacionais visam, apenas, ao atendimento de uma parcela
específica da população (FONSECA, 1992).

43
POLÍTICA Na estruturação do Ensino Fundamental, o que observamos são políticas que pre-
EDUCACIONAL
BRASILEIRA veem captação de recursos humanos, materiais e financeiros, mediante programas es-
pecíficos. Fonseca (1992) realizou estudo minucioso acerca da interferência dos agen-
tes financiadores mundiais na educação e no planejamento e execução dos programas
de apoio social. Deixa explícito, em seus textos, os mecanismos de manipulação des-
ses agentes nas decisões políticas do Estado brasileiro, o que não passou em vão no
contexto da organização e mobilização da sociedade pela emancipação do poder do
Estado.
A resposta da sociedade civil veio a partir dos estudos, críticas e denúncias feitas
a esse tipo de soberania internacional. No dia 5 de outubro de 1999 foi lançada a
Campanha Nacional pelo Direito à Educação, um movimento criado com o propósito
de efetivar os direitos educacionais garantidos pela Constituição Federal de 1988 e
firmados na LDBEN 9394/96, visando ao acesso dos indivíduos à escola pública de
Ensino Fundamental.
Essa Campanha se mantém até hoje e foi ampliada para interferir em toda a Educa-
ção Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio). Sua prerrogativa
é a garantia de que todo cidadão e toda cidadã tenha acesso a uma educação pública
de qualidade. No site da Ação Educativa (2010), encontramos a seguinte definição da
Campanha:

É uma rede social que articula mais de 200 entidades de todo o Brasil, incluin-
do sindicatos, movimentos sociais, organizações não-governamentais, universi-
dades, grupos estudantis, juvenis e comunitários e muitas outras pessoas que
acreditam que um país cidadão somente se faz com uma educação pública de
qualidade. É dirigida por um comitê diretivo nacional composto por dez entida-
des, do qual faz parte a Ação Educativa, e possui comitês regionais em vários lo-
cais do Brasil. É a articulação mais plural e ampla no campo da Educação Básica.

Por intermédio de organizações dessa natureza, a sociedade sente-se representada


e ativa na garantia dos direitos à educação, à liberdade e à cidadania como prerroga-
tivas do Estado. As notícias que nos chegam cotidianamente pelos meios de comu-
nicação também postulam ser de total responsabilidade do Estado o financimento
e a avaliação da educação brasileira, sem a interferência de organizações financeiras
internacionais. Para fazer frente ao custeio e acompanhamento, especialmente do
Ensino Fundamental – ampliado de oito para nove anos de escolaridade – foram cria-
dos programas especialmente voltados a alunos e professores, pais e comunidade. Re-
ferimo-nos ao PDDE – Programa Dinheiro Direto na Escola; à ferramenta EDUCACEN-
SO –, utilizado para se chegar aos números finais dos alunos matriculados e frequen-
tando as escolas brasileiras; à PROVINHA BRASIL –, que avalia o nível de alfabetização
das crianças que estudam no 2° ano do Ensino Fundamental; ao FUNDEB (Fundo de

44
Desenvolvimento da Educação Básica) –, criado para substituir o FUNDEF (Fundo O Ensino Fundamental
no Brasil: considerações
de Desenvolvimento do Ensino Fundamental); ao PAR (Plano de Metas Compromisso necessárias

Todos Pela Educaçâo) –, que permite diagnosticar e definir ações articuladas entre
estados e municípios; o PDE - ESCOLA/MAIS EDUCAÇÃO –, um programa voltado ao
planejamento estratégico das escolas da rede pública, além de outros projetos que
preveem a capacitação docente em serviço, dentre outros.
Quando se trata de políticas públicas para a educação, variados tipos de programas
e projetos encontram-se implementados no país. O objetivo é ampliar e manter o
Ensino Fundamental e, sendo ele prioridade legal e política, é administrado de modo
diferenciado e recebe incentivos econômicos e sociais diversos.
Com o propósito de estabelecer condições para a permanência do aluno na escola,
o Artigo 32 da LBD 9. 394/96 garante aos estabelecimentos de Ensino Fundamental
a adoção do sistema de ciclos com a progressão continuada. Para Neubauer (2000),
trata-se de uma mudança significativa nas relações entre a escola, a aprendizagem e o
aluno.
Na proposta de progressão continuada, o Ensino Fundamental de 1ª a 4ª séries foi
o precussor do sistema de ciclos. Divididas em duas etapas, as séries iniciais passaram
a incorporar uma nova filosofia de aprendizagem. O aluno deixou de ser visto como
um repetente em potencial e passou a receber atenção e cuidados na superação de
suas dificuldades de aprendizagem.
Neubauer (2000, p. 36) opina:

De acordo com esta nova filosofia educacional torna-se, por exemplo, inadmis-
sível à escola, ao final de um ano escolar, ou melhor, de meros 10 meses, consi-
derar um aluno como inepto total porque não aprendeu o que era ‘idealmente’
esperado, num intervalo de tempo teoricamente ‘ideal’. Ela exige respeito aos
diferentes ritmos de aprendizagem, característica própria dos seres humanos.

Ainda no propósito de busca pela qualidade no Ensino Fundamental, foi criado o


Sistema Nacional de Avaliação da Escola Básica (SAEB). Aplicado pela primeira vez em
1990, o SAEB realiza a coleta de informações sobre os alunos, professores, diretores
das escolas públicas e privadas de todo Brasil.
No acompanhamento do ingresso e permanência de alunos nas escolas é realizado
anualmente, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Tei-
xeira (INEP), o Censo Escolar. Os dados coletados servem para a formulação de polí-
ticas e definição de programas que possam agregar qualidade ao ensino. Além disso,
permitem que se definam os critérios de repasse dos recursos financeiros aos estados,
municípios e escolas, pelo MEC.

45
POLÍTICA O Censo Escolar assume, assim, importantes dimensões políticas ao fornecer ele-
EDUCACIONAL
BRASILEIRA mentos para o cálculo de indicadores importantes para os rumos da educação funda-
mental, como o IDEB e INEP. Em 2009, os dados parciais do Censo Escolar mostraram
que houve menos matrículas iniciais em relação a 2008, com milhares de vagas dispo-
níveis na escola pública brasileira, em 2009.
O quadro abaixo nos mostra os resultados obtidos pelos censos de 2008 e 2009,
referentes às matrículas iniciais no Ensino Fundamental. Para cada tipo de estabeleci-
mento de ensino foram coletados e analisados dados que servem de elementos neces-
sários para a reorganização ou manutenção das políticas públicas para a educação. Não
podemos nos esquecer de que as leis, decretos, programas e planos federais, descen-
tralizados para estados e municípios, visam ao acesso e à permanência do brasileiro
nas escolas públicas de 1ª a 9ª séries.

MATRÍCULAS INICIAIS 2008/2009

ENSINO FUNDAMENTAL – ESCOLAS

FEDERAL ESTADUAL MUNICIPAL PRIVADA

2008 2009 2008 2009 2009 2008 2009 2009 2008 2009 2009

25.622 25.005 11.000.916 10.572.4 17.442.158 17.329.638 3.618.004 3.778.389

Fonte: INEP – 30/11/2009.

A partir dos dados acima, é prudente nos reportarmos a uma pesquisa realizada
pelo Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da Unicamp (NEPP/Unicamp), no ano de
1998, quando se chegou à conclusão de que ‘[...] é preciso fortalecer as capacidades
administrativas das escolas e das administrações municipais em simultâneo’. Após dez
anos da pesquisa, ainda constatamos uma enorme defasagem na procura pela escola
pública e os aspectos a serem observados no processo de descentralização e gestão do
ensino fundamental continuam os mesmos apontados pelo NEPP. São os político-so-
ciais, os legais, os administrativos e os pedagógicos.
Como estas, várias são as pesquisas que apontam para a emergência de ações polí-
ticas consistentes e duradouras para a educação escolar. Desde 1998, muita coisa mu-
dou no cenário nacional, com repercussão significativa para os estados e municípios.
Entretanto, foi-nos possível verificar que o acesso ao Ensino Fundamental público ain-
da é pequeno diante da demanda nacional.

46
As medidas legais de cunho político, advindas do poder do Estado, parecem con- O Ensino Fundamental
no Brasil: considerações
duzir a educação a novos patamares de qualidade, o que se tornaria uma forma de necessárias

resgate da escola pública. Por outro lado, são inúmeras as ações que se contrapõem,
favorecendo a duplicidade de entendimento do que realmente se deseja e faz o Estado
em prol da educação.
Gil (2009/2010), em artigo publicado na Revista Nova Escola/ Gestão Escolar n° 5
de dez.2009- jan. 2010, expõe que:

O Brasil buscou, por mais de 70 anos, ter um documento que balizasse as ações
em Educação nos estados em diversos níveis e modalidades. Após muitas ten-
tativas, conseguimos. Está em vigor, desde 2001, o Plano Nacional de Educação
(PNE), lei aprovada pelo Congresso Nacional que abrange ações até 2011 (Lei
nº 10.172/2001). Mesmo assim, o Ministério da Educação (MEC) lançou, em
2007, o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), com intervenções pre-
vistas até 2022. Dois planos educacionais vigorando no mesmo país (p. 12).

Ao instituir o PDE, o governo federal atribui à União, aos estados e municípios, atra-
vés do Decreto n. 6.094, de 24 de abril de 2007 e outras determinações de cunho legal
que a ele se seguiram, o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, descrito
em Saviani (2009) como sendo de grande importância no quadro das atuais políticas
públicas para a educação:

1. Decreto n. 6.094, de 24 de abril de 2007, que institui o PDE ao dispor sobre


a ‘implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, pela
União Federal, em regime de colaboração com Municípios, Distrito Federal e
estados, e a participação das famílias e da comunidade, mediante programas
e ações de assistência técnica e financeira, visando a mobilização social pela
melhoria da qualidade da educação básica (p. 4).

Por meio de acordos firmados entre as secretarias de educação, universidades pú-


blicas, sociedade civil organizada, entidades de classe, comunidade e escolas o PDE
buscará monopolizar a população brasileira a colaborar para o sucesso dos programas
em desenvolvimento pelo Ministério da Educação – MEC. São programas que contêm
medidas que visam ao aprimoramento das ações administrativas e pedagógicas das
escolas, com prioridade para o Ensino Fundamental, adotando projetos que interfiram
diretamente na organização escolar e sua forma de se relacionar com a comunidade
ao seu entorno.

CONCLUSÃO
Quando direcionamos o olhar para a escola de Ensino Fundamental, algumas con-
siderações devem ser feitas a fim de que seja possível compreendermos as suas carac-
terísticas específicas e o seu funcionamento. Uma reflexão acerca das políticas que

47
POLÍTICA buscam promover uma educação para todos, com qualidade de ensino, pode repre-
EDUCACIONAL
BRASILEIRA sentar um diferencial interessante na prática educativa.
Percebemos um consenso entre governantes e educadores quanto à necessidade da
implementação de políticas públicas que promovam maior igualdade entre os indiví-
duos. Também há concordância quanto ao fato de que a educação é um dos principais
meios para se chegar a uma sociedade mais justa, ou seja, para a garantia dos direitos
do cidadão.
Ao se ter como foco a projeção social da escola através da garantia na qualidade do
ensino e da aprendizagem, verificamos a importância das políticas para a educação e
as ações pedagógicas decorrentes das posturas políticas dos educadores. Uma escola
de boa qualidade deve possibilitar a apropriação do conhecimento socialmente rele-
vante, garantir a construção de valores universais e perpetuar as tradições culturais,
de modo que todos se sintam identificados, ao mesmo tempo que instrumentalizados
para compreender o mundo contemporâneo, co-participando da construção da or-
dem democrática.
Objetivando o bem estar comum e as realizações coletivas, as decisões políticas
para a educação podem se transformar em projetos bem estruturados. Evidenciá-los
no planejamento educacional do Estado é dever dos governantes, concretizá-los junto
à sociedade é a luta de todos os cidadãos. Um conhecimento maior dos fatores que in-
terferem no encaminhamento da educação escolar certamente acrescenta o diferencial
necessário à construção da cidadania, em uma visão democrática e justa
Depois das informações e considerações apresentadas neste capítulo, podemos in-
ferir que, no encaminhamento de ações transformadoras para a educação brasileira,
não bastam decisões políticas ou programas de auxílio à comunidade. Muito menos
precisamos de ações políticas impostas, desconectadas da participação real da socieda-
de. É necessário, mais do que tudo, o envolvimento de todos os cidadãos, educadores,
governantes e membros da comunidade escolar com o propósito real de modificar os
meios de implementação das políticas educacionais.
É preciso concordarmos com Freire (1998), quando sugere que se passe da cultura
da queixa para a cultura da transformação. Um desafio que se impõe à formação dos
profissionais de um modo geral, especialmente daqueles ligados à educação. Desafio,
porque costumamos reclamar, encontrar defeitos, criticar irrefletidamente os proble-
mas verificados na realidade. Conhecer para transformar constitui-se em um novo pa-
radigma cultural.
Além disso, o que nos é atribuído, enquanto cidadãos do estado democrático aris-
totélico, é a crítica própria de um homem livre, que questiona e constrói o hábito da
reflexão e da participação. O caminho para a construção de uma educação fundamental

48
de qualidade perpassa a lógica do tempo e nos encaminha a responsabilidades educa- O Ensino Fundamental
no Brasil: considerações
tivas e sociais coerentes e eficazes. necessárias

Esta é a posição de Castanho (2000), que adotamos como possibilidade de reflexão


nesses tempos de perguntas cruciais e vitais:

É num tempo como esse que nós, educadores e educadoras, nos vemos moral-
mente obrigados, mais do que nunca, a fazer perguntas cruciais e vitais sobre
nosso trabalho e nossas responsabilidades, a fim de respondê-las com propos-
tas e ações coerentes e eficazes (p. 104).

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global. Londrina: Práxis, 2006.

Proposta de Atividade

1) Selecionar dois autores que tratem de políticas educacionais voltadas ao Ensino Funda-
mental no Brasil e separar os textos que permitam a você discorrer sobre As ações dos
governos federal, estadual e municipal, em prol da melhoria da qualidade no Ensino
Fundamental.

Anotações

51
POLÍTICA
EDUCACIONAL
BRASILEIRA
Anotações

52
3 O Ensino Médio
no Brasil: política
educacional pós-1988
Lúcia Vitorina Bogo / Amélia Kimiko Noma

No presente capítulo, focalizamos a política brasileira para o Ensino Médio implan-


tada a partir da década de 1990 no Brasil. O objetivo é, com base na análise de docu-
mentos legais pertinentes, analisar a configuração atual do Ensino Médio resultante da
ampla reforma da educação implementada no país abrangendo os diferentes níveis e
modalidades de ensino. A reforma do Ensino Médio englobou, principalmente, mu-
danças em dois eixos: nas políticas curriculares e nas políticas de gestão. Sendo assim,
houve, por um lado, a adoção de um currículo novo para o ‘novo ensino médio’ sin-
tonizado com as diretrizes curriculares nacionais e, por outro, mudanças na gestão do
ensino por intermédio de outras formas de organização, direção e financiamento. Para
entendermos a atual conformação do Ensino Médio, consideramos pertinente analisar
como este se encontra contemplado na legislação e em documentos orientadores da
política educacional do país.
Na Constituição Federal promulgada em 1988, encontramos, nos Artigos 205 a
214, as orientações referentes à educação nacional. No Artigo 205, a educação é apre-
sentada como direito de todos e dever do Estado e da família, devendo ser promovida
com a colaboração da sociedade. Esse artigo destaca como objetivo da educação ‘[...]
o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho’ (BRASIL, 1989, p. 137).
A Constituição Federal de 1988 reforça que a prioridade será referente à escola-
ridade obrigatória, a qual se refere à oferta do Ensino Fundamental, restringindo as
responsabilidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Em sua
redação original, a Constituição estabelecia, no Artigo 208 (inciso II), que o dever do
Estado para com a educação escolar pública seria efetivado pela garantia de ‘progressi-
va extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio’. De acordo com Pinto
(2002, p. 57), por parte do legislador constituinte isto significou uma posição de uni-
versalização do Ensino Médio. Para o autor, esse preceito, aliado ao previsto no mesmo
artigo (§ 1º e 2º), significa que ‘O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito

53
POLÍTICA público subjetivo’ (implica que pode ser pleiteado no Judiciário) e que ‘O não-ofere-
EDUCACIONAL
BRASILEIRA cimento do ensino obrigatório pelo poder público, ou sua oferta irregular, importa
responsabilidade da autoridade competente’ (BRASIL, 1989, p. 139, grifo nosso).
O que representaria instrumentos legais importantes para o cumprimento do es-
tabelecido na Lei Maior foi desregulamentado com a aprovação da Emenda Constitu-
cional nº 14, de 13 de setembro de 19961, que atribuiu nova redação ao Artigo 208 da
Constituição Federal, restringindo direitos antes assegurados, nos seguintes termos:
‘Art. 208 [...] ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua
oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria; progressi-
va universalização do ensino médio gratuito’.
No que concerne à organização dos sistemas de ensino e financiamento da edu-
cação, o Artigo 3º da Emenda Constitucional promoveu alterações no Artigo 211 da
Constituição, nos termos da lei, determinando que :

§ 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na edu-


cação infantil.
§ 3º Os Estados e o Distrito federal atuarão prioritariamente no ensino
fundamental e médio.
§ 4º Na organização de seus sistemas de ensino, os Estados e os Municípios
definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização
do ensino obrigatório (NUNES, 2002, p. 139-140, grifos nosso).

Constatamos que a citada Emenda cumpre o seu objetivo primordial, o que, segun-
do Saviani (2000), ‘é o de redefinir o papel do MEC, que ocupava uma posição lateral
na questão relativa ao ensino fundamental, de modo a colocá-lo no centro da formu-
lação, avaliação e controle das políticas voltadas para esse nível de ensino’ (SAVIANI,
2000, p. 35). O autor acrescenta que as intencionalidades presentes na elaboração da
referida Emenda justificam-se mediante a preocupação com a alocação e administra-
ção dos recursos financeiros, destinados ao Ensino Fundamental, em âmbito nacional,
oriundos da criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Funda-
mental e de Valorização do Magistério (Fundef ).
Os legisladores que elaboraram a Constituição Federal de 1988 delegaram para o
Plano Nacional de Educação, aprovado em 2001, a responsabilidade da articulação do
ensino em seus diversos níveis, de maneira a promover a ‘formação para o trabalho e a
promoção humanística, científica e tecnológica do País’ (BRASIL, 1989, p. 141). Porém
não responsabilizaram o Estado pela efetiva garantia do acesso e da permanência dos

1 A mesma lei que criou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental


e de Valorização do Magistério (Fundef ).

54
jovens em instituições públicas e gratuitas, exatamente nos níveis e modalidades de O Ensino Médio no Brasil:
política educacional
ensino que podem e devem dar conta desses objetivos. pós-1988

Na década de 1990 do século XX, foram organizadas reuniões e conferências inter-


nacionais para discutir os problemas concernentes à educação nos diferentes países.
Na Conferência Mundial de Educação, realizada em Jomtien, Tailândia, em março de
1990, foi estabelecida a Declaração Mundial de Educação para Todos. O documento re-
sultante dessas discussões se tornou referência para leis, planos e demais documentos
oficiais dos diferentes países, criando um panorama de ações reformistas. Para Torres
(2001), no entanto, ocorreu um ‘encolhimento’, tanto no conceito quanto nas metas
originais. Em suas palavras:

A Educação para Todos, coincidiu com, ou contribuiu para suscitar (ou ressusci-
tar), um importante movimento de expansão e reforma em torno da educação
básica, gerou múltiplas iniciativas e descobriu novos recursos humanos e finan-
ceiros tanto internacional como nacionalmente. Programas e projetos novos –
vários deles inovadores – vieram à luz nos últimos anos, em um clima geral que
favorece a inovação e a experimentação (TORRES, 2001, p. 25).

O Brasil, sob o governo de Itamar Franco2, participou das discussões, incorporou


a necessidade de estabelecer de modo emergencial as reformas educacionais e ela-
borou, com o apoio financeiro e assessoria do Banco Mundial, o Plano Decenal de
Educação Para Todos – 1993/2003. Para Silva Junior (2002, p. 206), o Plano Decenal ‘é
a expressão brasileira do movimento planetário orquestrado por Unesco, BIRD/Banco
Mundial’ que foi assumido pelo Brasil, tornando-se referencial para a ampla maioria
das reformas educacionais implementadas no país na década de 90 do século XX, as
quais atingiram todos os níveis e modalidades de ensino.
Não encontramos nenhum registro no Plano Decenal que revelasse preocupação
em discutir e implementar a obrigatoriedade da oferta pública e gratuita do Ensino
Médio. Neste sentido, é importante que prestemos atenção ao que Maria Sylvia Simões
Bueno afirma ser curioso, para não dizer comprometedor. Segundo ela, ‘os diagnós-
ticos, as ideias-chave e recomendações que afetam a educação na América Latina e,
em especial, os destinos do Ensino Médio, estão contidos em documentos não assu-
midos pelas diferentes agências’ (BUENO, 2000, p. 97). Dessa forma, ninguém pode
ser responsabilizado pelo fracasso oriundo da adoção das recomendações feitas pelas
referidas agências ou sobre os encaminhamentos no sistema educacional.

2 Nesse período, o Ministério da Educação e do Desporto encontrava-se sob a responsabilidade


do Ministro Murilo de Avellar Hingel.

55
POLÍTICA A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394/96 reforça, entre os prin-
EDUCACIONAL
BRASILEIRA cípios e fins da educação nacional, o disposto na Constituição Federal, determinando
que:
A educação, dever da família e do estado, inspirada nos princípios de liberdade
e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvi-
mento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualifica-
ção para o trabalho (BRASIL, 1999a, p. 39).

A LDB nº 9.394/96, em seu Artigo 21, estabelece a organização do ensino em dois


níveis: Educação Básica e Educação Superior. A Educação Básica é integrada pela Edu-
cação Infantil, pelo Ensino Fundamental e pelo Ensino Médio. A mesma lei estipula,
ainda, a Educação de Jovens e Adultos, a Educação Especial e a Educação Profissional
como modalidades de ensino.
Reportando-se ao Ensino Médio na LDB nº em vigor, o maior avanço constatado é o
de que o Ensino Médio passou a ser parte integrante da Educação Básica, sendo com-
preendido como sua última etapa. A base organizacional e curricular do Ensino Médio
deve obedecer às normas comuns à Educação Básica, por ser parte desta (Artigos 22 a
28), e a outras que lhe são específicas (Artigos 35 e 36). As finalidades do Ensino Médio
são definidas no Artigo 35 da referida LDB nº da seguinte forma:

I. a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensi-


no fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;
II. a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para conti-
nuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas
condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;
III. o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação
ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;
IV a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos pro-
dutivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina (BRA-
SIL, 1999a, p. 46).

Analisando o texto da LDB nº 9.394/96 e da Emenda Constitucional nº 014/96,


no que concerne aos recursos destinados ao financiamento do Ensino Médio e a sua
obrigatoriedade, percebemos nesses documentos uma lacuna que pode dar margem à
permanência da atual situação, pois a progressiva universalização e a atuação prioritá-
ria podem significar que a atual oferta do Ensino Médio represente o esforço máximo
por parte do Estado, dependendo do modo que se interpreta ou de quem faz a apli-
cação da lei.
Ao analisar a nova LDB, Castanho (2001, p. 33) assinala que ela representa ‘um
recuo em termos de responsabilidade estatal pela implantação de um sistema nacional
de educação pública e pela ampla democratização da educação’. Para Frigotto (2000,
p. 85), ainda constitui-se em ‘uma proposta feita pelo alto, na base de retalhos que

56
acobertam os velhos interesses e vícios das elites conservadoras’, os quais são, histori- O Ensino Médio no Brasil:
política educacional
camente, de caráter privatista. pós-1988

As diretrizes fixadas pela LDB nº foram regulamentadas pela Resolução da CEB nº


03/98 (BRASIL, 1999c), que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino
Médio (DCNEM)3. O Parecer nº 15/98 do Conselho Nacional da Educação apresenta
as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, que foram regulamentadas
pela referida Resolução. O citado Parecer é apresentado no formato de relatório, cons-
tando introdução; análise do papel do CNE na definição de Diretrizes Curriculares;
e, complementarmente, os fundamentos estéticos, políticos e éticos do novo Ensino
Médio brasileiro, os quais devem ser a base para a prática administrativa e pedagógica
dos sistemas de ensino e de suas escolas. Ainda discorre sobre as diretrizes para uma
pedagogia da qualidade a partir da qual as instituições de ensino deveriam observar
os princípios da identidade, da diversidade e da autonomia na gestão, organização
curricular e prática pedagógica4.
De acordo com o mesmo Parecer, o currículo do Ensino Médio deve ser organizado
a partir de competências, entendidas como necessárias ao exercício pleno da cidada-
nia. Neste sentido, o Parecer é claro ao definir que ‘Essa preparação geral para o traba-
lho abarca, portanto, os conteúdos e competências de caráter geral para a inserção no
mundo do trabalho e aqueles [conteúdos e competências] que são relevantes ou in-
dispensáveis para cursar uma habilitação profissional e exercer uma profissão técnica’
(BRASIL, 1999d, p. 99). Outros princípios a serem seguidos são a interdisciplinaridade
e a contextualização.

3 Aprovada a legislação que deu o suporte legal para as reformas educacionais realizadas na
década de 1990, o MEC, a partir de 1997, passou a articular a elaboração das Diretrizes Curri-
culares para os diferentes níveis e modalidades da Educação Nacional. As Diretrizes Curriculares
Nacionais foram elaboradas à luz das orientações das conferências mundiais sobre educação e
relatórios das organizações interessadas em promover uma educação de qualidade nos países da
América Latina. Em 1998, foram instituídas as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino
Fundamental e as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio; em 1999, as Diretri-
zes Curriculares para a Educação Profissional de Nível Técnico e para a Educação Infantil; em
2000, as Diretrizes Curriculares para a Educação de Jovens e Adultos, em 2001, as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Especial, na Educação Básica. Também foram formu-
ladas as Diretrizes para os Cursos de Ensino Superior. Tratou-se, portanto, de um esforço con-
centrado, no sentido de reformar todo o sistema de ensino nacional. Decorrente das Diretrizes
Curriculares Nacionais, a equipe do MEC, responsabilizou-se, também pela organização dos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para a Educação Básica.
4 Utilizamos como referência a Resolução da CEB nº 03/98 e Parecer CEB/CNE nº 15/98
presente na edição dos ‘Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio’ publicada pelo Mi-
nistério da Educação em 1999, na qual se encontra, também, a LDB nº 9.394/96.

57
POLÍTICA Integrando o conjunto de medidas implementadas pelo MEC no final da década
EDUCACIONAL
BRASILEIRA de 1990, as Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio (DCNEM) foram apresentadas
como a nova proposta para o ensino, definindo como um de seus objetivos a supe-
ração da histórica dualidade entre formação geral e formação profissional, que se fez
presente na legislação brasileira até então. A opção por um ensino voltado para o de-
senvolvimento da capacidade de pesquisar, criar e analisar, entre outras, se fez median-
te a justificativa oficial de que ‘o volume de informações, produzido em decorrência
das novas tecnologias, é constantemente superado, colocando novos parâmetros para
a formação de cidadãos’ (BRASIL, 1999b, p. 15).
As DCNEM, a partir de um discurso convincente, apresentam a estética, a política
e a ética como os fundamentos da organização do Ensino Médio, os quais têm a tarefa
de promover a sensibilidade, a igualdade e a identidade5. Em uma primeira leitura, é
possível relacionar os fundamentos da reforma do Ensino Médio com a preocupação
em formar sujeitos capazes de estabelecer relações sociais mais humanas e justas, uma
vez que o texto reúne categorias que provocam impacto discursivo e que mascaram
seu caráter contraditório e ideológico. Todavia, a análise dos subsídios teóricos das Di-
retrizes permite a compreensão de que os processos de produção de identidade e da
subjetividade encontram-se condicionados pela intensa massificação produzida pela
sociedade do consumo e da informação, além da instabilidade dos papeis que o sujeito
precisa exercer no período de sua existência. A sensibilização estética, por sua vez,
contribui para tornar o indivíduo predisposto ao jogo midiático que seduz e convence
sobre necessidades muitas vezes inexistentes, satisfeitas pelos processos de consumo
compulsivo. A ética da identidade delineia o ethos individualista de uma sociedade di-
vidida em classes sociais, sobrepujando os interesses particulares sobre as necessidades
e interesses coletivos. A política da igualdade busca tornar iguais os diferentes, em uma
perspectiva de aceitação da diferença pautada em uma inclinação à tolerância; atitudes
que carregam as marcas das relações de poder presentes na sociedade capitalista.
As DCNEM ressaltam que ‘a formação básica a ser buscada no Ensino Médio reali-
zar-se-á mais pela constituição de competências, habilidades e disposições de con-
dutas do que pela quantidade de informação’. Estas incluem: ‘Aprender a aprender e a
pensar, a relacionar conhecimento com dados da experiência’ (BRASIL, 1999d, p. 87,
grifo nosso). Ao propor uma organização curricular enfatizam-se, entre outros objeti-
vos, os apresentados a seguir:

5 Uma análise mais aprofundada sobre a estética da sensibilidade, a política da igualdade e a


ética da identidade é apresentada na dissertação de Lúcia Vitorina Bogo, intitulada Reflexões
sobre a reforma do ensino médio brasileiro no final do século XX.

58
a) priorizar conhecimentos e competências de caráter geral que dêem conta O Ensino Médio no Brasil:
de preparar tanto para a inserção profissional, quanto para a continuidade dos política educacional
pós-1988
estudos;
b) os conteúdos devem servir de meio para a constituição de competências e
valores;
c) as estratégias de ensino utilizadas devem primar pelo uso do raciocínio e
de outras competências cognitivas superiores e menos pela memória (BRASIL,
1999d, p. 87).

Consta no texto das DCNEM que:

às escolas de Ensino Médio cabe contemplar, em sua proposta pedagógica e de


acordo com as características regionais e de sua clientela, aqueles conhecimen-
tos, competências e habilidades de formação geral e de preparação básica para
o trabalho (BRASIL, 1999d, p. 101).

Ao descrever as áreas que compõem o currículo para o Ensino Médio, destaca que
as propostas pedagógicas deverão estabelecer ‘os conteúdos a serem incluídos em
cada uma delas, tomando como referência as competências descritas’ (BRASIL, 1999d,
p. 107). Na sequência do texto, são apresentadas as competências e as habilidades que
compõem o objetivo do trabalho em cada uma das três áreas do conhecimento.
Ao referirem-se aos conhecimentos e competências, as diretrizes assinalam que
precisam garantir o acesso ‘aos significados verdadeiros sobre o mundo físico e social’
(BRASIL, 1999d, p. 79). O papel assumido pelas competências e conhecimentos é
expresso da seguinte forma:

Esses conhecimentos e competências é que dão sustentação à análise, à pros-


pecção e à solução de problemas, à capacidade de tomar decisões, à adaptabili-
dade a situações novas, à arte de dar sentido a um mundo em mutação.
Não é por acaso que essas mesmas competências estão entre as mais valorizadas
pelas novas formas de produção pós-industrial que se instalam nas economias
contemporâneas (BRASIL, 1999d, p. 79).

Nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (BRASIL, 1999b, p.


135), encontramos referências às competências e habilidades, as quais devem ser de-
senvolvidas por cada uma das áreas e, posteriormente, por cada uma das disciplinas,
organizadas em três núcleos: a) representação e comunicação; b) investigação e com-
preensão; c) contextualização sociocultural.
Não se encontram, neste capítulo, referências explícitas sobre o sentido desses três nú-
cleos. No entanto, podemos concluir que eles se referem à preocupação com a ampliação
das competências intelectuais do trabalhador no tocante às capacidades de abstrair, de
memorizar, de representar, de comunicar, de escrever, de ler, perceber, prestar atenção,
entre outras. Para Ramos (2002), essas são as habilidades que vêm sendo exigidas pelos

59
POLÍTICA processos produtivos contemporâneos. A autora pontua que os processos de formação
EDUCACIONAL
BRASILEIRA humana não podem se restringir a essas exigências sob o risco de legitimarem as ‘cons-
truções curriculares centradas na prática, que subordinam os conceitos aos limites de sua
instrumentalidade ou das formulações espontâneas’ (RAMOS, 2002, p. 418). É, portanto,
a apreensão e construção dos conceitos científicos inscritos em práticas sociais concretas
que possibilitará ao sujeito a superação do saber fragmentado e reprodutivista, através da
apropriação dos fenômenos sociais, naturais e culturais em sua totalidade.
Encontramos, nas DCNEM, referência, de forma explícita, aos eixos norteadores
das políticas a serem efetivadas pelos órgãos estaduais, a fim de apoiar a implementa-
ção do currículo do Ensino Médio:

a) o eixo da flexibilidade, em torno do qual se articulam os processos de des-


centralização, desconcentração, desregulamentação e colaboração entre os ato-
res, culminando com a autonomia dos estabelecimentos escolares na definição
de sua proposta pedagógica;
b) o eixo da avaliação, em torno da qual se articulam os processos de monito-
ramento de resultados e coordenação, culminando com as ações de compen-
sação e apoio às escolas e regiões que maiores desequilíbrios apresentem, e de
responsabilização pelos resultados em todos os níveis (BRASIL, 1999d, p. 110).

Rosar e Krawczyk (2001), ao analisarem as reformas nos sistemas educacionais dos


países em desenvolvimento, alegam que elas foram realizadas, mais ou menos, no
mesmo período em que a necessidade de buscar recursos financeiros junto aos meca-
nismos internacionais foi se tornando inevitável. E alertam:

Nos últimos 10 anos, quase todos os países da América Latina iniciaram reformas
educacionais resultantes, em grande medida, de um processo de indução ex-
terna articulado com as políticas de organismos internacionais de empréstimos
para os países da região. A necessidade dessas reformas foi justificada mediante
a publicação de pesquisas que evidenciaram os logros e deficiências do sistema
educativo à luz dos condicionantes da reestruturação do setor produtivo e das
mudanças institucionais, que alteram a estrutura do Estado e das relações sociais
no âmbito de uma nova ordem mundial (ROSAR; KRAWCZYK, 2001, p. 34).

Se por um lado presenciamos a dependência em relação às orientações das agên-


cias financiadoras internacionais, por outro, encontramos o discurso da autonomia e
desconcentração6 administrativa, o qual vem impregnando os documentos oficiais, se
fazendo presente, inclusive, nas Diretrizes Curriculares:

6 ‘A desconcentração constitui em um processo de ‘dispersão físico-territorial das agências go-


vernamentais que até então estavam localizadas centralmente’. Trata-se de uma iniciativa do
poder central e tem como objetivo aprimorar e ampliar a eficiência e a presença desse poder.
Ou seja, é perfeitamente compatível com a centralização’ (RIBEIRO; GUEDES, 2000, p. 26).
60
A Lei indica explicitamente essa desconcentração em pelo menos dois mo- O Ensino Médio no Brasil:
mentos: no Artigo 12, quando inclui a elaboração da proposta pedagógica e a política educacional
pós-1988
administração de seus recursos humanos e financeiros entre as incumbências
dos estabelecimentos de ensino; e no Artigo 15, quando afirma: Os sistemas
de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica que
os integram progressivos graus de autonomia pedagógica, administrativa e de
gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público
(BRASIL, 1999d, p. 63).

A defesa, por parte do MEC, da desconcentração e consequente autonomia das ins-


tituições de ensino, para que estas organizem suas propostas pedagógicas, possibilita
ao Poder Público eximir-se da responsabilidade dos possíveis fracassos que políticas
dessa natureza e dimensão podem compreender, e abrem espaço para ‘a legitimação
e a desqualificação do Estado educador’. Para Bueno, o problema não está na ‘auto-
nomia e na participação em si, mas na forma como se concretizam’ (BUENO, 2000, p.
45). Na perspectiva da autora, a busca da participação da comunidade e outros agentes
que se interessarem pela instituição escolar tem como objetivo diminuir o coeficiente
custo/benefício.
O Ensino Médio, no Brasil, tem sofrido pela não-definição de uma identidade pró-
pria, fato que interfere na alocação de recursos para essa etapa do processo de esco-
larização. Essa situação de não ter claramente definida sua identidade pode ser atri-
buída, em parte, ao fato de que os próprios documentos oficiais, como, por exemplo,
o Plano Decenal de Educação para Todos 1993-2003, ao discorrer sobre os objetivos
gerais de desenvolvimento da Educação Básica, não deixam claro se compreendem
o Ensino Médio como parte integrante da Educação Básica ou se o localizam como
continuidade a posteriori, conforme indica a seguinte citação:

d) revisando e atualizando as concepções e normas de organização e estrutu-


ração do ensino médio de modo a constituí-lo como continuidade do processo
de educação básica e aprofundamento da aquisição de competências cognitivas
e sociais, e integradamente às várias modalidades de educação no e para o
trabalho (BRASIL, 1993, p. 38).

Aqueles que aguardavam o novo Plano Nacional de Educação, aprovado em janeiro


de 2001, com expectativas que o Ensino Médio assumisse prioridade enquanto política
pública tiveram frustradas suas esperanças. Primeiro, porque o Plano reforça o discur-
so nas DCNEM quanto à dualidade presente nessa etapa do processo de escolarização;
segundo, porque ele continua relegado a um segundo plano no que se refere à aloca-
ção dos recursos. Embora conste que ele será atendido de forma prioritária, isso não
se confirma mediante a indefinição de valores específicos para seu financiamento.

61
POLÍTICA O Plano Nacional reforça, entre os seus objetivos e metas, a criação de Conselhos
EDUCACIONAL
BRASILEIRA que incentivem a participação da comunidade na gestão, manutenção e melhoria das
condições de funcionamento das escolas e acrescenta como meta ‘assegurar a autono-
mia das escolas, tanto no que diz respeito ao projeto pedagógico como em termos de
gerência de recursos mínimos para a manutenção do cotidiano escolar’ (DIDONET,
2000, p. 83). Por conseguinte, o discurso continua articulado no sentido de desres-
ponsabilizar o Poder Público quanto ao financiamento da educação, convocando a
comunidade para assumir o ônus da manutenção das instalações e equipamentos. Re-
vela-se, desta forma, o que significa o grau de autonomia concedido a cada instituição
escolar, por parte do governo, reforçando as análises anteriores deste trabalho.
Em 20 de junho de 2007, foi sancionada a Lei 11.494/2007 que regulamentou o
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação (Fundeb)7 em substituição ao Fundef. A lei contempla, além
do Ensino Fundamental, a Educação Infantil e o Ensino Médio, incluindo a Educação
de Jovens e Adultos, ampliando as fontes de arrecadação. Contudo, o atendimento
do Ensino Médio, em termos de acesso aos recursos do financiamento público ainda
dar-se-á de forma gradativa, apesar de que esse pode ser considerado um sinal de
avanço rumo ao alcance das metas estabelecidas e do cumprimento da concepção de
educação básica que inclui o Ensino Médio como etapa constituinte, uma vez que é de
comum acordo que sem recursos não é possível alcançar ensino de qualidade.
A partir de 2004, no país, foi desencadeado um processo de discussão da Educação
Básica, que resultou em muitos documentos, políticas e programas emanados do Mi-
nistério da Educação, implicando em proposições de reorganização do Ensino Médio,
dentre elas o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educa-
ção Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA)8.
As articulações realizadas para a efetivação da Conferência Nacional da Educação
Básica, em abril de 2008, em Brasília, foram precedidas de conferências municipais e
estaduais, no ano de 2007, por meio das quais foram discutidas questões emergen-
tes da Educação Básica, evidenciando a necessidade da ampliação do diálogo com
a Educação Superior e os limites que dificultam a realização de um Ensino Médio
que atenda à formação nessa etapa da escolarização com a qualidade necessária à
formação do trabalhador na perspectiva do trabalho, da cidadania, da tecnologia e da
cultura, ultrapassando os limites mercadológicos historicamente presentes nessa etapa

7 Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Lei/L11494>.
8 Informações disponíveis em: <http://portl.mec.gov.br/setec>.

62
da escolarização. Em 2009, houve novas conferências municipais e estaduais, com a O Ensino Médio no Brasil:
política educacional
intencionalidade de discutir o documento base da Conferência Nacional de Educação, pós-1988

prevista para abril de 2010, em Brasília, quando, conforme propalado, serão delimi-
tadas as metas para o novo Plano Nacional de Educação a partir das deliberações dos
diferentes estados. Alertamos que é preciso acompanhar e avaliar com cuidado os seus
desdobramentos futuros.
Em fevereiro de 2009, o Ministério da Educação encaminhou ao Conselho Nacional
de Educação documento intitulado ‘Proposta de experiência curricular inovadora do
Ensino Médio’, sintetizando programa a serem implantados em regime de cooperação
com os sistemas estaduais de ensino, sob responsabilidade da Secretaria de Educação
Básica do MEC’ conforme Parecer CNE/CP nº 11/2009, aprovado em 30 de junho de
20099 (BRASIL, 2009a, p. 1). Nesse referido Parecer, consta que se trata de um progra-
ma de apoio para ‘promover inovações pedagógicas das escolas públicas (estaduais,
inclusive Colégios das Universidades Estaduais; e federais, Colégios de Aplicação das
Universidades Federais e Colégio Pedro II)’, com o objetivo de fomentar alterações
identificadas como necessárias na organização curricular do Ensino Médio (BRASIL,
2009a, p. 3). Tal proposta de Programa, em tramitação como Parecer CNE/CP nº 11/09,
prevê a ampliação da carga horária mínima do Ensino Médio, das atuais 2.400 ho-
ras para 3.000 horas, a ênfase na leitura, estímulo às atividades teórico-práticas em
laboratórios, estímulo às atividades culturais, necessidade de dedicação docente em
tempo integral, participação efetiva da comunidade na construção do Projeto Político
Pedagógico e organização curricular articulada com o Sistema Nacional de Avaliação
do Ensino Médio.
Em setembro de 2009, o MEC, por meio da Secretaria de Educação Básica e da
Diretoria de Concepções e Orientações Curriculares para a Educação Básica, lançou
a publicação intitulada ‘Programa: Ensino médio inovador. Documento orientador’
destinado às Secretarias Estaduais de Educação e do Distrito Federal (BRASIL, 2009b).
Nesse documento fica especificado a vinculação desse programa com o Plano de De-
senvolvimento da Educação (PDE)10 do Governo Lula. Compete aos educadores per-
manecerem atentos aos processos e movimentos que ocorrem diante de seus olhos;

9 Disponível em <http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/parecer_minuta_cne.pdf>.
10 O PDE foi lançado pelo MEC em 24 de abril de 2007 em concomitância à promulgação
do Decreto n. 6.094, que dispõe sobre o ‘Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação’.
Engloba ações de todas as áreas de atuação do MEC, abrangendo níveis e modalidades de ensino
e medidas de apoio e de infraestrutura. Contempla o ensino médio, a ação ‘Biblioteca na Escola’
e pretende colocar obras literárias nas bibliotecas das escolas de nível médio e universalizar a
distribuição de livros didáticos das sete disciplinas que integram o currículo (SAVIANI, 2007).

63
POLÍTICA uma análise cuidadosa permitirá apreender avanços e limites das ações políticas e dos
EDUCACIONAL
BRASILEIRA programas anunciados e conduzidos pelo governo Lula.
Ao situar a reforma do Ensino Médio implementada, em 1990, no contexto mais
amplo das relações sociais, políticas e econômicas que regem a sociedade capitalista,
é possível percebermos que ela foi efetivada com amparo em um discurso envolvente
em que, aparentemente, identificamos a preocupação com a melhoria da qualidade do
ensino vigente, a ampliação na oferta de vagas e a denúncia sobre o caráter anacrônico
dessa etapa do processo de escolarização, ora em função da preparação profissional
voltada para setores do mundo do trabalho que se encontravam saturados de mão-de-
-obra ou que já não eram mais significativos, ora em função das deficiências curriculares
apresentadas quando de caráter propedêutico com fins de preparação para o ingresso
no Ensino Superior11. O Ensino Médio, seja propedêutico ou profissional, sempre assu-
miu um caráter estratégico em razão da população à qual se destina, que inclui jovens
em idade de ingresso no mercado de trabalho, e das demandas desse mercado. Ele é ‘a
linha divisória entre os poucos que irão para as universidades e a imensa maioria que
terá de ingressar logo no mercado de trabalho’ (RIBEIRO, 2002, p. 11).
Vale lembrar que até o momento, constata-se, na reforma do Ensino Médio, a pre-
servação dessa dualidade histórica do tipo de educação que mantém as diferenças
entre as classes sociais. O que significa dizer que duas tendências podem ser identifi-
cadas no conjunto das mudanças de organização do sistema nacional de educação: 1)
oferta de uma escolarização mínima para aqueles que executam ou que virão a efetuar
o trabalho simples; 2) oferta de uma escolarização de natureza científica e de natureza
especificamente tecnológica para os que realizam ou que virão a executar o trabalho
complexo de diferentes níveis (NEVES, 2000).
Não podemos nos esquecer de que, para além do que é propalado no discurso
oficial, as políticas públicas educacionais brasileiras resultam do embate entre as orien-
tações externas e os interesses internos, decorrentes do processo de acumulação capi-
talista, dos conflitos de classe e dos acordos feitos nas esferas de poder que perpassam

11 Não é objetivo deste texto a discussão sobre a relação entre a reforma do Ensino Médio com
a da Educação Profissional e o Ensino Técnico. Porém, faz-se necessário completar a análise com
a discussão da separação da Educação Profissional do Ensino Médio, que a partir do Decreto
nº 2.208/97, passou a integrar o Sistema Nacional de Educação Profissional em paralelo ao
Sistema Nacional de Educação (KUENZER, 2000). Em 23 de julho de 2004, o Decreto nº
2.208/97 foi revogado por meio do Decreto nº 5.154, que regulamenta o artigo 36 (§ 2º) e os
artigos 39 a 41 da LDB nº de 1996 e estabelece a articulação entre o ensino médio e a educação
profissional técnica de nível médio de forma integrada, concomitante e subsequente. Também
deve ser ressaltado o Decreto Federal n. 5.840/06, que instituiu, no âmbito federal, o Programa
Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de
Educação de Jovens e Adultos (PROEJA).

64
as instituições do Estado e da sociedade como um todo. Atribuir às instituições inter- O Ensino Médio no Brasil:
política educacional
nacionais a total responsabilidade pelos resultados que vêm sendo obtidos na reforma pós-1988

educacional brasileira pode constituir-se em um equívoco teórico e político. O fato de


reconhecermos a influência expressiva das agências internacionais não significa em
absoluto que defendemos a concepção de que a agenda política brasileira se resuma,
simplesmente, à execução de tarefas determinadas por essas instituições. Devemos
considerar que desse processo fazem parte ações de grupos locais, representantes de
entidades de educadores, trabalhadores, empresários e igrejas, dentre outros.

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final do século XX. 2004. 135f. Dissertação (Mestrado em Educação)-Universidade
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67
POLÍTICA TORRES. Rosa Maria. Educação para todos: a tarefa por fazer. Tradução de Daisy Vaz
EDUCACIONAL
BRASILEIRA de Moraes. Porto Alegre: Artmed, 2001.

Proposta de Atividade

1) Acesse o site do Ministério da Educação (MEC) <www.mec.gov.br>., consulte e faça uma


sistematização por escrito enfocando os Programas (e respectivos subprogramas) implan-
tados e os Projetos em execução sob responsabilidade do governo federal, a respeito do
Ensino Médio.

Anotações

68
4 Políticas Públicas para
a Educação Superior no
Brasil: de FHC a Lula
Mário Luiz Neves de Azevedo / Afrânio Mendes Catani

O que me impressiona é que a História Contemporânea fere [...]. É quase ine-


vitavelmente uma história cruel, que fere, que faz sangrar, porque rema quase
fatalmente contra a corrente da imagem que uma sociedade [instituição ou
organização] tem necessidade de construir acerca de si mesma (PIERRE NORA,
1978, p. 66).

INTRODUÇÃO
Tratar sobre a história recente é desses empreendimentos controversos, pois con-
forme a epígrafe, o que abordamos no presente capítulo refere-se ao que é mais próxi-
mo, no tempo e no espaço, a cada um que vive no campo universitário. Não é demais
advertir que este capítulo é uma análise das políticas públicas a respeito da educação
superior, como assinala Horácio, ‘de te fabula narratum’.
Dessa forma, metodologicamente, o presente trabalho parte do pressuposto de
que a universidade, ou melhor, o sistema de educação superior no Brasil constitui-se
e pode ser tratado como um campo social. O que significa afirmar que a universidade,
enquanto campo social, é um espaço estruturado de posições em que os atores sociais
travam relações, fazem alianças e lutam entre si, bem como se relacionam com atores
externos que, apesar da autonomia universitária, são capazes de interferir no arranjo
espacial desse mesmo campo. Conforme Bourdieu,

um dos grandes paradoxos dos campos científicos é que eles devem, em gran-
de parte, sua autonomia ao fato de que são financiados pelo Estado, logo co-
locados numa relação de dependência de um tipo particular, com respeito a
uma instância capaz de sustentar e de tornar possível uma produção que não
está submetida à sanção imediata do mercado [...]. Essa dependência na in-
dependência (ou o inverso) não é destituída de ambigüidade, uma vez que o
Estado que assegura as condições mínimas da autonomia também pode impor
constrangimentos geradores de heteronímia e de se fazer de expressão ou de
transmissor de pressões de forças econômicas [...] das quais supostamente li-
bera (2004, p. 55).

Neste sentido, devemos ter em conta que o meta-ator no campo universitário, aliás,
em todos os campos sociais em que se exigem políticas públicas é o Estado. Como
69
POLÍTICA meta-ator, o Estado, cujo conceito é por demais complexo, é o promotor, organizador
EDUCACIONAL
BRASILEIRA e executor das políticas públicas por excelência. O Estado é, portanto, o cadinho geral
no qual os diferentes atores sociais e os diversos tipos de capital (político, econômico,
simbólico, coercitivo) procuram se fazer representar ou estar presentes.
Assim, para compreendermos as políticas públicas, devemos ter a clareza de que
o Estado não é algo homogêneo; é, na realidade, um campo de contradições e lutas.
Em poucas palavras, o Estado é um meta-ator social e também pode ser compreendido
como um metacampo social, ocupado por atores sociais com interesses comuns e,
paradoxalmente, contraditórios. Em suma, o Estado opera políticas públicas que vão
influenciar vários campos sociais, os atores neles estruturados e ainda o conjunto da
população territorial a ele subordinado.

QUAL REFORMA? QUAL UNIVERSIDADE?


A reforma da educação superior, a partir de 1990, vem ocorrendo junto com a
Reforma de Estado no Brasil e com a adoção de uma política econômica que prioriza
o livre jogo do mercado1. Dito de outra forma, esse modelo de economia política, que
governos como os relativos aos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso (FHC)
implementaram, carrega a marca da mercadorização dos serviços públicos. A educação
superior, de modo especial, sofreu esse fenômeno – tal movimento coincide com a
regra de (neo)liberalização ortodoxa e de desregulamentação da economia no país.
Marilena Chaui denominou Universidade Operacional (2003, p. 9) o modelo de
educação superior implementado no Brasil pelos quadros de governo identificados
com o liberalismo ortodoxo. Nesse período (anos 1990), houve mudança no tratamen-
to da universidade, a educação deixou de ser considerada um setor da esfera pública
de Estado, um bem social fornecido por excelência pelo ente público, tornando-se
um serviço não exclusivo do Estado. Para a consecução desse propósito, promoveu-se
uma espécie de transmutação da natureza da universidade, ou seja, a universidade a
ser reformada deve deixar de ser uma instituição social, transformando-se em uma
organização social2.

1 É possível postular que o segundo mandato do Governo Lula tenha se marcado por uma
maior regulação e que o mundo, a partir da crise de 2008, esteja menos propenso a adotar po-
líticas de corte liberal ortodoxo.
2 A inspiração dessa mudança na personalidade da universidade foi concebida a partir da matriz
de pensamento de Luiz Carlos Bresser Pereira, que se tornou Ministro da Administração e da
Reforma de Estado (MARE) no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso. Esse assunto
é pormenorizadamente tratado em SILVA JÚNIOR e SGUISSARDI (1999).

70
As universidades brasileiras, no sentido jurídico, não foram transformadas em or- Políticas Públicas para
a Educação Superior no
ganizações. Porém, paradoxalmente, mesmo com a preservação (aparente) da autono- Brasil: de FHC a Lula

mia, vêm incorporando o novo espírito organizacional. Pouco a pouco a universidade


vem atendendo ao chamado dos governos reformistas de plantão, abandonando os
traços do que é uma instituição social e incorporando as características da chamada
universidade operacional:
A chamada universidade operacional no Brasil está se efetivando há algum tempo.
Desde o governo Collor (Ministros Chiarelli e Goldemberg) tenta-se mudar o modelo
de universidade brasileira, mas talvez o efetivo marco histórico esteja no governo de
FHC. As características no Brasil dessa ‘metamorfose’ na educação superior brasileira,
como alegam Catani e Oliveira (2002), que deixa de ter uma universidade com as
clássicas marcas de instituição e adquire feições conceituais próprias da organização,
podem ser assim elencadas:
1) o produtivismo acadêmico;
2) a busca de fontes alternativas de financiamento;
3) o atendimento das demandas do empresariado local/regional/nacional;
4) a preocupação (correta) de atender as demandas sociais (responsabilidade
social);
5) a incessante tentativa de identificar as necessidades do ‘mercado de trabalho’;
6) a diversificação e diferenciação universitárias (criação dos centros universitá-
rios, institutos, mestrados profissionalizantes, cursos sequenciais);
7) a Avaliação Institucional;
8) o ENEM - Exame Nacional do Ensino Médio (possível instrumento de classifi-
cação para acesso à educação superior);
9) a busca de nova matriz de distribuição de recursos para as universidades (nú-
mero de alunos, cursos noturnos, outros ‘produtos’);
10) crédito educativo (mercado de capitais).

Essas medidas, em grande parte, basearam-se na produção teórica de quadros vin-


culados ao Núcleo de Pesquisas sobre Ensino Superior (NUPES), criado em 1988, em
um decisivo momento da vida política brasileira quando, como afirmaria Luiz Antônio
Cunha, estava se colocando em disputa, para a sucessão do Presidente José Sarney,
dois projetos políticos para o Brasil. Essa encruzilhada histórica era marcada pela luta
no interior do Congresso Constituinte, pelo debate que se iniciava em torno da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), pela surpreendente virada nas elei-
ções da Prefeitura de São Paulo e, também, pela conjuntura política internacional, que
mostrava uma nova direita em ascensão nos Estados Unidos (Ronald Reagan) e na
Inglaterra (Margareth Thatcher).
71
POLÍTICA No que se refere ao seu papel social, o NUPES cumpriu basicamente duas funções.
EDUCACIONAL
BRASILEIRA Primeiro, como um núcleo formador de quadros dirigentes públicos; segundo, como
um intelectual coletivo (think tank – reservatório de pensamento)3, possuindo uma
dinâmica interna de formação e, também, de local de encontro de ‘quadros públicos
de marca transnacional’4.
A transição de governo, de FHC para Luís Inácio Lula da Silva, no que se refere à
política econômica, principalmente em seu primeiro mandato (2003-2006), não sig-
nificou mudanças substanciais. Ao contrário, o governo Lula parece ter sido montado
sobre uma estrutura com movimento inercial. Algo (‘malditamente’) herdado e, para-
doxalmente, assumido e legitimado pela equipe de governo.
Especialmente com relação ao objeto da análise aqui encetada, as propostas para
a educação superior do Ministério da Educação têm similaridades inerciais em rela-
ção ao período anterior (FHC – Paulo Renato Souza), mas também diferenças. Pon-
tualmente, a proposta de reforma do Governo Lula, elaborada a partir dos princípios
presentes no Documento II do MEC e sintetizada na terceira versão em Anteprojeto
de Lei, de 29 de julho de 2005, e em sua quarta versão na forma de Projeto de Lei (PL
nº. 7200/2006), de 12 de junho de 2006, enviado ao Congresso Nacional para análise
e deliberação, tem os seguintes eixos5:

3 Os think tanks são ‘organizações que se apresentam desinteressadamente (gratuitamente) como


fóruns de reflexão, mas que devem ser consideradas como vetores privilegiados do ativismo polí-
tico de certos intelectuais, pontos de apoio fundamentais para influir sobre os campos econômico
e político’ (DIXON, 1998, p. 5-6).
4 Eunice Durham, quadro e dirigente organicamente vinculado ao NUPES, afirma que as refor-
mas contemplam uma série de medidas cujo espectro envolveria: a) cobrança de anuidades como
forma de captação de poupança privada para complementar as necessidades de financiamento do
sistema; b) limitação de matrículas no setor público; c) implantação de mecanismos de avaliação
da qualidade do ensino e produção científica; d) associação do financiamento à fixação de metas
e/ou a alguma forma de avaliação de desempenho; e) descentralização do sistema com simplifi-
cação dos controles burocráticos e concessão de maior autonomia administrativa às instituição
(DURHAM, 1997, p. 13).
5 O Anteprojeto de Lei do governo Lula tornou-se o Projeto de Lei nº. 7200/2006, que teve
apensados os PL’s 4.212/04 e 4.221/04, de autoria, respectivamente, de Átila Lira (PSDB) e João
Matos (PMDB), ambos marcados pela forte tendência de desregulamentação e a liberalização.
Assim, julgamos que a proposta de reforma universitária do governo Lula sofrerá grandes mu-
danças no Congresso. Entretanto, avaliamos que não há prejuízo ao estudo aqui proposto, pois a
terceira e, mesmo a quarta versões da proposta de reforma universitária, o que seria a verdadeira
síntese do pensamento político para a educação superior do governo Lula, mesmo sabendo que
o resultado consolidado, sob a forma de Lei de Reforma Universitária, no Parlamento nacional
seja imprevisível. Não há dúvida que os atores sociais do campo universitário brasileiro estarão
fazendo gestões junto a deputados e senadores para modificar o PL nº. 7200/2006. Assim, apre-
senta-se para a história mais um espetáculo de conflito entre o público e o privado.

72
• definição de um modelo de financiamento universitário; Políticas Públicas para
a Educação Superior no
• regulação da transnacionalização (estrangeirização) das IES privadas (30% do Brasil: de FHC a Lula

capital);
• institucionalização da política de cotas para estudantes de escolas públicas, ne-
gros e índios;
• criação, nas universidades públicas e privadas, de um Conselho com a participa-
ção da comunidade, sindicatos, docentes e funcionários;
• controle na criação de novas universidades, devendo, para receber a denomi-
nação ‘universidade’, existir, no mínimo, doze cursos de graduação em pelo
menos três campos de saber, com avaliação positiva do MEC;
• submissão das universidades ao princípio da responsabilidade social, que signi-
fica um compromisso das IES com as demandas sociais locais/regionais;
• regulação das fundações de pesquisa;
• avaliação e credenciamento das IES com vistas a assegurar a qualidade.

A REFORMA UNIVERSITÁRIA NO BRASIL E SEUS FUNDAMENTOS


Toda política pública é gerada com a finalidade de resolver algum ‘problema’ cons-
tatado. Por problema devemos entender uma questão que, julga-se, deva sofrer altera-
ções com vistas a modificar determinado status quo. A reforma da educação superior
brasileira é a síntese de políticas públicas objetivando a mudar a educação superior
no país.
Para compreendermos a reforma, devemos ampliar o foco de análise. Um governo,
ao propor/implementar uma política pública, isto é, um rol de procedimentos com
a finalidade de uma dada situação, tem por base quatro fundamentos, os quais, para
facilitar o entendimento, são classificados em dois conjuntos:

FUNDAMENTOS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

FUNDAMENTOS PRÉVIOS FUNDAMENTOS ESTRATÉGICOS

Ideológicos Críticos Política Interna Política Externa

a) O conjunto de fundamentos que formam a base explicativa das políticas públicas


são os fundamentos prévios, que seriam aqueles que fornecem as condições para o
encaminhamento de dada política pública, isto é, são as fundações que sustentam o
sucesso junto à opinião pública das propostas de reforma (de mudança). Os funda-
mentos prévios são formados pelos fundamentos ideológicos e pelos fundamen-
tos críticos. Ambos são pressupostos indispensáveis para a formação de um novo

73
POLÍTICA consenso em torno de políticas públicas de reforma, pois são o virtual (ideológico) e
EDUCACIONAL
BRASILEIRA o real (situação crítica) do objeto estatal em reforma.
b) Os fundamentos estratégicos são constituídos pelos fundamentos de política
interna e de política externa. Denominam-se fundamentos estratégicos porque são
as bases de garantia de um possível cenário em que os atores sociais (internos ou
externos) influenciariam a conformação do campo social, apoiando as mudanças no
campo social e vislumbrando suas próprias disposições no espaço em disputa.

Fundamentos ideológicos
No mundo do capital, necessariamente, as políticas públicas recebem um reves-
timento ideológico. Em época de liberalismo mais ortodoxo, como nos governos de
Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, as políticas
públicas estavam mais comprometidas com a mercadorização das relações sociais, o
que pressupunha uma forte inculcação de valores individualistas e pró-privatistas. O
núcleo irradiador da ideologia, em grande medida, era uma fração social que cultiva-
va sentimentos antipúblicos e não-solidários. Esse grupo de difusão ideológica, com
base em referências internacionais, procurava estender ao conjunto da sociedade sua
maneira de pensar.
Todavia, no governo de Luís Inácio Lula da Silva, a ideologia de mercado é mi-
tigada. A preocupação social, que acompanha governos eleitos com programas de
esquerda, está recebendo a atenção por políticas focalizadas. O ideológico, no Go-
verno Lula, centra-se na defesa da focalização das políticas públicas, descartando-se
as políticas universalizantes, que historicamente foram o forte dos governos de es-
querda. Por exemplo, sem fazer nenhum juízo de valor, as políticas de cotas (focali-
zantes) são as substitutas ‘ideais’ das políticas de massificação da educação superior
(universalizantes).
Notemos que as análises a respeito de políticas públicas têm valorizado muito a
questão ideológica – entretanto esse é só um dos fundamentos das políticas públicas.
É importante na moldagem da política social, mas ideologia sem base material não se
sustenta. O ideológico tem maior poder de convencimento se realmente existe uma
crise no setor público em reforma.

Fundamentos críticos
Ao mencionarmos esse pressuposto, praticamente admitimos que o setor de
destino de uma política pública necessita de uma reforma. Supomos que o analista
(ou o construtor da política) deva fazer uma autocrítica, porque o seu compromisso
com a coisa pública, por vezes, o faz imaginar que não é necessário reconhecer os

74
verdadeiros problemas do serviço público, do atendimento dos cidadãos e de setores Políticas Públicas para
a Educação Superior no
que pertencem à esfera pública. Brasil: de FHC a Lula

O fundamento crítico representa a real situação de degeneração do Estado, prin-


cipalmente no que concerne à deterioração dos serviços públicos, à apropriação in-
débita de porções da esfera pública por setores privados e ao descontrole do Estado
sobre atividades e serviços públicos. Tais características podem tornar a privatização,
o desmonte do Estado e a mercadorização propostas aceitáveis pela população. Não
faltam exemplos de como é importante estudar os aspectos críticos da esfera pública.
Como se apresentam as crises (daí fundamentos críticos) na universidade brasilei-
ra? Entre outras, salta aos olhos a baixa cobertura da educação superior. Pouco mais
de 12% da população com idade entre 18 a 24 anos estão cursando alguma graduação
(Ensino Superior). Segundo os dados do Censo do Ensino Superior, elaborado pelo
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), em 2008, no Brasil ha-
via 5.080.056 alunos matriculados na modalidade presencial, sendo que desses apenas
1.273.965 estavam inscritos em escolas públicas e 3.806.091 frequentavam estabeleci-
mentos privados.
Percebemos que, apesar de parecerem números expressivos, a universidade pú-
blica está distante de alcançar a universalização ou, mesmo, a massificação no Brasil,
visto que para os matriculados em escolas públicas essa cifra está na casa do milhão
(1.273.965), equivalendo a cerca de 4% dos brasileiros que têm entre 18-24 anos. Isso
que justifica políticas focalizadas como as cotas para os negros, índios e estudantes
provenientes das escolas públicas. Qual será o resultado? Esperamos que a cota para
os alunos formados em escolas públicas, isto é, a reserva de 50% das vagas para essa
‘maioria’ sub-representada, ao menos 2% da população em idade de frequentar a uni-
versidade, consiga entrar (e se manter) nas universidades públicas brasileiras.

Tabela 1 – MATRÍCULAS NA EDUCAÇÃO SUPERIOR – 2008

PÚBLICA
MATRÍCULAS FEDERAL ESTAD. MUNIC. PRIVADA TOTAL
TOTAL

Alunos 643.101 490.235 140.629 1.273.965 3.806.091 5.080.056

Participação
12,7% 9,7% 2,7% 25,1% 74,9% 100%
(% s/ total)

Alunos Noturno 166.592 213.443 100.749 480.784 2.698.829 3.179.613

Noturno
25,9,% 43,5% 71,6% 37,7% 70,9% 62,6%
(% das matríc.)
Fonte: INEP – Censo da Educação Superior 2008.

75
POLÍTICA Verificamos, na Tabela 1, que existe ociosidade na infraestrutura pública universitá-
EDUCACIONAL
BRASILEIRA ria no período noturno. As universidades públicas, segundo o INEP, oferecem 37,7%
de suas vagas em cursos noturnos. As IES federais têm 25,9% de suas matrículas à noi-
te; as estaduais possuem 43,5% nessa mesma categoria e as IES municipais (públicas,
porém pagas), mais procuradas pelos alunos trabalhadores, oferecem 70,9% de suas
vagas no período noturno.
Em geral, são as IES públicas estaduais (superior a 40%) e as municipais (pouco
mais de 70%) que apresentam maior oferta de vagas no turno noturno, o que pode
ser considerado como uma forma de democratizar o acesso. Isto é, ocupar o espa-
ço ocioso noturno nos campi públicos federais e estaduais (recordemos que as IES
municipais são pagas) com cursos de graduação seria a oportunidade de se oferecer
educação superior gratuita para alunos impossibilitados de frequentar cursos diurnos
ou integrais.
Entretanto, frisemos, isto poderia contrariar os interesses das IES privadas que têm
seu nicho de mercado, em grande parte (2/3 do total), no período noturno. Isto é, a
massificação encetada a partir dos anos 1990 teve um viés mercadorizante, via oferta
de Ensino Superior pago, e visou a atingir, majoritariamente, o trabalhador-estudante
(ou o estudante-trabalhador) que, em tempos de flexibilidade no mundo do trabalho
e de neoliberalismo, buscou, compulsoriamente, sua formação em nível superior na
iniciativa privada.
Em 2008, de 3.806.091 alunos que estavam matriculados nas IES privadas, 62,6%
estudavam no período noturno. Multipliquemos esse número por mensalidades e che-
garemos a cifras mais que milionárias. Assim, é de se compreender o intuito do MEC
que, a partir de 2003, tem apontado a necessidade de oferecer maior quantidade de
vagas à noite nas IES públicas. Dessa forma, pode-se tentar iniciar a correção dessa
regressiva distorção.
Em resumo, os fundamentos ideológicos e fundamentos críticos, aqui chama-
dos de fundamentos prévios, são a cara e a coroa de uma mesma moeda. O ideoló-
gico, mesmo sendo a falsificação da realidade, funciona como um revestimento dis-
cursivo de um concreto em crise. Qualquer tipo de proposição de reforma somente
encontra eco onde há problemas reais para serem resolvidos e onde há um discurso
ideológico apropriado para o convencimento da opinião pública.

Fundamentos de Política Interna


Aqueles que fazem políticas públicas sabem que toda iniciativa dessa natureza cau-
sa mudanças no espaço de disposição dos atores sociais. O campo social de que trata
o objeto de política pública sofrerá um rearranjo de acordo com a nova correlação de

76
forças em construção. Cabe aqui observar que os atores sociais estão em luta constante Políticas Públicas para
a Educação Superior no
por espaços e a implementação de novas políticas apresenta-se como um momento de Brasil: de FHC a Lula

oportunidades de deslocamentos políticos no campo social. Esse movimento pode ser


positivo-ascendente para certos atores, como para outros pode significar o descenso
ou até mesmo a ‘desclassificação’. Seria como fazer um gráfico de ‘quem ganha e quem
perde’ com a reforma.
No caso específico da reforma da educação superior no Brasil, observamos que o
governo sinalizou com ganhos para os estudantes de escolas públicas, as etnias sub-re-
presentadas nas universidades (negros e índios) e os jovens pertencentes às camadas
sociais mais empobrecidas. Isto é, iniciativas como o Prouni, a maior oferta de vagas
no período noturno, as cotas para negros, índios e estudantes provenientes do Ensino
Médio público, potencialmente, favoreceriam atores sociais coletivos que tradicional-
mente estão distanciados da universidade pública. O Prouni ofereceu, no ano de 2005,
118.078 vagas em 1.142 instituições de Ensino Superior particulares – na realidade, fo-
ram 112.416 benefícios oferecidos (72.016 deles integrais) aos candidatos. Tal política
pública beneficia dois atores sociais distintos. Primeiramente, os alunos em potencial
de seleção para ocupar essas vagas e, em segundo lugar, a esfera privada, que estaria
aproveitando a ociosidade em sua estrutura. De acordo com o censo de 2003, as IES
privadas ofereceram 1.560.968 vagas em seus processos seletivos e 914.840 transfor-
maram-se em matrículas efetivas, ou seja, em 2003, 646.128 vagas (41,39%) ficaram
ociosas (CATANI; GILIOLI, 2005).
A reforma universitária proposta pelo MEC também alçaria a melhores posições
outros atores sociais, como, por exemplo, os dirigentes das universidades federais
nucleados na (Andifes) Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais
de Educação Superior que, escolhidos como principais interlocutores, teriam uma
premente estabilidade orçamentária. O anteprojeto prevê que o repasse do governo
federal deve ser de 75% da receita constitucionalmente vinculada à manutenção e de-
senvolvimento do ensino (a terceira versão do Anteprojeto de Lei perde o dispositivo
de impedir a diminuição de recursos para as universidades – o que obrigava a União a
garantir orçamento ‘nunca inferior ao do exercício anterior’). (ASSOCIAÇÃO, 2005d).
Após a publicação da terceira versão do anteprojeto da Lei de Reforma Universitá-
ria, o presidente da Andifes, Oswaldo Baptista Duarte Filho expôs que o anteprojeto
‘traz avanços importantes, como a criação de um marco regulatório, as definições do
que são universidades, centros universitários e faculdades, a perspectiva de expansão
dos campi e da autonomia’ (apud LORENZONI, 2005).
Entre os dirigentes de instituições acadêmicas e os representantes das elites acadê-
micas, existe a tendência a valorizar a oportunidade de se aprovar uma lei que possa

77
POLÍTICA abranger toda a educação superior, o que seria uma oportunidade de se aprovar um
EDUCACIONAL
BRASILEIRA marco regulatório que contemple o conjunto das instituições de educação superior
no Brasil. Esse vaticínio é confirmado em Nota de apoio das entidades das áreas
educacional e científica à reforma universitária, de 17 janeiro 2005, assinada pelas
seguintes entidades: Associação Brasileira das Universidades Comunitárias (ABRUC),
Conselho dos Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB), Associação Brasileira dos
Reitores das Universidades Estaduais e Municipais (ABRUEM), Associação Brasileira de
Ciência (ABC) e Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
O Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN)
tem se manifestado em oposição ao anteprojeto de reforma universitária desde sua pri-
meira versão. Segundo o documento ‘Agenda para a Educação Superior: uma proposta
do ANDES-SN para o Brasil de hoje’, ‘embora historicamente o ANDES-SN reivindique
uma profunda reforma universitária, tal como fizeram os reformadores de Córdoba,
é forçoso reconhecer que o debate está colonizado pela agenda da modernização, tal
como estabelecida pelo Banco Mundial [...]. A agenda do ANDES-SN trabalha com pre-
missas muito distintas das praticadas pelo governo federal’ (SINDICATO, 2005, p. 1).
Algumas entidades científicas nacionais também se manifestaram de modo reticen-
te ao teor do anteprojeto de reforma universitária do MEC. A nota pública ‘Sobre o
anteprojeto de Lei de Educação Superior’ (versão preliminar), de março de 2005, as-
sinada por representantes da ANPEd, do Conselho Regional da SBPC de São Paulo, do
Conselho Federal de Serviço Social, da Sociedade Brasileira de Biofísica, do Centro de
Estudos Educação e Sociedade (Unicamp), do ANDES-SN, da Adusp, do Instituto Paulo
Freire e da Associação dos Geógrafos do Brasil.
Outras entidades sindicais e associativas, como a Confederação Nacional dos Tra-
balhadores em Educação (CNTE), a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Es-
tabelecimentos de Ensino (CONTEE), a Federação dos Servidores em Universidades
Brasileiras (FASUBRA), o Fórum de Professores das IFES / oposição sindical cutista
(PROIFES) e a União Nacional dos Estudantes (UNE), divulgaram uma nota, no dia 28
de março de 2005, tentando expressar um consenso de aprovação em torno da primei-
ra versão do anteprojeto de Lei de Reforma Universitária:
Contraditoriamente, constatamos que o anteprojeto de reforma universitária não
agrada totalmente aos representantes das entidades, porém o documento procura
sintetizar um consenso em torno da necessidade de se aperfeiçoar a proposta: ‘Acre-
ditamos, portanto, que é vital avançar, de forma coletiva e plural, no desenho de uma
Reforma da Educação Superior [...] para o fortalecimento do setor público [...]. Afir-
mamos [...] nossa disposição de contribuir para a ampliação e o aprofundamento do
debate sobre a Reforma’ (ASSOCIAÇÃO, 2005c).

78
Alguns segmentos de trabalhadores nas universidades, representados por entida- Políticas Públicas para
a Educação Superior no
des sindicais como a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), a Confederação Brasil: de FHC a Lula

Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Educação e Cultura (CNTEEC), a


Federação dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino do Estado de Santa Ca-
tarina (FETEESC), a Federação dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino do
Estado de São Paulo (FEETESP), a Federação dos Trabalhadores em Estabelecimentos
de Ensino do Estado do Paraná (FETEEPAR) e a Federação dos Trabalhadores em Es-
tabelecimentos de Ensino do Norte e Nordeste (FETEENE), decidem apoiar a reforma
Os estudantes da pós-graduação, representados pela Associação Nacional de Pós-
-Graduandos (ANPG), hipotecam apoio incondicional à reforma universitária (MOREI-
RA, 2005). Os estudantes de Graduação, ao se tomarem por referência as manifestações
da (UNE), tendem a apoiar a Reforma Universitária. A UNE, de acordo com documento
de 28 de março de 2005, defende uma reforma universitária que contemple:
• a elevação do percentual de gastos públicos em relação ao PIB, aplicados em
educação para atingir o mínimo de 7%;
• a derrubada dos vetos ao PNE;
• a troca dos Títulos da Dívida externa por investimentos em educação;
• a regulamentação do ensino privado;
• a construção de um Plano Nacional de Assistência Estudantil que incorpore a
emenda da UNE e contemple: reativação e ampliação de restaurantes universitá-
rios; subvinculação de 4% dos 75% das IFES; taxação compulsória do lucro das
pagas revertido ao plano; reforma e construção de novas moradias estudantis;
creches para mães estudantes; reajuste e ampliação de bolsas de incentivo a
pesquisa;
• a gestão democrática com paridade nos órgãos colegiados;
• a realização de uma Conferência Nacional de Educação Superior;
• o acréscimo de um capítulo que trate das Universidades Estaduais e Fundacionais;
• a abertura de novas vagas em cursos noturnos;
• a criação de um novo marco regulatório para os estágios;
• a distribuição das cotas proporcionalmente aos cursos e turnos;
• a definição de parâmetro para o ensino tecnológico em relação à graduação su-
perior, de forma que a expansão do primeiro não seja em detrimento do ensino
médio.

O Fórum Nacional da Livre Iniciativa na Educação, que representa as IES privadas


no Brasil, capitaneado pela Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior
(ABMES), em documento publicado em 29 de março de 2005, faz considerações que

79
POLÍTICA censuram o anteprojeto do MEC. As entidades privadas reunidas nesse Fórum assim
EDUCACIONAL
BRASILEIRA expressam:

Cabe destacar que o Fórum não sugere uma simples correção de pontos do
Anteprojeto preliminar, por entender que o mesmo não satisfaz o que o Bra-
sil precisa para criar as âncoras de sustentação de um sistema coerente com
os atuais desafios da educação brasileira. (p. 2). [...] O Fórum entende que
o eixo intervencionista que caracteriza o anteprojeto, não se coaduna com a
atual realidade social brasileira, que é a de fortalecer todos os agentes públi-
cos e privados que procuram por suas iniciativas, dar mais oportunidades à
população, para vencer as barreiras de acesso ao conhecimento e à formação
profissional e cidadã. (p. 3). O Fórum entende que, mais do que controlar o
capital estrangeiro no ensino superior, deve-se dar maior atenção à criação de
programas de apoio e financiamento do intercâmbio de professores e alunos e
buscar a simplificação dos procedimentos de registro de títulos e diplomas e de
acreditação de programas e instituições (FÓRUM, 2005, p. 17).

Aparentemente, seriam perdedores, com esse anteprojeto, os empresários, mas


isto está mais para um jogo de cena para tirar vantagens da lei do que propriamente
uma perda, porque o empresariado não quer controle algum. Essa ‘mis-en-scene’ não
significa perda, significa que o empresariado da educação superior não quer regulação
alguma nesse grande ‘mercado’ (71% das vagas estão na esfera particular). Em conso-
nância com o anteprojeto de lei, as universidades públicas e privadas deverão consti-
tuir um conselho social de desenvolvimento, de caráter consultivo, ‘com representa-
ção majoritária e plural da sociedade civil, com a finalidade de assegurar a participação
da sociedade em assuntos relativos ao desenvolvimento institucional da universidade
e às suas atividades de ensino, pesquisa e extensão’ (Artigo 32). Tal dispositivo gera
resistência por parte da esfera privada de educação superior, conforme o presidente
do SEMESP,

O anteprojeto apresenta um viés intervenvionista [...]. O fato de o MEC haver


aceitado várias sugestões ao longo do processo de discussão da primeira versão,
feitas por diversas entidades, corporações e associações, inclusive o Semesp e
do Fórum da Livre Iniciativa na Educação, anima-nos a continuar contribuindo
com críticas e sugestões [...]. Quanto à criação do Conselho Social de Desen-
volvimento, embora a segunda versão o torne apenas consultivo, continua a
representar um risco à meritocracia acadêmica, por poder vir a constituir em
núcleo e ações de natureza sindical corporativista, acionadas por mecanismos
alheios aos interesses acadêmicos e científicos’ (REFORMA, 2005).

Os grupos estrangeiros e transnacionais, atores sociais cujas manifestações devem


ser minuciosamente observadas nessa época de mundialização do capital, não estão
levando tudo o que queriam. O anteprojeto sugere o limite de 30% de participação no
capital das IES privadas. Walfrido Mares Guia, então Ministro do Turismo do Governo

80
Lula e sócio do grupo Pitágoras, com 50% de participação junto com o grupo norte- Políticas Públicas para
a Educação Superior no
-americano Apollo, que mantém nos EUA a Universidade Phoenix (Arizona), tem se Brasil: de FHC a Lula

manifestado contrariamente a esse dispositivo restritivo. O grupo Pitágoras se faz ouvir


por intermédio do presidente de seu Conselho Consultivo, Cláudio de Moura Castro
(tradicional quadro intelectual do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID).
Na verdade, esse tipo de asserção de representantes das empresas transnacionais de
educação é um exemplo de como o capital estrangeiro não aceita limites a sua atuação
e não quer marcos regulatórios respeitantes ao campo nacional de educação superior.
Em síntese, essas têm sido as manifestações dos atores sociais internos. Não há
dúvida que a reforma universitária do Governo Lula para a educação superior causa
movimentações espaciais dos atores sociais, pois como enuncia Bourdieu, ‘é preciso
lembrar que o campo científico é tanto um universo social como os outros, onde se tra-
ta, como alhures, de poder, de capital, de relações de força, de estratégias de manuten-
ção ou de subversão, de interesses etc.’ (1996, p. 88). Neste sentido, verificamos que o
MEC faz um esforço para convencer os diversos atores sociais de que o anteprojeto de
reforma universitária é necessário e fará avançar para uma situação melhor o conjunto
do Sistema de Educação Superior no Brasil.

Fundamentos de política externa


Muitas vezes, as razões de ordem externa têm sido as mais valorizadas pelos inves-
tigadores de políticas públicas. Em países de capitalismo dependente, como é o caso
do Brasil, as políticas públicas são (des)estimuladas por agentes externos. Não é raro
perceber que o fazedor de política pública por vezes tem atitudes mais rigorosas do
que o recomendado.
Muitos trabalhos de pesquisa que têm por objetivo compreender as origens de
determinada política pública educacional não raro circunscrevem sua análise política
à influência do Banco Mundial na determinação da construção das políticas educacio-
nais, deixando de sopesar a resistência no interior do establishment governamental
ou o exagero (surjeu) – situação em que o fazedor de política faz muito mais do que
o pedido pelo agente externo.
O que tem ocorrido é que os integrantes dos governos nacionais imaginam que a
adoção de recomendações de organismos multilaterais e de governos dos países centrais
geraria, supostamente, maior credibilidade ao país, inserção internacional e promessa de
continuidade de inversões estrangeiras. Vejamos o exemplo recente da Argentina, que
foi o país que seguiu com máximo rigor as recomendações do FMI e Banco Mundial, e
perceberemos que essa ‘confiança’ se dissipa rapidamente – basta, por exemplo, que os
agentes internacionais notem que o país não tem capacidade de rolagem de sua dívida.

81
POLÍTICA Especificamente a respeito da educação superior no Brasil, o Banco Mundial publi-
EDUCACIONAL
BRASILEIRA cou o Relatório 19392-BR – Brazil: Higher Education Sector Study, em 30 de junho de
2000. A seção 3 tem o sugestivo título de Strategies and Recommendations for Higher
Education in Brazil.
Coerentemente com a história de condicionalidades (im)postas pelo Banco Mun-
dial e com a análise contida no relatório, precedente às recomendações, o documento
do Banco contém um box, sugerindo para o Chile (mas também poderíamos ler ‘no
Brasil’), uma segunda geração de reforma:

Após quase duas décadas de reforma, a educação superior chilena demonstra


que melhorou em relação a América Latina em quesitos como eficiência, cober-
tura (taxa de matrícula), qualidade global no ensino, produtividade na pesqui-
sa, diversificação institucional e avaliação. No entanto, apesar do sucesso em
muitas áreas, algumas dificuldades permanecem. A Segunda geração de refor-
ma é um esforço para corrigir problemas ocasionados pela reforma precedente.
As medidas remediativas propostas incluem: aumento de verbas públicas para
a melhoria do ensino, pesquisa e formação de pesquisadores, por intermédio
de mecanismos de competitividade e de contratos; complementação do sistema
de acreditação institucional corrente com um programa nacional de avaliação
e o aperfeiçoamento da capacidade dos organismos públicos para coordenar o
sistema de educação superior ( WORLDBANK, 2000, p. 15)6.

Como se trata de um relatório para a educação superior no Brasil, inferimos que o


que vale para o Chile vale também para o Brasil. O relatório ‘Brazil – Higher Education
Sector Study’, do Banco Mundial, observa que existe pouca oferta de cursos de gra-
duação noturnos ( WORLDBANK, 2000, p. 5), que os estudantes universitários provêm
dos extratos mais aquinhoados da população (p. 7), e que o vestibular não é um meio
democrático de recrutamento, porque os cursos preparatórios para o vestibular são
caros, as provas privilegiam a memorização e os locais de realização dos exames ficam
nos centros metropolitanos – longe de grandes populações do interior (p. 12).
Nesse mesmo relatório, o Banco Mundial demonstra simpatia pelos cursos sequen-
ciais, pela flexibilização dos currículos, pela instituição da acreditação e avaliação –
Exame Nacional de Cursos (ENC – ‘Provão’), pelo comitê de avaliadores e estatísticas

6 ‘After almost two decades of reform, Chilean higher education scores high relative to Latin
America in efficiency, coverage, overall quality of Teaching, research productivity, institutional
diversification, and evaluation. However, despite successes in many areas, some difficulties re-
main. The second generation of reform initiatives endeavor to correct problems raised by the
previous reform. Proposed remedial measures include: strengthening public funding for the
improvement of teaching, research, and training of researchers, via competitive mechanisms
and contracts; complementing the current institutional accreditation system with a national
program evaluation scheme; and improving the capacity of public agencies to coordinate the
higher education system’ (WORLDBANK, 2000, p. 15).

82
do INEP (p. 17). Ademais, o documento do Banco Mundial se referencia no HEFCE Políticas Públicas para
a Educação Superior no
(Higher Education Funding Council for England) como exemplo de financiamento Brasil: de FHC a Lula

por intermédio de um fundo para a educação superior ( WORLDBANK, 2000, p. 37).


De acordo com o relatório, ‘o HEFCE é sozinho a maior fonte financiamento para a
educação superior. Abaixo do Council grants (ligado ao Ministério da Educação), as
mensalidades pagas pelos alunos são geralmente a maior fonte de recursos do fundo’
(p. 37)7.
A ideia de instituir o pagamento de mensalidades, ou seja, pôr fim à gratuidade
da educação superior está conectada com a maior autonomia para as universidades,
como pontua o relatório: ‘A autonomia acadêmica deveria ser elevada de acordo
com uma maior descentralização (diversificação) do sistema de gerência de recursos’
( WORLDBANK, 2000, p. 38)8. O documento do Banco Mundial procura, à maneira de
um sofisma, provar que as instituições particulares assistem mais a seus estudantes
(29,14%) do que as universidades públicas (10,25% a 13,55%) (p. 42). Todavia, a ajuda
que as IES privadas fornecem aos alunos se circunscreve, comumente, a descontos em
suas mensalidades; já as IES públicas, nesse quesito, estariam ajudando a praticamente
a totalidade de seus alunos, haja vista que, em geral, são gratuitas. Além do mais, não
custa lembrar que as bolsas de iniciação científica, de ensino e de extensão, majorita-
riamente, são oferecidas por IES públicas.
A seção 3 do relatório do Banco Mundial está reservada às ‘Estratégias e Reco-
mendações para a Educação Superior no Brasil’. Percebe-se facilmente similaridades
e proximidades entre o documento publicado pelo Banco Mundial, o Anteprojeto de
Lei de Reforma Universitária e o Documento II do MEC, ‘Reafirmando princípios e
consolidando diretrizes da reforma da educação’. No Quadro 1, apresenta um resumo
das constatações/sugestões presentes no relatório do Banco Mundial e as políticas
públicas encetadas/adotadas pelo governo Lula.

7 The HEFCE is the largest single source of income for the higher education sector. After
Council grants, tuition fees are usually the only other major source of funding (p. 37).
8 Academic autonomy should be enhanced under a more decentralized system of resource
management (p. 38).

83
POLÍTICA
EDUCACIONAL RELATÓRIO DO POLÍTICAS UNIVERSITÁRIAS
BRASILEIRA BANCO MUNDIAL DO GOVERNO LULA

Melhoria no acesso (improving access) por intermé- Incentivo à educação a distância (Ex. UAB-Universida-
dio da diversificação da oferta de cursos noturnos, da de Aberta do Brasil), PROUNI, cotas, ensino noturno,
educação a distância e do fornecimento de crédito aos criação dos IFETs, maior oferta de vagas nas univer-
estudantes pobres (p. 46). sidades públicas e interiorização da educação supe-
rior. Durante o Governo Lula, até o momento, foram
criadas 12 novas universidades federais e houve um
aumento da oferta de próximo de 1.400.000 vagas na
esfera privada.

Melhoria da qualidade (improving quality) através de Novo modelo de avaliação (CONAES-ENADE-SINAES


mecanismos de avaliação (p. 47). – IGC: Índice Geral de Cursos) e apoio ao setor de
estatísticas do INEP.

Melhoria da relevância (improving relevance) através Os termos ao lado (Relatório do Banco) aparecem de
de maior flexibilidade curricular e do atendimento da maneira semelhante nos documentos oficiais. Além
demanda de empregadores (mercado de trabalho), disso, o anteprojeto de reforma propõe os conselhos
das necessidades locais/regionais e das necessidades comunitários.
do consumidor – estudante (p. 47)

Melhoria da eficiência (improving efficiency) por Criação de um fundo para a educação superior, vincu-
intermédio do mecanismo de aliar a expansão do lação de verbas do MEC para as IFES, maior autono-
sistema à diminuição de recursos, pela possibilidade mia universitária e a instituição do PDI (Plano de De-
de dispor do seu patrimônio, pela maior autonomia senvolvimento Institucional). Novo modelo curricular
das universidades, pela criação de fundos e pelo com a Universidade Nova e REUNI (LIMA; AZEVEDO;
acompanhamento e prestação de contas (accounta- CATANI, 2007)
bility), tendo por base um plano de desenvolvimento
estratégico de cinco anos que, por sua vez, deve ser
fundamentado nos objetivos nacionais traçados pelo
governo federal (p. 48).

Quadro 1 – Comparativo do relatório do Banco


Mundial e das políticas universitárias do Governo Lula

Devemos estar atentos às soluções sugeridas pelo Banco, porque, apesar de muitas
propostas coincidirem com o anseio do movimento de democratização da educação
superior, muitas vezes nessas recomendações podem estar embutidos venenos que
piorariam a situação do setor público. Em vez de solidariedade e estímulo ao bem
comum e social, o Banco Mundial pode estar, como um ‘cavalo de Troia’, sugerindo a
inserção no campo universitário de maior dose de competição e de um processo de
mercadorização mais intenso.

84
CONSIDERAÇÕES FINAIS Políticas Públicas para
a Educação Superior no
Pelas características da reforma proposta e das recomendações do Banco Mundial, Brasil: de FHC a Lula

constatamos que o Brasil está executando uma segunda geração de reforma univer-
sitária. Para o Banco, essa segunda onda deveria, primordialmente, corrigir os erros
da primeira (dos tempos de FHC). Além disso, buscaria: a) incrementar o acesso à
educação superior por meio de maior oferta de cursos noturnos, incentivo à educação
a distância e ao FIES (‘crédito educativo’); b) melhorar a qualidade do ensino por
intermédio da avaliação e da acreditação; c) estimular o reconhecimento da relevân-
cia social e econômica; d) fornecer maior eficiência ao sistema de educação superior
(‘fazer mais com menos’). Tais objetivos, na interpretação contida no anteprojeto de
reforma universitária do MEC, constarão no Plano de Desenvolvimento Institucional
(PDI) que cada IES deverá propor, submeter ao MEC e, em seguida, adotar.
A reforma da educação superior, como uma política pública para um setor estra-
tégico, implicará mudanças e deslocamentos espaciais dos atores sociais no campo
universitário, o que significa, também, transformações no relacionamento do campo
acadêmico com atores sociais estranhos à vida orgânica da universidade. Ademais,
nota-se que as políticas públicas são formuladas por think tanks (reservatórios de
pensamento), a exemplo do NUPES na era FHC, e se baseiam em dois fundamen-
tos: os fundamentos prévios (formados pelos fundamentos ideológicos e críticos) e
os fundamentos estratégicos (formados pelos fundamentos de política interna e de
política externa). Com relação à reforma universitária proposta pelo Governo Lula
(inconclusa), ainda estão abertas todas as possibilidades de mudanças, pois a quarta
versão, PL 7200/2006, está no Congresso Nacional para continuidade do debate. Ade-
mais, no segundo mandato de Lula, de maneira muito mais inclusiva e, a despeito das
recomendações do Banco Mundial, foram criadas 12 novas universidades federais (até
dezembro de 2009) e 100 novos campi em todo o País, gerando uma maior oferta de
vagas públicas9.

9 A expansão de vagas em IES federais tem se apoiado no Programa de Apoio a Planos de Rees-
truturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), que tem por objetivo ‘criar condi-
ções para a ampliação do acesso e permanência na educação superior, no nível de graduação, pelo
melhor aproveitamento da estrutura física e de recursos humanos existentes nas universidades
federais’ (BRASIL, 2007, Art. 1º). Análise mais detida a respeito pode ser encontrada em LIMA;
AZEVEDO e CATANI. O processo de Bolonha, A avaliação da Educação superior e algumas
considerações sobre a universidade nova. Avaliação, Campinas, SP; Sorocaba, SP, v. 13, n. 1, p.
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85
POLÍTICA Evolução de Matrículas (2002-2008). Modalidade Presencial
EDUCACIONAL
BRASILEIRA

Fonte: INEP. Censo da Educação Superior 2008.

O gráfico e a tabela anteriores demonstram, também, que houve aumento da po-


pulação estudantil no ensino de graduação presencial durante o mandato do presi-
dente Lula. A esfera pública respondeu por um aumento de 21,1% na oferta, passando
de 1.051.655 matrículas, em 2002, para 1.273.965 registros de alunos em 2008. O
setor privado de ensino superior teve crescimento ainda maior, seja em termos rela-
tivos (+56,7%) ou absolutos, no mesmo período, de 2.428.258 estudantes alcançou
3.806.091, isto é, 1.377.833 novos alunos passaram a estudar em IES privadas, o que
significa um contingente superior ao somatório de matrículas nos sistemas federal,
estaduais e municipais públicos (1.273.965 alunos).

Evolução de Matrículas (2002-2008). Modalidade a Distância

Fonte: INEP. Censo da Educação Superior 2008.

Outro dado a ser notado é o vertiginoso aumento da oferta de educação superior


a distância. Em 2008, 727.961 alunos estavam matriculados em IES na modalidade a
distância, sendo que, em 2002, eram somente 40.714 estudantes, o que significa um
salto de 1.688%. A esfera pública, em 2008, possuía 278.988 estudantes matriculados.
Somente as IES estaduais, em grande parte localizadas no interior do País, têm 219.940
alunos registrados, o que corresponde a 78.8% da oferta pública dessa modalidade de
ensino superior.
86
Enfim, a educação superior no Brasil, compreendida como um campo social, espa- Políticas Públicas para
a Educação Superior no
ço de lutas e contradições, é um setor, ao mesmo tempo, estratégico para a formação Brasil: de FHC a Lula

da cultura, para o desenvolvimento em todos os âmbitos e é um direito essencial


(e universal) para o avanço da democracia e da cidadania. Assim, no que se refere à
segunda característica, a democracia não é, simplesmente, a capacidade de voto (em
personalidades previamente indicadas), mas deve ser compreendida no sentido mais
lato de expressão pública, de modo que, ao se mencionar esse valor (universal), esteja
implícita a ideia de democracia econômica, social, racial e de gênero, e a educação su-
perior se configura como parte do projeto de democratização em todas as sociedades.

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São Paulo: USP/LEMAD, 2005. Disponível em: <lemad.fflch.usp.br/search/node/
agenda%20para%20a%20educação%20superior%202005>. Acesso em: 15 nov. 2016.

90
STEVENS, Robert. University to UNI: the politics of higher education in England Políticas Públicas para
a Educação Superior no
since 1944. Londres: Politico’s, 2004. Brasil: de FHC a Lula

UNIÃO NACIONAL DOS ESTUDANTES - UNE. UNE define posição diante do


anteprojeto do MEC. [S. l.]: UNE, 2005.

UNIÃO NACIONAL DOS ESTUDANTES - UNE. Reforma universitária com


democracia e por soberania. São Paulo: UNE, 2004. Disponível em: < http://www.
uniblog.com.br/unert-regional/43126/reforma-universitaria-com-democracia-e-por-
soberania.html >. Acesso em: 15 nov. 2016.

WORLDBANK. Brazil: Higher Education Sector Study. Report nº19392-BR. Human


Development Department. Latin America and the Caribbean Regio. Washington:
Worlbank, 2000.

Atividades

1) Tendo por base o conteúdo e os conceitos operados no presente capítulo, elabore uma
análise sobre as perspectivas para a Educação Superior no Brasil.

Anotações

91
POLÍTICA
EDUCACIONAL
BRASILEIRA
Anotações

92
5 Políticas públicas para
o Ensino Superior a
distância: a qualidade
dos cursos de
graduação em questão
Maria Luisa Furlan Costa

O ponto de partida para uma reflexão sobre as políticas públicas para o ensino
superior a distância no Brasil é, sem dúvida nenhuma, a atual Lei de Diretrizes e Bási-
cas da Educação Nacional (LDB)1 – Lei n. 9.394/96 (BRASIL, 2001), que deu início ao
processo de reconhecimento da Educação a Distância (EAD) como uma modalidade
educativa e, consequentemente, passou a exigir uma definição de políticas e estraté-
gias para sua implementação e consolidação nas mais diversas Instituições de Ensino
Superior (IES) do País.
Além de reconhecer oficialmente a EAD, a Lei n. 9.394/96 aponta para a possibilida-
de de se utilizar essa modalidade de ensino para a formação de professores em exercí-
cio, com o intuito de atender a uma determinação de suas disposições transitórias que,
ao instituir a Década da Educação, preconiza que somente serão admitidos professores
habilitados em nível superior ou formados em serviço. Para viabilizar essa formação, a
própria lei determina que cada município e, supletivamente, o Estado e a União, deve-
rão realizar programas de capacitação para todos os professores em serviço, utilizando
também, para isto, os recursos da educação a distância.
O Plano Nacional de Educação, sancionado pela Lei n. 10.172 (BRASIL, 2001), re-
força a importância da EAD nas políticas de educação e estabelece diretrizes, objetivos
e metas para sua implementação. O referido documento dá ênfase à política de EAD
para a formação de professores, propondo o aumento da oferta de cursos em nível
superior a distância e o apoio financeiro à pesquisa sobre essa modalidade de ensino.

1
Para maior compreensão deste capítulo, recomendamos a leitura do livro Introdução à Edu-
cação a Distância da Coleção Formação de Professores-EAD (n. 34).

93
POLÍTICA A partir do reconhecimento da EAD, observamos um crescimento significativo na
EDUCACIONAL
BRASILEIRA oferta de cursos superiores em uma modalidade distinta do ensino presencial, ten-
do em vista o grande número de instituições que solicitou credenciamento junto ao
Ministério da Educação (MEC), atendendo às disposições da legislação educacional
vigente que estabelece, no Artigo 80 da Lei n. 9.394/96, que ‘a educação a distância,
organizada com abertura e regimes especiais, será oferecida por instituições especifi-
camente credenciadas pela União’.
Dados divulgados mais recentemente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesqui-
sas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) indicam o crescimento do número de institui-
ções credenciadas para a oferta de cursos superiores a distância tomando como base
os dados do Censo da Educação Superior de 2006.
O número de IES que passou a oferecer graduação a distância saltou de 07 (sete)
no ano 2000 para 77 (setenta e sete) em 2006, sendo que o crescimento gradativo
pode ser observado na Tabela 1.

Tabela 1 – Número de IES que oferecem graduação a distância

ANO NÚMERO DE IES


2000 7
2001 10
2001 25
2003 38
2004 47
2005 73
2006 77
Fonte: MEC/INEP/DEAES

Os números divulgados pelo INEP revelam que no ano de 2000 existiam somente
10 (dez) cursos ofertados a distância e, ainda, mostram um crescimento mais acelera-
do no período de 2003 a 2006, quando passamos de 52 (cinquenta e dois) para 349
(trezentos e quarenta nove) cursos. Esse aumento representa um acréscimo de 571%,
conforme procuramos ilustrar com os números presentes na Figura 1.

94
Políticas públicas para
o Ensino Superior a
distância: a qualidade
dos cursos de graduação
em questão

Figura 1 – Evolução dos cursos EAD na graduação.

Fonte: INEP/MEC - Dezembro de 2007. Disponível em: <http://educacao.uol.com.br/noticias/2007/12/19/educacao-a-distancia-

-cresce-571-entre-cursos-superiores-diz-censo.htm>. Acesso em: 15 nov. 2016.

Os dados demonstram, de forma inequívoca, que a oficialização da EAD provocou


um crescimento exponencial tanto do número de IES credenciadas para a modalidade
a distância quanto do número de cursos ofertados.
Esse crescimento acabou gerando debates polêmicos acerca das potencialidades da
EAD enquanto uma modalidade de ensino que pode contribuir para a democratização
do acesso ao Ensino Superior e, ao mesmo tempo, colocou na pauta de discussões a
questão da qualidade dos cursos de graduação ofertados a distância.
BLOIS (2004), tomando como base diversos excertos da legislação educacional vi-
gente, destaca que a qualidade é um princípio que se faz presente, cada vez mais, nos
documentos que tratam da regulamentação e normatização da modalidade a distância
no Brasil:

• programas e cursos a distância no âmbito da educação superior devem aten-


der aos padrões nacionais de qualidade de cursos;
• Plano de Desenvolvimento Institucional - PDI deve pautar-se pelas diretrizes
curriculares e pelos padrões de qualidade de cursos nacionais e integração da
educação à distância ao projeto pedagógico de oferta de seus cursos superiores;
• cursos superiores a distância, no sistema federal de ensino, exigem a realiza-
ção de verificação e avaliação prévia por especialistas designados pelo Minis-
tério da Educação;
• autorização e o reconhecimento dos programas e cursos superiores a dis-
tância serão limitados a cinco anos, podendo ser renovados após avaliação
favorável, sendo que o reconhecimento de cursos de graduação e seqüenciais
a distância requererá prévia avaliação do MEC;
• avaliações obedecerão a procedimentos, critérios, indicadores de qualidade
definidos [...] (BLOIS, 2004, p. 103).

95
POLÍTICA No que se refere à legislação, é importante ressaltar aqui que o Artigo 80 da Lei
EDUCACIONAL
BRASILEIRA n. 9.394/96 foi regulamentado posteriormente pelos Decretos n. 2.494 e n. 2.561, de
1998, ambos revogados pelo Decreto N. 5.622, em vigência desde sua publicação em
20 de dezembro de 2005.
No Decreto n. 5.622 ficou estabelecida a política de garantia de qualidade no que
tange aos aspectos ligados à modalidade de educação a distância, notadamente ao
credenciamento institucional, supervisão, acompanhamento e avaliação, que devem
estar em sintonia com padrões de qualidade enunciados pelo Ministério da Educação.
Entre os tópicos mais relevantes do referido documento, ressaltamos o estabeleci-
mento de preponderância da avaliação presencial dos estudantes em relação às ava-
liações feitas a distância, mecanismos para coibir abusos, como a oferta desmesurada
do número de vagas na educação superior, desvinculada da previsão de condições
adequadas e, ainda, a institucionalização de documento oficial com Referenciais de
Qualidade para a educação a distância.
Contudo, o documento que expressa com maior exatidão a preocupação dos ór-
gãos governamentais com a qualidade dos cursos ofertados a distância não tem, por
incrível que possa parecer, força de lei, pois trata-se de um texto redigido somente
para dar subsídios aos atos legais do Poder Público no que se referem aos processos
de regulação, supervisão e avaliação da modalidade a distância.
Elaborado a partir de uma discussão com especialistas do setor, com as universi-
dades e com a sociedade, os Referenciais de Qualidade para a Educação Superior a
Distânciaˈ (BRASIL, 2007) têm como objetivo principal garantir a qualidade nos pro-
cessos de educação a distância e, ao mesmo tempo, busca impedir a precarização da
educação superior e a oferta indiscriminada de cursos que não atendam às diretrizes
estabelecidas para essa modalidade de ensino.
Os referenciais têm sido utilizados para orientar as IES na implementação de cursos
de graduação a distância, e no documento está explícito que devido à complexidade
e à necessidade de uma abordagem sistêmica, os parâmetros de qualidade para os
cursos na modalidade a distância devem compreender categorias que envolvem, fun-
damentalmente, aspectos pedagógicos, recursos humanos e infraestrutura. Para dar
conta dessas dimensões, devem estar presentes no projeto político pedagógico os se-
guintes itens:

• Concepção de educação e currículo no processo de ensino e aprendizagem;


• Sistemas de Comunicação;
• Material didático;
• Avaliação;

96
• Equipe multidisciplinar; Políticas públicas para
o Ensino Superior a
• Infraestrutura de apoio; distância: a qualidade
dos cursos de graduação
• Gestão Acadêmico-Administrativa; em questão

• Sustentabilidade financeira.

A definição desses dez itens tem como pressuposto básico que a qualidade de um
curso de graduação, independentemente da modalidade em que o mesmo será oferta-
do, tem como ponto de partida o desenho do projeto pedagógico.
De fato, não temos a intenção de estabelecer, aqui, parâmetros de comparação en-
tre os cursos de graduação ofertados na modalidade a distância com aqueles ofertados
presencialmente, porque partimos do princípio que é preciso buscar a integração com
as políticas, as diretrizes e os padrões de qualidade definidos para o ensino superior
como todo.
Neste sentido, concordamos com Fragale Filho (2003), que ao discutir princípios
de qualidade para os cursos a distância reforça que é importante que um diploma
de ensino superior recebido por um curso a distância tenha o mesmo valor que um
realizado de forma presencial. Em seu entendimento, ‘um curso de graduação deve
oferecer aos alunos referenciais teórico-práticos que colaborem na aquisição de com-
petências cognitivas, habilidades e atitudes (2003, p. 121), bem como deve promover
o pleno desenvolvimento da pessoa, o exercício da cidadania e qualificação para o
trabalho.
Não obstante, diante das críticas que comumente são feitas de forma indiscrimina-
da aos cursos ofertados na modalidade a distância, não podemos ignorar o desenvolvi-
mento de pesquisas que procuram mostrar as potencialidades da EAD para democra-
tizar o acesso ao ensino superior, com a mesma qualidade que se busca para os cursos
de graduação ofertados na modalidade presencial.
Um estudo sobre a qualidade dos cursos de graduação a distância, realizado em
2007 por Dilvo Ristoff, então diretor do Departamento de Estatísticas e Avaliação da
Educação Superior (DEAES) do INEP, intitulado A Trajetória dos Cursos de Gradua-
ção a Distância, demonstra que a qualidade do ensino não está diretamente relacio-
nada com a modalidade na qual o curso é ofertado, tendo em vista uma comparação
estabelecida entre o desempenho dos alunos matriculados em cursos presenciais e a
distância.
O estudo de Ristoff compara os resultados do Exame Nacional de Desempenho dos
Estudantes (Enade/2006) em 13 (treze) áreas do conhecimento, demonstrando que os
estudantes dos cursos superiores a distância se saíram melhor em sete delas, conforme
podemos verificar na Tabela 2.

97
POLÍTICA Tabela 2 – Comparação entre o desempenho
EDUCACIONAL
BRASILEIRA de alunos presenciais e de EAD no ENADE.

ÁREA PRESENCIAL DISTÂNCIA


Administração 37,71 37,99
Biologia 32,67 32,79
Ciências Contábeis 34,97 32,59
Ciências Sociais 41,16 52,87
Filosofia 32,50 30,36
Física 32,50 39,62
Normal Superior 42,82 41,52
Geografia 39,04 32,58
História 38,47 31,60
Letras 35,71 33,05
Matemática 31,68 34,16
Pedagogia 43,35 46,09
Turismo 46,34 52,26
Fonte: MEC/INEP. Dados coletados por Dilvo Ristoff (DEAES).

Os dados da pesquisa foram utilizados, aqui, somente para demonstrar que o de-
sempenho dos alunos dos cursos a distância indicam que é possível democratizar o
acesso sem perder de vista a qualidade do ensino de graduação.
Como apontamos anteriormente, não temos a intenção de estabelecer parâmetros
de comparação entre as duas modalidades de ensino, mas sim chamar atenção para o
fato de que não podemos, diante do resultado das pesquisas desenvolvidas pelo INEP,
aceitar passivamente as críticas ideológicas e sem fundamento teórico.
De fato, os resultados dessa pesquisa podem ser considerados incipientes, mas têm
provocado no interior das IES discussões que começam a se pautar em argumentos
mais elaborados e menos ideológicos.
A nosso ver, não podemos dispensar, sob hipótese nenhuma, um olhar crítico para
as atividades de ensino, pesquisa e extensão que se desenvolvem nas mais diversas
regiões do Brasil, mas no que se refere ao ensino de graduação consideramos de fun-
damental importância que esse olhar mais aguçado tenha como foco tanto os cursos a
distância quanto os cursos presenciais.

98
Políticas públicas para
o Ensino Superior a
distância: a qualidade
Referências dos cursos de graduação
em questão

BLOIS, Marlene M. A busca da qualidade na Educação superior a distância no


Brasil: situação atual e algumas reflexões. RIED, [S.l.], v. 7: n. 1/2, 2004, p. 97-111.
Disponível em: <ried.utpl.edu.ec/es/vol-7-num-1-2014>. Acesso em: 15 nov. 2016.

BRASIL. Decreto no 5.622, de 19 de dezembro de 2005. Regulamenta o art. 80 da


Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da
Educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 dez. 2005.

BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira:


INEP. Censo de Educação superior 2006. Brasília, DF: Inep. 2006. Disponível em:
<http://www.inep.gov.br>. Acesso em: 15 nov. 2016.

BRASIL. Lei no 10.172, de 9 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional da Educação


e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 10 jan. 2001.

BRASIL. Ministério da Educação. Referenciais de qualidade para a Educação


superior à distância. Brasília, DF: MEC, 2007. Disponível em: <http://portal.mec.
gov.br/seed/arquivos/pdf/legislacao/refead1.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2016.

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Lei 9394/96. Brasília, DF: MEC, 1996.

FRAGALE FILHO, Roberto. Educação a distância: análise dos parâmetros legais e


normativos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

RISTOFF, Dilvo. A trajetória dos cursos de graduação a distância. Brasília, DF:


Inep, 2007.

99
POLÍTICA
EDUCACIONAL
BRASILEIRA
Proposta de Atividade

1) Entre os documentos citados neste capítulo estão os Referenciais de Qualidade para a


Educação Superior a Distância, cuja versão mais atual está disponível na página virtual
da Secretaria de Educação a Distância (SEED) do Ministério da Educação (<www.mec.
gov.br>). Faça a leitura do referido documento e apresente uma síntese das principais
recomendações para a elaboração de projetos pedagógicos de cursos superiores ofertados
na modalidade a distância.

Anotações

100
6 Educação do campo:
política para
concretização das
diretrizes

Irizelda Martins de Souza e Silva / Maria Aparecida Cecílio / Kiyomi Hiros

A Educação do Campo no Brasil abrange as comunidades dos assalariados rurais


temporários, posseiros, meeiros, arrendatários, acampados, assentados, reassentados,
atingidos por barragens, agricultores familiares, vileiros rurais, povos da floresta, in-
dígenas, ilhéus, quilombolas, pescadores, ribeirinhos, assalariados rurais temporários,
entre outras populações que retratam a diversidade sociocultural da população na-
cional. Ao longo da história do Brasil, as instâncias políticas oficiais não priorizaram
a presença dessa população nas discussões sobre educação. A sociedade brasileira,
ao fazer uso do senso comum, retrata essas populações com expressões pejorativas:
do ignorante, do iletrado que não tem cultura, do caipira Jeca, obrigado a trabalhar
pesado, no cabo da enxada e a sobreviver do trabalho braçal como se essa fosse uma
condição de vida inerente ao camponês.
A educação para a zona rural, para o campo não tem sido objeto de destaque nas
constituições brasileiras; embora a origem da sociedade brasileira seja eminentemente
agrária, a população camponesa tem ficado à margem dos direitos sociais, entre eles,
a educação. A população originária do campo não teve e ainda não tem, no início do
século XXI, acesso à educação formal digna de direito.
O modelo educacional urbano é adaptado, quando da existência de escolas rurais,
sob alegação oficial da oferta do ensino de qualidade, o que pressupõe a necessidade
de ignorar as diferenças e especificidades da identidade camponesa. Esse descaso dos
dirigentes políticos da nação teria origem na economia agrária apoiada no latifúndio
e no trabalho escravo? Existe um descompasso histórico em relação ao campo, o qual
ora é romantizado, ora é caracterizado pelo Jeca. Esse descompasso é impedimento ao
reconhecimento do diverso e do diferente, em oposição à homogeneização. O campo
é identificado como lugar de atraso pelo olhar do urbano, servindo de justificativa

101
POLÍTICA para a homogeneidade, que é própria do urbano. Ao tratar o rural como se fosse um
EDUCACIONAL
BRASILEIRA gueto, definiram-se os territórios do saber permeados de estratégias de manutenção
da separação campo/cidade, a exemplo da criação e manutenção do transporte esco-
lar sob a gestão descentralizada, exercida por prefeituras. Essa dinâmica nacional das
políticas educacionais são traçadas a partir do início da década de 1990 e referendadas
legalmente com a promulgação da Lei Federal nº 9.394/96 (BRASIL, 1996), que abriu
espaço para a compreensão da Educação do Campo em sua especificidade, preconi-
zando que:

Art. 28. Na oferta da educação básica para a população rural, os sistemas de en-
sino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação, às peculiaridades
da vida rural e de cada região, especialmente:
I – conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e
interesses dos alunos da zona rural;
II - organização escolar própria, incluindo a adequação do calendário escolar às
fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;
III – adequação à natureza do trabalho na zona rural.

O avanço legal observado nesse artigo, no tocante aos parâmetros para definição
de políticas públicas, institui uma nova forma de organizar a política de atendimento
escolar no país, não se satisfazendo mais com meras adaptações do urbano para o
rural, tendo na especificidade e na diversidade sociocultural o direito à diferença e à
igualdade e a meta para os planos estaduais de educação para elaboração de diretrizes
curriculares e ao mesmo tempo, flexibilizando a permanência da criança na escola, o
que poder verter em questões sociais para amplo debate como, por exemplo, a saída
das crianças da escola nos tempos de colheita para o trabalho. Cinco anos e meio após
a aprovação da LDB nº o Conselho Nacional de Educação aprovou as Diretrizes Ope-
racionais para Educação Básica nas Escolas do Campo, instituídas na Resolução CNE/
CEB nº 1, 3 de abril de 2002 (Conselho Nacional de Educação/Câmara da Educação
Básica), seguindo o Parecer e voto da relatora conselheira Edla de Araújo Lira Soares,
que manifestava ‘[...] em primeiro lugar, a identificação de um modo próprio de vida
social e utilização do espaço, delimitando o que é rural e urbano sem perder de vista
o nacional’ (Parecer 36/2001 do CNE/CEB, apud BRASIL, 2002b, p. 29). Essa diretriz
expressava a compreensão histórica da condição de vida do camponês no Brasil que
motivara, a partir dos anos de 1990, os movimentos sociais organizados na luta por
educação no campo com o pressuposto de que percebiam na práxis que a categoria
rural era insuficiente para categorizar a Educação do Campo. Antecede, então, a essa
diretriz, a mobilização de forma articulada dos movimentos sociais do campo na luta
pela construção das políticas públicas para a Educação do Campo. No ano de 2005,
o Ministério de Educação (MEC) organizou seminários em 23 Estados da Federação,

102
com o objetivo de discutir a Educação do Campo. O Estado do Paraná se antecipou Educação do campo:
política para
à organização nacional promovendo, de 9 a 11 de março de 2004, no Centro de Ca- concretização das
diretrizes
pacitação de Faxinal do Céu, no município de Pinhão/PR, o I Seminário Estadual da
Educação do Campo com o tema: Construindo Políticas Públicas.
O II Seminário de Educação no Campo do Paraná, 7 a 9 de abril de 2005, realizado
em parceria (SEED/PR e MEC), objetivou diálogos com entidades e movimentos sociais
no planejamento e implementação de políticas e diretrizes em nível estadual e federal.
Esse seminário contou com a representatividade de autoridades federais e estaduais
(CEE/PR, SEED/PR, ANCA, SECAD/MEC, INCRA/PR, Unioeste, Emater, Deputado Esta-
dual/PR), dos movimentos sociais e universidades comprometidas com a Educação do
Campo, entre as quais a Universidade Estadual de Maringá.
O Seminário constituiu-se como marco histórico na formulação de políticas esta-
duais no Paraná e contou com o posicionamento de Arnaldo Vicente, do Conselho
Estadual de Educação, na defesa das Escolas Itinerantes. Foi relator do Processo nº
1344/03, aprovado em 8/12/2003, conforme o Parecer nº 1012/03, relativo ao pedido
de autorização para funcionamento da escola itinerante na área rural. Sua análise com-
preendeu a contraposição aos trabalhos educativos desenvolvidos nos acampamentos,
como proteção do direito à educação para todos os brasileiros. Defendeu a mística no
processo educacional vivida nos movimentos sociais do campo, resguardando o direito
à subjetividade da formação na prática do ensino como compromisso com a educação.
A defesa da Escola Itinerante realizada pelo conselheiro foi relatada como desafio de
um modo progressista de fazer a escola do campo. A relevância desse processo é coroa
política na elaboração das diretrizes da educação do campo no Estado do Paraná.
Maria Izabel Grein (apud SEMINÁRIOS, 2005), representante do Setor de Educação
da Associação Nacional das Cooperativas Agrícolas dos Assentados (ANCA), ao fazer
uso da palavra após Vicente, afirmou que a construção da escola itinerante é uma
forma de proteção ao direito à educação e encerrou sua fala de modo marcante no Se-
minário com a leitura do poema ‘Morte e Vida Severina’, de João Cabral de Melo Neto1,
publicado nas Diretrizes Nacionais para a Educação no Campo, ressaltando ainda que
a proteção a esse direito social é uma conquista dos movimentos sociais do campo que
emerge de outros tempos históricos.

1 Esta cova em que estás,/ com palmos medida,/ É a conta menor que tiraste em vida,/ É de
bom tamanho,/ nem largo nem fundo,/ é a parte que te cabe,/ deste latifúndio./ Não é cova
grande,/ é cova medida,/ é a terra que querias/ver dividida./ É uma cova grande/para teu pouco
defunto,/ Mas estarás mais ancho/ que estavas no mundo/ É uma cova grande/ para teu defunto
parco,/ Porém mais que no mundo/ te sentirás largo./ É uma cova grande/ para tua carne pou-
ca,/ Mas à terra dada/ não se abre a boca..
103
POLÍTICA Com o poema, Grein resgatou na história do Brasil um passado que tende a se
EDUCACIONAL
BRASILEIRA perpetuar. Evidenciou a subordinação do campo à cidade, contextualizando a história
de luta dos movimentos sociais pelo direito à educação. Referiu-se à I Conferência Na-
cional por uma Educação Básica no Campo, proposta no encontro de 1997 e realizada
em 1988, a partir da qual o MEC assinou com os movimentos sociais e universidades
o compromisso de desenvolver, nos estados brasileiros, encontros preparativos para
a II Conferência e para a definição das políticas estaduais para a Educação do Campo.
Os Movimentos Sociais do Campo do Estado do Paraná realizaram o I Encontro
de Educação do Campo (1999) com a participação da Associação Projeto de Educação
do Assalariado Rural Temporário (APEART), Comissão Pastoral da Terra, Associação de
Estudos, Orientação e Assistência Rural (ASSESOAR), Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) e outros. O objetivo principal foi a preparação dos delegados
para a II Conferência Nacional, que resultou no compromisso de articulação nos esta-
dos, de espaços para debater a educação realizada no campo e as formas de implemen-
tação de políticas públicas nacionais e estaduais.
Nos debates resultantes desse processo de organização a nucleação de escolas pú-
blicas na periferia das cidades e não no campo foi constatada e tornou-se meta a ser
atingida com a primeira ação de reestruturação da educação rural. A ocorrência dessa
forma de nucleação é efetiva na Região Noroeste do Estado do Paraná de acordo com
os relatos de secretários de educação municipais e representantes de pais participan-
tes do debate em 2005.
Essa estratégia de nucleação das escolas rurais, para os movimentos sociais do cam-
po, tem o significado de negação do direito a educação aos trabalhadores do campo,
sob o argumento de que, para se trabalhar no campo, não há necessidade de escola-
ridade, ancorado na ideia do trabalho rudimentar e sem avanço tecnológico. A esse
conceito coaduna-se a ideia do Jeca, do caipira, do trabalhador braçal. O preconceito
foi a primeira barreira identificada a ser transposta para o campo do debate acadêmico
e político. O discurso político que permeava os movimentos era de defesa do ‘Campo
como espaço de vida do cidadão que tem direito de ser completo no campo’.
Constatamos durante o Seminário paranaense de 2003 que os eventos/encontros
que desenham as ações políticas sobre o território brasileiro envolvendo a população
camponesa tiveram como mérito recolocar, sob outras bases, o rural e a educação que
a ele se vincula, a exemplo da formulação das diretrizes nacionais para a educação
básica no campo, que, como reconhece Grein (apud SEMINÁRIOS, 2005), oferece a
possibilidade de garantir o direito de ter educação onde o indivíduo se encontre, seja
na cidade, no campo, no hospital, seja no cárcere.

104
O II Encontro Estadual de 2000 (realizado concomitantemente com a II Conferên- Educação do campo:
política para
cia Estadual por uma Educação do Campo, de 2 a 5 de novembro de 2000), em Porto concretização das
diretrizes
Barreiro, reuniu 450 educadores de 64 municípios representando 14 organizações
governamentais e não-governamentais dos movimentos sociais, sindicatos rurais e
universidades (conferir a Carta de Porto Barreiro, caderno nº 2, da Articulação Pa-
ranaense: ‘Por uma Educação do Campo’). O compromisso desse evento marcou a
iniciativa dos participantes de dar continuidade aos projetos de Educação no Campo.
Decidiram trabalhar na realização de proposições para a II Conferência Nacional.
Foram definidos encaminhamentos de parcerias para os cursos de Ensino Médio (Es-
colas Técnicas), curso de Pedagogia junto à Universidade Federal do Paraná, Univer-
sidade Estadual de Maringá, Universidade Estadual de Cascavel, Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária, Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária,
Associação de Estudos, Orientação e Assistência Rural e de atendimento às famílias
em situação de itinerância nos acampamentos, garantindo a educação básica a quem
de direito.
Rumo às decisões dos encontros, a II Conferência Nacional por uma Educação do
Campo (CNEC), realizada em Luziânia/GO, de 2 a 6 de agosto de 2004, reuniu 1.100
participantes representando Movimentos Sociais, Movimento Sindical e Organizações
Sociais de Trabalhadores e Trabalhadoras do Campo e da Educação, das Universidades,
Organizações Não Governamentais e de Centros Familiares de Formação por Alter-
nância, de Secretarias Estaduais e Municipais de educação e outros órgãos de gestão
pública com atuação vinculada à educação e ao campo. Os participantes assinaram a
Declaração Final Por uma Política Pública de Educação do Campo, pontuando a articu-
lação campo/cidade na garantia do direito a educação.
Os compromissos selados e divulgados foram remetidos a uma agenda básica de
ações na defesa de ‘um tratamento específico da Educação do Campo’, considerando
como pauta de articulação entre campo e cidade ‘a importância da inclusão da popula-
ção do campo na política educacional brasileira’, para garantia de acesso e permanên-
cia e, da existência de ‘um projeto político pedagógico’ para o campo, contemplando
‘a diversidade dos processos produtivos e culturais, que são formadores dos sujeitos
humanos e sociais do campo’.
Trabalhando na elaboração de políticas públicas universais que garantam direitos
sociais e humanos, os participantes da plataforma nacional por uma educação básica
no campo definiram a pauta de ações articuladas entre campo e cidade como metas a
serem atingidas na implementação das diretrizes nacionais.
Vinte e duas ‘ações prioritárias’ formaram os eixos de trabalho na articulação na-
cional por uma educação Básica no Campo e por uma Política Nacional de Educação

105
POLÍTICA no Campo, compreendendo a articulação, coordenação da elaboração de uma política
EDUCACIONAL
BRASILEIRA pública ‘em parceria com o governo federal e movimentos sociais’.
No Estado do Paraná, dois Seminários foram realizados para a elaboração de Políti-
cas Públicas para a Educação do Campo. O II Seminário, de 7 a 9 de abril de 2005, foi
realizado como proposta de fortalecimento dos Movimentos Sociais na elaboração das
Políticas Estaduais e Municipais.
O investimento dos movimentos sociais do campo concentra-se na mobilização e
defesa, por meio dos eventos (Encontros, Seminários, Colóquios, Conferências, Sim-
pósios entre outros), da necessidade de elaboração de políticas públicas visando ao
respeito à Educação do Campo. Atuam ainda na defesa do ensino e da pesquisa, no
resgate das dimensões da educação e do trabalho comunitário, extensivo aos diferen-
tes grupos sociais organizados.
Segundo Antonio Munarin (apud SEMINÁRIOS, 2005), o Brasil enfrenta problemas
sérios na articulação da Educação do Campo. Escolas do campo são fechadas, há falta
de material didático para atender à especificidade, e os existentes são inadequados,
além de faltar professor formado. O autor salienta que, no Brasil, no ano de 2005,
9% dos professores do campo tinham formação superior e, no meio urbano, 38% não
possuem curso superior. Ressaltou também que não existia dotação financeira para a
Educação do Campo. Independentemente desse fato, o Estado do Paraná contava com
coordenação pedagógica para o campo na Secretaria de Educação Estadual, o que não
é realidade em todos os estados do país, confirmando as Declarações Nacionais, dos
anos de 1998 e 2004, publicadas nos cadernos ‘Por uma educação básica no campo’.
Os conteúdos e metodologias inadequados são constatações que comprovavam
a ausência da especificidade da educação do campo; falta de salário e existência de
sobrecarga de trabalho para os educadores. O MEC registrava que 50% das escolas do
Brasil estavam no campo, cada qual com uma sala e número mínimo de estudantes.
Observou que 67% das crianças do campo eram transportadas para as cidades e que
muitas prefeituras construíam escolas nas periferias das cidades para matricular alunos
do campo. Ainda conforme Munarin (apud SEMINÁRIOS, 2005), problemas como a
exclusão é corrente nesse processo. As consequências da migração campo/cidade acar-
retam a prostituição, o trabalho precoce e o abandono do campo, com a agravante da
população campesina ser taxada de ignorante ao chegar à cidade.
O processo de debate organizado revela a universalização dos direitos sociais como
base da relação de luta popular nas instâncias dos movimentos sociais, para fazer o Po-
der Público garantir a educação pública e gratuita como direito do cidadão camponês
e dever do Estado. Em resposta a esse posicionamento político dos Movimentos So-
ciais, o Estado, por meio do Ministério da Educação, começa a organizar a discussão, e

106
o Conselho Nacional de Educação passa a ser espaço de luta social, enquanto estrutu- Educação do campo:
política para
ra oficial. As primeiras diretrizes nacionais para Educação do Campo foram aprovadas, concretização das
diretrizes
porém não implementadas no âmbito nacional MEC, mesmo constituindo base legal.
Em 2004, a II Conferência Nacional tornou-se símbolo da possibilidade de articulação
de uma plataforma para trabalhar por um objetivo único: Educação do Campo. É o mar-
co do compromisso entre Poder Público e Movimentos Sociais do Campo e da cidade no
planejamento da educação nacional, considerando que a partir de 2000 as mobilizações
sociais em defesa da Educação do Campo conseguiram fazer-se ouvir oficialmente, reivin-
dicando a parceria do Estado na execução da tarefa de elaboração de políticas públicas,
articulando-se com os governos nas instâncias federal, estadual e municipal.
No ano de 2005, o MEC, em respeito à Constituição Federal de 1988 e à Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996, organizou a funcionalidade
dos sistemas do ensino para o atendimento das especificidades do campo, aprofun-
dando a compreensão dos eixos aprovados nas Conferências Nacionais: cultura, tra-
balho, clima. Foram criados diferentes fóruns de debates para uma ação coordenada
na execução das propostas de elaboração de políticas, implementação, divulgação e
normatização das diretrizes.
Em função dos encaminhamentos políticos definidos como compromisso da pla-
taforma nacional, no Paraná a discussão das Diretrizes Curriculares Nacionais para
Educação do Campo trouxe para o II Seminário a Conselheira Nacional, relatora das
diretrizes, a professora Edla de Araújo Lyra Soares (apud SEMINÁRIOS, 2005), presen-
ça esclarecedora no desafio de justificar a proteção do direito à educação do camponês
em território nacional.
Para o ano de 2005, a meta da Coordenação da SEED/PR foi a formação de duzentos
educadores e educadores itinerantes, de participação na revisão do Plano Nacional
de Educação e implantação das diretrizes curriculares, respeitando os direitos dos
diferentes povos, considerando que o segundo eixo das diretrizes seria a cultura dos
povos do campo.
No ano de 2006, sinais da apropriação dos trabalhos resultantes dos eventos são fir-
mados na elaboração das Diretrizes Curriculares para Educação do Campo no Estado
do Paraná e assim apresentadas por Antenor Martins de Lima Filho:

A construção das Diretrizes Curriculares da Educação do Campo é mais um pas-


so importante na afirmação da educação como um direito universal, pois vem
auxiliar o professor a reorganizar a sua prática educativa, tornando-a cada vez
mais próxima da realidade dos sujeitos do campo, criando assim um sentimento
de pertencimento das crianças e adolescentes, que vão ter na escola um trabalho
educativo com sentido em suas vidas. A intenção é que as Diretrizes possam
motivar os professores na observação e apropriação da riqueza que o campo
brasileiro oferece à ampliação dos conhecimentos escolares (PARANÁ, 2006).

107
POLÍTICA Considerando a diversidade populacional que transcende o conceito de cidade,
EDUCACIONAL
BRASILEIRA registram-se nas diretrizes os dados que transportamos a seguir e que demonstram a
expressiva necessidade de elaboração de políticas de Estado para o Campo:

No Paraná, existem 399 municípios. No Estado encontramos 14 áreas de re-


manescentes de Quilombos, conforme informações fornecidas pela Fundação
Cultural Palmares; 44 Faxinais, que mantêm a organização social típica do Siste-
ma Faxinal, segundo Sahr e Cunha (2005); quatro etnias indígenas, distribuídas
em 17 terras indígenas, 400.000 trabalhadores assalariados bóias-frias, segun-
do Broietti (2003); setenta acampamentos, segundo informações do MST; 311
assentamentos de reforma agrária, segundo informações do INCRA (PARANÁ,
2006).

Em 2009, após quatro anos de articulação planejada entre Estado e Movimentos So-
ciais do Campo para elaboração das diretrizes, as ações políticas estaduais são objeto
de organização de novos espaços de debate, entre os quais destaca-se o Comitê Esta-
dual de Apoio à Educação do Campo e o V Simpósio de Educação do Campo realizado
de 05 a 08 de outubro de 2009, em Faxinal do Céu-PR.

Referências

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil:


1988. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2002a.

BRASIL. Ministério da Educação. Lei nº 9.394/96 de 20 de Dezembro de 1996: Lei


de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, DF: MEC, 1996. Disponível em:
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>. Acesso em: 15 nov. 2016.

BRASIL. Parecer nº 36/2000- CNE. Diretrizes Operacionais para a Educação Básica


nas Escolas do Campo; Resolução 1/2002-CNE. Brasília, DF: [s. n.], 2002b.

CONFERÊNCIA NACIONAL POR UMA EDUCAÇÃO DO CAMPO, 2., 2004, Luziânia,


GO. Anais... Luziânia, GO: MST/Unicef/Unesco, 2004.

DELEGACIA do trabalho liberta 85 trabalhadores escravos em madeireira no Paraná.


[S.l.: s.n., 200-]. Disponível em: < http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/
noticia/2005-05-24/delegacia-do-trabalho-liberta-85-trabalhadores-escravos-em-
madeireira-no-parana>. Acesso em: 15 nov. 2016.

108
PARANÁ. Escolas Itinerantes. Processo nº 344/03 – CEE e Parecer nº 1012 – CEE: Educação do campo:
política para
aprovado em 8/12/2003, relator Arnaldo Vicente. Curitiba: 2003. concretização das
diretrizes

PARANÁ. Diretrizes Curriculares da Educação do Campo. Curitiba: Secretaria de


Estado da Educação, 2006.

SEMINÁRIOS ESTADUAIS: Educação e Diversidade no Campo, 2., 2003, Faxinal do


Céu. Anais... Faxinal do Céu: Seed, 2005.

Proposta de Atividade

1) Organize um seminário a respeito das Diretrizes Operacionais para Educação Básica nas
Escolas do Campo e pesquisa sobre educação no e do campo no Paraná, destacando as
escolas do campo de cada região do Estado por meio de fotos antigas e entrevistas com
camponeses.

Anotações

109
POLÍTICA
EDUCACIONAL
BRASILEIRA
Anotações

110
7 A educação de
pessoas com deficiência

Elis Milena Veiga Moreira de Azevedo / Nerli Nonato Ribeiro Mori

Em diferentes momentos, conforme as necessidades e exigências historicamente


criadas na produção da vida, foram se estabelecendo e se modificando os modos de
perceber, cuidar ou educar as pessoas com deficiência.
Neste capítulo, analisamos alguns aspectos básicos de cada período histórico, enfo-
cando desde a segregação e eliminação, passando pelo início do atendimento educa-
cional, pelas práticas integradoras e chegando às atuais políticas de inclusão.

IDADE ANTIGA AO SÉCULO XV: DA SEGREGAÇÃO E ELIMINAÇÃO À


CARIDADE CRISTÃ
Na sociedade primitiva, os homens deviam, individualmente, prover o próprio sus-
tento e contribuir para a sobrevivência do grupo, pois devido a sua estreita relação
com a natureza, dependiam do que esta lhes proporcionava (pesca, caça e abrigo).
Neste sentido, os indivíduos doentes, fracos, incapacitados, deficientes acabavam sen-
do empecilhos e, em consequência, relegados à própria sorte ou, então, exterminados.
Nesse tipo de sociedade, os indivíduos possuíam rudes condições de vida, sendo
deles exigidas, como qualidades básicas, a capacidade física integral, a força e a partici-
pação coletiva na defesa de seu sustento e da sobrevivência do grupo.
Na Grécia Antiga, o espartano se dedicava à guerra, por isso valorizava a perfeição
do corpo (forte e belo), sendo este o grande objetivo: ‘Se, ao nascer, a criança apre-
sentasse alguma deficiência, era eliminada. Praticava-se uma eugenia radical, na fonte’
(BIANCHETTI, 1995, p. 9). Já o ateniense prezava a filosofia. Por acreditar na divisão
corpo/mente, considerava que o homem livre tinha somente as funções de esforço
mental: pensar e comandar, enquanto que para o escravo eram reservadas as tarefas
musculares: trabalhar. A argumentação (mente) representava a dignidade; em contra-
partida, o trabalho (corpo) era uma atividade degradante, um entrave à manifestação
da mente. De qualquer maneira, em Esparta como em Atenas, a legislação previa o
abandono/exposição do indivíduo doente.

111
POLÍTICA Com o surgimento e a propagação do cristianismo, as práticas de extermínio e
EDUCACIONAL
BRASILEIRA abandono passam a ser alteradas em função dos novos valores morais e religiosos que
postulavam serem todos os homens iguais, independentemente de suas condições
sociais, físicas ou mentais.
Na nova sociedade que se estruturava, a feudal, o fortalecimento desses valores
preconizados pela Igreja como virtudes essenciais do bom cristão passam a suscitar
atitudes de tolerância e resignação das pessoas perante os doentes, loucos ou me-
nos afortunados, pois esses eram vistos tanto como manifestações da vontade divina,
quanto como decorrência do pecado dos pais. Sendo assim, cabia aos bons cristãos e à
Igreja cuidar dessa parcela da população, já que a caridade e a prática do bem levariam
à salvação.
Do século XVI ao século XVIII, além dos deficientes mentais, todos aqueles des-
providos das condições ideais eram internados em orfanatos, manicômios e outras
instituições.
Aquilo que hoje é chamado de Educação Especial apresenta seus precursores atra-
vés da educação da criança surda1. Antes disso, os indivíduos com essa limitação eram
atendidos em asilos, onde viviam à margem da sociedade, quando não perambulavam
como mendigos, dependendo da caridade pública para sobreviver.
Nessa época, na Espanha, as crianças surdas pertencentes à nobreza eram educadas
por preceptores. De acordo com Bueno (1993), é preciso:

[...] distinguir o que significava educar crianças surdas nessa época. Enquanto
que, para as crianças ouvintes, a educação se constituía no ensino da leitura, da
gramática, da matemática e das artes liberais, a educação de seus irmãos surdos
se configurava, basicamente, a técnicas de desmutização ou de substituição da
fala por gestos, que parece corresponder muito mais a recuperação da doença
(p. 58).

Já na história da vida dos cegos, a bibliografia refere-se a eles (século XVI e XVII)
como desassistidos e abandonados à própria sorte em asilos e instituições de abrigo
que em nada contribuíam para mudar sua condição de dependência e inferioridade.
Na França, os registros feitos por Belmont e Vérillon (1997) discorrem acerca do
início da ideia da possibilidade de educar pessoas deficientes:

A ideia de uma educabilidade de pessoas deficientes começa no século XVIII e


no começo do século XIX com os trabalhos do abade de Epée com os surdos,

1 Segundo Bueno: ‘É atribuída ao monge beneditino Pedro Ponce de Leon o papel de iniciador
da educação especial, através de seu trabalho com crianças surdas, iniciado em 1541, na Espa-
nha’ (1993, p. 8).

112
depois os trabalhos de Hauÿ com os cegos e de Itard com os deficientes men- A educação de
tais. Ao fim do século XIX, a batalha do médico Baurnevelle para obter as clas- pessoas com deficiência
ses especiais anexadas às escolas primárias, suscetíveis de acolher os ‘novos
retardados’, resulta na criação das classes de aperfeiçoamento (1909) (Gateaux
– Mennecier, 1989). Mas essas classes são sobretudo destinadas para os ‘anor-
mais da escola’, isto é, as crianças já escolarizadas mas estimadas ‘débeis’ (p.
16).

Somente a partir do século XVIII a literatura registra o surgimento de instituições


especializadas para atender deficientes surdos e cegos na Europa. Essas instituições
tinham a função de oferecer escolarização às crianças que, devido a sua deficiência,
não podiam frequentar o ensino regular. Citamos como exemplo o Instituto Nacional
de Surdos e Mudos, criado em 1760, e o Instituto dos Jovens Cegos, em 1784, ambos
na cidade de Paris.
Já em relação à situação dos deficientes mentais, estes, nos séculos XVI e XVII, eram
encaminhados aos asilos e/ou hospícios, porque não eram estabelecidas diferenças
entre eles e os loucos.

SÉCULO XIX AO SÉCULO XX: PRIMÓRDIOS DO ATENDIMENTO


EDUCACIONAL
Ferreira (1995) preconiza que é possível distinguir duas fases na Educação Espe-
cial: a primeira referia-se ao ‘tratamento moral’, ou seja, à realização de treinamento
psicomotor que tinha como objetivo incutir nos deficientes hábitos regulares. Essa
atitude segue até a primeira metade do século XIX, através de instruções individua-
lizadas e sequenciadas, acreditando-se que assim alcançava-se a recuperação desses
indivíduos. Lembra que a população assistida e que esperava a cura era a economica-
mente favorecida.
A segunda fase surgiu na última década do século XIX, quando houve profundas
alterações nas características das instituições. Nesse período, não se acreditava mais na
eficiência da recuperação dos indivíduos pelo treinamento psicomotor, e a população
atendida era, então, a dos menos favorecidos. Em ambos os casos, a institucionalização
passa a funcionar como instrumento de segregação, através da qual a sociedade ficava
protegida daqueles tidos como fora da normalidade.
A respeito da segregação, é interessante citar a posição de Bueno (1997):

[...] a educação especial, desde o seu surgimento no final do século XVIII, aten-
de a dois interesses contraditórios: o de oferecer escolaridade a crianças anor-
mais, ao mesmo tempo em que serve de instrumento básico para a segregação
do indivíduo deficiente (p. 38).

113
POLÍTICA Para este autor, essas duas trajetórias – aparentemente contraditórias, mas não exclu-
EDUCACIONAL
BRASILEIRA dentes – acabam por coexistirem simultaneamente em um momento histórico em que a
sociedade moderna, ao defender os princípios de igualdade e cidadania, não podia dis-
pensar ou deixar de garantir a essa categoria de indivíduos deficientes o direito à educação.
O que percebemos é que a criação das instituições especializadas para o atendi-
mento do indivíduo que não se enquadrava na ordem social vigente teve dois fins
específicos, pelo menos até a última década do século XIX: primeiro, tentar curar o
deficiente, e depois, como isso era impossível, ela serviu para afastá-lo do meio social
em que vivia, exercendo, assim, fundamentalmente, a segregação e a exclusão.
Há que considerarmos ainda que em seu surgimento e posterior evolução se des-
tacaram na constituição da Educação Especial dois modelos: o médico-pedagógico e
o psicopedagógico. O modelo médico-pedagógico corresponde ao período em que,
conforme enuncia Glat (1995):

Tradicionalmente o atendimento aos portadores de deficiência era realizado


de maneira custodial e assistencialista. Baseado em um modelo médico, a defi-
ciência era vista como uma doença crônica e o deficiente como um ser inválido
e incapaz, que pouco poderia contribuir com a sociedade, devendo ficar ao
cuidado das famílias ou internado em instituições ‘protegidas’, segregado do
resto da população (p. 11).

Isto se deveu ao fato de ter sido a medicina uma das primeiras áreas do conhe-
cimento a se interessar pela questão da deficiência (em particular pela deficiência
mental), por aspectos como a sua etiologia, definições e classificações. Geralmente a
deficiência mental era diagnosticada como uma doença, um problema neurológico,
não específico e congênito.
Quanto ao segundo modelo, o psicopedagógico, este se difunde a partir do primei-
ro quarto do século XX por meio da psicometria, que foi criada com a finalidade de
obter dados sobre o desempenho e as habilidades das crianças, objetivando classificá-
-las quanto à capacidade de aprender e de progredir nas séries escolares.
O modelo médico pedagógico esteve subordinado à ação do médico não só na de-
terminação do diagnóstico, mas também na recomendação das práticas escolares; por
outro lado, o modelo psicopedagógico impregnou toda a educação, inclusive a brasi-
leira, nesse período (através dos laboratórios de psicologia experimental, das escolas,
de aperfeiçoamento dos professores, das reformas da educação, da literatura etc.).

SÉCULO XX: DA LUTA PELA INTEGRAÇÃO ÀS POLÍTICAS INCLUSIVAS


Santos (1995) assevera que o movimento integracionista surgiu oficialmente na
Europa no início dos anos 60 do século XX em decorrência de três fatores:

114
1) As duas grandes guerras mundiais; A educação de
pessoas com deficiência
2) O fortalecimento do movimento dos direitos humanos;
3) O avanço científico.

Após as duas guerras mundiais (que tiveram um curto espaço de tempo entre elas),
o índice de soldados que retornavam mutilados era alto, contribuindo, consequente-
mente, para a elevação do número total de indivíduos debilitados e deficientes. Isso
acarretou escassez de mão-de-obra, provocando a necessidade de implementação de
uma série de programas sociais, tais como pontua Santos (1995):

[...] educação, saúde e treinamento específico para funções trabalhistas de de-


ficientes que visavam ao mesmo tempo em que reintegrar tais indivíduos na
sociedade, preencherem as lacunas da força de trabalho européia, originadas
pelas duas guerras (p. 22).

Nesse período surge, portanto, a perspectiva de reintegração, voltada à necessida-


de de ocupar o espaço vazio causado pela falta de mão-de-obra. Já a partir dos anos 60
do século XX, no pós-guerra, essa perspectiva tomou novo rumo com o fortalecimento
do movimento pelos direitos humanos, que guiou a integração da pessoa deficiente.
Com essa mudança, a reintegração desses indivíduos começa a se dar com base em
seus direitos enquanto cidadãos e não mais no sentido de preencher espaços laborais
ociosos.
Paralelamente aos dois fatores supracitados, ocorreu o avanço científico, principal-
mente nas áreas de medicina, educação e psicologia. As pesquisas científicas enfatiza-
vam que o atendimento às pessoas deficientes deveria ser menos assistencialista e que
os indivíduos com necessidades especiais eram capazes de aprender e de frequentar
um ambiente escolar comum.
Santos (1995) explica o movimento de integração na Europa:

Ao final dos anos 60 e durante a década de 70, esta movimentação culminará


em iniciativas legais observadas na maioria dos países da Europa Ocidental. Tais
iniciativas se deram no sentido de se colocar em prática esses ideais democrá-
ticos de inserção dos indivíduos na sociedade. A maioria das leis educacionais
formuladas nesta época terá como ponto central a transferência dos indivíduos
até então considerados ‘excepcionais’ dos serviços de saúde e assistência social
para o setor educacional. É a educação vista como um veículo de promoção e
ascensão social, assim como de habilitação do indivíduo para que ele, ou ela
possa contribuir socialmente (p. 23).

Alguns países da Europa, de diferentes maneiras, realizaram o movimento de in-


tegração. Na Itália, por exemplo, o movimento de integração estendeu-se a todas as

115
POLÍTICA pessoas, independentemente do tipo de deficiência que elas possuíam. A filosofia em-
EDUCACIONAL
BRASILEIRA pregada era a do confronto e da aprendizagem mútua. Isso significava que no convívio
diário (escola, repartição e comunidade em geral), os indivíduos ‘normais’ e os defi-
cientes estariam em confronto, ou seja, os indivíduos estariam convivendo mutuamen-
te e esse confronto geraria mudanças no modo como cada grupo percebe o outro.
O movimento de integração ocorreu gradualmente e de forma mais ou menos
assistencialista em outros países da Europa. Por um lado, há a Alemanha, a Bél-
gica, a França e a Holanda que acreditavam que a integração deveria ocorrer de
forma processual até se conseguir a integração da pessoa deficiente na sociedade
como um todo. Por outro lado, a Dinamarca e a Noruega partiram do princípio de
que a integração da pessoa deficiente deveria ser desencadeada desde o início da
escolarização.
Na França, por exemplo, aproximadamente no começo de 1970, começa a se ma-
nifestar uma preocupação de não marginalizar os deficientes, facilitando sua inserção
e permanência no meio escolar comum, proporcionando seu desenvolvimento nos
mesmos ambientes escolares que seus pares. Surge, então, o movimento em favor da
integração escolar, o qual foi sendo reconhecido pela Lei de 1975, que confia à escola
regular a missão de acolher os deficientes, porém permanecem as preocupações,
principalmente do setor especializado. De acordo com Belmont e Vérillon:

Teme-se, notadamente, que os jovens deficientes integrados à escola sejam


privados dos cuidados especiais que lhes são destinados nos estabelecimentos
especializados e que o progressivo movimento de integração ocasione o desa-
parecimento desses estabelecimentos que oferecem os cuidados específicos aos
deficientes (1997, p. 16)2.

Notamos que apesar de se perceber a necessidade de inserção das crianças defi-


cientes no ambiente escolar comum para seu desenvolvimento, existia um forte receio
de que essas crianças perdessem os benefícios obtidos nos meios especializados, por-
que se acreditava que esses locais especializados de fato promoviam ganhos para o
desenvolvimento dessas crianças.
É preciso ressaltar que o movimento em prol dos deficientes em ambiente esco-
lar comum surgiu na década de 60 do século XX na Suécia, o qual foi seguido pela
Dinamarca. Inicialmente, esse movimento centralizou-se nas pessoas com deficiência

2 On redoute, notamment, que les jeunes handicapés intégrés à l’école ne soient privés des
soins spécifiques dont ils bénéficient dans les établissement hospitaliers ou médico – éducatifs
et que les développement de l’intégration n’ entraîne la disparition des établissements spécialisés
(1997, p. 16).

116
mental e, posteriormente, generalizou-se enquanto estratégia de ação e como busca A educação de
pessoas com deficiência
de um melhor conhecimento de outros grupos de pessoas com necessidades espe-
ciais. O objetivo primeiro dos integracionistas desses países estava em retirar essas
pessoas das escolas especializadas e inseri-las nas escolas regulares para que pudessem
conviver efetivamente com seus pares.
Desta forma, o objetivo era o de garantir uma efetiva qualidade de vida que abran-
gesse todas as pessoas, deficientes ou não, em um contexto social que lhes pudesse
oferecer as melhores condições possíveis para o desenvolvimento pleno de suas capa-
cidades e potencialidades. Nesse contexto, expõe Queiroz Perez-Ramos (1997), toma
corpo, na Suécia, na década de 1960 do século XX, a Teoria da Normalização.

Mais do que uma abordagem teórica, este enfoque constitui uma filosofia de
vida, segundo o qual as pessoas, com deficiência, têm oportunidade de viven-
ciar ritmos, hábitos e costumes comuns, sem que isso signifique sua transfor-
mação em indivíduos normais. Supõe facilitar-lhes experiências próprias de
período de vida em que se encontram, com envolvimento regular nos corres-
pondentes ambientes sócios familiares (p. 27).

É a partir, portanto, da teoria da normalização que surge o movimento de inser-


ção da pessoa deficiente no sistema regular de ensino. Esse movimento, por sua vez,
originará o chamado mainstreaming, o qual, segundo Santos (1995), é um termo de
origem inglesa que ‘significa um movimento de inserção (de alguém ou algo) dentro
do fluxo principal’ (p. 23).
A autora informa que, partir de 1980, a ideia de integração passa a assumir outra
dimensão: o que antes (durante o pós-guerra) estava diretamente associado à questão
como igualdade e direito de oportunidade agora será consolidado enquanto princípio:

[...] aliada ao princípio de normalização e participação, a integração passa a


adquirir caráter quase que próprio, e um sentido de movimento e luta que em
última instância representam a defesa de uma sociedade mais igualitária, que
proporciona aos seus cidadãos oportunidades e condições de participação e de
contribuição: se não integral, pelo menos parcial (SANTOS, 1995, p. 25).

Na Política Nacional de Educação Especial, a integração é conceituada como:

Um processo dinâmico de participação das pessoas num contexto relacional,


legitimando sua interação nos grupos sociais. A integração implica em recipro-
cidade. E sob o enfoque escolar é processo gradual e dinâmico que pode tomar
distintas formas de acordo com as necessidades e habilidades dos alunos (BRA-
SIL, 1994, p. 18).

117
POLÍTICA A integração escolar é um processo que consiste em educar crianças com necessi-
EDUCACIONAL
BRASILEIRA dades especiais juntamente com crianças ‘normais’ na escola regular, podendo a crian-
ça deficiente permanecer em período integral na escola ou apenas parcial, e utilizando
o outro período para se beneficiar de locais especializados, de acordo com a sua ne-
cessidade. Para Carvalho (1998):

Trata-se de um processo gradual e dinâmico que assume distintas formas, se-


gundo as necessidades e características de cada aluno, considerando o seu
contexto sócio–econômico. Este conceito se traduz o que se conhece como a
teoria do ambiente o menos restritivo possível (AMR) centrada nas aptidões dos
alunos que devem ser ‘preparados’ para a integração total, no ensino regular
(p. 158-159).

A inclusão é um processo que requer mudanças de atitude na escola e na socieda-


de. Na escola com maior urgência, para não se correr o risco de acabar contribuindo
com o preconceito, visto que o sucesso da integração social da criança deficiente de-
pende, em grande parte, de seu sucesso na integração escolar.
Em conformidade com a análise de Mantoan (1997), são duas as opções de inser-
ção escolar:
I - A integração, também denominada mainstreaming, ou seja, ‘corrente principal’,
tem como objetivo proporcionar ao aluno um ambiente o menos restritivo possível, ‘e
seu sentido é análogo a um canal educativo geral, que em seu fluxo vai carregando todo
tipo de aluno com ou sem capacidade ou necessidade específica’ (p. 53). Aí, o aluno
deve ter acesso à educação e sua formação deve ser adaptada as suas necessidades.
Esse processo de integração através da corrente principal é definido pelo chamado
sistema de cascata,‘que deve favorecer o ‘ambiente o menos restritivo possível’, dando
oportunidade ao aluno, em todas as etapas da integração, para transitar no sistema, da
classe regular ao ensino especial’ (p. 53).
II - A Inclusão ou inserção pelo sistema de caleidoscópio:

O caleidoscópio precisa de todos os pedaços que o compõem. Quando se retira


pedaços dele, o desenho se torna menos complexo. As crianças se desenvol-
vem, aprendem e evoluem melhor em um ambiente rico e variado (FOREST;
LUSTHAUS apud MANTOAN, 1997, p. 54).

A inclusão é um termo utilizado por educadores canadenses que defendem o sis-


tema caleidoscópio de inserção. Nele não existe uma diversidade de atendimento. A
criança frequentará a turma comum do ensino regular.
De acordo com Werneck (1997), nesse sistema:

118
Caberá à escola encontrar respostas educativas para as necessidades específicas A educação de
de cada aluno, quaisquer que sejam elas. A inclusão não admite diversificação pessoas com deficiência
pela segregação. Busca soluções sem segregar os alunos em atendimentos espe-
cializados ou modalidades especiais de ensino. Tende para uma especialização
do ensino como um todo (p. 53).

Sob esse ponto de vista, a inclusão vai ao encontro da proposta de integração.


Enquanto que na integração o educando com necessidades especiais de ensino pode
descer ou subir na cascata, isto é, dependendo de suas necessidades frequentará a
classe regular, a classe especial etc., na inclusão, a escola é que deverá se adaptar para
receber o aluno com necessidades especiais. ‘A meta primordial da inclusão é não dei-
xar ninguém no exterior do ensino regular, desde o começo’ ( WERNECK, 1997, p. 52).
De forma resumida, apresentam-se, em consonância com a autora supracitada, al-
gumas explicações que, dependendo do ponto de vista, tanto podem assemelhar ou
diferenciar os termos integração e inclusão.
Os vocábulos integração e inclusão, quando usados no âmbito escolar, referem-se
à inserção da pessoa com necessidades educativas especiais no ensino regular, só que,
na integração, sua inserção é parcial e condicionada as suas necessidades, enquanto
que na inclusão sua inserção é total e incondicional.
A diferença básica entre esses dois modelos está no modo de constituir o sistema
de ensino. Na inclusão, as necessidades de todos os alunos devem fazer parte da estru-
tura escolar, enquanto que na integração há necessidade de criação de modalidades
alternativas para atender aos diferentes alunos que não conseguem acompanhar o
ritmo do ensino regular. A integração corresponde ao sistema de cascata, e a inclusão
ao modelo de caleidoscópio.
Conforme o exposto, as explanações de Carvalho (1998) são utilizadas para com-
plementar o assunto ora discutido, além de suas críticas, que são pertinentes para
esclarecer essas duas metáforas.
Na metáfora da cascata, os alunos deficientes que utilizam os serviços educacionais
especializados passaram para a corrente principal, isto é, frequentaram as escolas re-
gulares junto com as crianças ‘normais’.
Na metáfora do caleidoscópio, a criança deficiente deverá frequentar incondicio-
nalmente a escola regular, porque ela seria uma das partes indispensáveis desse instru-
mento, que representa a riqueza da totalidade.
A ideia do caleidoscópio remete-nos a pensar que as suas partes são importantes
para que a figura tenha sentido, isto é, se complete. Carvalho (1998), porém, nos ins-
tiga a refletir que essa é uma imagem ambígua, pois ‘[...] a figura que se forma, em sua
beleza e complexidade, é extremamente sensível a qualquer movimento da mão ou
dos dedos de quem sustenta o brinquedo’ (p. 165).

119
POLÍTICA Não ficariam essas crianças deficientes fragilizadas diante de uma situação instável?
EDUCACIONAL
BRASILEIRA Retomamos, então, a ideia de integração e inclusão. O conceito de integração está
diretamente associado à ideia da cascata, assim como a ideia da inclusão está direta-
mente associada à ideia do caleidoscópio. Alguns autores sugerem abandonar o termo
integração por considerarem que o termo pressupõe que cabe somente ao aluno de-
ficiente mudar de posição, isto é, sua entrada na corrente principal dependerá exclu-
sivamente dele.
Sob a perspectiva da inclusão, todos os alunos, deficientes ou não, devem frequen-
tar o ensino regular, na classe comum, a qual deve oferecer um serviço educacional
que atenda a todos. Todavia, não basta que estejam todos juntos, como enfatiza Car-
valho (1998):

Pensar na inclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais nas


classes regulares sem lhes oferecer ajuda e apoio, bem como a seus professores
e familiares, parece-me o mesmo que inseri-los seja como número de matrícula,
seja como mais uma carteira na sala de aula. Dizendo de outro modo, pensar
na inclusão sem que haja a integração psicossocial e pedagógica entre todos os
alunos é uma forma requintada e perversa de segregação e de exclusão, apesar
de estarmos juntos, fisicamente e apenas (p. 171).

A publicação da ‘Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação


Inclusiva’ foi marco importante para o estabelecimento de políticas públicas para a
inclusão. O documento advoga o ‘[...] direito de todos os alunos pertencerem a uma
mesma escola, de estarem todos juntos aprendendo e participando sem nenhum tipo
de discriminação’ (BRASIL, 2008, p. 1).
Na política, o alunado da educação especial passa a ter a seguinte classificação:
deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdota-
ção. Os sistemas de ensino são orientados no sentido de garantir aos alunos assim
classificados:

Acesso com participação e aprendizagem no ensino comum; Oferta do aten-


dimento educacional especializado; Continuidade de estudos e acesso aos ní-
veis mais elevados de ensino; Promoção da acessibilidade universal; Formação
continuada de professores para o atendimento educacional especializado; For-
mação dos profissionais da educação e comunidade escolar; Transversalidade
da modalidade de ensino especial desde a educação infantil até a educação
superior; e Articulação intersetorial na implementação das políticas públicas
(BRASIL, 2008, p. 14).

Como podemos visualizar na página virtual do Ministério de Educação, várias ações


e programas foram empreendidos nos sentido do acesso dos alunos, formação de pro-
fessores e articulação nas diferentes esferas administrativas.

120
Um destaque é a Resolução n. 4, de 2 de outubro de 2009, publicada no Diário Ofi- A educação de
pessoas com deficiência
cial da União em 5/10/2009, que institui Diretrizes Operacionais para o Atendimento
Educacional Especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial.
Com base nessa resolução, fica estabelecido que o Atendimento Educacional espe-
cializado (AEE) deverá ser feito prioritariamente em Salas de Recursos Multifuncionais
(SRM), podendo também ser realizado em Centros de Atendimento Especializados
(CAEE).
O que são as SEM? São espaços localizados nas escolas de educação básica, nos
quais são realizados o AEE. Elas são constituídas por mobiliários, materiais didáticos,
recursos pedagógicos e de acessibilidade e equipamentos específicos e de professores
com formação especializada.
O AEE, por sua vez, é um serviço da Educação Especial, de caráter complementar
ou suplementar à formação dos alunos no ensino regular. Ele é realizado pelos CAEE,
de acordo com as necessidades específicas dos alunos. Assim como a SRM, seu caráter
é complementar ao da sala de aula comum.
Deste modo, considerando as definições de SEM e AEE, um ponto importante para
o estabelecimento da atual política pública de inclusão é o aspecto financeiro. Os alu-
nos com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento ou altas habilidades/su-
perdotação serão contabilizados duplamente, desde que estejam na seguinte situação:
a) Matrícula na classe comum e na SRM da mesma escola pública
b) Matrícula na classe comum e na SRM de outra escola pública
c) Matrícula na classe comum e no CAEE público
d) Matrícula na classe comum e no CAEE privado sem fins lucrativos

Ou seja, o intuito é a busca de articulação entre a educação regular e a educa-


ção especial, bem como superação da organização de sistemas paralelos de educação
especial.

À GUISA DE CONCLUSÃO...
O percurso histórico da educação de pessoas com deficiência indica avanços im-
portantes, especialmente em termos de legislação e de organização documental.
O momento atual é um misto de esperança e apreensão. A efetivação do que foi lon-
gamente sonhado e debatido certamente resultará em uma escola mais eficaz e com-
petente para ensinar a todos e a cada um, com suas singularidades e especificidades.
Não se trata de um processo tranquilo; como as demais mudanças, a inclusão en-
volve tensões e lutas geradas na produção da vida. Há aspectos ainda pouco conhe-
cidos sobre a aprendizagem em alguns quadros e síndromes. Mas é no caminhar que
formaremos esses conhecimentos. JUNTOS.
121
POLÍTICA
EDUCACIONAL
BRASILEIRA
Referências

BELMONT, Brigitte; VÉRILLON, Aliette. Intégration scolaire d’enfants handicpés à


l’école Matenelle: partenariat entre enseignants de l’école ardinaire et profissionnels
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especial. Brasília, DF: Secretaria de Educação especial, 1994.

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e qualidade. Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades
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WERNECK, Claudia. Ninguém mais vai ser bonzinho na sociedade inclusiva. Rio
de Janeiro: Ed. WYA, 1997.

Proposta de Atividade

1) No capítulo é delineado um panorama histórico do atendimento escolar à pessoa com


deficiência. Faça uma síntese de cada um dos principais períodos apresentados.

Anotações

123
POLÍTICA
EDUCACIONAL
BRASILEIRA
Anotações

124
8 Políticas educacionais
para populações
indígenas
Lúcia Gouvêa Buratto / MARIA SIMONE JACOMINI / Rosângela Célia Faustino

Neste capítulo, ressaltaremos as características das políticas educacionais para po-


pulações indígenas, que principalmente a partir da Constituição de 1988 vêm buscan-
do romper com as perceptivas assimilacionistas em vigor na legislação vigente até en-
tão. Em nossa análise, buscaremos mostrar alguns princípios da Legislação Nacional,
bem como a sua implementação no Estado do Paraná, sem pretendermos abordar toda
a legislação sobre o assunto. Destacaremos apenas as medidas que consideramos de
maior relevância para o nosso objetivo, isto é, demonstrar o quanto houve de avanço
na legislação, embora ainda seja evidente o distanciamento entre a lei e a prática.
Apesar das perspectivas que acreditavam serem os grupos indígenas populações
fadadas à extinção gradual, podemos constatar, ao contrário, que essa população está
passando por um crescimento demográfico, ou seja, os índios no Brasil hoje são uma
população de aproximadamente 600 mil pessoas, divididas em cerca de 230 diferentes
etnias. Esses povos crescem em média 3,5% ao ano, acima da média de 1,6% estimada
para o período de 1996 a 2000 para a população brasileira em geral1.
Esses dados nos sugerem o quanto as políticas educacionais para essas populações
são importantes, e vêm se tornando um assunto de relevância, estando inserido, atra-
vés da ótica da história da educação indígena, em um momento de redimensionamen-
to das relações entre índios e não-índios, iniciado principalmente a partir de finais da
década de 1970 e início da década de 1980.
Ao olharmos para as políticas educacionais destinadas aos povos indígenas ao lon-
go da história, verificamos que desde o período colonial até finais do século XX a ideia
de educação escolar indígena tem a perspectiva de ‘civilizar’ o índio, seja para a educa-
ção formal, para a economia ou para a política, de acordo com as necessidades de cada
momento, em uma concepção etnocêntrica, de negação das diferenças. Segundo Silva

1 Dados retirados do site do Instituto Sócio Ambiental. <www.socioambiental.org>.

125
POLÍTICA (2001, p. 13), não se buscava o convívio com a diversidade, mas sim uma homogenei-
EDUCACIONAL
BRASILEIRA zação cultural, na qual os indígenas teriam que se integrar.
Entretanto, essa perspectiva vem se modificando e adquirindo um novo caráter,
principalmente nas últimas três décadas. Por meio de estudos interdisciplinares tem
sido dada maior visibilidade à complexidade das práticas sociais indígenas e da in-
terpretação/relação que essas populações têm do e com o mundo. Em decorrência
desse aspecto, a busca da reconfiguração de políticas públicas para a educação escolar
indígena tem se tornado bandeira de luta para diversos setores sociais. A esse respeito,
Aracy Lopes da Silva assinala:

A ideia de que a escola poderia ser um instrumento favorável a autonomia in-


dígena – e não uma instituição colonizadora – ganhou força no Brasil desde os
primeiros momentos de constituição de um movimento social indígena organi-
zado, nos primeiros anos da década de 1970 (2001, p. 101).

A questão da autonomia indígena é discutida por Faustino (2006) e se insere em


um contexto de crise econômica e reformulação das políticas públicas em relação às
chamadas populações vulneráveis É tida na literatura como uma conquista que vem
sendo orientada, conforme Grupioni (2001), por alguns instrumentos internacionais
de defesa dos interesses e dos direitos dos indígenas.
Em 1995 a Unesco – Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e
Cultura – lançou a Declaração de Princípios Sobre a Tolerância, conferindo às políti-
cas educacionais a responsabilidade de contribuir para o desenvolvimento da com-
preensão, solidariedade e da tolerância entre indivíduos. Em 1989, temos o Convênio
sobre os Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes (ORGANIZAÇÃO, 2003),
o qual reconhece aos indígenas o papel de decidir sobre as prioridades dos planos
governamentais que os afetam. Nesse mesmo sentido de política de autodeterminação
foi aprovada, em 2007, a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos
Indígenas (NAÇÕES, 2008), e a Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos
Indígenas encontra-se em fase de discussão.
Na atual política, propõem-se também uma abertura para práticas pluralistas e
ações menos etnocêntricas, de aceitação e diálogo com as diferenças. Busca-se a articu-
lação entre organizações não-governamentais, instituições públicas e o movimento in-
dígena, entendendo serem estes importantes agentes para a efetivação das conquistas
provenientes da Constituição de 1988, considerada, nos estudos da área, como o mar-
co legal de ruptura com as políticas indígenas assimilacionistas. Na visão de Grupioni:

Toda legislação anterior embora marcada por diretrizes protetoras, apostava na


gradual assimilação e integração dos povos indígenas á comunhão nacional,
porque os entendia como uma categoria transitória e fadada à extinção [...] a

126
constituição de 1988 assegurou o direito a diferença cultural, reconhecendo Políticas educacionais
suas organizações sociais, costumes, línguas, crenças e tradições (2001, p. 95). para populações
indígenas

Desta forma, nos últimos anos vêm ocorrendo várias mudanças referentes a aspec-
tos legais e administrativos com relação à educação escolar indígena, por meio das
quais o direito a uma educação diferenciada, garantida pela Constituição de 1988, vem
sendo regulamentado.
Uma das principais mudanças foi a transferência da responsabilidade e coorde-
nação das escolas indígenas da Funai – Fundação Nacional do Índio – para o MEC
– Ministério da Educação –, ocorrida em 1991 pelo Decreto Presidencial nº 26/91. A
partir de então, cabe às Secretarias de Educação, estaduais e municipais a execução
das diretrizes propostas.
Em 1993, o MEC lança orientações para a educação indígena, através do documen-
to ‘Diretrizes para a Política Nacional de Educação Escolar Indígena’ (BRASIL, 1994),
o qual foi elaborado com a participação de diversas entidades governamentais e não-
-governamentais e professores indígenas, com o objetivo de propiciar diretrizes gerais
para essa modalidade de educação. Em seu discurso, visa a desenvolver uma educação
específica, diferenciada, intercultural e bilíngue para os grupos étnicos, na qual pro-
fessores e comunidades indígenas são conclamados a assumir a gestão de suas escolas,
viabilizando assim a política da autonomia indígena, proposta em diferentes documen-
tos emanados dos organismos internacionais.
Em consonância com esses encaminhamentos, a LDB nº – Lei de Diretrizes e Ba-
ses da Educação de 1996 – insere a educação escolar indígena no sistema público de
educação pela primeira vez, considerando dever do Estado a oferta de uma educação
intercultural e bilíngue de qualidade, para que esta contribua com a afirmação e re-
vitalização das identidades étnicas, prevendo que os currículos escolares apresentem
conteúdos culturais.
No Artigo 78, a LDB nº postula como dever da União o fomento à cultura e assis-
tência aos índios por meio de programas integrados de ensino e pesquisa, para a oferta
de educação escolar bilíngue e intercultural, cujo objetivo, segundo o documento, é
revitalizar as memórias dessas populações bem como reafirmar sua identidade, língua
e ciência, além de garantir acesso a conhecimentos tanto das sociedades indígenas
quanto não-indígenas.
No Artigo 79, A LDB nº preconiza programas elaborados com a participação das
comunidades indígenas, cujo objetivo é fortalecer suas práticas culturais e línguas ma-
ternas. Refere-se também à necessidade de formação de pessoal especializado para
trabalhar nessas comunidades, de elaboração de currículos e de material didático es-
pecífico e diferenciado.

127
POLÍTICA Em 1998, foi publicado outro documento, o Referencial Curricular Nacional para
EDUCACIONAL
BRASILEIRA as Escolas Indígenas (RCNEI), elaborado por uma equipe composta por especialistas,
técnicos e professores indígenas. O RCNEI apresenta orientações pedagógicas para
as várias disciplinas que compõem o currículo escolar, bem como sugestões de con-
teúdos e metodologias, buscando estabelecer princípios legais para uma educação
indígena específica. Assim como os PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais – inclui
como parte dos conteúdos os chamados Temas Transversais.
Em 1999, o Parecer nº 14/99 do CEB/CNE aprova as Diretrizes Curriculares Nacio-
nais da Educação Escolar Indígena, instituindo a categoria escola indígena e definindo
a esfera administrativa dessas escolas, a formação do professor, o currículo da escola e
sua flexibilização. Essas questões foram normatizadas pela Resolução nº 3/99 do CEB,
que responsabilizou os Estados pela oferta, execução e regulamentação da educação
escolar indígena, por meio do provimento de recursos humanos, financeiros, bem
como a promoção e formação inicial e continuada dos professores indígenas, além da
elaboração e publicação de material didático específico para essas escolas.
O Plano Nacional de Educação (PNE), (BRASIL, 2001) apresenta diretrizes e metas
educacionais buscando assegurar autonomia às escolas indígenas, por meio da parti-
cipação da comunidade na gestão e com o reconhecimento dos professores indígenas
enquanto uma categoria, através de programas contínuos de formação e abertura de
concursos específicos.
Há, ainda, em tramitação no Congresso Nacional, uma proposta de revisão do Es-
tatuto do Índio (Lei 6001/73), elaborado e aprovado no período da ditadura militar
brasileira, o qual se encontra obsoleto frente ao avanço da legislação para os indígenas.
O capítulo III da proposta do novo Estatuto refere-se à educação escolar indígena e
é composto de doze artigos que tratam de diversos direitos, como: oferta de educação
bilíngue, uso da língua materna e processos próprios de aprendizagem, currículo diferen-
ciado, formação de professores, obrigatoriedade de isonomia salarial entre professores
índios e não-índios, publicação de material didático específico e diferenciado para as es-
colas indígenas. Muitos desses direitos, embora já consagrados na Constituição de 1988 e
reafirmados na LDBEN 9394/96, ainda não foram implementados nas escolas indígenas.
Esses são, no âmbito nacional, alguns dos documentos que buscam normatizar
uma nova política de educação para populações indígenas no país. Apesar do discurso
de autonomia para essas populações, de respeito às diferenças culturais, de fortaleci-
mento das lutas e de preservação das tradições por meio da educação, é comum que
nas escolas indígenas ainda permaneçam conteúdos e práticas pedagógicas tradicio-
nais, pouco uso dos materiais bilíngues, bem como ausência de Projetos Temáticos
que contribuam com a ampliação do currículo e com a proposta de interculturalidade.

128
AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA POPULAÇÕES INDÍGENAS NO Políticas educacionais
para populações
ESTADO DO PARANÁ indígenas

A transferência da educação escolar indígena da Funai para o MEC pelo Decreto nº


26/91 possibilitou ações coordenadas em diferentes estados. Para orientar essas ações,
o MEC determinou a criação de instâncias gestoras – os NEI/Núcleos de Educação Es-
colar Indígena – nas Secretarias Estaduais de Educação. De forma geral, esses Núcleos
tiveram a incumbência de conduzir à construção e ampliação de escolas a elaboração
de currículos diferenciados, a formação e contratação de professores indígenas e a
produção de materiais didáticos diferenciados.
O NEI-PR, instituído pelas Resoluções 1119/92 e 1120/92, publicadas no Diário
Oficial do Paraná do dia 22/04/92, atuou até o ano de 2004 e teve a finalidade de
coordenar e acompanhar todas as ações afetas à educação escolar indígena, assim
definidas:

I – Criar condições para que o índio tenha acesso ao conhecimento e domí-


nio dos códigos da sociedade nacional, assegurando às populações indígenas
a possibilidade de defesa de seus interesses, direitos e à participação plena
na vida nacional em igualdade de condições, enquanto etnias culturalmente
diferenciadas.
II – Viabilizar uma educação escolar indígena específica diferenciada, bilíngüe
e intercultural, garantida pela Constituição federal/88, artigo 83 parágrafo II e
a LDB, atendendo aos interesses de cada grupo indígena como forma principal
de manter e resgatar a cultura.
III – Assegurar que os professores das áreas indígenas sejam escolhidos pela
comunidade e tenham conhecimento do Currículo Básico Diferenciado.
IV – Consultar as comunidades, associações e organizações indígenas em todas
as etapas de implementação e execução das atividades escolares, da determina-
ção do currículo escolar.
V – Defender direitos autorais sobre as publicações indígenas, bem como todo
o conhecimento que emana de sua cultura (PARANÁ, 1992).

A análise da antropóloga Kimiye Tommasino expõe que:

Muitos cursos de férias e dezenas de seminários já foram realizados sob os


auspícios do NEI-PR. Vários profissionais de alto nível deram suas contribuições
nesses muitos eventos que, no entanto, não resultaram em alterações significa-
tivas na efetiva transformação dessas escolas e do ensino propriamente intercul-
tural (TOMMASINO, 2000, p. 1).

Embora o NEI/PR tenha ofertado diversos cursos para os professores índios e não-
-índios que atuavam nas escolas indígenas, o formato e a organização destes não fa-
voreceram mudanças administrativas e pedagógicas significativas nas escolas, pois os
índices de evasão e repetência continuavam elevados (BURATTO; MOTA, 2003).

129
POLÍTICA A educação escolar indígena no Estado do Paraná ficou relegada ao abandono, os
EDUCACIONAL
BRASILEIRA governantes municipais não assumiram as escolas, porque legalmente estavam deso-
brigados de tal responsabilidade. Em 1999, no segundo mandato, o governador Jaime
Lerner solicitou aos Núcleos Regionais de Educação (Ofício nº 279/99) a alteração da
vinculação administrativa das escolas indígenas, uma vez que, permanecendo no âmbi-
to federal, essas escolas seriam excluídas dos diversos programas de desenvolvimento
da educação fundamental. Nesse contexto, as escolas indígenas foram municipalizadas
sem que os municípios estivessem preparados para assumir esse compromisso.
Neste sentido, as escolas indígenas encontraram-se em desacordo com a legislação
nacional, o Parecer 14/99 e a Resolução 03/99, isto porque a grande maioria dos muni-
cípios que contava com Escolas Indígenas não possuía sistemas próprios de educação,
não podendo oferecer educação escolar indígena nos moldes previstos pelo Artigo nº
9 da Resolução 03/99. De acordo com os termos da lei:

§ 1º Os municípios poderão oferecer educação escolar indígena, em regime


de colaboração com os respectivos estados, desde que se tenham constituído
em sistemas de educação próprios, disponham condições técnicas e financeiras
adequadas com a anuência das comunidades indígenas interessadas.
§ 2º As escolas indígenas, atualmente mantidas por municípios que não satisfaçam
as exigências do parágrafo anterior, passarão, no prazo máximo de 3 anos, à res-
ponsabilidade dos estados, ouvidas as comunidades interessadas (BRASIL, 1999).

Esgotado o prazo de três anos dado pela Resolução citada, o governador Jaime Ler-
ner, através da Deliberação nº 9/2002, do Conselho Estadual de Educação, prorrogou
para mais três anos o prazo para assumir tal responsabilidade.
Em 2002, Roberto Requião assume o governo do Estado e, a partir de julho de
2004, a Coordenação de Educação Escolar Indígena passou por uma reestruturação,
ficando vinculada ao Departamento de Ensino Fundamental. Buscando cumprir a Lei
nº 10.172, de 09 de janeiro de 2001, que estabelece que os Estados e os Municípios,
em consonância com a política nacional, devem elaborar seus planos estaduais e muni-
cipais de Educação, cada Núcleo Regional de Educação do Estado do Paraná escolheu
um tema, de acordo com a sugestão da Superintendência de Educação (SUED).
Os Núcleos Regionais de Ivaiporã, Pato Branco e Laranjeiras do Sul escolheram o
tema da Educação Escolar Indígena por terem, em sua região de abrangência, escolas
que oferecem essa modalidade de educação e que necessitavam de reformulação e
adequação à nova legislação.
A construção coletiva do PEE – Plano Estadual de Educação – com representantes
das comunidades indígenas e universidades diagnosticou e sugeriu diversos encami-
nhamentos que foram considerados como uma conquista à melhoria da qualidade do
ensino nas escolas indígenas.

130
Esse processo contribuiu também com subsídios à Coordenação da Educação Es- Políticas educacionais
para populações
colar Indígena, que atualmente faz parte do Departamento da Diversidade, e vem pro- indígenas

movendo uma série de ações em relação à educação escolar indígena, tendo criado e
ampliado escolas, estadualizado-as, implementado o Ensino Fundamental completo,
e, em algumas comunidades, o Ensino Médio. Em 2006, foi ofertado o primeiro curso
de Magistério Indígena, modalidade normal-bilingue, tendo formado a primeira turma
no ano de 2009.
Dentre as políticas educacionais para populações indígenas empreendidas pelo
Estado do Paraná está a criação de vagas sobressalentes para os indígenas que aqui
habitam terem acesso às IES públicas paranaenses. Essas vagas são regulamentadas
pelas leis nº13134/2001 e 14995/2006 e o ingresso dos estudantes indígenas se dá por
meio de vestibular intercultural realizado pela CUIA – Comissão Universidade para os
Índios –, integrada por professores das IES e membros da SETI – Secretaria de Ciência,
Tecnologia e Ensino Superior do Paraná.
O sistema de vagas sobressalentes é diferente do sistema de cotas e o Paraná foi pio-
neiro nessa política. Segundo a Resolução Conjunta n.035/2001 (SETI/SEJU/EL/UEM/
UEPG/UNIOESTE/UNICENTRO), essas vagas excedem as ofertadas regularmente pelas
IES, sendo as mesmas preenchidas pelos primeiros colocados selecionados no vesti-
bular. Em 2004, a Universidade Federal do Paraná incorporou-se à CUIA, oferecendo,
desde então, cinco vagas anualmente.
No ano de 2009, em ação articulada entre SEED-PR, SETI-PR, CUIA e UEM – Univer-
sidade Estadual de Maringá, o Departamento da Diversidade promoveu o I Seminário
da Licenciatura Intercultural visando a discussões conjuntas com a participação de
lideranças nativas, estudantes e professores indígenas, para se pensar e encaminhar a
criação de licenciaturas interculturais no Estado.
A oferta de cursos de Licenciatura Intercultural, já existentes em outros estados,
visa a atender à demanda da atual política educacional da educação escolar indígena
para a oferta de ensino de maior qualidade nas Terras Indígenas, bem como da gestão
escolar pelos próprios professores indígenas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
É possível perceber, pelo exposto, que a política da educação escolar indígena vem
se modificando e recebendo maior incremento. A ideia central que a orienta é a de
que as comunidades indígenas sejam agentes participativos na implementação dessa
política, e que, gradativamente, assumam a gestão das escolas.
No entanto, embora os discursos provenientes dos documentos oficiais sejam de
uma educação que valorize os conhecimentos indígenas, isto não se viabilizará se não

131
POLÍTICA houver pesquisas que subsidiem uma educação de qualidade, que possibilite a ampla
EDUCACIONAL
BRASILEIRA aprendizagem às crianças, jovens e adultos indígenas.
Toda essa política ainda não foi totalmente compreendida e assimilada pelos povos
indígenas. As mudanças ocorrem lentamente nas escolas. A formação ainda não foi
suficiente para uma efetiva mudança. Encontramos, em várias situações, professores
despreparados para propor e conduzir uma educação diferenciada entre essas popula-
ções, sendo muitas vezes agentes de discriminação dentro das comunidades indígenas.
Ivone Rocha, em sua dissertação de mestrado intitulada ‘Educação e Cultura: o en-
sino de língua portuguesa em uma comunidade bilíngue Kaingang’2, nos mostra quão
distante se encontra a prática de um ensino bilíngue tão propagado nos textos oficiais:

[...] durante o trabalho de campo, observamos que a educação bilíngüe tam-


bém não acontece como determina a legislação, com materiais adequados e
bilíngües com o ensino das duas línguas sendo ministradas no mesmo patamar
de igualdade e, portanto, amplamente valorizadas no caso em questão. As aulas
de língua Kaingang são bastante precárias, sem material didático adequado e
acontecem uma vez por semana. As crianças têm aulas de língua portuguesa
todos os dias e as demais disciplinas são ministrados em língua portuguesa e
que também funciona em um cenário de muita pobreza material e sem estímulo
à aprendizagem das crianças (ROCHA, 2005, p. 155).

Muitas vezes as políticas públicas não estão em consonância com as expectativas


das comunidades indígenas, e nem sempre dão conta de perceber quão diversos são
esses povos, e os tratam como um todo homogêneo. Devemos considerar que, mesmo
dentro de uma mesma etnia, as formas de pensar a realidade mudam de comunidade
para comunidade, dependendo da forma como são percebidas e conduzidas as rela-
ções com o mundo circundante e o papel que se atribui à escola.
Durante um longo período, às populações indígenas foi destinada uma escola pre-
cária. A demanda indígena atual é por uma escola de qualidade para que as crianças,
jovens e adultos tenham acesso ao conhecimento científico universal, pois entendem
que assim serão menos discriminados.
Tendo em vista a impossibilidade de manutenção da forma de vida tradicional, a es-
cola tem representado também uma possibilidade de acesso a bens (prédios mobiliá-
rios, merenda, equipamentos de informática, empregos remunerados) e, com a atual
política da interculturalidade, as comunidades têm maior inserção quando as decisões
são colegiadas, sendo esse um dos motivos pelos quais os índios têm procurado um
nível de escolarização cada vez maior, e neste sentido as políticas devem ser estudadas,

2 Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de pós- graduação em Fundamentos da


Educação da UEM –Pesquisadora vinculada do grupo de pesquisa do Lab-Laee/UEM.

132
compreendidas e refletidas pelos indígenas e por aqueles que estudam a educação Políticas educacionais
para populações
escolar destinada a essas populações. indígenas

De forma geral, os povos indígenas defendem a escola e a boa aprendizagem da lín-


gua portuguesa, oral e escrita, entendendo serem fundamentais nas relações que essas
sociedades estabelecem com o Poder Público, visando à consecução de seus direitos.

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Proposta de Atividade

1) Tomando por base o presente capítulo e pesquisando em outras fontes disponíveis nas
referências e na Internet, discuta com seus colegas e elabore um pequeno texto abordando
a importância da escola para as comunidades indígenas hoje.

Anotações

135
POLÍTICA
EDUCACIONAL
BRASILEIRA
Anotações

136
9 Ações afirmativas e
cotas para negros
no Ensino Superior
Walter Lúcio de Alencar Praxedes

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no Artigo 5º, declara


que ‘todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...’, tornando
o direito à igualdade um princípio jurídico orientador das relações entre os cidadãos
brasileiros. No Artigo 3º, inciso IV, é também instituído como um objetivo fundamen-
tal da República ‘promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação’, e no Artigo 5º, incisos 41 e 42,
a prática do racismo é concebida como ‘crime inafiançável e imprescritível, sujeito à
pena de reclusão, nos termos da lei’ (BRASIL, 2004).
A igualdade de tratamento e de oportunidades entre os cidadãos brasileiros previs-
ta na Constituição Federal ainda não se tornou realidade em nosso país, em especial
no que diz respeito ao contingente negro de nossa população. O Estado brasileiro, em
diferentes contextos históricos, vem assumindo oficialmente o compromisso de inter-
vir na nossa sociedade para combater as práticas discriminatórias contra os cidadãos
classificados como negros ou pardos, tornando-se signatário de várias convenções in-
ternacionais como, por exemplo, a da Unesco, em 1960, que propõe o combate ao
racismo através da educação escolar, e a Terceira Conferência Mundial das Nações
Unidas contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata,
ocorrida em Durban, África do Sul, em 2001, na qual o Brasil apresentou um relatório
em que assume o compromisso de adotar ‘medidas reparatórias às vítimas do racismo,
da discriminação racial e de formas conexas de intolerância, por meio de políticas
públicas específicas para a superação da desigualdade’, dentre elas estão a ‘adoção de
cotas ou outras medidas afirmativas que promovam o acesso de negros às universida-
des públicas’ (BRASIL, 2001).

SOCIOLOGIA DA REPRODUÇÃO DA DESIGUALDADE ATRAVÉS DA


EDUCAÇÃO
Chega a ser um consenso considerarmos o Ensino Superior como relevante na maio-
ria das sociedades contemporâneas. Não é por acaso que são enormes as expectativas

137
POLÍTICA da sociedade brasileira contemporânea em relação à formação universitária necessária
EDUCACIONAL
BRASILEIRA para as carreiras burocráticas e científicas e para a participação cidadã. O Ensino Su-
perior deve proporcionar aos professores, pesquisadores e alunos o desenvolvimento
de um conjunto complexo de competências. Como exemplos de tais competências,
podemos sinteticamente citar:
a) Imaginação na busca de soluções para problemas novos e inesperados;
b) Capacidade de raciocinar logicamente sobre conteúdos simbólicos;
c) Capacidade de compreender e de desenvolver os conhecimentos científicos;
d) Entendimento do processo produtivo como um todo;
e) Capacidade de avaliar as tendências de mudanças na sociedade, na cultura, na
política, no mercado etc.;
f ) Precisão e adequação nas formas de comunicação escrita, oral e visual;
g) Capacidade de desempenhar múltiplos papéis profissionais e de adaptação rá-
pida às novas gerações de equipamentos e ferramentas;
h) Responsabilidade, compromisso e persistência na busca dos objetivos projetados;
1) Pensamento crítico e envolvimento ético na busca de soluções para os proble-
mas sociais, do meio ambiente e em defesa da democracia e dos direitos huma-
nos na vida pública (PAIVA, 1993, p. 316-319).

Com tal relevância política e cultural, não é aceitável que o Ensino Superior seja
prioritariamente acessível aos segmentos privilegiados e dominantes da sociedade bra-
sileira, sejam eles classes sociais, grupos étnicos, raciais ou de gênero. Entretanto, em
uma avaliação crítica do professor José Jorge Carvalho, depois de mais de um século
do final da escravidão em nosso país,

a porcentagem de negros entre os docentes das universidades públicas bra-


sileiras é absurdamente baixa. No máximo 1%. Os dados disponíveis no mo-
mento nos leva a pensar que a academia brasileira é uma das mais segregadas
racialmente em todo o mundo. Não conhecemos situação nacional equivalente
ou sequer próxima da nossa, em que o grupo racial dominante da população
(considerando que os brancos brasileiros constituem aproximadamente 55%
desta, segundo os dados aproximados do IBGE) tenha praticamente empurra-
do o segundo grupo racial dominante, de 45%, e os grupos étnicos originários
(de menos de 1%) para fora dos benefícios e da participação ativa em um par-
que acadêmico gigantesco, entre os maiores do Sul do mundo, como é o caso
do brasileiro. Certamente as universidades da África do Sul já são muito mais
integradas racialmente que as do Brasil, para não falar das norte-americanas
(CARVALHO, 2003, p. 62).

Confirmando as hipóteses acima, em Tese de Doutorado intitulada ‘Mulher negra


professora universitária: trajetória, conflitos e identidade’, a professora Eliana de Oli-
veira (2004) pesquisou e comprovou empiricamente os mecanismos de exclusão da

138
mulher negra da carreira docente no Ensino Superior brasileiro, demonstrando que Ações afirmativas e cotas
para negros no Ensino
a probabilidade de um estudante brasileiro ser bem sucedido no sistema de ensino é Superior

fortemente influenciada pelos fatores extra-acadêmicos cor ou raça e gênero. A esse


respeito, com base nas pesquisas educacionais já realizadas, podemos até traçar um
perfil econômico, social e cultural dos alunos que não só ingressam nas universidades
brasileiras, mas que não evadem e conseguem alcançar os melhores resultados, che-
gando até os níveis de mestrado e doutorado e ingressando na carreira docente.
Como o número existente de vagas nesse nível de ensino na rede pública é muito
menor do que a quantidade de cidadãos que deseja obter uma formação universitária,
a solução que os gestores e educadores universitários encontraram para equacionar
o problema foi a utilização de mecanismos de seleção que servem tanto para definir
o ingresso, como para a progressão no sistema. É o caso dos exames, vestibulares e
provas realizadas em cada disciplina curricular.
Ao realizarmos uma avaliação de conjunto sobre as consequências sociais dos me-
canismos de avaliação e de seleção como vestibulares e provas, podemos constatar um
perfil geral dos atributos daqueles alunos que ingressam nas escolas consideradas de
melhor nível, públicas ou privadas, que não evadem e que alcançam um melhor de-
sempenho. Tal perfil é decorrente, entre outros fatores, das seguintes variáveis: quanto
maior a escolaridade dos pais, mais os alunos contam com estímulo, acompanhamen-
to nas atividades escolares e o exemplo próximo de pessoas bem sucedidas no sistema
escolar, fatores que se combinam para levar a um melhor desempenho na escola. O
fator renda familiar influi também para um melhor desempenho dos alunos na escola
e nos exames de seleção, como ilustra o resultado verificado entre os alunos que pres-
taram o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em 2003. De acordo com os dados
divulgados pelo Ministério da Educação, os alunos oriundos das famílias que contam
com bens de consumo como TV, computador, acesso à Internet, carro e telefone, ob-
tiveram, em média, 22 pontos a mais do que os alunos que não contavam com acesso
aos mesmos bens. Os primeiros alcançaram, em média, 63 pontos contra 41 dos últi-
mos, uma diferença que se mantém quando comparamos os alunos que fazem cursos
de idioma, informática e pré-vestibular com os demais alunos (TAKAHASHI, 2004).
Muitos outros fatores secundários, mas também relevantes, podem ser citados
como diferenciais para uma formação cultural e psicológica favorável ao bom desem-
penho na educação escolar, como, por exemplo,
a) o local, bairro, cidade e região de domicílio; a frequência ou não à escola priva-
da nos Ensinos Fundamental e Médio;
b) abundância de material de escrita no cotidiano;
c) acesso e participação em atividades culturais;

139
POLÍTICA d) desenho, leitura e música incorporados ao lazer infantil;
EDUCACIONAL
BRASILEIRA e) seleção de programas educativos na televisão;
f) disciplina de estudo e concentração;
g) hábito de estudo autônomo;
h) expectativa de bom desempenho na escola;
i) valorização do sucesso escolar.

Embora as variáveis acima não utilizem como critério diferenciador o fator cor ou raça,
segundo os indicadores mais confiáveis divulgados oficialmente pelo IBGE, na Síntese
de Indicadores Sociais de 2003, e na Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar de 1999,
os indivíduos que se autodeclaram como pretos e pardos e que são classificados como
negros representam 64% da população pobre, 69% da população indigente e 63,9% dos
trabalhadores com rendimento médio de até 2 salários mínimos, com as maiores taxas de
analfabetismo e menor tempo médio de escolarização (DURHAM, 2003).
Para levarmos em consideração apenas as taxas de analfabetismo entre os brasilei-
ros, comparando os dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios do IBGE
(PNAD) de 1992 e 1999,

as taxas de analfabetismo tiveram redução em todos os grupos de cor, mas entre


negros e pardos ainda são quase três vezes maiores do que entre brancos... Em
1992, 10,6% dos brancos eram analfabetos, 28,7% dos pretos (nomenclatura
oficial do IBGE) e 25,2% dos pardos. Em 1999, 8,3% dos brancos, 21% dos
pretos e 19,6% dos pardos eram analfabetos (MENDES, 2001).

Entretanto, o professor Kabengele Munanga afirma que a conclusão mais pertinen-


te a que podemos chegar a partir das considerações acima é que :

Apesar da generalidade da exclusão de todos os alunos pobres, independente-


mente de sexo, cor religião, idade, etc.. os resultados de todas as pesquisas sé-
rias realizadas no país mostram que mesmo nas escolas mais periféricas e mar-
ginalizadas do sistema da rede pública, onde todos os alunos são pobres, quem
leva a pior em termos de insucesso, fracasso, repetência, abandono e evasão
escolares, é o aluno de ascendência negra, isto é, os alunos negros e mestiços.
O que logicamente leva a crer que a pobreza e a classe social não constituem as
únicas explicações do insucesso escolar do aluno negro e a buscar outras fontes
de explicação (MUNANGA, 2000, p. 235-236).

Observamos, assim, como a formação educacional, o acesso aos bens culturais e as


condições socioeconômicas estão entre os fatores que influenciam no desempenho no
sistema escolar como um todo e particularmente no Ensino Superior, como apontam
os estudos coordenados por Durham e Bori (2002) e Durham (2003).
Em síntese, podemos considerar que o racismo e as desigualdades socioculturais

140
se refletem em nosso sistema universitário de inúmeras maneiras, uma vez que o sim- Ações afirmativas e cotas
para negros no Ensino
ples acesso à escola não assegura igualdade de resultados, porque muitos alunos ne- Superior

gros não competem com os demais alunos em igualdade de condições: os filhos de


pais mais escolarizados são favorecidos pela forma de estruturação dos currículos;
o nível de renda dos afro-descendentes prejudica a competitividade dos seus filhos
no sistema de escolar; o preconceito e a discriminação sofridos pelos alunos negros
no cotidiano escolar também influem para prejudicar o seu desempenho. Como não
existe igualdade de condições entre brancos e negros desde o início do processo de
escolarização, não podemos supor que os últimos conquistarão os mesmos resultados
que os primeiros e alcançarão as posições que desejam no sistema universitário e no
mercado de trabalho.
Os dados arrolados nos inspiram a considerar como válida para a realidade edu-
cacional brasileira uma constatação de Pierre Bourdieu a respeito do sistema de en-
sino francês, segundo a qual é a família que realiza os investimentos educativos que
transmitem para a criança um determinado quantum de capital cultural durante o
seu processo de socialização que inclui saberes, valores, práticas, expectativas quanto
ao futuro profissional, a atitude da família em relação à escola etc. O sistema escolar,
ao possibilitar o sucesso para aqueles que chegam com uma maior soma de capital
cultural, legitima as desigualdades sociais entre as famílias. Posteriormente, após a
passagem pelo sistema de ensino ‘o rendimento econômico e social do certificado
escolar depende do capital social – também herdado – que pode ser colocado ao seu
serviço’ (BOURDIEU, 1998, p. 74)1.
O sistema escolar contribui para manter e legitimar as situações de desigualdade social
e cultural entre os indivíduos, classes sociais e grupos étnicos ou raciais, uma vez que,

para que sejam favorecidos os mais favorecidos e desfavorecidos os mais des-


favorecidos, é necessário e suficiente que a escola ignore, no âmbito dos con-
teúdos do ensino que transmite, os métodos e técnicas de transmissão e dos
critérios de avaliação, as desigualdades culturais entre as crianças das diferen-
tes classes sociais. Em outras palavras, tratando todos os educandos, por mais
desiguais que sejam eles de fato, como iguais em direitos e deveres, o sistema
escolar é levado a dar sua sanção às desigualdades iniciais diante da cultura
(BOURDIEU, 1998, p. 53).

1 Bourdieu chama de capital social o ‘conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão li-
gados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de interco-
nhecimento e de inter-reconhecimento ou, em outros termos, à vinculação a um grupo, como
conjunto de agentes que não somente são dotados de propriedades comuns (passíveis de serem
percebidas pelo observador, pelos outros ou por eles mesmos), mas também são unidos por
ligações permanentes e úteis’ (BOURDIEU, 1998, p. 67).

141
POLÍTICA Caso as políticas públicas do setor de educação e a ação educativa no interior de
EDUCACIONAL
BRASILEIRA escolas e universidades não levem em consideração essa situação de desigualdade
quanto à escolarização existente entre as famílias de negros e não-negros, continuarão
a contribuir para a reprodução da situação que condena a maior parcela dos jovens
negros à evasão escolar, à marginalização ou à realização das mesmas atividades profis-
sionais menos qualificadas e remuneradas de seus pais.

AÇÕES AFIRMATIVAS E COTAS NA ÁREA EDUCACIONAL


Nos últimos anos, uma significativa legislação nos âmbitos Federal, Estaduais e
Municipais vem sendo construída no Brasil visando à efetividade dos direitos consti-
tucionais dos cidadãos contra diferentes formas de discriminação. É o que postula a
conselheira Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, (2004) do Conselho Nacional de Edu-
cação, relatora do parecer da Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que altera a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) e inclui no currículo oficial da rede de
ensino a obrigatoriedade da temática ‘História e Cultura Afro-Brasileira’, tendo como
objetivo o combate ao racismo e às formas de discriminação abertas ou dissimuladas
que excluem socialmente os cidadãos considerados negros. Em suas palavras:

O parecer procura oferecer uma resposta, entre outras, na área da educação,


à demanda da população afrodescendente, no sentido de políticas de ações
afirmativas, isto é, políticas de reparações, e de reconhecimento e valorização
de sua história, cultura, identidade [...] É importante salientar que tais políti-
cas têm como meta o direito dos negros se reconhecerem na cultura nacional,
expressarem visões de mundo próprias, manifestarem com autonomia, indivi-
dual e coletiva, seus pensamentos. É necessário sublinhar que tais políticas têm,
também, como meta o direito dos negros, assim como de todos os cidadãos
brasileiros, cursarem cada um dos níveis de ensino, em escolas devidamente
instaladas e equipadas, orientados por professores qualificados para o ensino
das diferentes áreas de conhecimentos; como formação para lidar com as tensas
relações produzidas pelo racismo e discriminações, sensíveis e capazes de con-
duzir a reeducação das relações entre diferentes grupos étnico-raciais, ou seja,
entre descendentes de africanos, de europeus, de asiáticos e povos indígenas
(GONÇALVES E SILVA, 2004, p. 10-11).

Como exemplo de políticas de ações afirmativas de alcance prático e adoção ime-


diata que visam à promoção da igualdade e ao fim de todas as formas de discriminação,
propostas e implementadas por diferentes movimentos sociais, organizações não-go-
vernamentais e autoridades públicas, podemos citar, entre outras:
a) as políticas de combate à pobreza e de redistribuição de renda;
b) a melhoria na qualidade do ensino público em todos os níveis;
c) a promoção de cursos de capacitação profissional e escolar como os pré-vesti-
bulares para negros e carentes;

142
d) a destinação de recursos públicos para o custeio dos estudos dos estudantes Ações afirmativas e cotas
para negros no Ensino
racialmente discriminados; Superior

e) a obrigatoriedade de contratação de trabalhadores negros por parte dos setores


público e privado;
f ) a promoção do acesso à universidade aos negros e demais excluídos pelos exa-
mes vestibulares através do sistema de cotas;
g) a ampliação das vagas mas universidades públicas e no ensino superior da rede
privada de forma gratuita para os negros (adaptado de GUIMARÃES, 2003, p. 78).

Atualmente, as cotas para alunos negros nas universidades já fazem parte de um


conjunto de medidas práticas, efetivas e imediatas que apontam para o fim das desi-
gualdades raciais na sociedade brasileira. Importantes instituições universitárias bra-
sileiras já adotaram o sistema de reserva de vagas para alunos negros e estão em fase
de aprimoramento do mecanismo e de superação dos problemas que o mesmo pode
acarretar. Podemos citar como exemplos a Universidade Estadual do Mato Grosso do
Sul, Universidade de Brasília, Universidade Federal da Bahia, Universidade Federal do
Paraná e Universidade Estadual de Londrina. A Universidade Estadual do Rio de Janei-
ro, pioneira na adoção do sistema de cotas, desde 2003 vem aprofundando a experiên-
cia de ampliar as oportunidades de acesso para os segmentos historicamente excluídos
das instituições universitárias em nosso país. Através de seu Laboratório de Políticas
Públicas, A UERJ criou o Projeto Espaços Afirmados para promover a permanência de
estudantes sem recursos ou com dificuldades de aprendizagem através de debates,
cursos de informática, atividades de tutoria acadêmica, iniciação à pesquisa etc.
E é crescente o número de universidades públicas que desenvolvem políticas de
ações afirmativas. Renato Ferreira, pesquisador do Laboratório de Políticas Públicas da
UERJ, enuncia que das 224 instituições públicas de Ensino Superior, no início de 2009
já chegavam a 72, ou seja, 32% do total, a quantidade daquelas que adotam medidas
práticas de inclusão social. Para Ferreira, há uma grande variedade de modelos de
política públicas adotadas:

sistema de cotas, sistema de bonificação por pontos, reserva de vagas, etc. e


diferem quanto ao grupo promovido pela política, tendo a ver com a identi-
ficação dos sujeitos de direitos da ação afirmativa: negros, indígenas, pessoas
com deficiência, alunos da rede pública, pobres, mulheres negras etc. O estudo,
comparativo entre as políticas de inclusão, demonstrou que existe uma am-
pla adoção de cotas étnico-raciais. Ao todo, 53 universidades implementaram
esse tipo de política. Dessas, 34 instituições possuem medidas afirmativas para
negros, sendo que 31 se desenvolvem pelo sistema de cotas e três por meio
do sistema de bonificação por pontos. E uma universidade adota a reserva, de
um número específico de vagas, para mulheres negras. Identificamos, no total,
nove instituições que adotam ações afirmativas para pessoas com deficiência. O

143
POLÍTICA estado de São Paulo é o que possui mais universidades com ações afirmativas,
EDUCACIONAL são sete no total. E, no que diz respeito aos indígenas, já são 37 instituições que
BRASILEIRA
adotam ações afirmativas (a maioria sob a forma de reserva de vagas). O estado
do Paraná possui o maior número de instituições que aplicam essa forma de
inclusão, são 18 ao todo (FERREIRA, 2009).

Outras instituições, no entanto, cujos docentes e dirigentes muitas vezes estão cris-
talizados burocrática e ideologicamente contra uma medida de democratização do aces-
so que contraria o senso comum meritocrático e competitivo que predomina em nossas
universidades, adotam como estratégia de dissuasão o incentivo a um debate sem fim,
que com a desculpa de aprofundar as discussões esclarecedoras, protela a implemen-
tação de medidas de promoção da igualdade racial, repetindo o caminho seguro e in-
sensato que vem sendo adotado pelas elites no Brasil desde a abolição da escravatura.

CONCLUSÃO
Pensamos que só os otimistas incorrigíveis e os oportunistas políticos acreditam
que em médio prazo se alterarão as condições socioeconômicas e culturais da maioria
dos negros. Devemos, a esse respeito, recordar um argumento muito utilizado pelos
movimentos negros em favor das cotas: mesmo que os governos e a sociedade se dedi-
cassem efetivamente ao compromisso de acabar com as desigualdades sociais, econô-
micas e de acesso aos bens culturais decorrentes, em grande parte, do racismo contra
os negros, demoraríamos várias décadas para que os negros se tornassem portadores
daquelas características que favorecem um melhor desempenho no Ensino Superior.
Sem as cotas, o Ensino Superior continuará confirmando a tendência de barragem
racial para os negros em nosso país. Por isso, ao invés de termos um sistema universi-
tário público que seleciona e prepara elites através dos exames vestibulares e provas,
e que, com tal mecanismo, favorece aqueles alunos que chegam com as melhores
condições nos exames, nosso sistema universitário deveria estar comprometido com a
democracia e com o fim das desigualdades e hierarquias sociais fundadas nas práticas
discriminatórias. Alguns argumentam que não é esse o papel reservado para o Ensino
Superior. Cabe então perguntarmos: por que não podemos redefinir a missão do En-
sino Superior público em nosso país?
As cotas representam um instrumento a ser utilizado pela sociedade brasileira para
compensar as deficiências de aprendizagem constatadas entre os alunos negros e para
acelerar o fim da barragem racista que sofrem. Para tanto, o sistema universitário deve
continuar a formular e a desenvolver políticas institucionais de investimento de recur-
sos materiais e intelectuais que ataquem os problemas de formação decorrentes das
condições socioeconômicas, educacionais e culturais dos alunos negros.

144
Ações afirmativas e cotas
para negros no Ensino
Superior
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145
POLÍTICA GONÇALVES e SILVA, Petronilha Beatriz. Diretrizes curriculares nacionais para a
EDUCACIONAL
BRASILEIRA Educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história cultura
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146
Ações afirmativas e cotas
para negros no Ensino
Superior
Proposta de Atividade

1) Explique o que são políticas de ações afirmativas e faça um levantamento das opiniões das
pessoas com as quais convive para elaborar um quadro com duas colunas. Na primeira
coluna, relate os argumentos favoráveis à implementação de medidas de ações afirmativas
em favor da população negra, como as cotas no Ensino Superior, por exemplo. Na segunda
coluna, relate os argumentos contrários. Em seguida, com base na leitura deste capítulo,
elabore um comentário pessoal.

Anotações

147
POLÍTICA
EDUCACIONAL
BRASILEIRA
Anotações

148
10 Educação ambiental:
referenciais para
a prática política e
científica
Luzia Marta Bellini

A LEI PARA EDUCAÇÃO AMBIENTAL


A Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999, dispõe sobre a educação ambiental e institui
a Política Nacional de Educação Ambiental no Brasil. É considerada uma lei que deri-
vou da Constituição de 1988, também chamada de constituição cidadã, pois foi a pri-
meira constituição que apresentou capítulos para assegurar os direitos fundamentais
da cidadania no Brasil. Um desses capítulos da Constituição de 1988 foi consagrado
exclusivamente para o tema do meio ambiente. Outros países já tinham feito isso em
suas constituições, como Portugal, em 1976, Espanha, em 1978, Equador e Peru, em
1979. Após a década de 80 do século XX, muitas inovações jurídicas e legais em termos
ambientais foram constituídas em outros países (ROCCO, 2002).
Para tratar do capítulo Meio Ambiente, a Constituição de 1988 alterou os conceitos
arcaicos da doutrina penal brasileira, entre eles o de que apenas a pessoa física era pu-
nida nos casos de infração ambiental. Após a mudança constitucional, a pessoa jurídica
passou, também, a ser responsável pelos crimes ambientais. São passíveis de punição
empresas poluidoras ou qualquer outra que causar dano ambiental. A Lei que regula-
mentou o dano ambiental surgiu somente dez anos depois da constituição, é a Lei nº
9.605/98. Também ganhou força a Legislação ambiental de 1981, Lei nº 6.938/81, que
foi reformulada após a Constituição de 1988.
A Lei 6.938/81 estabeleceu a Política e o Sistema Nacional do Meio Ambiente na
qual se integra o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), composto por
representantes de todos os ministérios da República, de todos os governos estaduais,
representantes dos municípios, entidades de classe, organizações não-governamentais
e representantes de entidades ambientalistas (ROCCO, 2002). Graças ao CONAMA, nos
dias de hoje é exigido o Estudo e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) para
empresas que projetam obras altamente poluidoras ou quando projetam, por exem-
plo, usinas hidrelétricas entre outras. A exigência é de 1986.

149
POLÍTICA Assim, para todas as empreitadas nacionais, como a construção de usinas hidrelé-
EDUCACIONAL
BRASILEIRA tricas, a transposição do Rio São Francisco, os estudos EIA/RIMA são exigidos. Aziz
Ab’Saber, geógrafo que se dedica também aos estudos das áreas sob impactos, em de-
bate publicado pela Folha de São Paulo de 20 de fevereiro de 2005, teceu argumentos
contrários à transposição do Rio São Francisco, indicando que sua transposição para o
nordeste seco, onde temos a caatinga e rios intermitentes, sazonários e exoreicos (que
chegam ao mar), abrange um espaço de 750.000 Km, enquanto o projeto atingiria a
área menor, que já apresenta dois projetos lineares nas bacias do rio Jaguaribe, no
Ceará, e nos rios Piranhas/Açu, no Rio Grande do Norte. Para Ab´Saber, dizer que a
transposição do Rio São Francisco resolverá problemas do espaço total do ecossistema
semiárido é uma distorção.
No âmbito dos municípios, esses estudos também devem ser feitos, pois a longa
tradição de depredação dos mananciais de água das cidades pelo setor com interes-
ses imobiliários destruiu ecossistemas imprescindíveis às cidades. Entramos no século
XXI sem água potável suficiente na cidade de São Paulo, no estado do Rio de Janeiro
e mesmo em pequenas cidades o potencial de córregos foi desgastado pela poluição,
assoreamento e destruição da mata ciliar.
Após 1988, e com as Conferências do Rio ou ECO 92, muitos avanços na legisla-
ção ocorreram, entre eles a construção de processos decisórios para o Novo Código
Florestal, o qual tem sido atacado pelos interesses dos madeireiros, pecuaristas, que
avançam em ecossistemas importantes e frágeis, como os ecossistemas do Norte do
Brasil. A morte da irmã Doroty no Pará, em 2004, por fazendeiros, mostra ao Brasil
que os problemas ambientais são problemas sociais. Outros conflitos mostram que,
no país, o Código Florestal é mais do que necessário para diminuir não somente o
desaparecimento da diversidade vegetal como para conter a gula contra o patrimônio
cultural e social que são as nossas florestas.
Para quem se interessa pela legislação Brasileira do Meio Ambiente, um percurso
interessante é a Constituição de 1988, a Lei 9.605/98, que dispõe sobre os crimes e
infrações ambientais, as resoluções do CONAMA, que regulamentam sobre as estações
ecológicas, as áreas de proteção ambiental, sobre os relatórios de impacto ambiental,
o licenciamento ambiental, a reciclagem de materiais como pilhas, baterias e outros,
sobre as águas, os prazos de licenciamento, entre outras resoluções. Há, ainda, as leis
que dispõem sobre a criação de estações ecológicas e áreas de proteção ambiental; há
os decretos que dispõem sobre as reservas ecológicas, reservas para corte e explora-
ção de vegetais, que aprovam o regulamento das florestas nacionais, sobre as reservas
particulares, sobre a criação do Programa Nacional de Florestas e há os regulamentos
que estabelecem diretrizes para o desmatamento de áreas, sobre a criação de jardins
botânicos.
150
Temos o Fundo Nacional do Meio Ambiente; as leis de ação civil pública e ação Educação ambiental:
referenciais para a
popular, ambas de 1985. Temos também a Lei 8.974/95, Lei de Engenharia Genéti- prática política e científica

ca e Biossegurança, o Decreto 1.752/95, que regulamenta a Lei 8.974/95, o Decreto


3.945/2001, que define a composição do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético
e estabelece normas para seu funcionamento e a Resolução CONAMA 260/99, que cria
grupos de trabalho para subsidiar os trabalhos com impactos ambientais. E temos a Lei
nº 9.795/99, que dispõe sobre a Educação Ambiental.

A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NÃO É UMA DISCIPLINA CURRICULAR


A Lei nº 9.795/99, em seu Artigo 1º, Da Educação Ambiental, indica uma inspiração
neoliberal. Por que falamos isso? É que em seu primeiro artigo a lei enfatiza que o meio
ambiente é um bem de uso comum do povo. Na verdade, entendido como um bem
de uso comum do povo, o meio ambiente é visto como algo que está a serviço dos
homens, sem distinção de classes sociais.
Podemos apontar dois problemas com a concepção de ‘bem comum’ a serviço do
homem: um primeiro problema do ponto de vista político. No capitalismo, o meio
ambiente, esse bem comum, a serviço do homem, tem sido depredado pelos setores
empresariais ligados ao ‘agrobusiness’ (ou agronegócios) que desmatam, destroem
a biodiversidade e implantam as monoculturas como a de soja, por exemplo. Estão
fazendo uso do ambiente (bem comum) a serviço do homem, no caso, aqui, do em-
presário da soja.
Nas cidades, também vemos esse bem comum sendo usado por setores imobiliá-
rios e da construção civil, que atacam as margens de córregos implantando vilas mais
baratas e acarretando problemas sociais em médio prazo para as cidades. Os de Fundo
de Vales são o exemplo mais claro de uso do espaço urbano para o ‘bem comum’.
Transformados em bairros populares, os Fundos de Vale perdem seu potencial para
manter a água das cidades, que se tornará mais cara à medida que esse bem comum
não se torne tão comum assim. Também em médio ou longo prazo os moradores
dos Fundos de Vale sofrerão consequências como enchentes, mosquitos e outros. Um
segundo problema da concepção de bem comum é científica. Visto como um bem
comum, o ambiente não é compreendido como um ecossistema que apresentam ca-
racterísticas biológicas.
No entanto, a despeito dessas questões, é a lei que temos e ela é importante para
garantir um trabalho diferenciado na educação.
Como instrumento pedagógico, a Educação Ambiental não deve ser disciplina na
escola: a área tem um caráter transversal em um currículo justamente para garantir
que não fique presa a uma visão de educação, nem a uma área, a de Ciências, e nem a

151
POLÍTICA uma instituição somente, a escola. Todas as instituições, escolas, empresas, públicas e
EDUCACIONAL
BRASILEIRA privadas, entidades de classes podem realizar programas de educação ambiental para
atender diversos segmentos da sociedade e com instrumentos metodológicos, tecno-
logias diferentes.
Na escola, a Educação Ambiental pode ser realizada nos diferentes graus de ensino
como prática de extensão. Nessa perspectiva, a Educação Ambiental deve ser uma área
para as ações sociais e ambientais locais que nos remete para ações mais globais. Para
efetivar a ação de educação para o ambiente, são necessários instrumentos científicos
da geografia, biologia, sociologia, entre outros conhecimentos científicos para que
os participantes possam fazer intervenção e mudança ambiental e porque não dizer,
social. São pequenas mudanças que vão criando experiências de intervenção.

AS PROPOSTAS DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO BRASIL


No geral, as propostas de Educação Ambiental no Brasil são ligadas a uma tendên-
cia na América Latina, que é a de pensar Educação Ambiental para alterar condutas
com o objetivo de superar situações de crise ambiental e social. Muitos, nessa visão,
atribuem à Educação Ambiental a tarefa de elaborar uma nova sociedade, um novo
paradigma para a sociedade.
Em nossa opinião, a Educação Ambiental é apenas uma parte de um processo de
educação científica da população, que deve aliar instrumentais metodológicos das di-
ferentes áreas de conhecimento para a intervenção no ambiente, sempre supondo
que essa intervenção é, também, política. Por exemplo, trabalhar com reciclagem de
lixo. É um trabalho necessário, mas não é suficiente. As pessoas não podem viver so-
mente de catar lixo; mudanças maiores, mais profundas, precisam estar no horizonte
dos ambientalistas. Outro ponto importante é compreender que o lixo na sociedade
de consumo nunca acaba, portanto, não cessam os problemas ambientais com o lixo
porque estamos fazendo a coleta seletiva de lixo. A coleta seletiva é extremamente
importante, porém mais importante é saber que precisamos mudar as embalagens. As
embalagens plásticas para os alimentos, por exemplo, contêm uma molécula similar ao
estrogênio que, consumida durante muito tempo, muda o sexo de peixes, impedindo
que espécies comestíveis se reproduzam nos rios. Como está presente na alimentação,
já foi detectada mudanças nos fetos e bebês humanos. Evidências científicas desde a
década de 70 do século XX mostram bebês que nasceram com modificações nos apa-
relhos reprodutivos (COLBORN; DURNANOSKI; MYERS, 2002).
A Educação Ambiental nas novas políticas públicas para a educação deve ser uma
área para as ações educativas, uma área que nos conduz para o planeta como fôsse-
mos para um laboratório do mundo sem esquecer a ciência como aliada fundamental

152
para as metodologias que aplicaremos nos trabalhos ambientais. Como área nova, há Educação ambiental:
referenciais para a
muitos problemas para enfrentar. O principal são as dificuldades com os modelos prática política e científica

conceituais para entender e explicar os ecossistemas como sistemas biológicos; muitos


trabalhos indicam que a Educação Ambiental tem utilizado conceitos e teorias científi-
cas que não são das áreas das ciências ecológicas, por exemplo. Para utilizar conceitos
acessíveis ao público, muitos ambientalistas referem-se ao ambiente como sistema em
equilíbrio. Mas para a ciência ecológica, os ecossistemas são sistemas instáveis que
nunca alcançam o equilíbrio biológico; além do mais, há várias escalas de equilíbrios
biológicos (ACOT, 1990).

PENSAMENTO E LINGUAGEM PARA A EDUCAÇÃO AMBIENTAL


Há muito que tratar sobre a constituição da Educação Ambiental. Vamos assinalar
apenas cinco de suas dimensões.
1) A Educação Ambiental não substitui a educação formal em termos de formação
das pessoas. Ela é uma área – necessária – no contexto da formação científica e
social. Como tal, ela se constitui em área de fronteiras de conhecimentos para
ações locais.
2) Não é a prima ‘rica’ da educação formal (escolar), nem é prima ‘pobre’ das
ciências ecológicas, geográficas ou outras. É uma área que traz inovações para a
educação formal e informal quando ‘põe a mão na massa’, ou seja, quando vai
para o campo das ações com a intenção de mudar ou deter ações destrutivas ao
meio ambiente e ao local em que moramos.
3) Não é a panaceia para os males da civilização: é um campo para a atuação cien-
tífica; é uma aprendizagem científica, racional.
4) A tradução das teorias e conceitos científicos deve ser a mais rigorosa e próxima
possível dos trabalhos efetuados nas ciências. Até agora, a maioria dos ambien-
talistas usa uma linguagem que não é a científica para tratar de problemas no
contexto científico. Os termos consciência ecológica, consciência ambientalis-
ta, equilíbrio ecológico, salvar a natureza, na verdade, transformam-se em ‘slo-
gans’. Não são termos das ciências ecológicas e não fazem parte da formalização
das ciências que tratam dos problemas causados pelos impactos ambientais.
A difusão desses conceitos pode até mesmo levar a uma adesão das pessoas à
causa ecológica, mas por outro lado, causam dificuldades para a compreensão
dos modelos científicos na ecologia.
5) O cuidado com a linguagem deve ser esmerado, isto é, devemos ter prudência
no uso da linguagem para que nós, educadores ambientais, não sejamos porta
vozes de ‘slogans’ ingênuos como salvar a ecologia. Como nos disse um colega

153
POLÍTICA ecólogo: ‘A ecologia vai bem, obrigado! É uma disciplina que tem alcançado des-
EDUCACIONAL
BRASILEIRA taque nas ciências. Terei emprego por muito tempo’. Então, temos uma boa e
uma má notícia aos educadores ambientais: a má é que precisamos das ciências,
de seus modelos para a explicação dos problemas ambientais e isso requer mui-
to esforço e não vale trabalharmos com frases de efeito (slogans) para adesão
de outros para o nosso projeto ambiental. Temos que estudar muito, enfrentar
as fontes metodológicas para efetivar projetos de fato científicos. A boa notícia é
que muitos de nós estamos de fato com vontade de enfrentar essas dificuldades
iniciais de formular nossos modelos de forma mais rigorosa e aderir às causas
da Educação Ambiental.

Referências

AB’SABER, Aziz. Transposição do Rio São Francisco (debate). Folha de São Paulo,
São Paulo, 20 fev. 2005.

ACOT, Pascal. História da Ecologia. Rio de Janeiro: Campus, 1990.

COLBORN, Theo; DURNANOSKI, Dianne; MYERS, John Peterson. O futuro roubado.


Porto Alegre: L&PM, 2002.

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MAZZOTTI, Tarso Bonilha. Representação social de ‘problema ambiental’: uma


contribuição à educação ambiental. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos,
Brasília, v. 78, n. 188/189/190, p. 86-123, jan./dez. 1997.

ROCCO, Rogério. Legislação brasileira do meio ambiente. Rio de Janeiro: DP&A,


2002.

154
Educação ambiental:
referenciais para a
prática política e científica
Proposta de Atividade

1) Estabeleça uma ligação entre as leis no Brasil da regulamentação à pesca da baleia em


1602; da regulamentação das condições para a exploração do pau-brasil em 1605; com as
normas para proibir o corte de árvores de mangue em 1760 e as do Brasil República com
o Código Civil Brasileiro em 1916 e em 1934 (o Código das Águas, o Florestal e o de Mine-
ração) e as leis ambientais após a Constituição de 1988. Que perfil histórico temos quanto
ao estabelecimento das leis ambientais no Brasil?

Anotações

155
POLÍTICA
EDUCACIONAL
BRASILEIRA
Anotações

156
11 Políticas públicas
de educação de
jovens e adultos no
Brasil pós-1988

Edinéia Fátima Navarro Chilante / Amélia Kimiko Noma

No presente capítulo abordamos as políticas públicas de Educação de Jovens e


Adultos (EJA) desenvolvidas no Brasil após a promulgação da Constituição Federal de
1988 e a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996. Nosso objetivo
é a busca de subsídios para o entendimento da situação dessa modalidade de ensino
na contemporaneidade, tomando como ponto de partida o referencial legal existente
para essa modalidade de ensino. Analisamos os principais documentos normativos
produzidos pós-1988: a Constituição de 1988 (BRASIL, 2002a), a LDB nº 9.394/96
(BRASIL, 2003a), o Plano Nacional de Educação-2001 (BRASIL, 2001a), a Resolução
CNE/CEB 1/2000 (BRASIL, 2002c) e o Parecer CNE/CEB 11/2000 (BRASIL, 2002b),
como também os principais programas de EJA desenvolvidos pelo governo federal ao
final dos anos 1990 e início do século XXI.
As bases legais do chamado Ensino Supletivo foram produzidas na década de
1970. Na Lei no 5.692/71, o Ensino Supletivo ganhou capítulo próprio e destinava-se
a suprir a escolarização regular de adolescentes e adultos que não a tivessem con-
cluído em idade própria. Esse ensino podia abranger o processo de alfabetização, a
aprendizagem, a qualificação, algumas disciplinas e também a atualização. Os cursos
podiam ser a distância (correio) e os exames seriam realizados em estabelecimentos
oficiais ou reconhecidos, com validade e indicação anual, sob a responsabilidade dos
Conselhos Estaduais de Educação. A carga horária para os cursos seria estabelecida
de forma a ajustar-se ao tipo especial de aluno a que esses se destinavam, resultando
em uma grande flexibilidade curricular (BRASIL, 2002b).
A Constituição Federal, aprovada em 1988 (BRASIL, 2002a), ampliou o atendi-
mento aos jovens e aos adultos ao considerar como dever do Estado a oferta do

157
POLÍTICA Ensino Fundamental obrigatório e gratuito, inclusive para aqueles que não tiveram
EDUCACIONAL
BRASILEIRA acesso ao mesmo na idade apropriada. No final da década de 1980, criou-se, interna-
mente, uma expectativa de ampliação da educação de jovens e de adultos no Brasil,
já que, institucionalmente, com a nova Constituição, criaram-se condições legais para
isso. Com o clima nacional favorável a ações de EJA, e internacionalmente com a
Conferência Mundial sobre Educação para Todos realizada em 1990, em Jomtien,
na Tailândia, a alfabetização e a educação dos adultos passaram a ser tratadas como
parte integrante da Educação Básica. A expectativa era de que, nos anos 1990, fossem
viabilizadas ações, em termos de investimento público, voltadas para a educação dos
jovens e de adultos no Brasil para o atendimento à demanda existente para essa mo-
dalidade de ensino.
Nos Artigos 205 a 213 da Constituição Federal de 1988 estão assegurados os di-
reitos educativos dos brasileiros. O Artigo 205 estabelece as diretrizes a partir das
quais são estruturados todos os níveis e modalidades de ensino. O direito à educação
é estendido inclusive para os que a ela não tiveram acesso em idade apropriada.
Embora o Artigo 208 estabeleça a obrigatoriedade e a gratuidade do Ensino Funda-
mental, a Emenda Constitucional 14/96 suprime a obrigatoriedade do Poder Público
em oferecer serviços educacionais àqueles que não tiveram acesso à escola em idade
apropriada, mantendo somente sua gratuidade. A mesma emenda, ao tratar da uni-
versalização do Ensino Médio gratuito aos jovens e aos adultos, acrescentou ao Artigo
208 o termo progressivo, desobrigando, com isso, o Poder Público da imediata uni-
versalização dessa modalidade da educação. A redação do Artigo 208, modificada pela
Emenda 14/96, pressupõe a educação básica para todos, porém, restringe a definição
de ‘básico’ ao Ensino Fundamental dos seis aos quatorze anos.
Outra questão importante, referente à Constituição Federal de 1988, é o uso do ter-
mo ‘idade própria’ (Artigo 208), deixando entender, em primeiro lugar, que existe uma
idade apropriada para aprender e, em segundo lugar, tornando a educação de jovens e
de adultos política compensatória, com o objetivo de repor a escolaridade não realizada
na infância e adolescência, consideradas idades apropriadas (DI PIERRO, 2000).
A preparação para o trabalho merece também destaque pelo fato de a população
atendida pela EJA, em sua maioria, ser constituída por aqueles que estão inseridos no
mercado de trabalho ou nele buscam inserir-se. Ressaltamos, na política educacional
para EJA, a continuidade do pensamento utilitarista que sempre marcou sua posição
na agenda das reformas educativas da América Latina, ou seja, a ‘prioridade à esfera
econômica da vida societária ordenadora dos meios e fins da educação’ (DI PIERRO,
2000, p. 26). Esse caráter utilitarista das ações e concepções de governantes e do
pessoal responsável por definir os rumos da educação nacional tem direcionado uma

158
política pública baseada no oferecimento de uma EJA restrita à qualificação para o tra- Políticas públicas
de educação de
balho. Seguindo o princípio de que a EJA deve restringir-se às necessidades da esfera jovens e adultos no Brasil
pós-1988
da produção, o direito universal à educação básica pública e gratuita em qualquer
idade foi substituído por políticas de focalização de programas dirigidos ‘a subgru-
pos etários, socioculturais, áreas geográficas e segmentos profissionais considerados
prioritários’ (DI PIERRO, 2000, p. 27).
A Lei no 9.424, de 24 de dezembro de 1996 operacionalizou a distribuição de
responsabilidades e recursos entre os estados e seus municípios, criou o Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do Magistério (Fundef ) e deixou a EJA de fora dos
cálculos do Fundo, com o veto do presidente Fernando Henrique Cardoso à inclusão
da EJA nos cálculos para repasse de verbas. Com as restrições à inclusão dos alunos
da EJA nos cálculos do Fundo, muitos estados e municípios se viram impossibilitados
de oferecer educação continuada à população jovem e adulta, impedindo a propala-
da universalização do Ensino Fundamental.
Em 19 de dezembro de 2006, instituído pela Emenda Constitucional nº 53, o
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação (Fundeb) substituiu o Fundef, que só previa recursos
para o Ensino Fundamental. O Fundeb foi regulamentado pela Medida Provisória nº
339/2006, posteriormente convertida na Lei nº 11.494/2007. O Fundeb trouxe como
novidade o financiamento da EJA em sua forma presencial; no entanto, a medida Pro-
visória 339/2006, em seu Artigo 11, estabelece que os recursos investidos na EJA não
pode ultrapassar, em cada Estado e no Distrito Federal, o percentual máximo de dez
por cento dos recursos do Fundo. Reconhecemos o avanço na inclusão da EJA nos
cálculos do Fundeb; no entanto, as matrículas de EJA recebem um percentual menor
que as de alunos do Ensino Fundamental.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996 prevê a organi-
zação do sistema educacional brasileiro em dois níveis: a Educação Básica – formada
pela Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio – e o Ensino Superior. A
mesma LDB nº apresenta as seguintes modalidades de educação: educação de jovens
e de adultos, educação profissional, educação especial, educação indígena e educa-
ção a distância. A educação de jovens e de adultos, tratada na lei como modalidade
integrante da Educação Básica, destina-se ao atendimento de alunos que não tiveram,
na idade própria, acesso ou continuidade de estudo no Ensino Fundamental e Médio.
A denominação ‘Educação de Jovens e Adultos’ substitui o que, na Lei nº 5.692/71 era
chamado de ‘Ensino Supletivo’.
Na LDB nº – 1996, a educação de jovens e de adultos é objeto dos Artigos 37
e 38. Nesses artigos, explicita-se que competem aos sistemas de ensino assegurar

159
POLÍTICA gratuitamente oportunidades educacionais, de maneira adequada àqueles que não con-
EDUCACIONAL
BRASILEIRA cluíram seus estudos em idade apropriada, por meio dos cursos e exames supletivos.
Observamos que a LDB nº 9.394/96, ao tratar de cursos e exames, ainda utiliza o ad-
jetivo supletivo. Todavia, este deve ser aplicado para designar a modalidade de exames.
A novidade mais expressiva trazida pela LDB nº 9.394/96 é o rebaixamento da idade
mínima para os exames supletivos de 18 para 15 e de 21 para 18, nas etapas de Ensino
Fundamental e Médio, respectivamente. Quando se tratar de cursos, com avaliação no
processo, os alunos matriculados só poderão concluir os correspondentes estudos
quando atingirem a idade considerada para cada nível de estudo. O rebaixamento da
idade mínima os exames supletivos deixou em aberto a possibilidade de adolescentes
frequentarem os cursos de EJA, contribuindo para a complexidade do trabalho com
os jovens e adultos. Ainda muitos Estados utilizaram a EJA como forma de correção
do fluxo do sistema escolar gerando severas críticas a essa modalidade da educação.
Quanto à estrutura dos cursos de EJA, a LDB nº 9.394/96 define somente que
essa modalidade deverá seguir a base nacional comum dos componentes curriculares
do Ensino Fundamental e Médio. Sendo assim, a previsão de carga horária, para os
cursos, é de competência dos entes federativos, por meio de regulamentação dos
respectivos conselhos estaduais de educação.
Os exames supletivos de que trata o Artigo 38 da LDB nº 9.394/96, segundo o
Parecer CNE/CEB 11/2000, não podem ser considerados como um fim da EJA; eles
existem por constituem-se em um direito a ser requisitado pelo cidadão. O inciso 2º
do Artigo 38 da LDB nº prevê que conhecimentos adquiridos de maneira informal
sejam aproveitados e certificados pela EJA por meio de exames. Observamos aqui a
propalada flexibilidade dessa modalidade da Educação Básica.
A Lei no 9.394/96, segundo Arelaro e Krupa (2002), não trouxe melhorias signi-
ficativas à EJA, pois nela apenas dois artigos abordam essa modalidade de ensino.
Também Rummert (2002) chama a atenção para o conteúdo marcadamente flexível
da LDB nº de 1996, evidenciando a lógica pela qual as políticas de EJA estão pautadas:
a relação custo/benefício. Di Pierro (2000, p. 113-114) propala que essa LDB, em sua
redação final, frustrou muitos que trabalhavam com a EJA devido às ‘[...] lacunas,
incoerências, estreiteza conceitual, falta de inventividade e funcionalidade aos in-
teresses privados no ensino’. A autora aponta como incoerência ou ambiguidade a
retomada do adjetivo supletivo, relegando essa modalidade a um subsistema paralelo
ao formal, como já existia na LDB nº 5.692/71. Acrescenta que a flexibilidade dessa
modalidade de ensino permite sua utilização como forma de aceleração de estudos,
admitindo o acesso a ela por meio de avaliações de conhecimentos adquiridos de
maneira informal.

160
Como resposta às questões levantadas acerca das incoerências e ambiguidades Políticas públicas
de educação de
da legislação de EJA produzida nos anos 1990, a Câmara de Educação Básica, desde jovens e adultos no Brasil
pós-1988
2004, passou a realizar audiências públicas para debater sobre a duração dos cursos,
a idade mínima para ingresso na EJA, a certificação nos exames e o desenvolvimento
do EJA por meio da Educação a Distância. Tais debates culminaram com a aprovação
pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação do Parecer CNE/
CEB nº 23/2008, aprovado em 8 de outubro de 2008, que institui as Diretrizes Ope-
racionais para a Educação de Jovens e Adultos no que se refere à duração dos cursos,
idade mínima para ingresso, certificação nos exames e ao desenvolvimento do EJA
por meio da Educação a Distância (EAD).
De acordo com o citado parecer, os sistemas de ensino têm prazo até 2013 para
desenvolver programas que garantam a permanência dos jovens de 15 a 17 anos na
escola regular. As ações de EJA em integração com a educação a distância poderão ser
desenvolvidas excetuando-se o primeiro segmento do Ensino Fundamental em razão
de suas características próprias. A duração mínima dos cursos de EJA, pela mediação
da EAD, deverá respeitar o total de 1.600 (mil e seiscentas) horas no 2º segmento do
Ensino Fundamental e de 1.200 (mil e duzentas) horas no Ensino Médio, para ambos
a idade mínima para ingresso é de 18 anos completos.
É importante observarmos o fato de que, a partir de meados dos anos 1990, as
ações do governo federal, na educação de jovens e adultos, caracterizaram-se por
intervenções focalizadas e de caráter compensatório, dentre as quais se destacam: o
Programa Alfabetização Solidária (PAS); o Programa Nacional de Educação na Refor-
ma Agrária (Pronera); o Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador (Planfor); o
Programa Recomeço e, atualmente o Programa Brasil Alfabetizado (DI PIERRO; GRA-
CIANO, 2003). O Programa Brasil Alfabetizado, a partir de 2006, passou a destinar
71% dos seus recursos para as redes estaduais e municipais de ensino, indicando
claramente uma redução da atuação da sociedade civil nesse campo educativo.
O Conselho Nacional de Educação (CNE), por intermédio da Câmara de Educação
Básica (CEB), expediu a Resolução CNE/CEB nº 1, de 05 de julho de 2000, a qual, ao
tomar como referência o Parecer CNE/CEB nº 11/2000, homologado pelo Ministro
da Educação em 07 de julho de 2000, instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a EJA (BRASIL, 2002b). A Resolução CNE/CEB nº 1/2000 apresenta 25 artigos
que normatizam, em âmbito nacional, a educação de pessoas jovens e adultas em
todas as suas modalidades. A função do documento é estabelecer diretrizes nacionais
e devem, obrigatoriamente, ser observadas na oferta da EJA, nas etapas fundamental
e média, em instituições que integrem a organização da educação nacional, conside-
rando o caráter próprio dessa modalidade de educação (Artigo 1º).

161
POLÍTICA O Artigo 2º da referida Resolução submete a organização da EJA aos termos dos
EDUCACIONAL
BRASILEIRA Artigos 4º e 5º da LDB-1996, que tratam do direito à educação, dos Artigos 37 e 38,
que versam especificamente sobre a EJA, e do Artigo 87, que trata da Educação profis-
sional em nível técnico, quando essa se tornar viável.
A Resolução CNE/CEB nº 1/2000, no seu Artigo 5º, estabelece que os componen-
tes curriculares e o modelo pedagógico da EJA devem respeitar as Diretrizes Nacio-
nais Curriculares para o Ensino Fundamental (CEB 4/98), as Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio (CEB 15/98) e as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação Profissional de Nível Técnico (CEB 16/99). Utilizar-se dos componen-
tes curriculares do Ensino Fundamental, Ensino Médio e Educação Profissional não
deve descaracterizar a EJA, pois, a fim de assegurar a identidade própria da educação
para jovens e adultos, prevê que se faça uma adaptação dos programas seguindo os
critérios de equidade, diferença e proporcionalidade.
Dada à flexibilidade atribuída à EJA em seus principais documentos normativos,
essa modalidade da Educação Básica tem sido ofertada pelos entes federativos sob
diferentes formas. A questão principal que verificamos é a concepção da EJA apenas
como alfabetização e o uso das etapas fundamental e média como formas de correção
do fluxo do sistema escolar, o que caracteriza a suplência como a principal função da
EJA no Brasil.
O Parecer CNE/CEB nº 11/2000, relatado por Carlos Roberto Jamil Cury, trata
das Diretrizes Nacionais Curriculares para a Educação de Jovens e de Adultos. O
texto completo consta de duas partes: I - Relatório e voto do relator; II - a Decisão
da Câmara. O referido Parecer atende à Lei nº 9.394/96, na qual consta que a EJA de-
veria também receber um tratamento diferenciado, ao passar a ser uma modalidade
da Educação Básica, nas etapas fundamental e média, e possuir uma especificidade
própria (BRASIL, 2002b).
O referido Parecer se dirige aos sistemas de ensino e seus respectivos estabele-
cimentos que se ocupam da EJA, nas formas presencial e semipresencial de cursos,
que tenham como objeto a certificação de conclusão de etapas da Educação Básica.
Para esses estabelecimentos, as Diretrizes Curriculares são obrigatórias. As mesmas
Diretrizes, diferentemente, são somente referenciais pedagógicos às iniciativas da so-
ciedade civil que desenvolverem programas de educação que não visem à certificação
oficial de conclusão de estudos das etapas da educação básica (BRASIL, 2002b). Tra-
ta-se da flexibilização da EJA a que nos referimos anteriormente.
Ao estabelecer os conceitos e funções da EJA, o relator do Parecer nº 11/2000
aponta para a existência, no Brasil, de uma dualidade, e caracteriza a separação en-
tre os alfabetizados/analfabetos letrados/iletrados, como se constituíssem um ‘novo

162
divisor entre cidadãos’ (BRASIL, 2002b, p. 28). Explica também que, apesar dos esfor- Políticas públicas
de educação de
ços e dos reconhecidos avanços na tarefa de levar a escolarização básica às crianças, jovens e adultos no Brasil
pós-1988
o Brasil possui um grande contingente de analfabetos. Nesse documento, fica estabe-
lecido que cabe, então, à EJA cumprir as funções de: a) reparação, ou seja, a inclusão
social e a reparação de uma dívida histórica para com a classe trabalhadora; b) equali-
zação, a qual se articula com os interesses daqueles que tiveram sua trajetória escolar
interrompida e apresenta-se como possibilidade de um novo ponto de partida para a
igualdade de oportunidades; c) qualificação, essa função relaciona-se com a tarefa de
levar a todos a atualização de conhecimentos por toda a vida. De acordo com o Pare-
cer CNE/CEB nº 11/2000, a qualificação é a função permanente e o próprio sentido
da EJA. Sua oferta é regular enquanto modalidade de exercício da função reparadora,
sendo oferecida na forma de cursos e de exames supletivos, meios pelo qual o poder
público viabilizará aos jovens e aos adultos o acesso à escola.
Quanto à forma de organização do atendimento à população jovem e adulta,
o Parecer reforça o reconhecimento da EJA (BRASIL, 2002b) como modalidade da
Educação Básica e direito público subjetivo na etapa do Ensino Fundamental, como
reconhecido na Constituição 1988. Embora a legislação não preveja a frequência e
a duração dos cursos de EJA, ela prevê que a ‘oferta dessa modalidade é obrigatória
pelos poderes públicos, na medida em que os jovens e os adultos queiram fazer uso
do seu direito público subjetivo’ (BRASIL, 2002b, p. 72).
Outra questão esclarecida pelo Parecer é o acolhimento do caráter flexível da LDB
nº 1996 em seu Artigo 24, que permite ao aluno o ingresso no Ensino Médio sem ter
passado pelo Ensino Fundamental, mesmo reconhecendo seu caráter obrigatório e
imprescindível na faixa etária dos sete aos quatorze anos.
Quanto aos exames supletivos, o Parecer ressalta que devem ‘[...] primar pela
qualidade, pelo rigor e pela adequação’ (BRASIL, 2002b, p. 82-83). É importante que
sejam organizados sob o primado da lei, em instituições públicas ou privadas especi-
ficamente credenciadas e avaliadas para esse fim.
Outro ponto importante, ressaltado no referido documento, conforme consta no
Parecer CNE/CEB nº 11/2000, é a visão da existência de múltiplas agências que ofer-
tam a EJA, ‘[...] sendo no âmbito público, seja no privado, nos quais se mesclam cur-
sos presenciais com avaliação no processo, cursos à distância’ ou, ainda, cursos livres
mantidos pela iniciativa civil (BRASIL, 2002b, p. 94). Nessa multiplicidade de atores
envolvidos na EJA, à União cabe o papel de articular as várias ações nesse campo edu-
cativo, a fim de que essas sejam contínuas e integradas.
Sobre a questão curricular, o Parecer aponta ser perigosa a elaboração de diretri-
zes curriculares específicas para a EJA, por isso poder se configurar como uma nova

163
POLÍTICA dualidade. Seguir os referenciais curriculares para o Ensino Fundamental e Médio,
EDUCACIONAL
BRASILEIRA expresso nos Pareceres CEB nº 04/98 e nº 15/98 e as respectivas resoluções CEB nº
02/98 e nº 3/98, não significa uma ‘[...] reprodução descontextualizada face ao caráter
específico da EJA. Os princípios da contextualização e do reconhecimento de iden-
tidades pessoais e das diversidades coletivas constituem-se em diretrizes nacionais
dos conteúdos curriculares’ (BRASIL, 2002b, p. 122). Neste sentido, requer-se levar
em consideração, na organização do trabalho escolar de EJA, os seguintes aspectos:
a) flexibilizar o horário de atendimento, especialmente no noturno; b) flexibilizar o
currículo de forma a aproveitar as experiências diversas dos discentes; c) combinar
momentos presenciais e não-presenciais; d) distinguir as duas faixas etárias consigna-
das nessa modalidade (jovem e adulto) considerando as expectativas e experiências
de cada um; e) dar destaque à inserção profissional de modo a ser capaz de se adaptar
com flexibilidade às novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores
(BRASIL, 2002b, p. 123-125).
A contradição existente nessas orientações está no fato de o Parecer apontar para a
necessidade de pensar especificamente a EJA, e ao final do documento o Relator con-
cluir ser perigoso o estabelecimento de diretrizes curriculares nacionais específicas
para essa modalidade de ensino. Desconsiderando toda a situação precária do aten-
dimento a essa modalidade da educação, devida principalmente à impossibilidade
de usar recursos como os do Fundef, ou ainda, à inexistência no Brasil de cursos de
formação de professores especificamente para EJA, o Parecer remete às escolas e aos
professores a tarefa de ressituar os componentes curriculares do Ensino Fundamental
e Médio para jovens e adultos.
Em janeiro de 2001, o Plano Nacional de Educação (PNE) foi aprovado como lei,
conforme a Constituição de 1988 o determinou, para assegurar-lhe maior força e
garantia de execução. A Lei nº 10.172/2001, Plano Nacional de Educação (PNE), não
estabelece penalidades, mas é, na verdade, definida como uma lei de compromisso.
Na primeira parte do PNE, estabelecem-se objetivos e prioridades de atendimen-
to, princípios sob os quais se organizará cada nível de ensino. Alegando ‘recursos
financeiros limitados’ (BRASIL, 2001a, p. 35), o PNE elege prioridades de atendi-
mento, sendo a primeira a garantia do Ensino Fundamental obrigatório de oito anos
a todas as crianças de sete a quatorze anos. A segunda se ocupa da oferta do Ensino
Fundamental a jovens e adultos, apontando a alfabetização como ponto de partida.
A terceira prioridade corresponde à extensão de forma gradual do acesso ao Ensino
Médio aos jovens e adultos.
No capítulo reservado a EJA, o diagnóstico apresentado (BRASIL, 2001a) aponta
para a existência de 16 milhões de analfabetos no Brasil, apesar do progresso com

164
relação à universalização da educação. Para concretizar o direito público subjetivo da Políticas públicas
de educação de
Educação Fundamental ao jovem e ao adulto, no PNE é apontada a necessidade de jovens e adultos no Brasil
pós-1988
conceder incentivos financeiros como bolsas de estudos, a exemplo de experiências
exitosas neste sentido, o que denota o caráter supletivo dado a essa modalidade de
ensino, não se constituindo em uma política pública que atenda a toda a população
existente nessa área. Além disso, o PNE indica como ação a se concretizar na oferta da
EJA a diversificação dos programas com participação solidária de toda a comunidade,
envolvendo as organizações da sociedade civil diretamente nessa área e transferindo
para a sociedade a responsabilidade do atendimento à população jovem e adulta.
Destacamos ainda a ideia de ampliação gradativa da oferta do ciclo completo das
oito séries do Ensino Fundamental aos jovens e aos adultos, e a contribuição da so-
ciedade civil no trabalho de erradicação do analfabetismo, pois, segundo o PNE, só o
financiamento público é insuficiente para garantir o fim do analfabetismo. Conforme
o PNE, as metas estabelecidas, em um total de 26, são consideradas importantes para
a construção da cidadania, requerendo ‘[...] um esforço nacional, com responsabi-
lidade partilhada entre a União, os Estados e o Distrito Federal, os Municípios e a
sociedade organizada’ (BRASIL, 2001a, p. 75).
Os objetivos previstos no PNE para a EJA concentram-se na necessidade de prio-
rizar ações de alfabetização, associar o Ensino Fundamental de jovens e de adultos
à educação profissional e facilitar parcerias entre o governo e a sociedade civil, de
modo a que se alcance em cinco anos a oferta das quatro primeiras séries iniciais
pelo menos a 50% da população, com 15 anos ou mais, que não tenham concluído a
primeira etapa do Ensino Fundamental, além de dobrar em cinco anos e quadruplicar
em dez a oferta do Ensino Médio (BRASIL, 2001a).
O PNE, ao priorizar a alfabetização e incentivar a participação da sociedade civil
nas ações de EJA, tem colaborado para operacionalizar as diretrizes de flexibilização,
focalização e parceria, que são orientações das agências internacionais e dos grandes
eventos educacionais da última década do século XX. Apesar de as metas estabele-
cidas pelo PNE serem abrangentes, propõem uma ação focalizada em determinadas
regiões do país, com ênfase nos programas de alfabetização. A última meta estabeleci-
da no PNE, para a EJA, prevê que essa modalidade de ensino seja incluída, a partir da
aprovação do Plano, nas formas de financiamento da Educação Básica, fato que nunca
chegou a ocorrer, visto que os alunos matriculados na EJA, com o veto do presidente
Fernando Henrique Cardoso, foram retirados dos cálculos para o repasse de verbas
do Fundef.
O único objetivo estabelecido pelo PNE quanto ao financiamento a todas as mo-
dalidades de ensino, aí incluindo a EJA, de forma a suprir as necessidades dos estados

165
POLÍTICA e dos municípios para atendimento nessa área também foi vetado. Sendo assim, as
EDUCACIONAL
BRASILEIRA metas para o financiamento da EJA, segundo o que consta no PNE, continuam a se
pautar pela diretriz da focalização dos recursos para atendimento às áreas emergen-
ciais, como forma de aliviar a pobreza nessas regiões.
Constatamos também que o PNE prioriza o processo de alfabetização sem con-
siderar a necessidade de uma educação continuada aos jovens e aos adultos. Esses
programas contam, ou contaram, com a participação de empresas, sindicatos, federa-
ções, caracterizando uma intensa mobilização da sociedade civil na oferta de EJA, sob
regime de parceria. Os programas federais de EJA, implementados na última década
do século XX e início do século XXI, seguem as orientações do Parecer CNE/CEB nº
11/2000 documento orientador das ações de EJA, da Resolução CNE/CEB 1/2000 e
do Plano Nacional de Educação, documentos que normatizam essa modalidade da
educação básica.
O Programa Alfabetização Solidária (PAS), iniciativa do Governo Federal idealizado
pelo MEC em 1996 e implementado pelo Programa Comunidade Solidária, inicialmen-
te presidido pela então primeira-dama Ruth Cardoso, desenvolveu ações de combate
à pobreza com base em três programas: Alfabetização Solidária, Capacitação Solidária
e Universidade Solidária. Embora tenha sido concebido em divulgação e publicidade
do governo pelos meios de comunicação como forma de universalização do acesso à
alfabetização, o PAS ‘[...] não se propôs e nem demonstrou capacidade de modificar
a posição subalterna atribuída à educação de jovens e adultos na política federal de
ensino básico’ (DI PIERRO, 2000, 241). Esse programa padece das mesmas limitações
que caracterizaram as campanhas de alfabetização realizadas até hoje no Brasil, pois
não garante a continuidade de estudos, recorrendo a alfabetizadores leigos, ‘muitos
dos quais com reduzida escolaridade’. Além disso, permite a mobilização de setores da
sociedade que ‘não têm raízes no contexto sociocultural em que se propõe intervir’,
concretamente não ‘incidem sobre os fatores socioeconômicos e culturais que geram
e reproduzem o analfabetismo’ (HADDAD; DI PIERRO, 2000, p. 38).
Com o propósito de dar continuidade de estudos aos egressos do PAS, os muni-
cípios esbarraram nas restrições do Fundef quanto aos investimentos em EJA, o que
levou o MEC a buscar outras parcerias, como a estabelecida com o Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE) por meio do Plano Nacional de Qualificação do Trabalha-
dor (Planfor)1 que teve início em 1995. Foi implementado com recursos do Fundo
de Amparo ao Trabalhador (FAT) com o objetivo de ‘[...] reduzir o desemprego e

1 O Planfor foi substituído pelo Plano Nacional de Qualificação (PNQ) por meio da Resolução
no 333 de 10 de julho de 2003 (BRASIL, 2003b).

166
o subemprego da População Economicamente Ativa (PEA); combater a pobreza e a Políticas públicas
de educação de
desigualdade social; elevar a produtividade, a qualidade e a competitividade do setor jovens e adultos no Brasil
pós-1988
produtivo’ (BRASIL, 2004, p. 1).
O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), criado em 1998,
é definido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário como :

‘[...] uma parceria estratégica entre o Governo Federal, as instituições de en-


sino superior e os movimentos sociais rurais’. Tem por objetivo promover a
educação em todos os níveis nos projetos de assentamentos da reforma agrária
(BRASIL, 2001b, p. 8).

Pensado e idealizado a partir de estatísticas que indicaram um índice de analfa-


betismo com média nacional de 45% entre os assentados, o Pronera sugere meto-
dologias específicas às demandas sociais por educação nessas áreas. O programa
propõe-se a atender aos jovens e aos adultos moradores de projetos de assenta-
mentos da reforma agrária criados pelo Instituto Nacional de Colonização e Re-
forma Agrária (Incra) ou por órgãos estaduais de terras, desde que haja parceria
formal com o Incra.
O Programa Recomeço teve início em 2001, consistindo em um programa de
apoio a estados e municípios para a educação fundamental de jovens e adultos e foi
concebido para apoiar financeiramente as regiões Norte e Nordeste do Brasil, além
de 389 municípios de microrregiões onde o Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH) estivesse inferior a 0,5, como identificado pelo Atlas de Desenvolvimento Hu-
mano elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)
em 1998. Em 2003, sob o Governo Lula, o programa teve seu nome alterado para
Apoio a Estados e Municípios para a Educação Fundamental de Jovens e Adultos, com
a mesma dotação orçamentária do período anterior e sem alteração dos municípios
atendidos pelo programa (DI PIERRO; GRACIANO, 2003).
Em 16 de março de 2004, a Medida Provisória nº. 173 criou o ‘Programa de Apoio
aos Sistemas de Ensino para Atendimento à Educação de Jovens e de Adultos’, em
substituição ao ‘Apoio aos Estados e Municípios para a Educação Fundamental de
Jovens e Adultos’. Esse novo programa, criado no âmbito do Ministério da Educa-
ção, de acordo do Artigo 2º da MP 173, deve ser executado pelo Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE), com o objetivo de ampliar a oferta de vagas
na educação fundamental pública de jovens e de adultos, em cursos presenciais com
avaliação no processo, por meio de assistência financeira aos sistemas de ensino esta-
duais e municipais e do Distrito Federal.

167
POLÍTICA Outro programa do Governo Federal iniciado sob o Governo Lula, em 2003, foi o
EDUCACIONAL
BRASILEIRA Programa Brasil Alfabetizado. Tal Programa foi reformulado no contexto do Programa
de Desenvolvimento da Educação (PDE)2, ‘[...] prevendo que no mínimo 70% dos
alfabetizadores sejam constituídos por professores da rede pública, que trabalhariam
num turno distinto daquele em que realiza sua atividade regular como docente’ (SA-
VIANI, 2007, p. 1236).
Em 2003, foi criada a Secretaria Extraordinária de Erradicação do Analfabetismo
(SEEA), que tem como meta principal erradicar o analfabetismo nos quatro anos de
mandato do atual governo. Para atingir esse objetivo, foi lançado o Programa Brasil
Alfabetizado, que, por meio do MEC, fará o repasse financeiro a órgãos públicos esta-
duais e municipais, instituições de ensino superior e organizações sem fins lucrativos
que desenvolvam ações de alfabetização. Os projetos deverão apresentar carga horá-
ria de alfabetização entre 240 horas/aula e 320 horas/aula, equivalente a 6 a 8 meses
de duração do curso, com carga horária semanal mínima de 10 horas/aula.
Como medida política expressiva relacionada às ações de EJA implementadas pelo
governo federal salientamos a aprovação do Decreto Federal nº 5.478/05. A partir
desse decreto o MEC, sob a coordenação da Secretaria de Educação Profissional e
Tecnológica (SETEC), criou o Programa de Integração da Educação Profissional ao
Ensino Médio na Modalidade de Educação e Jovens e Adultos (PROEJA). Em junho de
2006, o Decreto nº 5.478/05 foi revogado pelo Decreto Federal nº 5.840/06, que insti-
tuiu, em âmbito federal, o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional
com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA).
Por meio desse ensino profissionalizante em nível técnico pode ser concluído
de forma integrada ou concomitante ao Ensino Fundamental, ao Ensino Médio com
objetivo de atender a população em situação provocada pelo processo de exclusão
social, desemprego, baixa escolaridade e falta de profissionalização. O Proeja está
vinculado ao Programa Brasil Profissionalizado, criado em 2007, com o objetivo de
modernização e expansão das redes públicas de Ensino Médio integrados à educação
profissional, que é um dos focos do PDE.
Outro importante campo de atuação da EJA, com maior visibilidade no início do
século XXI, é a educação prisional. A educação em presídios, casas de detenção ou de
custódia, de acordo com a Lei de Execuções Penal (LEP) – Lei nº 7.210 de 11 de julho

2 O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) foi lançado pelo MEC em 24 de abril de


2007 concomitantemente à promulgação do Decreto no 6.094, que dispõe sobre o ‘Plano de
Metas Compromisso Todos pela Educação’. Engloba ações incluindo todas as áreas de atuação
do MEC, abrangendo níveis e modalidades de ensino e medidas de apoio e de infraestrutura
(SAVIANI, 2007).

168
de 1984, além de direito passa a ser obrigatoriedade para o Estado. No entanto, a LEP Políticas públicas
de educação de
ou a LDB de 1996 não deixam claro como deve ser assegurado esse direito, ficando a jovens e adultos no Brasil
pós-1988
cargo dos Estados, a organização da educação em contexto de privação de liberdade,
que tem implementado ações por meio de projetos educacionais de Educação de Jo-
vens e Adultos para a população carcerária, propostos e desenvolvidos pelos Estados,
diretamente ou em parceria com organizações não-governamentais.
De acordo com Graciano e Schilling (2008), há restrições históricas para a efetiva-
ção do direito à educação nas instituições penais. Apesar do reconhecimento legal, a
EJA ofertada nos presídios brasileiros está muito longe de ser a adequada. A educação
escolar no sistema penitenciário no Brasil até o momento carece de estatuto próprio.
Diante da ausência de uma política nacional, os entes federativos têm implementado,
nos espaços prisionais, ações de Educação de Jovens e Adultos (EJA) mediante a or-
ganização de projetos e programas de escolarização de jovens e adultos, na forma de
cursos com avaliação no processo ou na preparação para exames de suplência.
A EJA, na década de 1990, ocupou posição marginal na agenda das reformas edu-
cacionais do período; tal fato, para Di Pierro (2001, p. 323), explica-se no contexto
mais geral das reformas educacionais no Brasil no final do século XX. Para a autora,
essas reformas tiveram como diretrizes premissas econômicas e políticas, cujo ob-
jetivo foi dotar os ‘[...] sistemas educativos de maior eficácia com o menor impacto
possível nos gastos do setor público’, e com isso ‘[...] cooperar com as metas de
estabilidade monetária, controle inflacionário e equilíbrio fiscal’. Essa reforma teve a
assessoria do Banco Mundial, que atribui ao ensino primário maior taxa de retorno
econômico individual e social, o que explica a focalização do gasto público no ensino
fundamental dos sete aos quatorze anos, em detrimento da Educação Infantil, Ensi-
no Médio e modalidades de ensino como Educação de Jovens e Adultos e Educação
Especial.
O que podemos observar é que não há carência de legislação sobre a EJA. Disso
depreendemos que o problema não está nas leis, mas sim na política educacional
adotada pelos governos do Brasil nos últimos anos.
A legislação educacional produzida no Brasil pós-Constituição de 1988 prevê que
haja flexibilidade no atendimento aos jovens e adultos e aos portadores de necessi-
dades especiais. A implicação disso é que o Ensino Fundamental público e gratuito
continua sendo dever do Estado e direito do cidadão, porém, na última década, a
participação da iniciativa privada foi muito incentivada, o que significa que o Estado
deixou de ser o único responsável pela sua oferta e financiamento.
A funcionalidade da EJA, contrariando as promessas de reparação, equalização e
qualificação (SOARES, 2002), permanece restrita a uma ação supletiva do Estado que,

169
POLÍTICA para essa modalidade da educação, não destinou recursos financeiros suficientes e,
EDUCACIONAL
BRASILEIRA além disso, transferiu para a sociedade civil parte da tarefa de escolarização dos jo-
vens e dos adultos. Tal fato contribui para criar a ilusão de que está havendo a demo-
cratização do poder público e, ainda, permite ao governo desobrigar-se da imediata
universalização da educação básica em todas as suas etapas.

Referências

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MEC. Educação & Sociedade, Campinas, SP, v. 28, n. 100, especial, p. 1231-1255,
out. 2007.

SOARES, Leôncio Gomes. Educação de jovens e adultos. Rio de Janeiro: DP&A,


2002. (Diretrizes curriculares nacionais).

171
POLÍTICA
EDUCACIONAL
BRASILEIRA
Proposta de Atividade

1) Acesse o site da Secretaria de Educação do Estado da Federação em que você atua,


consulte e faça uma sistematização por escrito explicitando as principais diretrizes
e as bases legais da política pública para a Educação de Jovens e Adultos implemen-
tadas pelo governo estadual pertinente.

Anotações

172
12 O Estatuto da Criança
e do Adolescente: do
direito à Educação

Eliana Silvestre

A Constituição Federal (CF) de 1988 (BRASIL, 2001) e o Estatuto da Criança e


do Adolescente (ECA) (BRASIL, 1997), Lei nº 8.069/1990, modificaram a política de
atendimento à criança e ao adolescente no Brasil. A política de atenção à criança e
ao adolescente estabelecida nos Códigos de Menores de 19271 e de 1979 sob uma
ótica assistencialista, punitiva e repressora, tendências que sustentaram os Códigos
de Menores, a partir de 1990, com a aprovação do Estatuto, passa por uma mudança
normativa de conceitos, princípios e diretrizes, sob uma perspectiva inclusiva do uni-
verso de crianças e adolescentes, independentemente da condição econômica, social,
cultural, raça, sexo ou etnia.
Os Códigos de Menores estabeleciam o atendimento voltado à criança órfã, aban-
donada ou autora de ato infracional, considerada em situação irregular, ou seja, a
criança sem escola, sem família, sem atendimento de saúde etc., que deveria estar
sob a ‘tutela’ do Estado, enquanto o Estatuto da Criança e do Adolescente determina
uma política pública dos direitos infanto-juvenis com base na Doutrina da Proteção
Integral.
A Constituição, o Estatuto e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), entre
outros, promoveram significativos avanços normativos na consolidação dos direitos
fundamentais do povo brasileiro. A década de 1980 foi relevante para a participação
política da sociedade e dos grupos sociais. As conquistas mais importantes estiveram
ligadas, nesse período, aos movimentos sociais, os quais se ampliaram com o apoio e
maior participação das camadas médias da população, tendo como principais caracte-
rísticas a defesa da liberdade dos indivíduos, a gestão mais democrática e os direitos
sociais. Nesse cenário e entre outras iniciativas, uma ‘nova’ concepção de infância

1 O Código de 1927 constituiu o primeiro Código que sistematizou as leis esparsas, voltadas ao
atendimento infanto-juvenil (MORELLI, 2002).

173
POLÍTICA passa a ser buscada. Entre outros, um resultado significativo dessa mobilização foi a
EDUCACIONAL
BRASILEIRA concretização do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (1985), uma mo-
bilização social desenvolvida por várias representações profissionais, principalmente
por educadores sociais e meninos de/e na rua2 para reivindicar vez e voz na defesa seus
direitos (protagonismo infanto-juvenil)3.
Outra manifestação importante, segundo Costa (2001), foi a efetivação do Fórum
Nacional Permanente de Entidades Não-Governamentais de Defesa dos Direitos da
Criança e do Adolescente (Fórum Nacional DCA). Após vários encontros, congressos,
assembleias, seminários, reuniões, jornadas em todo o país, os participantes criaram
espaços para os encaminhamentos para os fóruns regionais (DCA), e foram criadas
comissões de trabalho para debater os direitos fundamentais da infância.
Os direitos fundamentais estão intimamente ligados ao tema dos direitos humanos,
que são universais. Direitos humanos, para Soares (2002), são aqueles direitos básicos
para que todo ser humano viva com dignidade; é o reconhecimento da dignidade hu-
mana, de seus direitos iguais e inalienáveis e a observância desses direitos e liberdade.
Esses direitos representam conquistas históricas no campo da saúde, da educação, da
profissionalização, da segurança, do esporte, cultura e lazer, da convivência familiar e
comunitária, da participação etc. Os direitos fundamentais da criança e do adolescente,
direitos conquistados pelo movimento social em favor da infância, foram estabelecidos
na Constituição e reafirmados pelo Estatuto ao considerar a criança e o adolescente
como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento – sujeito de direitos – com
prioridade absoluta na formulação de políticas públicas. Nessa concepção, a criança e o
adolescente passam a ter vez e voz, ressalvadas as restrições legais a sua condição pecu-
liar de desenvolvimento.
A proteção integral reconhece na criança e adolescente sujeitos de direitos, cida-
dãos, devendo ser tratados com respeito e dignidade, situação que lhes confere uma
série de direitos. O direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer (ECA, Arts.

2 Meninos de rua: aqueles que exercem suas atividades principais nas ruas e não possuem víncu-
los familiares ou comunitários, permanecendo nas ruas ou praças das cidades. Meninos nas ruas:
aqueles que exercem suas atividades principais nas ruas (trabalho, refeições etc.) e retornam para
suas casas para dormir (MINAYO, 1993).
3 Segundo Costa (2009), a palavra protagonismo vem do grego: ‘Proto quer dizer o primeiro,
o principal. Agon significa luta. Protagonista quer dizer o lutador principal’. No campo da
educação ‘o cerne do protagonismo, portanto, é a participação ativa e construtiva do jovem na
vida da escola, da comunidade ou da sociedade mais ampla. [...] A participação se torna genuína
quando se desenvolve num ambiente democrático’. Disponível em: <http://smeduquedecaxias.
rj.gov.br/nead/Biblioteca/Forma%C3%A7%C3%A3o%20Continuada/Artigos%20Diversos/
costa-protagonismo.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2016.

174
53 a 59), objeto dessa discussão, está disposto no Título II, Capítulo IV do Estatuto O Estatuto da Criança
e do Adolescente: do
(BRASIL, 1997). direito à Educação

A Constituição Federal define ainda ser responsabilidade de todos – da família, da


sociedade e do Estado – a proteção digna e adequada para todas as crianças e ado-
lescentes. Tomando essa dimensão, a categoria criança e adolescente na condição de
sujeito de direitos porta ação e sofre ação de outrem. Desse modo, rebate as críticas do
senso comum de que esse grupo apenas tem direitos previstos no ECA. Ao contrário,
quem tem direito de agir tem o dever de responder por determinados atos contrários
à regra constitucional, já que o direito é universal (MAGER; SILVESTRE, 2004). Da
mesma forma, os que agem contra os seus direitos também respondem pela violação
(família, sociedade e Estado).
O Estatuto da Criança e do Adolescente é dividido em dois livros, o Livro I – Parte
Geral e o Livro II – Parte Especial. O primeiro define a Doutrina da Proteção Integral,
reconhecendo na criança e no adolescente a condição de sujeitos de direitos, dada
a sua condição peculiar de desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social
em condições de liberdade e de dignidade e, por isso mesmo, prioridade absoluta do
Estado, da sociedade e da família (Artigo 4º). Ressaltamos que a lei estabelece a res-
ponsabilidade da família pertencente a qualquer camada social na educação de seus
filhos quando determina o direito à convivência familiar e comunitária, e do Estado na
inclusão integral das crianças e adolescentes nas políticas públicas – direito público
subjetivo –, direito de todas as crianças e adolescentes e dever do Estado. E ainda
acrescenta a responsabilidade da comunidade no controle e fiscalização das políticas
e do atendimento desse grupo.
É através da necessária reflexão crítica, aberta e constante dos profissionais do en-
sino e dos usuários da escola sobre a sua concepção e suas práticas (‘trato’) que o
processo educativo poderá começar a ser cotidianamente revisto. Além desses pressu-
postos básicos, é necessário que esse novo desenho da política dos direitos da criança
e do adolescente chegue ao conhecimento da escola: professores, técnicos, alunos,
pais e comunidade, no sentido da compreensão das responsabilidades de cada uma
das instituições e não no repasse das responsabilidades.
O Título II do Livro I trata de tais direitos fundamentais, traduzindo o Artigo 227
da Constituição Federal:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao ado-


lescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de
toda forma de negligência, discriminação, exploração, crueldade e opressão
(BRASIL, 2001).

175
POLÍTICA A lei considera criança a pessoa até doze anos de idade incompletos e adolescente
EDUCACIONAL
BRASILEIRA aquela entre doze e dezoito anos de idade (ECA, Artigo 2º) e o tratamento a ser apli-
cado quando cometerem atos infracionais deverá, assim, ser diferenciado4. A criança
estará submetida às medidas de proteção previstas no Artigo 101 do ECA,

I – encaminhamento aos pais ou responsável [...]; II - orientação, apoio e acom-


panhamento temporários; III - matrícula obrigatória em estabelecimento de en-
sino fundamental; IV – inclusão em programas comunitário ou oficial de auxílio
à família, à criança e ao adolescente; V – requisição de tratamento médico, psi-
cológico ou psiquiátrico [...]; VI – inclusão em programa oficial ou comunitário
de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; VII – abrigo em
entidade; VIII – colocação em família substituta (BRASIL, 1997, p. 17).

O adolescente estará submetido às medidas socioeducativas previstas no Artigo


112 do Estatuto, garantindo o processo contraditório com ampla defesa (Artigo 111)
àquele considerado autor de ato infracional. Quando o adolescente cometer um ato
infracional, ele responde com a aplicação, pelo Juiz da Vara da Infância e Juventude,
das medidas socioeducativas previstas no Artigo 112 (Advertência; Obrigação de Repa-
rar o Dano; Prestação de Serviços à Comunidade; Liberdade Assistida; Semiliberdade
ou Internação). O Estatuto não prima pela impunidade, pois responsabiliza os adoles-
centes pelos atos infracionais cometidos.
O Livro II – Parte Especial do Estatuto trata da política de atendimento infanto-juve-
nil, cria os Conselhos de Direitos (em nível nacional, estadual e municipal) que são os
órgãos deliberativos responsáveis pela formulação, controle e fiscalização da política
pública de direitos, definindo as prioridades. A proteção integral à criança passa pelo
atendimento de seus direitos, que deveriam ser garantidos primeiramente nas políti-
cas públicas, controladas e fiscalizadas pelos Conselhos de Direitos e Conselhos Tute-
lares, Ministério Público, Poderes Judiciário, Legislativo, Executivo e pelos cidadãos.
No caso dos direitos infanto-juvenis serem violados por ação, omissão da socieda-
de ou impossibilidade, ação ou omissão da família e, em se tratando de crianças, nos
casos de sua conduta, o Conselho Tutelar é o órgão responsável para proteger os seus
direitos5.
Ao se referir à educação de forma específica, o legislador estabeleceu, no Artigo
205 da Constituição, a regra a qual ‘a educação, direito de todos e dever do Estado e
da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o

4 Em alguns casos, a lei estende a faixa etária até os 21 anos de idade.


5 O Conselho Tutelar é composto por cinco membros, eleitos pelos cidadãos locais para man-
dato de três anos, permitida uma recondução (ECA, Art. 132); (BRASIL, 1997).

176
pleno desenvolvimento da pessoa, o seu preparo para o exercício da cidadania e sua O Estatuto da Criança
e do Adolescente: do
qualificação para o trabalho’. direito à Educação

Juridicamente, podemos conceber educação, esporte, cultura e lazer como um Di-


reito Público Subjetivo (PAULA, 1995). O direito subjetivo deve ser materializado por
meio de uma política pública pensada de forma universal que atenda ao direito funda-
mental de todas as pessoas, pressuposto de cidadania. Na perspectiva de Paula (1995,
p. 12-13), direito subjetivo significa direito de todos e dever do Estado.
Sendo a educação um dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, deve
ser vista com sendo dever do Estado e direito de todos os responsáveis por preparar a
criança, o adolescente, o jovem e o adulto para o seu pleno desenvolvimento e para o
exercício dos seus direitos e a qualificação para o trabalho. Entende-se por Educação
em sentido amplo o atendimento à Educação Infantil às crianças de zero a seis anos de
idade6, o Ensino Fundamental, inclusive a todos, o Ensino Médio e o ensino em níveis
mais elevados, além de incluir outras práticas extraescolares, como educativas (espor-
te, cultura e lazer). Contempla, ainda, o atendimento especializado aos portadores de
deficiência, prestado preferencialmente na rede regular de ensino, não se tratando
mais de um enfoque assistencialista, mas educativo, exercitado através de uma ação
pedagógica.
A Lei não se limita a garantir o acesso ao ensino público e estabelece mecanismos
visando a compelir o Poder Público ao cumprimento de suas obrigações. Prevê também
uma forma de controle externo da manutenção do educando no Ensino Fundamental,
seja da escola pública ou particular, ao estabelecer a comunicação ao Conselho Tutelar
do município e, na sua falta, à autoridade judiciária dos casos de seguidas faltas injusti-
ficadas e de evasão escolar de crianças e adolescentes, esgotados os recursos escolares,
e também quando ocorrem elevados níveis de repetência (Artigo 56 incisos II e III,
ECA) (BRASIL, 1997). Tal comunicação, de caráter obrigatório, tem, por fim, inserir a
comunidade interessada socialmente na escolaridade de seus integrantes e representa-
da pelo Conselho Tutelar, na discussão dos casos de evasão escolar. O Conselho pode
acionar mecanismos que possibilitem o retorno dos excluídos (por exemplo, a evasão
poder ter como causa principal a falta de recursos locais que garantam o transporte,

6 A alteração da faixa etária das crianças na Educação Infantil e Fundamental é uma decisão da
política da educação, no entanto, não houve alteração até o momento no Estatuto referente ao
direito da educação (Art. 54, inciso IV).

177
POLÍTICA punições disciplinares injustificadas, trabalho infantil, entre outros)7. No caso de não
EDUCACIONAL
BRASILEIRA serem tomadas as devidas providências pelo Conselho Tutelar, podem ser acionados o
Ministério Público e o Judiciário para os encaminhamentos cabíveis.
Os pais ou responsáveis têm não só a obrigação de matricular seus filhos na rede
regular de ensino (Artigo 55, ECA); (BRASIL, 1997), como também o dever de zelar
pela frequência à escola. No caso do não-cumprimento dos direitos das crianças e ado-
lescentes, podem também ser responsabilizados, inclusive criminalmente, pelas suas
omissões injustificadas. Assim, a comunicação obrigatória aos órgãos competentes ob-
jetiva possibilitar a intervenção de órgão externo na tentativa da inclusão de todas as
crianças na rede escolar. Não se permite nenhuma forma de expulsão de alunos do
sistema escolar, tampouco a exclusão do adolescente considerado autor de ato infra-
cional, em consonância com Pereira (2004) e Silvestre (2002).
A escola faz parte do Sistema de Garantia de Direitos que é articulador de poderes
e sistemas operacionais de políticas públicas e o Estatuto estabelece a sua articulação
jurídico-institucional-pedagógica para a consecução da proteção integral do sujeito na
sua integralidade. O Estatuto ainda determina, no parágrafo único do Artigo 53, que
‘é direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como
participar da definição das propostas educacionais’. É fundamental a participação da
família no desenvolvimento desse processo, além do que no processo educacional de-
verão ser respeitados ‘os valores culturais, artísticos e históricos próprios do contexto
social da criança e do adolescente, garantindo-se a estes a liberdade de criação e acesso
às fontes de cultura’ (Artigo 58, ECA); (BRASIL, 1997).
As mudanças ocorridas foram no sentido da efetiva participação da criança e do
adolescente em todo o processo pedagógico, o que implica no reconhecimento da
concepção de sujeito de direitos que deve, por sua vez, estar pautada na metodologia
da proposta pedagógica. O que é ser sujeito de direitos em termos pedagógicos? De
acordo com Costa, a história da educação, ao longo do século XX, ‘é a história da pas-
sagem do paradigma do educando como objeto passivo da intervenção do educador
para a condição de sujeito’ (COSTA, 2001, p. 83), entendendo ser a criança e o adoles-
cente participantes ativos do processo educativo.
O direito à educação (ECA, Arts. 53 a 59) consiste em:
• igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

7 É importante ressaltar que o Conselho Tutelar é um órgão público estatal que tem por função
a aplicação de medidas de proteção às crianças e adolescentes com direitos violados. Portanto,
não é um órgão de punição. Por isso a sua função articulada com a área da educação é consi-
derada importante porque este tem o poder de requisitar serviços e ações para restituir direitos
violados.

178
• todos têm acesso a ingressar na escola, sem distinção de qualquer natureza, não O Estatuto da Criança
e do Adolescente: do
podendo ser dificultada a permanência de quem teve acesso; direito à Educação

• todos possuem o direito à matrícula em escola pública ou particular;


• existindo a recusa em razão de preconceito de raça, caracteriza-se uma infração
penal;
• a garantia de permanência significa que não se admite a exclusão da escola do
aluno ‘indisciplinado’, do portador do vírus HIV, de portadores de deficiência
entre outros. Proibidas, portanto, as transferências compulsórias ou expulsões
por ato unilateral da escola;
• os alunos ‘comportados’, ‘indisciplinados’ e os considerados ‘problemas’ me-
recem tratamento igualitário, com dignidade, respeitadas as diferenças, dignos
de sua condição peculiar de desenvolvimento. Os atos de ‘indisciplina’ devem
ser resolvidos pela escola por meio da proposta pedagógica, que deve definir
os atos internos da escola, igualdade de direitos, deveres e sanções que devem
estar inscritas no regimento escolar, desde que possibilitem a permanência do
educando na instituição escolar.
• direito ao respeito (BRASIL, 1997).

Acrescentemos a essas questões a necessidade de um planejamento pedagógico


adequado, bem como a elaboração do regimento escolar no qual participem as pes-
soas envolvidas no processo escolar: pais, alunos, funcionários e professores.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, no Artigo 53, inc. II assegura ao aluno
o direito de ser respeitado por seus educadores. A incolumidade física da criança e
do adolescente deve ser preservada; ela não pode, de forma alguma, sofrer qualquer
agressão. A integridade psíquica e moral, que abrange, a preservação da imagem, da
identidade, da autonomia, dos valores, das ideias e crenças, dos espaços e objetos pes-
soais, constitui-se em patrimônio individual inviolável (C.C., Artigo 227 e ECA, Artigo
17); (BRASIL, 2001, 1997, respectivamente). Assim sendo, o Estatuto estabelece, no
Artigo 232, como crime ‘submeter criança ou adolescente sob sua autoridade guarda
ou vigilância a vexame ou constrangimento’ (pena de detenção de 6 meses a 2 anos).
Os alunos também devem respeito aos diretores, professores e funcionários da
escola, porque também são cidadãos e têm o direito ao respeito. A conduta desres-
peitosa poderá até configurar ato infracional, que corresponde a qualquer crime ou
contravenção penal, como, por exemplo, a injúria. Assim, a autoridade do professor
não foi atingida, nem tampouco a sua integridade física e moral. Admite-se que os
direitos implicam também deveres, ou seja, existe uma relação de reciprocidade entre
uns e outros.

179
POLÍTICA O que veda a lei é a prática de atos de violência, de crueldade e de opressão. O
EDUCACIONAL
BRASILEIRA que veda a lei é a exposição da criança e do adolescente a situações de vexame e cons-
trangimento. Dignidade e respeito a sua condição peculiar de desenvolvimento devem
estar presentes não só no ambiente escolar como na família, na comunidade e também
na formulação das políticas públicas quando se estabelece a integração efetiva das
políticas públicas (econômica, social, cultural e de direitos) desenvolvidas em trabalho
rede de proteção integral, e na concepção da integralidade do sujeito, que se constitui,
hoje, em nosso entender, um dos grandes desafios para a sociedade brasileira.
Em um Estado democrático participativo, as políticas públicas devem estar vin-
culadas aos conteúdos básicos da democracia, envolvendo a igualdade de todos os
cidadãos perante a lei, o respeito pela natureza humana das pessoas sem nenhuma
distinção e o respeito às diferenças, buscando o fim das desigualdades. Percebemos
que as práticas desenvolvidas pelos fóruns e conferências, pelas organizações da so-
ciedade civil, por movimentos sociais, têm demonstrado um ‘saber-fazer’ diferenciado,
tanto do ponto de vista da criatividade e inovação metodológica quanto do aumento
da participação de crianças, adolescentes e jovens na compreensão de seus direitos.
No entanto, temos um grande desafio, que é romper com a fragmentação das políticas
públicas histórica e culturalmente construídas no país que impedem ou dificultam
a proteção integral de crianças e adolescentes no respeito aos direitos humanos da
pessoa em condição peculiar de desenvolvimento considerando o seu histórico, e essa
problemática deve ser enfrentada pelas escolas em uma concepção diferenciada da
que observamos no contexto atual.

Referências

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Paulo: Saraiva, 2001. (Coleção Saraiva de legislação).

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BELOFF Mary (Org.). Infância, lei e democracia na América Latina. Blumenau:
Edifurb, 2001. p. 79-90.

180
COSTA, Antonio Carlos Gomes da. Protagonismo juvenil: o que é e como O Estatuto da Criança
e do Adolescente: do
praticá-lo. Disponível em: <http://smeduquedecaxias.rj.gov.br/nead/Biblioteca/ direito à Educação

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Adolescente. In: PINSKY I.; BESSA, Marco Antonio (Org.). Adolescência e drogas.
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In: MINAYO, Maria Cecília de Souza. (Org.). O limite da exclusão social: meninos e
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PAULA, Paulo Afonso Garrido de. Educação, direito e cidadania. In: Igualdade:
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PEREIRA, Irandi. Programas de socioeducação ao adolescente em conflito com a


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SILVESTRE, Eliana. O adolescente autor de ato infracional: de objeto de medidas a


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SILVESTRE, Eliana; CUSTÓDIO, Sueli S. D. (Org.). O direito infanto-juvenil:


pressupostos políticos e jurídicos para a sua concretização. Maringá: Clichetec, 2004.

SILVESTRE, Eliana; CUSTÓDIO, Sueli S. D. Um passeio pelos direitos infanto-


juvenis no Brasil. Maringá: Caiuás, 2004.

181
POLÍTICA SOARES, Maria Vitória de M. Benevides. Os direitos e os direitos da criança e do
EDUCACIONAL
BRASILEIRA adolescente no Brasil. In: SEMINÁRIO MULTIDISCIPLINAR: 10 Anos do Estatuto da
Criança e do Adolescente: conquista e limites, 2002., São Paulo. Anais... São Paulo:
Feusp, 2002. p. 25-41.

SOARES, Maria Vitória de M. Benevides. Cidadania e direitos humanos. São Paulo:


Faculdade de Educação da USP, 2000. Mimeografado.

Proposta de Atividade

1) Objetivo: Refletir sobre o papel da educação (escolar e em sentido amplo) do es-


porte, da cultura e do lazer na formação de crianças e adolescentes, entendendo
ser este um direito de todos e dever do Estado, sociedade e responsabilidade das
famílias no acompanhamento de seus filhos.

Anotações

182
13 Políticas públicas para
educação e saúde

Aparecida Meire Calegari-Falco / José Ricardo Penteado Falco

A reestruturação produtiva e as transformações na organização do trabalho tomam


proporções vultosas no contexto atual de globalização da economia. A emergência de
novos modelos produtivos, de novos padrões tecnológicos e organizacionais, acompa-
nhados pela exigência de maior flexibilidade por parte das empresas, visando a aten-
der a um mercado também mais flexível frente à concorrência cada vez mais acirrada é
característica dessa economia globalizada.
Embora o processo de reestruturação produtiva pelo qual atravessa atualmente a
indústria mundial seja reconhecido de modo quase unânime por seus pesquisadores,
sabemos que tal mudança não ocorre de forma homogênea em todo o mundo. Isto
porque o processo de reestruturação está condicionado às peculiaridades e diferen-
ças entre empresas, países e culturas que, concomitantemente, refletem (ou repetem)
sobre as classes trabalhadoras, que também comportam características diversificadas
e heterogêneas.
A emergência de novos paradigmas produtivos e de emprego justifica o crescimen-
to do interesse e/ou da preocupação em relação à questão educacional e à formação
profissional. Isto explica o fato das definições para a educação, no Brasil, estarem qua-
se sempre vinculadas ao binômio cidadania e trabalho, já explícitas em seus objetivos
e fins, que são a formação do homem para o exercício da cidadania e sua qualificação
ao trabalho.
Sabemos que a escola, enquanto instituição, está vinculada e comprometida com o
modelo de produção, e que a prática pedagógica na sociedade humana é, em sua es-
sência, uma prática ideológica, carregando em si o objetivo de ‘formar’ os homens que
tal sociedade necessita para se manter, na forma como está organizada e estabelecida.
Desse modo, explica-se que a categoria trabalho tenha se firmado como principal con-
dicionante do fenômeno educativo. Em uma sociedade de classes claramente distin-
tas, em que, ideologicamente, todos são iguais, a escola, historicamente, aceitou (ou
absorveu) para si uma função primordial na caracterização dessa suposta igualdade, a

183
POLÍTICA qual, ratificada pelo senso comum, que conferiu a ela o poder imaginário de realizar
EDUCACIONAL
BRASILEIRA a ascensão do indivíduo, apesar das demais condições sociais, que atuam sobre ele,
ou do conjunto total das relações que estão postas, entrarem em conflito direto para
a consecução desse fim.
Neste sentido, as transformações se tornam cada vez mais necessárias na educação,
visto que definem novos parâmetros de qualificação e participação do trabalhador
no processo produtivo, criando novas funções, bem como provocando a extinção de
outras. Se as novas exigências agem diretamente na redefinição do perfil trabalhador,
ou seja, do profissional necessário para essa nova situação do mercado, deve necessa-
riamente redefinir os programas de formação profissional, especialmente na formação
do professor. Afinal, atualmente, a velha, porém ainda não superada escola, com sua
centralização e excessiva regulamentação já não é mais adequada para o novo princí-
pio educativo, cujo mercado de trabalho se abre a novas perspectivas, exigindo um
profissional dinâmico e completo.
Nas questões referentes à formação do professor, podemos identificar claramente
que o novo paradigma produtivo tende a valorizar e/ou exigir um trabalhador com
formação mais completa e flexível, inclusive para atuar em novas funções. Destacamos
especialmente dois campos que, aparentemente distintos, a Educação e a Saúde, são
inter-relacionados, uma vez que são complementares. Para os propósitos deste traba-
lho realçaremos dois eixos que se relacionam com a temática anunciada, quais sejam:
O enfoque da Saúde e Educação a partir das relações com o meio ambiente;
O enfoque da Educação e Saúde a partir da premissa do direito de continuidade da
criança hospitalizada;
Para tanto, pontuaremos sobre a existência de Políticas Públicas relacionadas à qua-
lidade de vida dos cidadãos que nem sempre se efetivam na prática, já que há uma
enorme distância entre o que se proclama e as ações realmente efetivadas.
No entanto, para esclarecer o termo Políticas Públicas, elegemos, dentre tantas que
a literatura aponta, a definição de Höfling (2001, p. 31), que assim enuncia:

Políticas públicas são aqui entendidas como o ‘Estado em ação’ [...] é o Esta-
do implantando um projeto de governo, através de programas, de ações vol-
tadas para setores específicos da sociedade [...] políticas sociais se referem a
ações que determinam o padrão de proteção social implementado pelo Esta-
do, voltados em princípio, para redistribuição dos benefícios sociais visando
a diminuição das desigualdades estruturais produzidas pelo desenvolvimento
sócio-econômico.

Para esta autora, as políticas sociais são usualmente entendidas como as de edu-
cação, saúde, previdência, saneamento, habitação, meio ambiente, etc. Dentre elas,
assinalamos a questão relacionada ao Meio Ambiente. A qualidade de vida vem atrelada

184
a sua conservação, mas não somente sob essa perspectiva ecológica, somam-se a isso Políticas públicas para
educação e saúde
as questões sociais, culturais e econômicas que estão diretamente relacionadas à pro-
dução do homem e de como este produz sua vida.
Busca-se o equilíbrio da sustentabilidade que tanto vem se falando atualmente,
uma vez que pressupõe olhar criticamente as relações que são estabelecidas de for-
ma tradicional e arcaica de relação HOMEM - NATUREZA. Dessa forma, repensar um
modelo que possa modificar tal concepção passa necessariamente pela formação de
cidadãos que, em grande medida, estão nas escolas. E a educação escolar é a via, por
excelência, pela qual podemos discutir e forjar novos paradigmas na área da Educação
Ambiental, superando a simples transmissão de conhecimentos sobre Ecologia e Meio
Ambiente, mas envolvendo diretamente o aluno no conhecimento, análise e propostas
de soluções de problemas diretamente ligados a sua vida cotidiana e, a partir daí, supe-
rar o regionalismo, buscando uma visão mais integrada e globalizante.
É importante destacar que há um apelo para que os países possam efetivar políticas
públicas que atendam ao movimento desencadeado mundialmente e contribuir para
a formação do espírito de responsabilidade e solidariedade, e fugir da propagação
oportunista que vem rondando a temática é um dos principais objetivos da Educação
Ambiental, uma vez que se constitui em uma temática emergencial frente à degradação
do meio ambiente que se construiu no último século, como podemos constatar:

Ao ser instituída a Década das Nações Unidas da Educação para o Desenvolvi-


mento Sustentável (2005-2014), ações político-pedagógicas da educação am-
biental passaram a ser vistas em suas múltiplas nomenclaturas: ecopedagogia,
educação no processo de gestão ambiental, alfabetização ecológica, educação
ambiental crítica, educação científico-ambiental, emancipatória ou transforma-
dora, tendo por objetivos compreender que o modo de vida atual da enor-
me população de seres humanos, com base no consumismo capitalista, está
gerando uma degradação ambiental constantemente abordada nos meios de
comunicação. Mesmo assim, a população em geral pouco faz para evitar essa
degradação. Vale ressaltar que muitos vivem em condições precárias de sobrevi-
vência, daí a pensar nessa temática é algo que com certeza não faz parte de suas
prioridades (CALEGARI-FALCO; FALCO, 2009, p. 160).

Vale destacar que a saúde pública e o Meio ambiente estão intimamente associados.
O ar, a água e os alimentos contaminados pela ação humana são causadores de diver-
sas doenças humanas. A preservação ambiental ligada à saúde é abordada há bastante
tempo, e não está associada apenas à qualidade do ar, da água, e dos alimentos con-
sumidos. A destruição de ambientes naturais força a migração de agentes patogênicos
para as áreas urbanas, trazendo novas doenças aos humanos. A destruição ambiental
também impossibilita o conhecimento de espécies com ‘medicamentos naturais’ codi-
ficados nos genomas dessas espécies.

185
POLÍTICA Todos os seres vivos foram, são e serão (caso não sejam extintos) selecionados
EDUCACIONAL
BRASILEIRA contras as adversidades da vida. Parte dessas adversidades se deve à contaminação por
agentes patogênicos (vírus, bactérias, fungos, agentes causadores de tumores, etc.).
Nesse contexto, várias espécies já foram naturalmente selecionadas para o combate
desses agentes, e possuem em seu material genético o código para a produção de ‘me-
dicamentos naturais’ (agentes antivirais, antibacterianos, antitumorais, etc.). Preservar
o meio ambiente e esse banco genético para conhecimento e utilização pelos humanos
torna-se imprescindível. Podemos observar nas palavras de Santos essa preocupação:

[...] não sendo possível prevenir e proteger a saúde individual e coletiva sem
cuidar do meio ambiente. Saúde pressupõe um meio ambiente saudável, assim,
não se pode falar em danos ao meio ambiente sem pensar em danos à saúde
individual e coletiva. É fato incontroverso que a degradação do meio ambiente
corresponde a graves danos à saúde individual e coletiva (2005, p. 135).

Diversos Bancos Genéticos, no Brasil e no Mundo, coletam e estocam (in situ, no


local de origem como nas reservas florestais ou ex situ, nos laboratórios) patrimônio
genético de microrganismos, animais e vegetais para o reconhecimento do genoma de
organismos de importância biotecnológica e socioeconômica. Além de participar no
desenvolvimento da biotecnologia e da preservação de recursos genéticos, servem de
subsídio para os formuladores de políticas públicas na área.
Assim como as políticas públicas que gerem ordenamento jurídico de preserva-
ção ambiental, a educação científico-ambiental é fundamental para a ação do cidadão
como sujeito de ação conservadora ambiental. É preciso saber por que se está pre-
servando, e para isso é preciso educação e conhecimento. Angelini e Carvalho nos
alertam sobre essa questão:

[...] as conseqüências do analfabetismo científico são muito mais perigosas em


nossa época do que em qualquer outra, devido ao fato de que a intervenção
humana nos ecossistemas tem alcançado níveis alarmantes, com consequências
globais [...] (2005, p. 26).

Outro destaque que fazemos em relação às Políticas de Saúde e Educação se refere


à Pedagogia Hospitalar, uma vez que a hospitalização infantil tem se tornando tema
de interesse de profissionais da saúde, preocupados no restabelecimento da crian-
ça enferma sob seus cuidados. Além da equipe médica, outros profissionais também
têm demonstrado esse interesse nos jovens pacientes, que afastados de seu contexto
social devido à hospitalização podem sofrer situações estressantes e potencialmente
traumatizantes, as quais podem ser minimizadas pela intervenção desses profissio-
nais que coadjuvam com a equipe de saúde, buscando seu bem-estar em situação de

186
adoecimento. Trata-se do trabalho pedagógico em ambientes clínicos que, em diversas Políticas públicas para
educação e saúde
situações, já possui seu reconhecimento enquanto fator positivo e necessário para o
restabelecimento da criança doente e hospitalizada (CALEGARI, 2003).
Os programas destinados ao Atendimento Pedagógico à Criança Hospitalizada, na
visão de Simancas e Lorente (1990), têm por objetivo contribuir para a melhora geral
do doente, sendo destinado prioritariamente à clientela infantil. Na medida em que a
hospitalização infantil impõe limitações e problemas como os de ordem afetiva, cogni-
tiva, social e motora, tendem a ser aliviados.
A intervenção pedagógica em ambientes hospitalares pode ser imprescindível no
caso da criança, haja vista que sua formação ainda não está completa. O desenvolvi-
mento de suas capacidades potenciais pode depender de uma intervenção pedagógica
positiva, de modo a evitar que ela não venha sofrer sequelas no futuro.
Vale ressaltar que o atendimento pedagógico hospitalar, em conformidade com
Ceccim e Carvalho (1997), tem como finalidade primeira contribuir para a melhora
geral do ser humano à medida que as atividades pedagógicas oferecem ao indivíduo
a oportunidade de interação, passando de mero espectador em seu leito hospitalar.
É importante esclarecermos que o trabalho pedagógico hospitalar contém uma
margem de autonomia, embora deva estar subordinado ao contexto hospitalar, a fim
de não criar adversidades no processo de tratamento do paciente, ao invés de contri-
buir de forma geral para sua melhora. Devemos, portanto, considerar as limitações
que cada doença impõe em sua especificidade. O trabalho pedagógico em ambiente
hospitalar trata-se do mais recente campo de atuação docente, tendo por objetivo
atender primeiramente à situação em que se encontra a criança ou mesmo o enfermo
adulto. A esse respeito assim se manifestam Simancas e Lorente (1990, p. 73):

A Pedagogia Hospitalar é uma pedagogia vitalizada, uma pedagogia da Vida e


que por ser um processo vital, constitui uma constante comunicação experi-
mental entre a vida do educando e a vida do educador, cujo diálogo em torno
de questões de viver, do sofrimento e do prazer, não finaliza nunca.

Essa atuação pedagógica deve aproveitar qualquer experiência, por mais dolorosa
que possa ser, para enriquecer e transformar sofrimento em aprendizagem. Ainda na
acepção de Simancas e Lorente (1990), ela se dá sob três enfoques:
a) Enfoque Formativo: ajuda o aperfeiçoamento integral da pessoa, ainda que em
situação específica, possibilitando a ocupação desse tempo de hospitalização
com tarefas úteis e formativas, que além do relaxamento psíquico, colaborem
em muitos casos no processo de desenvolvimento humano;
b) Enfoque Instrutivo ou Educativo: destaca a necessidade de não interromper
ou prejudicar, na medida do possível, o processo educativo desenvolvido em

187
POLÍTICA ambiente escolar e a aplicação de atividades de ensino/aprendizagem que facili-
EDUCACIONAL
BRASILEIRA tem a reintegração posterior no ambiente escolar;
c) Enfoque Psicopedagógico: ação que visa a proporcionar uma eficaz adaptação
às condições em que a criança se encontra e também para diminuir os possí-
veis conflitos psíquicos que possam aparecer. Cabe esclarecer que enquanto o
objetivo principal da intervenção médica é o restabelecimento da saúde física
e psíquica, o objetivo da intervenção psicopedagógica é a aquisição de certas
aprendizagens diretas ou indiretamente relacionadas com a manutenção e cui-
dado da saúde psíquica e da prevenção. Ou seja, a pretensão da atuação peda-
gógica é, antes de tudo, ajudar a criança, ou adulto, enfermo hospitalizado para
que, mesmo vivendo um período difícil, consiga continuar se desenvolvendo
em todos os aspectos, com a maior normalidade possível. Para que esse objetivo
ação se concretize, três áreas de atividades fazem parte do campo específico da
atuação da Pedagogia Hospitalar, como expõem Simancas e Lorente (1990):
• Área de atividade Escolar: de maneira geral, a grande maioria das crianças
hospitalizadas encontra-se em idade escolar e por isso mesmo a ação peda-
gógica pretende diminuir o prejuízo causado por essa interrupção, de certa
maneira brusca e inesperada, evitando que a criança se desinteresse pelas
atividades escolares;
• Área de atividade Recreativa: tal como a atividade escolar, a atividade recrea-
tiva supõe um fim educativo. Constitui-se de atividades que se propõem
ao entretenimento em seu sentido mais profundo, proporcionando alegria,
distração, relaxamento das tensões, e fomentando o convívio amável e amis-
toso entre as crianças hospitalizadas;
• Área de atividade de Orientação: essa área de atuação foge de toda e qual-
quer organização. Consiste, principalmente, em fazer companhia. Falar, es-
cutar, sorrir, olhar, acariciar, estabelecer uma relação afetuosa e amável com
o enfermo. São aqueles momentos em que se precisa estar presente sem fa-
zer aparentemente nada. Saber calar com serenidade, delicadeza e intuição.

Simancas e Lorente (1990) informam que o estado psicológico da criança, ao ser


hospitalizada, fica abalado, podendo esta experimentar quatro principais grandes ex-
periências:
Experiência de privação (da saúde) – a criança é privada de se sentir bem como é o
seu desejo natural, e isso é muito difícil para ela;
Experiência de frustração (impedimento e impossibilidade) – a liberdade da crian-
ça é bloqueada, ela é impedida em relação ao seu projeto pessoal. Suas necessidades
básicas não podem ser realizadas por sua própria vontade;
188
Experiência dolorosa – a doença e a dor tomam conta do corpo e há sentimentos Políticas públicas para
educação e saúde
que oscilam entre solidão, isolamento e medo de tudo o que está à volta;
Experiência do afastamento do lar – a separação da família e o afastamento do
ambiente escolar (se for o caso), a frieza do ambiente hospitalar, o medo. Isso para um
adulto é até aceitável, mas para uma criança pode ser realmente traumático.

A medicina, por intervir apenas tecnicamente, apesar de todos os avanços e


inovações, não tem conseguido atender as experiências citadas anteriormente,
nem ao menos amenizá-las. É aí justamente que a Pedagogia Hospitalar atua, ou
seja, na amenização destas experiências, ou no suprimento da afetividade que a
criança foi privada (SIMANCAS; LORENTE, 1990, p. 95).

A finalidade da Pedagogia Hospitalar é implantar e aplicar princípios, critérios e


condições, gerais e específicos, que sem renunciar a nada que lhe é próprio permita-
-lhe adaptar-se às condições específicas do ambiente hospitalar com um objetivo muito
específico, que é o benefício dos enfermos, qualquer que seja a sua idade, sexo ou
condições de saúde ou financeiras.
O educador hospitalar também realiza um trabalho junto aos familiares, auxilian-
do-os não só em suas necessidades básicas, como também lhes oferecendo meios para
lidar com fatores, como, por exemplo, medo, preocupações e ansiedade que interfe-
rem na recuperação da criança enferma.
Mistral (apud SIMANCAS; LORENTE, 1990) propala que a intervenção pedagógica
em um ambiente hospitalar não tem por objetivo priorizar a educação sistematizada
ou a intenção de transformar o hospital em escola. Possui um caráter instantâneo, ime-
diato, que aproveita qualquer experiência, exigindo que o profissional compreenda o
estado psicobiológico do enfermo.
Dessa forma, os programas de atendimento pedagógico em ambiente hospitalar
se mostram ímpares para que o ser humano possa, mesmo em situação de adversi-
dade como a enfermidade, desenvolver seus potenciais. Sua importância reside em
sua contribuição direta ou indireta no restabelecimento da saúde ou em uma melhor
qualidade de vida.
Ceccim e Carvalho (1997) pontuam que não é por falta de amparo legal, moral
e ético que a prática do atendimento pedagógico hospitalar não se efetiva em sua
totalidade; existe um anacronismo entre teoria e prática, falta a efetivação de políticas
públicas que atendam às demandas explicitadas nos hospitais.
Considerando que a criança tem o direito de desfrutar de alguma forma de re-
creação, programas de educação para a saúde, acompanhamento do currículo escolar
durante sua permanência no hospital, conforme dispõe o Estatuto da Criança e do
Adolescente e a própria Constituição Nacional, é imprescindível entendermos que

189
POLÍTICA tanto a educação não é elemento exclusivo da escola como a saúde não é elemento
EDUCACIONAL
BRASILEIRA exclusivo do hospital. Nesse âmbito, onde existir vida a educação não pode se privar
de dar sua contribuição.
Para ilustrarmos tal questão, apresentaremos abaixo, por ordem cronológica, tex-
tos chancelados legalmente pelo Ministério da Justiça que amparam a pessoa hospita-
lizada, enfocando a criança e o atendimento pedagógico no contexto hospitalar.
A Declaração dos Direitos do Doente e do Médico (apud CAVALCANTI, 1997, p. 5)
preconiza, em seu Artigo 11º, que ‘ O doente tem direito [...] a todos os meios cultu-
rais que podem ajudá-lo a recuperar sua saúde física e moral’.
Ao comentar esse artigo, Cavalcanti (1997, p. 6) argumenta que:

[...] em todas as circunstâncias, o doente permanece uma pessoa cujos direitos


e necessidades básicas são os mesmos que os de uma pessoa saudável. Unica-
mente a impossibilidade de fato pode impedi-lo de usufruir seus direitos ou
de satisfazer suas necessidades [...]. Não se pode limitar seus direitos ou suas
necessidades em matéria de cultura ou de distração, por causa de sua doença. A
única limitação permitida é de ordem médica, ou quando a equipe encarregada
do tratamento considera que a utilização desse direito constitui um obstáculo
à cura. Em contrapartida, a limitação do direito à vida recreativa, por qualquer
razão que não seja de ordem médica, constitui um grave atentado às prerroga-
tivas do homem que sofre.

Já o Estatuto da Criança e do Adolescente, regimentado pela Lei nº 8069 de 13 de


Junho de 1990, dispõe garantias de direitos para a criança e o adolescente com relação
à situação especial de hospitalização. Podemos observar isso em seus artigos abaixo
apresentados:
Artigo 4º- Parágrafo Único:

Primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;


Precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;
Preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
Destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a pro-
teção à infância e juventude.
Art. 7º- A criança e o adolescente têm o direito à proteção e à vida e à saúde,
mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitem o nascimento
e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.
Art. 11º- É assegurado atendimento médico à criança e ao adolescente, através
do Sistema Único de Saúde, garantindo o acesso universal e igualitário às ações
e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde.
Art. 57º- O Poder Público estimulará pesquisas, experiências e novas propos-
tas relativas a calendário, seriação, currículo, metodologia, didática e avaliação,
com vistas à inserção de crianças e adolescentes excluídos do ensino fundamen-
tal obrigatório (BRASIL, 1990).

É importante notarmos que a lei apresentada, especificamente no Artigo 57º, am-


para a iniciativa quanto a novas propostas que visem a atender crianças e adolescentes
excluídos do sistema de ensino fundamental obrigatório. Vale também ressaltar que
190
a hospitalização é uma das causas de exclusão da vida escolar, uma vez que a criança Políticas públicas para
educação e saúde
portadora de doença grave ou crônica não consegue se adaptar ao sistema regular de
ensino. Cabe-lhe então ter seu direito atendido através de iniciativas flexíveis que con-
templem tanto a necessidade do tratamento médico quanto a necessidade de aprender
e se desenvolver de maneira mais harmônica e ‘normal’ possível.
Ainda a Resolução nº 41, de 13 de outubro de 1995, do Conselho Nacional dos Di-
reitos da Criança e do Adolescente, chancelada pelo Ministério da Justiça, trata dos di-
reitos da Criança e do Adolescente Hospitalizados. Esse documento estende o direito
à proteção integral à infância e à adolescência aos eventos de hospitalização e refere-se
à esfera jurídica e política, eximindo-se, assim, de qualquer julgamento moral. Ceccim
e Carvalho (1997, p. 185-190) expõem que tais direitos são assim descritos:

Direito à proteção à vida e à saúde, com absoluta prioridade e sem qualquer


forma de discriminação;
Direito a ser hospitalizado quando for necessário ao seu tratamento, sem distin-
ção de classe social, condição econômica, raça ou crença religiosa;
Direito a não permanecer hospitalizado desnecessariamente por qualquer ra-
zão alheia ao melhor tratamento da sua enfermidade;
Direito de ser acompanhado por sua mãe, pai ou responsável, durante todo o
período de sua hospitalização, bem como receber visitas;
Direito de não ser separado de sua mãe ao nascer;
Direito de receber aleitamento materno sem restrições;
Direito de não sentir dor, quando existam meios para evitá-la;
Direito de ter conhecimento adequado de sua enfermidade, dos cuidados te-
rapêuticos e diagnósticos a serem utilizados e do prognóstico, respeitando sua
fase cognitiva, além de receber amparo psicológico quando se fizer necessário;
Direito de desfrutar de alguma forma de recreação, programas de educação
para a saúde, acompanhamento do currículo escolar durante sua permanência
hospitalar; (grifo nosso)
Direito a que seus pais, ou responsáveis, participem ativamente do seu diagnós-
tico, tratamento e prognóstico, recebendo informações sobre os procedimen-
tos a que será submetida;
Direito a receber apoio espiritual/religioso, conforme a prática de sua família;
12- Direito de não ser objeto de ensaio clínico, provas diagnósticas e terapêu-
ticas, sem o consentimento informado de seus pais ou responsáveis e o seu
próprio, quando tiver discernimento para tal;
Direito de receber todos os recursos terapêuticos disponíveis para a sua cura,
reabilitação e/ou prevenção secundária e terciária;
Direito à proteção contra qualquer forma de discriminação, negligência ou
maus-tratos;
Direito ao respeito à sua integridade física, psíquica e moral;
Direito à preservação de sua imagem, identidade, autonomia de valores, dos
espaços e objetos pessoais;
Direito a não ser utilizado pelos meios de comunicação de massa, sem a expres-
sa vontade de seus pais ou responsáveis ou a sua própria vontade, resguardan-
do-se a ética;
Direito à confidência de seus dados clínicos, bem como direito a tomar conhe-
cimento dos mesmos, arquivados na Instituição, pelo prazo estipulado em lei;
18- Direito a ter seus direitos constitucionais e os contidos no Estatuto da crian-
ça e do Adolescente respeitados pelos hospitais integralmente;

191
POLÍTICA 20- Direito a ter uma morte digna, junto a seus familiares, quando esgotados
EDUCACIONAL todos os recursos terapêuticos disponíveis.
BRASILEIRA

Chamamos a atenção para o item 9, pois vemos nessa lei principalmente o amparo
legal do atendimento, ao menos recreativo, quando a criança se encontra hospitaliza-
da. A lei é clara e objetiva quanto a esse direito do doente.
A integralidade da assistência é, sem dúvida, um dos princípios que regem, moral e
legalmente, as ações e serviços de saúde (Lei Orgânica da Saúde, 1990). Essa atenção
integral é entendida como a articulação e a integração simultâneas das ações e servi-
ços, sejam eles preventivos ou curativos, individuais ou coletivos, no que se refere à
complexidade do Sistema de Saúde (CECCIM; CARVALHO, 1997).
Como podemos perceber, não é pela omissão de textos legais que não se realizam
ações educativas nos hospitais. A criança doente tem direitos legalmente reconheci-
dos, mas que não vêm sendo aplicados. Existe uma distância entre o que se fala e as
efetivas ações empreendidas.

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Proposta de Atividade

1) Eleja uma das políticas públicas relacionadas à Educação e Saúde (Meio Ambiente ou Peda-
gogia Hospitalar), tratados neste capítulo e discorra sobre sua viabilização em sua região,
destacando os benefícios que tais políticas implementadas proporcionam para as pessoas
envolvidas.

Anotações

194
14 Classes criativas
e educação no
1
século XXI
Daniel Clark Orey

A teoria das trocas2 é uma ciência vasta e complexa. Assim, para balizar essa afir-
mação e a presente exposição, estamos nos baseando no trabalho de Richard Florida3,
em que ele analisa os diversos aspectos que envolvem as classes criativas e como essas
constatações se evidenciam no contexto brasileiro. Dessa forma, o que gostaríamos de
compartilhar com o leitor é uma breve reflexão de como o Brasil pode aproveitar essa
oportunidade bem como refletir sobre o trabalho pedagógico que pode ser realizado
com essa diversidade no ambiente de ensino-aprendizagem.
Um modelo pedagógico predominante é o domínio da capacidade de ler e escrever
(literacy) que, de um modo criativo e completo, integra a tecnologia, estimulando, dessa
forma, o surgimento de pensadores críticos e transformadores. Esse aspecto curricular é
vital se quisermos, simultaneamente, interagir, participar, transformar, e, de fato, sobrevi-
ver na emergência das necessidades de uma sociedade globalizada do século XXI.

1 Este texto foi baseado na conferência proferida pelo autor deste artigo na Universidade Esta-
dual de Maringá, em 30 de junho de 2005, promovida pelo Programa de Pós-Graduação em
Educação (PPE), Mestrado em Educação para Ciência e o Ensino de Matemática (PCM) e
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCH). O texto original, em inglês, foi traduzido
por Mário Luiz Neves de Azevedo, que agradece à Thaís Helena Veiga Moreira, pós-doutoranda
na Universidade de Maryland (EUA), e a Milton Rosa, professor na escola Encina High School,
Sacramento (EUA), por suas valiosas sugestões.
2 O pressuposto básico da Teoria das Trocas é que a interação social entre indivíduos ou mem-
bros de comunidades pode ser caracterizada como uma tentativa de maximizar as recompensas
e reduzir os custos (BLAU, 1955), que podem ser materiais e não-materiais. Assim, a interação
social é mantida porque, independentemente das razões consideradas, as pessoas entendem que
tais interações são compensadoras. Blau (1955) afirma que o dinheiro, a aceitação social, a
estima, o respeito, a aprovação social, os conselhos e os serviços são recursos que podem ser
socialmente trocados. De acordo com esta perspectiva, o lucro que uma pessoa tem com uma
troca social é equivalente à diferença entre as recompensas menos os custos. A maior proposição
da Teoria das Trocas é que a interação entre duas ou mais pessoas terá continuidade e será posi-
tivamente avaliada se esses indivíduos lucrarem com essa interação.
3 Richard Florida é Diretor do Martin Prosperity Institute e Professor de Business and Crea-
tivity na Rotman School of Management, University of Toronto. A pesquisa de Florida pro-
videncia uma introspecção social original que está baseada em fatores sociais, econômicos e
demográficos, que norteiam a economia mundial do século 21.
195
POLÍTICA AS CLASSES CRIATIVAS
EDUCACIONAL
BRASILEIRA Recentemente, Florida (2005, 2008) esboçou um modelo para a compreensão e o
entendimento da criatividade, que foi desenvolvido quando ele passou a observar que,
demograficamente, certas comunidades, nos Estados Unidos, eram altamente criativas.
Em seus últimos trabalhos, Florida expandiu sua pesquisa para compreender o que tem
acontecido nos EUA desde o ataque ao World Trade Center (Torres Gêmeas) em Nova
York.
A partir desse marco da história recente, o 11 de Setembro, os Estados Unidos toma-
ram uma atitude de fechar suas fronteiras, dificultando a obtenção de vistos para estu-
dantes que desejam estudar naquele país. No entanto, Florida (2005) argumenta que
esse é, precisamente, um caminho errado que foi tomado pelas autoridades estaduni-
denses, pois a imigração e o intercâmbio cultural são os combustíveis que alimentam a
criatividade e a invenção, através do dinamismo cultural. Nessa perspectiva, outro fator
educacional importante é facilitar o acesso e melhorar o processo de integração das mi-
norias na educação superior.
Florida (2008) descreve três variáveis que são importantes para que uma determinada
comunidade possa atingir um nível dinâmico e criativo. Em seu estudo, Florida (2005)
fez uma classificação (ranking) tomando por base três variáveis: tecnologia, talento e to-
lerância em áreas metropolitanas, tais como São Francisco, Seattle, Minneapolis e Austin,
que foram consideradas como algumas das mais criativas e dinâmicas cidades nos Esta-
dos Unidos. Nesse estudo, as áreas metropolitanas melhores posicionadas caracteriza-
ram-se pela oferta de boas escolas, acesso universal à tecnologia, acentuado dinamismo
cultural e um ambiente urbano com projetos de renovação que facilita a melhoria de
outros fatores urbanos.
Florida (2005) determinou três variáveis para o dinamismo criativo: a tecnologia, o
talento e a tolerância.

Tecnologia

Talento Tolerância

Figura 1 - O Modelo da Classe Criativa.

196
Classes criativas
e educação no
As comunidades dinâmicas e criativas são lugares que atraem pessoas e trazem opor- século XXI

tunidades de trabalho de outras localidades. Essas comunidades são sociedades abertas


e tolerantes, que possuem acesso universalizado à tecnologia e são compostas por indi-
víduos com altos níveis de talento.
Essas três variáveis são:
• Tecnologia: em um sentido mais amplo, a tecnologia pode ser definida como
capital humano. Isto inclui, principalmente, computadores e smartphones, mas
também todas as outras formas de tecnologia. Por exemplo: acesso universal aos
museus, às bibliotecas, aos livros e aos materiais escolares. A Tecnologia pode
ser considerada como o conjunto de ferramentas que as pessoas utilizam para
ampliar o pensamento e desenvolver o raciocínio crítico.
• Talento: é a capacidade de criação no domínio das artes, da música, da arqui-
tetura, da literatura, na elaboração de softwares e outras atividades dinâmicas e
estimulantes que exigem a utilização do poder criativo das pessoas. O talento
também pode significar uma vocação, um dom ou uma habilidade para o exercí-
cio de atividades diversas. O talento é um fator de atração que faz com que certas
comunidades tornem-se lugares interessantes para se viver e, ao mesmo tempo,
tornem-se ambientes que estimulam a geração de novas ideias.
• Tolerância: no sentido mais lato do termo, significa diversidade. Isto abrange as
classes sociais, a raça, o gênero, a orientação sexual, a língua e a religião. Todo o
tipo de diversidade é respeitado e os direitos de cada indivíduo são protegidos. As
sociedades criativas são aquelas que reconhecem essa necessidade (tolerância) e
empenham-se em proteger a diferença de ideias, perspectivas e pontos de vistas.

De acordo com o diagrama anterior, é exatamente na interseção das três variáveis


que se encontram os lugares mais dinâmicos, criativos e vibrantes. Por exemplo, algumas
localidades no mundo podem favorecer o acesso à tecnologia e artes, mas são comuni-
dades altamente intolerantes. Outras comunidades podem ter uma alta pontuação em
talento e tolerância, porém são limitadas no acesso à tecnologia.
Ultimamente, temos refletido sobre como essas três variáveis podem influenciar a
escolaridade no Brasil.
Tecnologia: consideramos que a tecnologia está relacionada com o acesso e tam-
bém com a capacidade de ler e escrever (literacy). O formato de mídia eletrônica está
predominando no planeta, contudo, poucas escolas ensinam os alunos como obterem
informações de maneira ativa e por iniciativa própria. Se os alunos têm acesso à escolari-
dade, eles podem aprender a distinguir entre a má e a boa literatura. Porém, as crianças

197
POLÍTICA também precisam aprender a fazer a distinção entre os ‘bons’ e os ‘maus’ filmes, entre os
EDUCACIONAL
BRASILEIRA ‘bons’ e os ‘maus’ programas de televisão, entre os ‘bons’ e os ‘maus’ software, etc. Acre-
ditamos que os profissionais de marketing (‘marqueteiros’) conhecem isto, porque eles
consomem inúmeras horas de pesquisa com os consumidores antes de introduzir novos
produtos no mercado. Imaginemos o que poderia acontecer se dedicássemos mais tem-
po para compreender e entender as perspectivas que os alunos trazem para as escolas?
Esperamos que em um futuro próximo os alunos possam compreender o que acon-
tece com eles quando, por exemplo, assistem a comerciais de televisão. Esperamos
também que os alunos se tornem usuários críticos e capazes distinguir sobre o melhor
tipo de tecnologia que eles poderão utilizar para a resolução de problemas diversos. Em
nosso ponto de vista, é importante que os alunos aprendam a dominar o uso variado da
tecnologia, da mesma forma como eles discutem o que é um bom vídeo-game ou um
bom filme. Atualmente, a maioria deles já domina e controla os vídeos-game. Certamente
o que se considera como bom é algo subjetivo e os educadores brasileiros podem desen-
volver um guia apropriado, tanto informal (como se faz com os jogos de computador) ou
formalmente, como os PCN’s (Parâmetros Curriculares Nacionais), para que os alunos,
através de atividades pedagógicas significativas, possam distinguir entre o que é bom e
o que é mal.
Talento: Como podemos estimular a criação de boas formas de aprendizagem, sejam
elas baseadas em vídeos-game, em programas de televisão, nas artes plásticas ou em fil-
mes? Devemos avaliar bem o que recebemos no Brasil antes de aceitarmos sem ressalvas
o que é enviado pela mídia estrangeira. A absorção passiva dessa informação mesclará a
cultura local e o conhecimento adquirido por essa mídia sem uma análise crítica da mes-
ma, influenciando de um modo negativo a cultural local. Por exemplo, ao enviarmos pes-
soas para estudar e viver em países estrangeiros, no retorno elas deveriam compartilhar
o que observaram e aprenderam. Assim, orientar essas pessoas a observarem padrões e
procurarem por informações em diferentes lugares e culturas é um importante aspecto
do desenvolvimento do processo criativo das pessoas.
Uma análise aprofundada a respeito das técnicas de marketing poderá revelar duas
nuances: se somos todos manipulados pela mídia, como podemos ensinar os alunos
a serem consumidores críticos? Como estabelecemos anteriormente, a expressão bom,
utilizada neste capítulo, é subjetiva e precisa ser explicada de acordo com os padrões
brasileiros e não através daqueles importados da Europa e da América do Norte.
Se considerarmos exclusivamente as fontes externas para determinar o que devemos
apreciar, ver e ouvir, estaremos pondo em risco a compreensão e o entendimento do que
é realmente bom e do que é genuinamente brasileiro. Arriscaremos a jogar fora o talento
das pessoas, pois esse pode ser considerado como um objeto que não é marketable, já

198
que estará reduzido ao mundo do marketing. Desse modo, não podemos desconsiderar Classes criativas
e educação no
as ideias e os procedimentos adotados pelas comunidades locais para as soluções dos século XXI

próprios problemas. Isto, também, significa que os governos, em todos os níveis, devem
parar de cortar os fundos para a educação, inclusive para a educação superior, e devem
criar políticas públicas que permitam o acesso da população à educação em todos os
níveis, principalmente dos grupos minoritários.
Tolerância: Novamente, nesse contexto, bom é algo subjetivo e precisa ser definido
em termos brasileiros. Mas o terceiro ‘T’ refere-se a ‘quem’ terá a oportunidade de viajar,
estudar, criar os bons vídeos-game, os bons filmes, as boas escolas, etc. Isto confirma a
necessidade de haver discussões relativas à questão da universalização do acesso à tec-
nologia. A implantação de LAN houses somente em áreas privilegiadas merece ser ampla-
mente discutida. A diversidade está associada a algo bom e a padronização simplificada
não pode ser considerada saudável ou interessante.
A relação de graduados em uma comunidade deve representar as três variáveis: tec-
nologia, tolerância e talento. As taxas (razão percentual) de diplomados no Ensino Médio
e daqueles que passam no vestibular devem corresponder às taxas (percentuais) demo-
gráficas da comunidade. O acesso à educação em seus mais altos níveis não pode ficar
restrito aos alunos afortunados de uma elite, que conseguiram frequentar escolas de
qualidade, que possuem recursos, credenciando os alunos a uma escolarização completa
e de boa qualidade. A graduação começa na pré-escola, com o suporte e o encorajamento
dos pais e professores.

DUAS COMPANHIAS
O que debatemos anteriormente pode ser mais bem explicado com uma metáfora,
emprestada do mundo dos negócios. Existem duas companhias que produzem o mesmo
produto, cada uma tem uma grande mesa, como na maioria das grandes empresas ou
universidades. Esse tipo de mesa tem certo número de cadeiras a sua volta, e as pessoas
que lá se sentam são encarregadas da direção da companhia. Cada empresa é adminis-
trada por uma diretoria.

O primeiro grupo
A mesa está cheia, os diretores vestem-se de maneira parecida, vivem na mesma vizi-
nhança e são membros da mesma classe social, todos estudaram na mesma universidade,
falam a mesma linguagem, frequentam a mesma igreja, praticam os mesmos esportes no
mesmo clube, são do mesmo sexo e quase da mesma idade. Eles são organizados e os
negócios são realizados, porém algo está faltando. Eles frequentemente chamam con-
sultores externos para ajudá-los e quando eles recebem o relatório, normalmente eles

199
POLÍTICA retomam a mesma rotina. Eles não mudam o modo de pensar, novas ideias podem ser
EDUCACIONAL
BRASILEIRA interessantes, mas não são prontamente aceitas ou implementadas e não são vistas com
bons olhos. Eles sempre fizeram as coisas dessa maneira e os clientes e alunos aprendem
a aceitar as coisas como elas são, sem questionamentos e sem uma análise crítica dos
dados apresentados.

O segundo grupo
Novamente a mesa está cheia, contudo, ao se examinar mais detalhadamente, perce-
be-se que os diretores vestem-se diferentemente, vivem em bairros diversos, eles estu-
daram, em geral, em universidades concorrentes, falam uma língua em comum e talvez
a metade da diretoria seja bilíngue e fluente em mais de um idioma. Há homens e mu-
lheres com idades diferentes. Eles frequentam diferentes igrejas, sinagogas, mesquitas,
centros religiosos ou não-religiosos. Eles praticam diferentes esportes em clubes sociais
diversos, muitos deles não pertencem a nenhum clube e muitos têm hobbies e praticam
a filantropia. Como os integrantes da diretoria do primeiro grupo, eles são organizados
e os negócios são realizados; no entanto, são executados de maneiras diferentes. Algo
é muito diferente, os debates são temperados com humor e sinergia, o segundo grupo
aprecia a diversidade e a estimula. Eles contratam consultores externos para ajudá-los,
mas por diferentes razões isso resulta em novas ideias para resolver novos problemas.
Quando eles recebem os relatórios dos consultores, raramente retomam ao seu rotineiro
modus operandi. Eles implementam as novidades e as sugestões de mudança. As novas e
interessantes ideias são debatidas e ajustadas para o modelo da companhia. Algumas são
imediatamente aceitas e implementadas e outras são arquivadas para que posteriormen-
te possam receber outra apreciação, através da discussão do grupo. Eles têm feito esses
encaminhamentos por muito tempo e os clientes e os trabalhadores aprendem a aceitar
as novidades com vistas no futuro. Os empregados gostam do que fazem e mesmo os
trabalhadores do mais baixo escalão são respeitados e encorajados a submeterem suas
ideias para a melhoria da empresa e progresso de todos os funcionários.
Utilizamos essa metáfora do mundo dos negócios porque julgamos que melhor do
que rejeitar de maneira rasa o capitalismo, precisamos entender o que está sendo feito,
de modo a compreendermos o sentido das coisas. As escolas que implementaram esse
segundo modelo são lugares onde os alunos e os professores têm prazer e satisfação de
frequentar.
As escolas que realmente se esforçam para a convivência, em um mesmo ambiente, de
alunos diferentes, para que eles aprendam a se conhecer, para que eles saibam de onde
eles vêm e para onde vão, para que eles auxiliem o desenvolvimento da comunidade na
qual eles estão inseridos. Uma comunidade com alunos assim escolarizados obterá mais

200
sucesso. Dessa maneira, incrementando a diversidade, tornando nossos alunos mais se- Classes criativas
e educação no
guros para conviver e trabalhar com outros alunos que são diferentes e que são equitati- século XXI

vamente providos de recursos configura-se como um aspecto vital de uma comunidade


criativa e dinâmica.
Acreditamos que esse seja o melhor caminho para instruir nossos alunos a serem
pensadores críticos, para que eles possam criticamente questionar os aspectos danosos
da globalização. Precisamos continuar a encontrar meios para mostrar às comunidades a
importância de valorizar e apoiar o talento local, a tecnologia e a cultura em um contexto
dinâmico e internacionalizado.

CONCLUSÃO
Gostaríamos de sugerir aos professores, pais e alunos, que se engajem ativamente na
elaboração de pesquisas sobre as comunidades locais. Assim, devem realizar visitas sem o
objetivo de converter, mas para compreender as diferentes religiões e culturas, através da
utilização dos recursos locais, tais como os parques e os museus para pesquisar, entender
e compreender a comunidade em que vivem.
Eles também devem pesquisar fontes externas, entrevistar os turistas sobre como eles
veem o Brasil e comparar os resultados com as entrevistas com turistas brasileiros. Eles
também devem promover encontros, entrevistas e reuniões com estudantes e líderes
comunitários como anciãos, padres, pastores, políticos, professores, médicos etc. Essas
são sugestões que qualquer comunidade ou escola pode adotar e compartilhar, sem ne-
nhuma necessidade de comprometer os fundos públicos.
Temos plena confiança em uma metodologia pedagógica que se baseia na utilização
do que existe para ensinar a ler, a pensar e a viver neste dinâmico novo século. Um
modelo de literacy, que é a capacidade de ler e escrever, que promova o talento, que
integre todos ao mundo da tecnologia e que desenvolva nos alunos o pensamento crítico
é vital se quisermos, simultaneamente, interagir, participar, liderar e, de fato, sobreviver
na sociedade moderna. Não temos dúvida de que o Brasil continuará a ser bem sucedido
se continuar a fomentar os três ‘T’, pois se aproximará, gradativamente, da interseção das
três áreas propostas pela Figura 1, atingindo, dessa forma, o seu pleno potencial.
Para nós, é uma grande honra poder contribuir um pouco para esse grande despertar.

Referências

BLAU, P. The dynamics of bureaucracy. Chicago, IL: University of Chicago Press,


1955.

201
POLÍTICA FLORIDA, R. The rise of the creative class: and how it’s transforming work, leisure,
EDUCACIONAL
BRASILEIRA community and everyday life. New York, NY: Basic Books, 2002.

FLORIDA, R. The flight of the creative class: the new global competition for talent.
New York, NY: Harper Collins, 2005.

FLORIDA, R. Who’s Your City? New York, NY: Basic Books, 2008.

Proposta de Atividades

1) Faça uma reflexão, sobre o que está faltando para que sua comunidade alcance o desenvol-
vimento pleno da sociedade.
2) Agrupe-se com alunos que morem em uma mesma comunidade, em um mesmo bairro, em
uma mesma cidade, ou que pertença a algum tipo de sociedade.
a) Faça um diagrama de Venn como o proposto na Figura 1. Complete cada círculo do
diagrama com atividades e exemplos de tecnologia, talento e tolerância, que são en-
contrados em sua comunidade.
b) O seu diagrama tem mais elementos em uma área do que em outra? Quais áreas pos-
suem mais elementos? Quais áreas possuem menos elementos? Em sua opinião, por-
que isso acontece?
c) Elabore um plano para a sua comunidade, no qual você criará um equilíbrio entre as
três áreas.
d) Em uma escala de 1 (ruim) a 10 (ótimo), dê uma pontuação para a sua comunidade,
nas três áreas: tecnologia, tolerância e talento. Encontre a média de sua comunidade.
e) Cada grupo deverá apresentar os resultados para os demais grupos.
3) Dê uma nota a sua cidade, ao seu estado e ao Brasil, nas três áreas propostas. Tire a média
e compare o resultado de seu grupo com o resultado de outros grupos.

Anotações

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