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HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA 2 Marcos Napolitano
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HISTÓRIA DA AMÉRICA LATINA Maria Ligia Prado e Gabriela Pellegrino
HISTÓRIA DO BRASIL COLÓNIA Laima Mesgravis
MEDIEVAL
HISTÓRIA DO BRASIL CONTEMPORÂNEO Carlos Fico
HISTÓRIA DO BRASIL IMPÉRIO Miriam Dolhnikojf
HISTÓRIA DO BRASIL REPÚBLICA Marcos Napolitano
HISTÓRIA MEDIEVAL Marcelo Cândido da Silva
HISTÓRIA MODERNA Paulo Miceli
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PRÁTICAS DE PESQUISA EM HISTÓRIA Tania Regina de Luca h;.· f" 101 • ::.,• ·• ,1 · \\, 1\11 ,
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Conselho da Coleçáo
Paulo Miceli - Unicamp
Tania Regina de Luca - Unesp
Raquel Glezer - USP
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Coleção
HISTÓRIA
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A dominação
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;~ senhorial
Os polípticos costumavam recensear, sucessivamente, em cada um famílias, instalados nas parcelas de terras dependentes das reservas senho-
de seus capítulos, os principais centros de gestão e, no interior de cada riais - as tenências -, em troca do pagamento de taxas e de corveias. Os
um deles, após a evocação do manso dominial (as terras diretamente ex- próprios escravos foram instalados em tenências, de forma que deviam aos
ploradas pelo senhor), as unidades de exploração camponesa (os mansos senhores, além da mão de obra compulsória, uma parte de sua produção e
camponeses), além de mencionar as pessoas que residiam nessas unidades de seu trabalho, e não mais a totalidade destes.
(os camponeses, suas esposas e filhos) e as obrigações que pesavam sobre O "Brevium de Gagny" menciona não só o nome dos camponeses,
elas. A reserva senhorial compreendia terras aráveis, prados e florestas, mas também o de suas esposas e os de seus filhos (alguns polípticos che-
uma sede (curtis), equipada com moinhos, granjas, celeiros e ateliês. Um gam a citar as idades das crianças). É tentador utilizar esses textos para
intendente dirigia os domésticos, grupo composto, na maioria dos casos, proceder a uma história demográfica a partir deles: número e densidade
por escravos e camponeses dependentes. Em troca do direito de explo- populacionais, taxa de fertilidade dos casais etc. No entanto, é necessá-
ração das tenências, os camponeses possuíam uma série de obrigações: rio ter cuidado na análise dos aspectos quantitativos dos polípticos: sua
pagamentos em espécie, in natura e em serviços (corveias) na reserva redação não atendia a necessidades de recenseamento populacional, mas
senhorial. O "Brevium de Gagny" menciona um manso dominial de cer- servia para fixar o estatuto e as obrigações dos dependentes em relação
ca de 48 bonários, ou cerca de 60 hectares (sobre uma superfície total de ao senhor, e também oferecer a este último uma visão destas e de suas
131 bonários), sem contar as vinhas e os prados. possessões fundiárias e dos equipamentos nelas existentes.
Vemos claramente, por meio do texto, que a floresta da reserva Outro aspecto quantitativo do texto, o montante das contribuições
senhorial não era um território "selvagem", mas se encontrava plena- em moedas devido pelos camponeses ao senhor, é bem mais fiável, pois
mente integrada nas atividades econômicas desenvolvidas no interior remete a essa função primordial dos polípticos de recenseamento das
do Grande Domínio: em Gagny, podiam ser engordados 150 porcos. obrigações camponesas. O Grande Domínio era também um centro de
Isso mostra que as florestas estavam incorporadas à dinâmica da econo- percepção de taxas devidas aos senhores, ao rei e ao exército. O cálculo
mia rural na Alta Idade Média. Assim, o aumento da superfície delas, do montante em moeda versado pelos detentores dos mansos de todos os
após o fim da Antiguidade, não significou, necessariamente, um recuo domínios da abadia de Saint-Germain-des-Prés mostra um valor impres-
das atividades econômicas. sionante: 22.726 denários (moedas de prata) por ano, ou seja, em média de
A exploração do manso senhorial era garantida pelas corveias devi- 1O a 30 denários por exploração camponesa, segundo as diversas categorias
das pelos detentores dos mansos camponeses, essencialmente o trabalho de mansos repertoriados.
agrícola e o pastoril, que podiam tomar de dois a três dias por semana. Os Havia duas condições para que os pagamentos em moeda ocor-
mansos camponeses eram divididos em mansos livres e em mansos servis. ressem: as existências tanto de uma produtividade agrícola que gerasse
O que os distinguia eram os diferentes estatutos jurídicos daqueles que uma quantidade suficiente de excedentes para permitir a transformação
os exploravam: escravos, servos ou dependentes. Na prática, a distinção de parte deles em moeda como a de mercados rurais onde os cam-
tendeu a desaparecer, devido ao fato de que estavam todos submetidos ao poneses poderiam vender uma parte de sua produção e obter moeda.
trabalho compulsório na reserva senhorial. Havia um contingente impor- Os volumes de produtividade cerealífera, em que pesem as diferenças
tante de escravos no Grande Domínio, utilizados no trabalho doméstico regionais, giravam em torno de cinco a sete grãos colhidos por cada
e também na produção, mas eles não constituíam o essencial da mão de grão semeado. Esse valor, que corresponde à média da agricultura eu-
obra. Esta era constituída, fundamentalmente, pelos indivíduos e por suas ropeia, pelo menos desde a época romana até a Revolução Industrial,
52 HISTÓRIA MEDIEVAL A DOMINAÇÃO SENHORIAL 53
é suficiente para alimentar pequenos mercados situados em vilarejos, gt- ncros alimentícios e reinvestida no aperfeiçoamento da produção. O
que são mencionados, aliás, nos capitulares carolíngios. É muito prová- < ;rande Domínio era uma forma racional de exploração da terra e trouxe
vel também que houvesse comutações de pagamentos em espécie para 1 onsigo uma mudança importante na organização econômica da Europa
pagamento in natura, mas o contrário também podia ocorrer. Estudos () idental, através das técnicas empregadas, de suas formas de gestão, de
em história comercial, monetária e urbana mostram não apenas que o \li a preocupação com a rentabilidade e de seus níveis de produtividade -
mundo carolíngio era aberto às trocas comerciais, mas também que os mais elevados, a priori, do que os da pequena propriedade.
mercados rurais tiveram papel importante no desenvolvimento urbano.
Essa dinâmica do Grande Domínio não impediu casos frequentes de
A CRISE DO IMPÉRIO CAROLÍNGIO E A PAZ DE DEUS
fome e mesmo de canibalismo, mencionados em diversas fontes escritas
entre os séculos VIII e x. Sob Carlos Magno, assistimos ao estabeleci- Desde a segunda metade do século LX, o Ocidente europeu foi atin-
mento de uma série de medidas destinadas a diminuir o impacto das ido por uma série de incursões vindas do norte da África (sarracenos),
crises alimentares, controle de preços, distribuição de esmolas etc., mas da Escandinávia (normandos) e das estepes (húngaros). Os principais
essas medidas desaparecem da legislação real em seguida. As igrejas, alvos dos invasores foram os monastérios, menos defendidos do que as
os monastérios e os senhores laicos procuravam assumir, pelo menos cidades, bem como os centros de gestão dos grandes domínios (onde
em parte, a responsabilidade com o auxílio às vítimas das crises ali- estavam estocados os produtos das colheitas). As lutas intestinas no seio
mentares, o que acabou por reforçar, a partir do século x, a entrada do da dinastia carolíngia, acentuadas depois da morte de Carlos, o Calvo
campesinato nas relações de dependência. (823-877), dificultaram e muito os esforços defensivos. Paralelamente, os
As características do Grande Domínio variavam de região para principados começaram a ganhar força, tendo em vista a sua capacidade
região. Alguns se especializavam em atividades silvícolas e pastoris, ou- de fazer frente aos invasores. Os príncipes estabeleceram uma defesa eficaz
tros, como era mais frequente, na exploração cerealífera e na produção diante deles, através de uma rede de castelos e de fortificações, que, uma
de vinho, cujos excedentes eram comercializados nos pequenos merca- vez assimilado o choque das invasões, em meados do século X, serviram
dos mencionados anteriormente. Não se tratava de uma organização à consolidação do poder territorial das elites regionais. A partir do final
autárquica; ou seja, ele não produzia todos os bens de que necessitava. do século x, os principados, a seu turno, se fracionaram, dando origem a
Mercadorias como o sal e o ferro, por exemplo, deviam ser compradas condados autônomos, sobretudo no sul e no leste da Gália, bem como na
em mercados. O período carolíngio não foi marcado por uma economia Germânia. Na Francia Ocidental (termo que, após o Tratado de Verdun,
fechada, tampouco pela ausência de excedentes ou de circulação comer- passou a designar o que seria mais tarde o Reino da França), uma nova
cial. O Grande Domínio foi, em grande parte, responsável pelos pro- dinastia, chamada capetíngia, substituiu os carolíngios, em 987, mas seu
gressos da economia ocidental entre os séculos VIII e X. Como mostraram poder efetivo não ia além da região parisiense. Entre 924 e 962, o título
estudos arqueológicos recentes, os primeiros movimentos maciços de imperial não foi mais outorgado. Em 962, a coroação de Oto I (912-973)
arroteamentos (transformação de áreas não cultivadas em terras próprias como imperador do Sacro Império Romano Germânico restaurou um
à atividade agrícola) datam da época carolíngia, não dos séculos XI a XIII, semblante de unidade, mas os novos imperadores dependiam do apoio
como se pensava anteriormente. Parte dos excedentes agrícolas era utili- dos príncipes, por quem eram eleitos.
zada em esmolas, na construção de monumentos e na compra de obras Com o enfraquecimento da autoridade imperial, a Igreja perma-
de arte e de objetos preciosos, mas outra era empregada na compra de neceu a única instituição a abranger todo o Ocidente europeu. Longe
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de ser uma estrutura centralizada em torno do poder do papa, tal como mos tram a presença de pessoas influentes, que davam o seu acordo às
se observa a partir do século XII, ela era então uma federação de igrejas medidas que eram adotadas. Se os bispos foram, em grande parte, os res-
e~iscopais. Os bispos tentaram manter a paz, limitar a violência guer- p nsáveis pelo movimento da paz, os potentados locais também o foram .
reua e, sobretudo, proteger os bens da Igreja e aqueles que não possuí- Por exemplo, o duque da Aquitânia, Guilherme v (c. 969-1030), esteve
am meios de fazê-lo sozinhos, através do movimento da Paz de Deus e, presente no Concílio de Charroux, de 1028, e no Concílio de Poitiers,
em seguida, do movimento da Trégua de Deus. A violência na Europa de 1029. Em 1047, durante o Concílio de Caen, na Normandia, a Paz de
pós-carolíngia não era muito maior do que aquela que prevaleceu entre Deus tornou-se a Paz do Duque; em 1064, na Catalunha, ela tornou-se a
os séculos VIII e X. Todavia, o enfraquecimento dos poderes centrais Paz do Conde. Da mesma forma, o Papado apropriou-se das ideias da Paz
tornou necessária uma reorganização dos meios para limitá-la e coibi- de Deus: durante o Concílio de Clermont, em 1095, o papa Urbano ll
la. A Paz de Deus consistiu em uma série de assembleias reunidas em (c. 1035-1099) estendeu as prescrições da Paz e da Trégua de Deus para
campo aberto e em presença de relíquias de santos, visando proteger toda a Cristandade. Em seu apelo para que os cristãos libertassem a Terra
da violência guerreira não só os indivíduos que não portavam armas Santa do domínio muçulmano, o papa preconizava a paz entre os cris-
(clérigos, camponeses, mercadores), mas também seus bens (terras, tãos e o combate contra os infiéis, considerando uma guerra santa. Na
edifícios, rebanhos). Nessas assembleias, os participantes se engajavam, p rimeira metade do século XII , os reis retomaram as prescrições do movi-
por intermédio de juramento sobre as relíquias de santos e sob pena m ento da paz para afirmarem as suas prerrogativas em matéria judiciária.
do anátema e da excomunhão, em manter a paz. A partir dos anos N a França, a Paz de Deus tornou-se, sob o reinado de Luís VII (c. 1120
1030-1040, à Paz de Deus somou-se a Trégua de Deus, que prescrevia -1180) , a Paz do Rei.
a suspensão temporária das atividades guerreiras durante os períodos As 21 assembleias e concílios do movimento da paz foram um
litúrgicos do ano. Ambos os movimentos revelam a importância da mecanismo de defesa da liberdade e da integridade dos bens da Igreja,
paz como uma ideia que movia os clérigos desejosos de reformar a mais do que uma estratégia de defesa do campesinato ou de ataque à
sociedade. Essa ideia já estava presente, ainda que de forma embrioná- aristocracia laica. Não havia uma hostilidade generalizada contra a
ria, na ideologia política dos primeiros séculos do período medieval. aristocracia guerreira, mas uma preocupação em garantir que as terras
O "Pactus Legis Salicae", por exemplo, editado pela primeira vez no e os bens móveis, acumulados pelas igrejas e monastérios, não fossem
início do século VI, já apresentava o rei como o garantidor da paz. Além apropriados por ela.
do mais, as histórias e as crônicas dos séculos VJ e VJI estão repletas de Após a desintegração da ordem carolíngia, os príncipes e, mais tar-
exemplos de bispos que agiam como pacificadores dos conflitos no âm- de, os duques e os condes, também desenvolveram iniciativas em proveito
bito da aristocracia. A novidade do movimento da paz é ter apresentado da paz, como podemos observar nos exemplos citados da Normandia e
um ideal de reforma da sociedade cristã por meio do estabelecimento da Catalunha. A Paz de Deus não foi uma resposta à "privatização" do
de normas de conduta para a aristocracia. poder político por parte da aristocracia ou uma reação à afirmação do
Em que pese a novidade de ter delegado aos sacerdotes (e às relí- "Feudalismo" em to.m o do Ano Mil, mas um movimento das elites laicas e
quias de santos!) uma função judiciária, o movimento da paz também eclesiásticas com o objetivo de estabelecer uma ordem social conforme ao
se integrou ao discurso e às estratégias políticas dos principais atores da que essas elites interpretavam como a vontade divina.
dominação senhorial. As elites laicas e eclesiásticas cooperaram de forma Durante muito tempo, os historiadores acreditaram que a crise
decisiva no âmbito do movimento da paz. Os relatos das assembleias do Império Carolíngio teria marcado o início de uma fase de anarquia
56 HISTÓRIA MEDIEVAL
A DOMINAÇÃO SENHORIAL 57
guer~eira (contra a qual a Igreja teria tentado opor a Paz de Deus e l' •obre a terra, atingiu seu apogeu, consolidando seu enraizamento social
a Tre~ua de Deus) e de privatização dos atributos do poder político, t· espacial iniciado à época carolíngia. O Tratado de Verdun, de 843, que
espec1alme~te a cobrança de impostos e a realização da justiça. Esse dividiu o Império Carolíngio entre os netos de Carlos Magno, proibia
~uplo movimento, de anarquia e de privatização, teria sido caracterís- que os indivíduos mantivessem os seus bens em mais de um dos três ter-
~IC~ ~a Mutaçã~ F~udal e dado início ao domínio senhorial (político,
ritórios nos quais o Império havia sido dividido. Essa medida diminuiu
J,und~co e econom1co) da aristocracia sobre o campesinato. Essa ideia
0 raio de ação da aristocracia, cujos patrimônios se limitavam, a partir de
e'. ho;e, rechaçada por várias razões. Sabemos, atualmente, que algumas então, a regiões cada vez menores. Por outro lado, contribuiu de forma
vidas de santos e alguns textos conciliares da época da Paz de Deus exa- decisiva para o enraizamento desse grupo social e para o aumento do
geraram deliberadamente o alcance da violência da aristocracia laica controle que ele exercia sobre as populações rurais e urbanas. Graças à
de modo a salientar a eficácia de santos e bispos em seu controle Al, ,
d0 · . em hierarquização no seio da aristocracia e à ascensão de um grupo mais
ma~s, as prerrogativas dos setores mais poderosos da aristocracia rico de camponeses ao estatuto da pequena nobreza (os cavaleiros, que
senhonal em ~atéria de justiça e de cobrança de impostos não eram constituíam, inicialmente, a escolta armada dos senhores), houve uma
de natureza privada, mas consistiam no exercício de uma forma d
autoridade pública. e multiplicação do número de senhores, visível através do aumento da
quantidade de castelos e de fortificações após o Ano Mil.
, _O poder exercido pelas franjas mais altas da aristocracia senhorial Em toda a Europa Ocidental, ocorreu um processo lento e he-
(pnn~ipes, condes, duques) possuía a mesma natureza pública daquele
terogêneo de concentração das populações em vilarejos, de construção
e~erc1do por reis e imperadores carolíngios. A diferença era que os prín-
de fortificações, mas também de articulação sistemática entre igrejas
c1p:s, os ~ondes e os duques exerciam esse poder sobre um espaço bem
locais, cemitérios e habitats, além do estabelecimento generalizado de
mais ~es~~to e no qual se sobrepunha muitas vezes a função deles como
entidades territoriais compactas e contíguas, as paróquias e as dioceses .
propn~tan_os de terras e como responsáveis pela cobrança de impostos
Esse processo, que na segunda metade do século XX foi denominado de
e pel~ J~st1ça. Não se pode esquecer que foram os reis e os imperadores
"ineclesiamento", marcou de maneira geral a espacialização da domina-
carolmgio_s que delegaram à alta aristocracia, ao longo dos séculos vm, IX e
ção senhorial na Europa Ocidental em torno de dois polos principais:
X, as funçoes fiscais e judiciárias, através, sobretudo dos diplom d ·
·d d , as e 1mu- a igreja e o castelo.
01 ª e:~entrada de funcionários e de juízes reais ficava proibida nas terras
Na Itália Central, as populações rurais reuniram-se em habitats
senhonais que recebiam esses diplomas. E as funções jurídicas e fiscais
construídos em torno de fortificações senhoriais situadas em locais ele-
~a~savam para ~s mãos dos próprios senhores. A autonomia política destes
vados. Esse fenômeno foi estudado na década de 1970 e qualificado de
ultim~s se ampl~ou ~onsideravelmente com o colapso da ordem carolíngia.
"incastellamento". Nas décadas seguintes, esse modelo sofreu alguns ajus-
Todavia, a dommaçao senhorial não surgiu, de repente no Ano M"l
ft•1 ul • , 1,mas tes, graças aos trabalhos de arqueólogos e de historiadores, mas o conceito
º pa atmamente constituída pelo menos desde a época carolíngia.
permaneceu como um instrumento válido para explicar o processo de
reagrupamento das populações rurais não apenas no centro da Itália, mas
O SENHORIO TERRITORIAL (SÉCULOS XI-XIII) também no sul da França e na Catalunha. Sabemos, hoje, que os senhores
não foram os unicos agentes do incastellamento - tendo havido inúmeros
. Foi entre os séculos XI e XIII que o Senhorio, esse conjunto de di- casos de reagrupamento espontâneo da população camponesa - e que os
re1tos e rendas que fundava a dominação da aristocracia sobre os homens fatores militares (segurança e defesa) foram tão importantes quanto os fa-
A DOMINAÇÃO SENHORIAL 59
58 Ili TÓ RIA MEDIEVAL
A DOMINAÇÃO ENllORIAI 63
suserano. No final da Idade Média o rei ingl • 1
fi d ' es, pe as terras que possuía
em eu o na França, era vassalo do rei francês uma situ - . igrejas e da cidade-sede do bispado. Até o século XIII, formavam também
explicar a eclosão da Guerra dos Cem An ' açao que aJuda a <> colégio eleitoral dos bispos de cada cidade. O texto a seguir foi escrito
os.
por um dos cônegos do capítulo e descreve os esforços de uma família de
sál" : entanto, não ~~demos exagerar a extensão das relações feudo-vas-
d icas. e~mo com a pratica de concessão de feudos a setores mais abastados aristocratas para manter sob seu controle um castelo e uma extensão de
o campesmato, o chamado "feudo camponês" I - lerra, pertencentes a um Senhorio eclesiástico, e que os aristocratas haviam
ram um - ' essas re açoes permanece-
ª segmentaçao dentro dos grupos aristocráticos. Além d . I obtido em condições bastante vantajosas:
englobaram 1 . o mais, e as
uma parce a restrita da aristocracia, sobretudo no sul da E
onde as concessões de feudos eram uma prática menos difundida. uropa,
SENHORIO E VIOLÊNCIA
"Aqui começa o inventário das maldades que foram feitas e que fazem
OS LIMITES DA "FEUDALIZAÇÃO" ainda os filhos de Guido aos cônegos de Reggio [norte da Itália], em Rivalta
e em outros lugares. Quando Ildeberto era preboste [agente] do referido ca-
':O feudo, e tudo o que ele implica, atinge uma franja ínfima da o -
pítulo, ele tomou consigo a filha do padre Asprando e fugiu contra a vontade
a mais barulhenta, é verdade mas oh· . d - p pulaçao,
dos saltimbanc . , istona or nao pode sucumbir às caretas do bispo Teuzo [bispo de Reggio, de 979 a 1030] para se colocar sob o poder
. - os. Havia, na melhor das hipóteses, 20.000 'feudais'
dez m1lhoes de habitantes e os 600.000 km2 d I , . [R sobre os dos filhos de Gandolfo. Para obter a proteção contra o bispo, ele fez para
0
co]· N . mpeno omano Germâni- eles um ato de livello [arrendamento durante 29 anos] para o castelo e para o
, mesmo na ormandia, reputada por sua 'feudaliza ão'
possessores de feudos em 25 000 km2 a1 ç , encontramos 2.800 domínio de Rivalta, contra a vontade do bispo e dos cônegos. Desde então,
· , no tot , um homem ( f: T ) eles não cessaram a perseguição, a tal ponto que o único poder que os cônegos
cada 10 ou 30 km2." (F0SSIER R b L . , , , . e sua am1 ia por
Collin, 1991, p. 287) , o ert. a soczete medzévale. Paris: Armand tiveram sobre esse domínio foi aquele que [os filhos de Gandolfo] quiseram
deixar-lhes[ .. .] Faz muito tempo que o livello terminou, mas eles se recusaram
a restituir o domínio e reiniciaram com mais força as suas perseguições. Em
Nocetolo, eles tomaram dos cônegos uma grande parte de sua terra. Ao padre
. ?essa forma, como dissemos no início deste capítulo o termo "do
mmaçao se n h ori"al" e' mais
· apropriado do que "F daJ· Giovanni, eles tomaram um camponês juntamente com o dízimo e com todas
"' -
às sociedades dos séculos VIII a XV. eu ismo para se referir as taxas que ele pagava; eles possuem uma terra, que era de Teuzo Tosco, sem
pagar nenhuma taxa por ela. Fazem o mesmo com o arquidiácono Aicardo.
A violência desempenhava um papel amb' al Entre eles, [aquele que é chamado de] conde de Rivalta ocupa pela força a
d • 1v ente no âmb"t d
ommação senhorial. De um lado ela perm1·t1· . 1o a casa e a terra do padre Giovanni. Da mesma forma, seus servos ocupam pela
nh . ' u, mwtas vezes que S
. orio se consolidasse em face de grupos reticentes, fossem :am o:es:: força a terra de um dos domésticos dos cônegos [... ] Eles incendiaram Arceto,
~vres ~~ pequ~nos senhores, pouco desejosos de entrar em uma rel~ção de
castelo que pertence ao nosso capítulo, com sua igreja e atacaram as casas de
nossos camponeses que residiam em Sabbione, cortaram as árvores, as vinhas
epe~ e~cia. E o que mostra o texto a seguir, redigido no norte da Itália
na primeira metade do ' ul e uma parte da floresta." (ln: GUY0TJEANNIN, Olivier. Archives de l'Occident.
sec o XI, que narra as tentativas de uma famT d Paris: Fayard, 1992, t. 1. Le Moyen Âge (V'-XV' siecle), pp. 298-9).
senhores laicos de submeter os cônegos de um " , ul d , . ,: ta e
d • - cap1t o cate ral1c10 à sua
-º~maçao. O capítulo era um conjunto de cônegos cujo ministério co
s1st1a em manter a recitação do Ofí . n· .
1c10 ivmo em coro na catedral S .
n- A violência era também um instrumento que garantia a apropriação
como conselho do bispo na administração diocesana e na cura p~to::1: dos excedentes camponeses por parte dos grupos senhoriais. Ela era utili-
zada como resposta às contestações, como atesta este relato:
A DOMINAÇÃO SENHORIAL 65
64 HISTÓRlA MEDI EVAL
econômicas dos poderes locais, das monarquias e da Igreja levaram a um mão, realizados por um padre. Em segundo lugar, através da condenação
aumento considerável da pressão fiscal sobre os rendimentos camponeses dos excessos e da violência dos cavaleiros, quando praticados contra cris-
e dos abusos dos senhores, os quais as cartas de franquias ajudaram a tãos. Esse esforço também se traduziu na promoção da violência contra
limitar em algumas regiões. os inimigos da Cristandade, por meio notadamente das cruzadas, como
veremos no capítulo "Igreja e sociedade". Um dos melhores exemplos des-
A CAVALARIA sa intenção da Igreja de colocar a Cavalaria a seu serviço é a obra Elogio
da nova cavalaria, escrita pelo monge Bernardo de Claraval (1090-1153) .
A dominação senhorial contribuiu para reforçar a hierarquização
Nessa obra, ele tece comentários laudatórios aos Cavaleiros do Templo,
da sociedade não só através do desenvolvimento da vassalagem, que vi-
uma ordem militar que tinha acabado de ser criada, propondo-lhes, a partir
mos anteriormente, mas também por meio da ascensão da Cavalaria. Na
época carolíngia, os cavaleiros constituíam a elite dos exércitos cristãos, da evocação do Santo Sepulcro, um caminho de conversão, um itinerário
com seus combatentes mais bem equipados (malhas de aço, espadas e espiritual e uma reflexão sobre a salvação. Essas concepções se associam
montarias) e mais bem treinados. Com o colapso da ordem imperial, estreitamente ao ideal de guerra limitada, no interior da Cristandade, e de
uma parte desse grupo passou a atuar de forma autônoma, enquanto Guerra Santa, contra aqueles que eram chamados de infiéis, propagado
outra colocou-se a serviço dos senhores territoriais, recebendo, em troca, a partir do século XI, como veremos no capítulo "Igreja e sociedade". A
castelos, patrimônios fundiários e títulos. A intensificação desse processo, Igreja não foi a única a tentar instrumentalizar a Cavalaria; reis e príncipes
a partir do século XI, fez os cavaleiros emergirem como um grupo social,
também tentaram colocá-la a seu serviço. Nos séculos XIV e XV, foram
uma pequena aristocracia. A cerimônia que marcava o ingresso oficial
criadas diversas ordens de Cavalaria, como a Ordem da Jarreteira (1348),
na Cavalaria, após um período de formação militar, era a entrega das
na Inglaterra, e a Ordem da Estrela (1351-2), na França. Elas tinham os
armas, ou adubamento, durante a qual o jovem cavaleiro se comprometia
a defender o povo e a manter a paz. A partir do século XIII, na França e soberanos como chefes, sendo, na verdade, uma forma de agregar a alta
na Inglaterra, a Cavalaria tornou-se cada vez mais um círculo restrito, aristocracia em torno de reis e príncipes e de torná-la um instrumento do
uma espécie de confraria superior, que defendia e preservava os mais exercício do poder monárquico. À Cavalaria foi associado um conjunto de
puros valores da aristocracia, religiosos e mundanos. Essa assimilação à regras de comportamento, difundidas através de uma série de obras, tra-
alta aristocracia reforçou a prática da hereditariedade, fazendo com que tados e romances de Cavalaria, cuja maior difusão ocorreu no século XIV.
a função de cavaleiro fosse transmitida de pai para filho. De maneira Essas regras compunham uma verdadeira ética cavaleiresca, segundo
paradoxal, a Cavalaria tornou-se praticamente o único meio de acesso à a qual o cavaleiro deveria se distinguir pela coragem, pela eficácia, pela
aristocracia que não passava pelo sangue, na medida em que ao rei era
bravura, pela lealdade e pela generosidade.
acordado o direito de recompensar os serviços de um homem que não
Um dos exemplos da literatura destinada a cristianizar a Cavalaria
pertencia à aristocracia, tornando-o um cavaleiro, o que transgredia as
é o Livro da Ordem da Cavalaria, do filósofo e poeta Raimundo Lúlio
regras da hereditariedade.
Desde o século XI, a Igreja esforçou-se para disciplinar o comporta- (c. 1232- 1316), redigido no formato de ensinamentos de um velho cava-
mento dos cavaleiros, em primeiro lugar, fazendo com que o adubamento leiro a um jovem. Nos trecho a seguir, o autor apresenta alguns dos deveres
fosse acompanhado de vigílias, de orações, de uma benção e de um ser- do cavaleiro, bem como o sentido alegórico de sua espada:
70 HISTÓRIA MEDIEVAL A DOMINAÇÃO SENHORIA 71
azeite entre as aglomerações urbanas do Ocidente. tados no campo. Esses aglomerados urbanos possuíam uma r~laçao e
O desenvolvimento da arqueologia preventiva na Europa Ociden- simbiose com o mundo rural que os cercava, e essa simbiose fo1 uma ~~s
tal, particularmente na França, contribuiu para aperfeiçoar os nossos . As operações comerc1a1s
condições que favoreceram o seu crescimento. .
conhecimentos a respeito das aglomerações urbanas da Alta Idade Média
eram impulsionadas, sobretudo, pela iniciativa senhonal. No caso_ de
(sobre as quais os textos escritos são, em geral, lacunares). As antigas
Roma, por exemplo, os grandes monastérios enquadrava~ a urbam~a-
cidades romanas tornaram-se, essencialmente, locais de residência dos
ção, passando contratos de loteamento para os novos habitantes. ~em
bispos, sedes das dioceses. Sua geografia se alterou de modo considerável:
do mais, o desenvolvimento agrícola forneceu o excedente d~ ma~ de
destarte, elas se organizavam em torno de igrejas, catedrais, monastérios
obra e de produtos de que necessitava o comércio. Segundo esumauvas,
e cemitérios. No entanto, as atividades comerciais não desapareceram,
r da Europa Ocidental dobrou entre 950 e 1300; na Ingla-
como testemunha a existência de espaços destinados aos mercados. As a popu laçao
crônicas e as histórias dos séculos VI e VII relatam a existência de merca- terra, ela provavelmente triplicou.
dores e de mercados situados nessas cidades episcopais. Além disso, os
próprios polípticos, como vimos, possuem indicações da existência de
ECONOMIA SENHORIAL E MUNDO URBANO
um comércio local entre os séculos IX e x, o qual servia como canal de
escoamento dos produtos dominiais. "Esse crescimento urbano é, em vários as~e~tos, filho do cres~imentodrural~
A grande novidade trazida pela economia senhorial, a partir do O desenvolvimento dos campos alimenta, imoalmente, o crescimento emo
ráfico que despeja o seu excedente nas cidades. De fato, como most~am os
século X, é o nascimento do vilarejo, fruto da vontade dos senhores de
!studos feitos sobre Reims e Metz no século XIII , o essenci~ do c~esc;e:to
controlarem melhor o espaço e os homens. Até o Ano Mil, o habitat cam-
demográfico urbano se deveu à chegada regular de pop~açoes ~r~un as :s
ponês era bastante incipiente e instável, marcado por cabanas construídas campos próximos, isto é, uma zona distante de dez a qum~e qduiloAmme_rros a
com técnicas rudimentares, utilizando quase exclusivamente a madeira e a , · e · as populaçoes e 1ens ou
·d d Alguns estudos antropomm1cos re1tos n .
o a e. , ul Am1ens por
terra. Essas aglomerações são definidas como "habitats centrados", pois se de Bordeaux sugerem que o mesmo ocorria no sec o ~I: e~l . d.'
, . d. em respeito a v1 areJOS 1stan-
organizavam em torno de igrejas ou de oratórios rurais. Em alguns casos, l 85º1< dos sobrenomes topomm1cos ,z .
exemp o, º6 km d .d d ,, (MAZEL, Florien. Féodalités, 888-1180. Pans:
os arqueólogos identificaram nessas aglomerações a existência de residên- tes menos de O a ci ª e.
cias senhoriais, mas essa não parece ter sido uma característica recorrente Belin, 2010 , p. 394)
do habitat rural antes do aparecimento do vilarejo. O vilarejo, por sua vez,
74 HISTÓ RlA MEDIEVAL
A DOMINAÇÃO SEN HORLAL 75
A economia senhorial não apenas favoreceu o crescimento urbano Elas também se dedicavam ao comércio de escravos e de grãos (neste últi-
como também necessitava dele, pois as cidades eram centros de consumo mo caso, fazendo a ligação entre as regiões produtoras - Sicília, Provença
de artigos de luxo (especiarias, vinhos, tecidos, joias, armas preciosas etc.) , • Bálcás - e as regiões consumidoras). No mar do Norte, os escandinavos
locais onde estavam situados a maior parte das granjas e dos celeiros e.: dominaram o comércio de produtos alimentícios, madeira, metais e peles
também polos de valorização dos rendimentos senhoriais. O Senhorio até o final do século XII, quando foram suplantados pelos mercadores ale-
territorial obtinha taxas sobre os mercados e sobre o transporte de merca - mães. No século XI!l , esse espaço era centrado em torno de uma só cidade:
dorias, sobre as resoluções de conflitos, entre outras. Clérigos, cavaleiro e.: Bruges. O grande mercado da lã inglesa alimentava as cidades tecelãs de
grandes senhores engajaram-se cada vez mais nas atividades comerciais e Flandres. Compreendidas entre esses dois grandes espaços, estavam as
imobiliárias. Daí o interesse dos senhores em estabelecer locais de mercado [eiras comerciais de Champanhe. Desde meados do século XII até o início
ao lado de castelos e de abadias ou ainda promover a fundação de vilas no - do século XIV, elas se sucediam seis vezes por ano e sob proteção senhorial
vas, o que ocorreu tardiamente, a partir dos séculos XII e XIII. As vilas novas em quatro cidades, Provins, Troyes, Lagny e Bar-sur-Aube. A fortuna das
eram o resultado de operações programadas de desenvolvimento urbano e feiras de Champanhe vem menos da posição geográfica do que de fatores
expandiram-se em regiões pouco ou nada urbanizadas, como a Germânia. políticos: os condes de Champanhe (a começar por Henrique, o Liberal,
É o caso de Wiener Neustadt (Nova Viena), fundada pelo duque Leopoldo 11 27-1181) colocaram as feiras sob sua proteção.
v (1157-1194) , em 1194. O grande comércio sobre o qual estamos muito bem documenta-
Assim, o crescimento das cidades foi apenas um dos aspectos do dos, e que envolvia artigos de luxo como a seda e as especiarias, não é o
revigoramento da vida urbana a partir do Ano Mil. Na ausência de dados único a atestar a expansão econômica dos séculos XI a XIII. O comércio à
demográficos fiáveis, esse crescimento é visível, sobretudo, por meio de curta distância, envolvendo produtos de pequeno valor, e fundamentado
indícios fornecidos pela arqueologia: o aparecimento dos vilarejos, a cons- nas atividades dos pequenos comerciantes, era um elemento dinâmico da
trução de novas muralhas, a fundação de novos bairros, a construção de economia local.
novas igrejas, catedrais, hospitais etc. No caso das cidades, o revigoramenco Entretanto, as relações entre as cidades e a dominação senhorial nem
urbano apoiou-se em uma estrutura polinuclear, da qual faziam parte a sempre foram pacíficas. Desde o final do século XI, assistimos aos primei-
civitas original (a cidade administrativa e episcopal), o burgo monástico, o ros movimentos de contestação do poder dos senhores sobre as cidades.
burgo castra! (centro de defesa e de poder) e o burgo mercantil. É o caso O aumento da exploração senhorial constituiu, por vezes, um encrave ao
de Paris, de Florença, de Milão, de Toulouse, de Reims, de Colônia, de desenvolvimento das atividades mercantis. As demandas por liberdade as-
Tournai, entre outras. sumiram diversas formas, desde a negociação até a insurreição, como foi o
Os dois grandes polos do comércio internacional a partir do século XI caso em Le Mans, em 1069, em Laon, em 1112, e em Sens, em 1147. Na
situavam-se no Mediterrâneo e no mar do Norte. O primeiro era domi- maior parte do tempo, todavia, as liberdades urbanas foram obtidas por
nado pelas grandes cidades italianas, especialmente Florença, Veneza, Pisa, meio de negociações e de pactos. Os níveis dessas liberdades também eram
Milão e Gênova. Entre elas, Veneza estabeleceu sua preponderância no distintos. Isso se deveu, sobretudo, às diferences dinâmicas da dominação
comércio com o Oriente bizantino desde o final do século XI. Essa situação senhorial na Europa. Por exemplo, na Normandia, onde o Senhorio era
privilegiada iria se reforçar com as cruzadas. As cidades importavam espe- forte, e na Itália do Sul, que conheceu um fraco desenvolvimento urbano,
ciarias e artigos de luxo e exportavam produtos de metalurgia (estanho, o movimento comunal foi incipiente. Já no norte e no centro da Itália
cobre e prata) e têxteis (essencialmente tecidos de Flandres e da França) . e na região de Flandres, onde a dominação senhorial era mais frágil, o
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A DOMINAÇÁO SENHORLAL 77
desenvolvimento urbano foi mais intenso e precoce. O caso mais extra-
os poderes político e social. Durante muito tempo, acreditou-se que se
ordinário é o das cidades italianas que conseguiram formar verdadeiras tratasse de "homens novos", enriquecidos pelo comércio. Sabemos, hoje,
entidades autônomas com um domínio efetivo sobre as suas respectivas que esse patriciado era oriundo das famílias senhoriais. De modo geral, a
regiões rurais ("contados") e com uma grande capacidade de mobilização importância da nobreza urbana foi subestimada pelos historiadores. Ora,
de recursos financeiros.
na Itália e no sul da França, por exemplo, os "cavaleiros urbanos" domi-
Porém, à exceção das cidades italianas, o poder econômico urba- naram a vida política das cidades no século XJI a ponto de constituírem
no nunca pôde suplantar o poder do príncipe. Trata-se de um bloqueio verdadeiros consulados aristocráticos.
político maior: as cidades não podiam constituir, sozinhas, uma entidade As cidades produziram um dos mais importantes e originais fenô-
política. Foi principalmente através de sua integração ao sistema monár- menos do período medieval: a universidade. O termo (do latim universi-
quico em fortalecimento que as cidades asseguraram, no século XJII, sua tas) designa uma comunidade de alunos e mestres, dotada de autonomia
estabilidade política e sua prosperidade econômica. O caso do Reino da
jurídica em face dos poderes eclesiásticos e civis, isto é, de capacidade de
França é exemplar: uma das principais preocupações dos reis capetíngios, a impor disciplina, plano de ensino e de avaliação aos seus membros, bem
partir de Luís Vil, era fundar feiras comerciais, favorecer mercados e confir- como outorgar títulos a estes últimos. As primeiras universidades foram
mar cartas de franquia. Ao intervir na legislação dos ofícios e controlar as criadas em Bolonha, Paris, Oxford e Montpellier, no início do século
finanças urbanas, os reis fizeram das cidades os pontos de apoio do poder XIII. Às vezes, apenas uma disciplina era ensinada em toda a universidade,
monárquico em vias de centralização.
como é o caso do Direito, em Bolonha, e da Medicina, em Montpellier.
A primeira atividade econômica das cidades medievais foi a têxtil. A Outras universidades, como Paris e Oxford, eram, na verdade, federações
partir do século XJII, observou-se uma concentração financeira dessa ativi- de faculdades, nas quais eram ensinadas disciplinas distintas: uma facul-
dade: alguns empreendedores controlavam o conjunto do processo produ- dade preparatória de Artes Liberais, bem como as faculdades superiores
tivo, fazendo trabalhar, à sua maneira, os diferentes artesãos. O aumento
de Direito, Medicina e Teologia. A emergência dessas instituições no
da demanda por tecidos e a difusão, em Flandres, a partir de 1050-70, do Ocidente medieval resultou da vontade política de papas, reis e prínci-
tear horizontal trouxeram uma mutação econômica importante para as pes que necessitavam, em primeiro lugar, de pessoal especializado para
cidades do norte da Europa. O tear horizontal representou um ganho sem
compor a espinha dorsal das administrações civis e eclesiásticas, as quais
precedentes em termos de produtividade e de economia de mão de obra. A
se tornavam cada vez mais complexas; em segundo lugar, de estudos que
paisagem e a produção rurais em torno dessas cidades, em particular Bru- dessem sustentação teórica às reivindicações de supremacia dos poderes
ges, viram-se integradas à atividade têxtil, a qual redinamizou os circuitos
civis e eclesiásticos - tema de que trataremos no capítulo "Igreja e socie-
internacionais de comércio com o aparecimento de feiras no conjunto das
dade". Também foi fruto de um ambiente de efervescência intelectual,
cidades flamengas, que atraíam comerciantes de roda a Europa, especial-
produzido pela redescoberta da filosofia de Aristóteles, ocorrida a partir
mente das cidades italianas.
do século XJI. Até o início do século XIV, as universidades eram mais
Convém ressaltar que o movimento de luta pela autonomia e pela numerosas no sul da Europa, onde prevalecia um modelo em que os
liberdade das cidades não fez do espaço urbano um mundo de iguais. A
estudantes eram responsáveis por boa parte de sua organização e gestão.
"democracia urbanà' é um miro, o rodízio de cargos na administração
Era o caso de Bolonha, Pádua, Nápoles, a Cúria Pontifícia, Salamanca,
municipal favorecia o controle exercido por algumas poucas famílias sobre
Vercelli, Lisboa e Lérida. No norte da Europa, em Paris, em Oxford e
a vida política. Um grupo restrito de homens detinha, ao mesmo tempo,
em Cambridge, prevalecia o modelo da "universidade de mestres", no
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