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Capítulo 4 /

A política moderna

STEEN, Jan. Rhetoricans at the Window, 1662-66.

“Um príncipe não


precisa ser amado.
Ele deve ser temido e respeitado,
mas não pode ser odiado.”

Maquiavel
X C u M OsídadeS

PENSADORES

Reprodução
IP Nasce daqui uma questão: se vale mais ser amado que
temido ou temido que amado. Responde-se que ambas as
coisas seriam de desejar; mas, porque é difícil juntá-las, é
muito mais seguro ser temido que amado, quando haja de
faltar uma das duas. Porque dos homens se pode dizer, duma
maneira geral, que são ingratos, volúveis, simuladores,
covardes e ávidos de lucro e enquanto lhes fazes bem são
inteiramente teus, oferecem-te o sangue, os bens, a vida
e os filhos quando o perigo está longe; mas, quando ele
chega, revoltam-se. E perde-se aquele príncipe, que por ter
acreditado nas suas palavras se encontra nu de qualquer outra
— Nicolau Maquiavel (1469-1527) defesa; porque as amizades que se adquirem a preço e não
por grandeza ou nobreza de alma compram-se, mas não se
possuem e no momento oportuno não se podem empregar.
Maquiavel foi o Os homens têm menor escrúpulo em ofender um que se faz
primeiro a discutir a amar, do que um que se faz temer, porque o amor está unido
política e os fenômenos com o vínculo da obrigação o qual, por os homens serem maus,
sociais sem recurso à se parte na primeira ocasião em que surja o interesse, mas
ética ou à jurisprudência. o temor é sustentado pelo medo do castigo o qual nunca se
Foi o primeiro pensador perde. Deve, todavia, o príncipe fazer-se temer de modo que,
ocidental a aplicar o método se não adquire amizade, evite ser odiado, porque pode muito
científico de Aristóteles e bem ser ao mesmo tempo temido e não odiado; o que sempre
de Averróis à política, a conseguirá desde que respeite os bens dos seus concidadãos e
partir da observação dos dos seus súditos e a honra das suas mulheres; e, quando se veja
fenômenos políticos e obrigado a proceder contra o sangue de algum, não o fará sem
das obras que se tinham justificação conveniente e causa manifesta; mas sobretudo não
escrito sobre o assunto. tocar na propriedade alheia, porque os homens esquecem mais
depressa a morte do pai que a perda do patrimônio.
Para Maquiavel, a política
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Tradução de Francisco Morais.
se restringia à conquista
e à manutenção do poder
e da autoridade.
V Coimbra, Atlântida, 1935. Capítulo XVII. (Fragmento)

A política moderna
O mundo social e político
descrito na sua obra O O período moderno é marcado por profundas rupturas que
P rín cip e é completamente acontecem lentamente, paralelas ao sistema feudal. Na esfera
imprevisível, sendo que só uma política, percebe-se uma tensão entre as forças sociais renovadoras
mente racional pode superar (a burguesia) que despontam e procuram seu espaço político,
essa imprevisibilidade. enquanto forças sociais conservadoras (nobreza e clero) lutam
para manter o poder e seus privilégios.
Para a burguesia, os interesses europeus estabelecidos por
essas forças de conservação dificultavam o desenvolvimento das
atividades comerciais e financeiras, fazendo surgir o interesse na
instituição de um poder unificado. Os burgueses possuíam muito
capital acumulado, mas não tinham prestígio político. Por outro
lado, o rei feudal também tinha interesse nessa unificação que o
fortaleceria politicamente diante dos poderes locais.
A nobreza, atemorizada diante das revoltas populares e das
guerras, aos poucos se aproxima dos reis e passa a aceitar o ■
fortalecimento do poder real. C u r 1O s íd a d e S
Assim, em algumas regiões da Europa Ocidental, tem inicio um
processo de centralização política e administratista comandado
pelos reis. Em vários casos, esse processo resultará na formação
MAQUIAVEL
de Estados Nacionais, em que o poder real suplanta o poder TEATRO
feudal. Reprodução

Essa unificação política criou as condições indispensáveis à


definição dos mercados nacionais, contribuindo para a expansão
comercial, além de amenizar as guerras e eliminar o banditismo
nas estradas.
Mas a unificação de um estado não é tão simples. O rei fazia
parte da antiga estrutura da nobreza, estando preso a ela por
laços sociais estabelecidos há séculos, e um processo de mudança
cultural é muito lento. O resultado é que não só a monarquia se
modernizava e se fortalecia graças aos investimentos burgueses,
mas também grande parte da nobreza, por meio de concessão
de privilégios, cargos e funções importantes no poder de tomada
de decisões.
Esse quadro político vai gerar uma série de contradições e
conflitos, com reações populares, lideradas pela burguesia, que
se prolonga até o século XVIII, quando se consolida uma nova MANDRÁGORA
ordem política na Europa.
M a n d rá g o ra é uma peça em

Maquiavel: o uso racional do poder 5 atos, escrita por Maquiavel,


ironizando a sociedade
florentina do século XVI,
Nicolau Maquiavel (1469-1527) viveu em Florença, na Itália
a corrupção da Itália
renascentista, e assistiu a essas transformações econômicas e da Igreja.
e políticas provenientes da ascensão burguesa, da revolução
comercial e da valorização de um novo estilo de pensar e de Nesta comédia, ele
viver. A Itália, nessa época, não era unificada, mas um território ataca os vícios em que seus
fragmentado em pequenos estados com leis próprias que viviam contemporâneos estavam
em constantes conflitos entre si. mergulhados, a partir
Sua obra, O P rín cip e , dá início a uma nova forma de conceber de um texto em que
a política e o poder a partir da análise das situações históricas e a conquista amorosa, com suas
materiais que ele presenciava. urgências e exaltações, servem
A obra pode ser vista como um livro de técnicas que o como pretexto para desenvolver
governante deve cultivar, sendo as mais eficazes: um profundo um tratado prático sobre
conhecimento da natureza humana e da história e a vigilância estratégia política e a arte
constante das circunstâncias em que se governa, para agir como de seduzir, manipular,
se deve em cada uma delas. convencer para conquistar
Maquiavel contradiz a visão de política dos pensadores mais um objetivo.
antigos, afirmando a finalidade da política como a arte da
A mandrágora,
conquista e da conservação do poder, o que é dificultado pela
em torno da qual se compõe a
diversidade de interesses dos grupos humanos que formam
peça, é uma planta
um Estado. Daí, a necessidade de boas leis e, principalmente,
supostamente afrodisíaca.
de um bom exército, capaz de assegurar a ordem e a
estabilidade social, dando ao príncipe a possibilidade de
agir politicamente.
A ITALIA NO TEMPO DE MAQUIAVEL
C u r 1O s id a d e S

FILMOGRAFIA

Jogos de Poder
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Divulgação

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ESPIÃO

jaitROBEHIS m iiiP SfY iM ü fl HOEFMAN

JOGOSDO

E como se consegue isso?


Para Maquiavel, a conquista e a manutenção do poder
Direção: vão depender da habilidade do governante em aplicá-las a
Mike Nichols cada circunstância que se apresenta. Para isso, torna-se
EUA,2007. fundamental compreender a diferença entre vida pública e
vida privada (que podemos denominar e t h o s político e e t h o s
moral): a lógica que rege a vida privada é diferente daquela
que rege a vida pública.

A lógica política nada tem a ver com as virtudes éticas


dos indivíduos em sua vida privada. O que poderia ser imoral,
do ponto de vista da ética privada, pode ser virtü política.
Em outras palavras, Maquiavel inaugura a ideia de valores
políticos medidos pela eficácia prática e pela utilidade social,
afastados dos padrões que regulam a moralidade privada dos
indivíduos. O e th o s político e o e th o s moral são diferentes
e não há fraqueza política maior do que o moralismo que
mascara a lógica real do poder.

CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia.


São Paulo: Ática, 2000. (Fragmento)
0 caráter do príncipe deve variar com as circunstâncias, •
para que tenha sempre o domínio sobre elas. Em certas cir­
cunstâncias, deverá ser cruel; em outras, generoso; em certas
ocasiões deverá mentir; em outras, dizer a verdade, em certos MUSICA
momentos, deverá ser compreensivo; em alguns, ser inflexí­
Divulgação
vel. A virtude (v ir t ü ) política do príncipe aparecerá a partir
desse jogo político, da capacidade que tiver para enfrentar
as ocasiões adversas, isto é, a fortuna ou os golpes do acaso
ou da sorte.

Tema em debate

w A separação entre ética e política


Na Antiguidade grega, a política está vinculada à ética, cuja
finalidade é a solidariedade que torna possível a convivência e
o bem comum. A política se origina da natureza humana, que se
distingue pela razão, a capacidade humana de fazer escolhas,
Chico Buarque
e que, bem-orientada, leva à virtude, ou seja, a capacidade
de lidar com os desejos e as paixões, tornando possível o bem
coletivo e individual. Homenagem
ao Malandro
(Fragmento)
Modelo clássico Modelo moderno
(Aristóteles): (Maquiavel): Eu fui fazer um samba
ética = política ética * política em homenagem à nata
da malandragem,
que conheço de
outros carnavais.
Já na política moderna, os homens não se juntam para Eu fui à Lapa e perdi
compartilhar a justiça e a felicidade, mas pela competitividade a viagem, que aquela
e pelo poder de domínio de uns sobre os outros. A política surge tal malandragem
como um artifício, uma forma de coerção criada para evitar a não existe mais.
intolerância e o abuso de poder, consequente da forma como se
estabelecem as relações sociais. Agora já não é normal,
Nesta época, a política não é mais vista como parte o que dá de malandro
constituinte da natureza humana, mas como uma arte de regular profissional,
governar típica dos homens fortes. malandro com aparato
de malandro oficial,
A autonomia da política malandro candidato
a malandro federal,
0 povo é peça fundamental na manutenção do poder do malandro com retrato
príncipe, “a um príncipe é necessária a credibilidade do povo, na coluna social; malandro
do contrário, não terá salvação na adversidade”. Política é vida com contrato, com gravata e
capital, que nunca se dá mal.
pública e a percepção dessa diferença é vital para alcançarmos
o bem comum, evitando privilégios.

53
I 0 poder do príncipe deve ser superior ao dos grandes e estar
a serviço do povo. O príncipe pode ser monarca hereditário
PENSAMENTOS ou por conquista; pode ser todo um povo que conquista
pela força, o poder. Qualquer desses regimes políticos será
legítimo se for uma república e não despotismo ou tirania,
é, só é legítimo o regime no qual o poder não está a
iço dos desejos e interesses de um particular ou de um
o de particulares.

AAAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Rio de Janeiro:


Paz e Terra, 1996. Fragmento.

a concepção racional da política separada da religião,


ca e da ordem natural incomoda o poder tradicional
emendo perder seus privilégios, populariza uma imagem
iquiavel depreciativa, descaracterizada em expressões
tivas (articulador, imoral, anticristão, traiçoeiro, etc.),
adjetivo maquiavélico ou o substantivo maquiavelismo,
até hoje, revelam as preocupações do poder estabelecido
a a política é apresentada como ela é, sem os artifícios e as
:ativas da moral, da religião ou da natureza.

“Nenhuma decisão é melhor


do que aquela que permanece
em segredo até o momento
da sua execução.”
ATIVIDADE 1

De que forma o modelo de política de Maquiavel se distingue do


“Na guerra, a disciplina vale
modelo político clássico?
bem mais do que a exaltação.”

“Dificilmente é
derrotado todo aquele que
consegue avaliar corretamente
as suas forças e as do inimigo.”

AAAQUIAVEL, Nicolau.
A a rte d a G u e rra
(Fragmentos)
Capitulo 2

Empirismo e
racionalismo

■■■■
VAN MIEREVELT. L ição de a n a to m ia do Dr. van d e r M eer, 1617. Museu de Delft.

Aprende que as circunstâncias e os


ambientes têm influência sobre nós, mas nós
somos responsáveis por nós mesmos.
Começa a aprender que não se deve
comparar com os outros, mas com o
melhor que pode ser.

SHOFFSTALL, Verônica. 1971. Citado em Perfect Daughters, da editora Health


Communications, Inc., de 2002. Coletânea de textos e poemas de vários autores.
Texto e contexto

m Há muito tempo que eu me apercebí de que, desde


meus primeiros anos, recebera muitas falsas opiniões como
verdadeiras, e de que aquilo que depois eu fundei em
princípios tão mal-assegurados não podia ser senão duvidoso
e incerto; de modo que me era necessário tentar seriamente,
uma vez em minha vida, desfazer-me de todas as opiniões a
que até então dera crédito, e começar tudo novamente desde
os fundamentos, se quisesse estabelecer algo de firme e de
constante nas ciências.
[...] Eu me persuadi de que nada existe no mundo, de que
não há nenhum céu, nenhuma terra, espíritos alguns, nem
corpos alguns: não me persuadi, portanto, de que eu não
existia? É certo que não, eu existia sem dúvida, se é que me
persuadi ou somente pensei alguma coisa. Mas há um não sei
quem, enganador muito poderoso e astucioso, que emprega
toda a sua astúcia em enganar-me sempre. Por conseguinte,
não há a menor dúvida de que sou, se ele me engana; e, por

n mais que ele queira enganar-me, nunca poderá fazer com que
eu nada seja, enquanto eu pensar ser alguma coisa.
De maneira que, após ter pensado bastante nisso e ter
cuidadosamente examinado todas as coisas, há que concluir
finalmente e ter por constante que esta proposição, Eu sou,
eu existo, é necessariamente verdadeira, todas as vezes que a
enuncio ou que a concebo em meu espírito.

DESCARTES, René. Meditações Metafísicas. São Paulo: Abril


Cultural, 1973. Coleção Os Pensadores. (Fragmento)

—I Se notarmos bem, perceberemos que a página que dá


início a este capítulo traz em si um contraste. A imagem de van
Mierevelt expressa a Ciência empírica, representada pela lição
de anatomia, enquanto o texto de René Descartes expressa
uma posição filosófica que recebe o nome de racionalismo. O
que significa empirismo? E racionalismo? A que contraste nos
referimos? Qual a sua importância para o conhecimento na
história da filosofia moderna?

do Dr. van der Meer, 1617.


(Detalhe) O que é o conhecimento?

Chamamos conhecimento toda teoria ou ensinamento


que aprendemos nos livros, nos filmes, nas experiências que
vivenciamos, nas expressões da linguagem, nos nossos sonhos,
nas orações que fazemos, nos sentimentos que experimentamos.
Como podem ver, existem várias formas de conhecimento, sendo
suas maiores fontes o mito, a filosofia, a Ciência, o senso comum
e a arte.

26
I
Dentro do campo da filosofia moderna, um grande debate será
erguido em torno da questão da origem do conhecimento, quando .
duas correntes distintas apresentarão duas respostas possíveis.
O empirismo defenderá a tese de que a experiência é a única ' •.«
fonte segura de conhecimento e que ela é anterior à própria
formação da razão ou da mente. TÍTULO DE CURIOSIDADE
Já para o racionalismo, ao contrário do empirismo, a ra­
zão tem uma primazia em relação à experiência, dando-lhe
significação e sentido. A seguir, vamos compreender com mais
detalhes essa questão.

Conhecimento e sabedoria
Normalmente usamos as palavras conhecimento e sabedoria
como se ambas possuíssem o mesmo sentido.
Mas existem diferenças entre elas. Todas as pessoas pos­
suem conhecimento. Pode-se ter muita habilidade numa forma
de conhecimento, mas isso não o torna sábio.
Por exemplo, um cientista que criou uma nova teoria da
Física é um grande conhecedor de Ciência; o pedreiro é um
grande conhecedor das técnicas de construção; o professor de
Geografia tem grande conhecimento na sua área, mas esse co­
nhecimento nem sempre significa sabedoria. 0 senso comum
Podemos concluir, afirmando que aquele que tem sabedoria contém uma série
detém conhecimentos que foram adquiridos pela vivência, pela enorme de receitas,
experiência científica, mas também pela prática do dia a dia, que vão desde instruções
pela coragem ou pela fé. de como procurar um
nome em uma lista
Quem é o sábio? telefônica até instruções
de como se comportar
Posso arriscar defini-lo dizendo que o sábio é aquele que à mesa ou na cama.
conhece as grandes fontes de conhecimento e é capaz de uti­ Na verdade,
poderiamos dizer
lizá-las, adequando-as à melhor situação, não só em ocasiões
que o senso comum
especiais, mas em todos os fatos da vida.
é dominado por um
motivo prático.
E isso porque o nosso
O sábio seria alguém que cotidiano comum é
marcado pela
necessidade de
' ^°nse§ue conviver, respeitando e aprendendo com as uma série de atos
diferenças (senso comum);
que devemos realizar
valoriza o conhecimento científico e sua objetividade e o para viver e viver bem.
utiliza como facilitador e garantidor de maior eficiência Esses atos têm por
na previsibilidade de vários processos (Ciência); objetivo realizar a
e capaz de reconhecer na subjetividade uma outra face integração do nosso
da realidade, o que lhe dá uma visão de totalidade e um corpo com o mundo
saber-viver (filosofia); que o rodeia.
sabe que tudo começa no sonho, na fé naquilo que se
ALVES, Rubem. Filosofia da
idealiza e que explica a realidade (mito);
ciência. São Paulo: Brasiliense,
é capaz de materializar esse sonho, realizá-lo (arte). 1983. p. 54. (Fragmento)

L Segundo o filósofo espanhol Fernando Savater, há ainda uma

I C u r i O s l d a d eS distinção possível entre informação, conhecimento e sabedoria,


que pode ser expressa assim:

PENSADORES • “a) a informação, que nos apresenta os fatos e os mecanismos


primários do que acontece;

• b) o conhecimento, que reflete sobre a informação recebida,


hierarquiza sua importância significativa e busca princípios
gerais para ordená-la;

• c) a sabedoria, que vincula o conhecimento às opções vitais


ou valores que podemos escolher, tentando estabelecer como
viver melhor de acordo com o que sabemos. ” (A s p e rg u n ta s da
vida, São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 5 e 6).

Em seguida, Savater comenta:

“Creio que a ciência se move entre o nível a) e b) de conheci­


mento, ao passo que a filosofia opera entre o b) e o c). De modo
que não há informação propriamente filosófica, mas pode haver
Nasceu em conhecimento filosófico, e gostaríamos de chegar a que houvesse
San Sebastián, também sabedoria filosófica. É possível conseguir tal coisa? Sobre­
Espanha,1947. tudo: é possível ensinar tal coisa?”
Catedrático de ética
na Universidade
de Madrid, Atividades de aplicação
autor de uma vasta
obra que é composta de
ensaios, narrativas e teatro. ATIVIDADE 1

Fernando Savater EXPLIQUE a diferença entre conhecimento e sabedoria, a partir de


é um dos pensadores um exemplo.
mais destacados
na Espanha e em
vários países.

Algumas de suas obras:


É tica p a r a m eu filho;
10 m a n d a m e n to s
p a ra o sé c u lo X X I;
P o lítica p a r a m e u filho;
O s se te p e c a d o s ca pita is;
A s p e rg u n ta s da vida. Conhecer para quê?
Existem muitas coisas importantes na vida. Chega a ser difícil dis­
tinguir entre o que é imprescindível e aquilo que, apesar de parecer
importante, é desnecessário. A vida moderna oferece-nos uma série
desses recursos que agregamos como valor de tal forma que fica difí­
cil imaginar a vida sem eles. Tudo vai se tornando muito importante,
e realmente é, porque se refere a nós, à natureza, à cultura e ao
mundo em que vivemos.
Conhecer não é apenas uma atividade sensorial, mas ex-
pressão de conteúdos da consciência, uma forma de sentir, d e ! C u r jQ s id a d e S
construir valores, de se relacionar com os outros e com o am-
biente. Como podemos ler no texto de Descartes, na abertura
do capítulo, o que não podemos é deixar de distinguir entre o PENSADORES
que é essencial e o que é contingente, entre o conhecimento Divulgação
seguro e as falsas opiniões.
Perguntas como o que é o hábito, o que é cultural, o que
é necessário precisam ser refletidas internamente e sempre,
para que a busca da verdade e do conhecimento seguro esteja
no centro das decisões e das ações do homem.
O que ou quem somos? Do que precisamos? Qual é a coisa
mais importante da vida? Essas são as questões centrais em que
se fundamenta o conhecimento humano.

Qual é a coisa mais importante da vida?

m Se fazemos esta pergunta a uma pessoa de um país


---- Jostein Gaarder

Nasceu em Oslo, na
assolado pela fome, a resposta será: a comida. Se fazemos
Noruega, em 1952.
a mesma pergunta a quem está morrendo de frio, então a
Escritor, autor de romances,
resposta será: o calor. E quando perguntamos a alguém que
contos e histórias infantis.
se sente sozinho e isolado, a resposta será: a companhia
O seu trabalho mais conhecido é
de outras pessoas. Mas, uma vez satisfeitas todas essas
O m u n d o de Sofia, publicado em
necessidades, será que ainda resta alguma coisa de que
1991, um romance acerca
todo mundo precise? Os filósofos acham que sim. Eles
da história da filosofia.
acham que o ser humano não vive apenas de pão. Precisa
Esse livro foi traduzido para 53
também de amor e de cuidado.
línguas, e existem 26 milhões de
Mas ainda há uma coisa de que todos nós precisamos:
cópias impressas, sendo que três
descobrir quem somos e por que vivemos. [...] Essas
milhões delas foram vendidas só
perguntas têm sido feitas pelas pessoas de todas as épocas.
na Alemanha. Com isso, passou a
Não conhecemos nenhuma cultura que não se tenha
ter renome internacional,
perguntado quem é o ser humano e de onde veio o mundo.
dedicando-se integralmente
É mais fácil fazer perguntas filosóficas do que respondê-las.
à produção literária.
A história nos mostra diferentes respostas para cada uma
dessas perguntas, mas cada um de nós deve procurar a sua
resposta.

GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia.


São Paulo: Cia das Letras, 1997. (Fragmento)

Pelas idéias de Gaarder, podemos concluir que a reflexão


sobre o que é importante na vida mostra-nos a teia de rela­
ções que envolve a nossa história pessoal como parte de uma
história muito mais ampla. Quando definimos e construímos
os instrumentos, as idéias e os objetos de que precisamos,
expressamos o que sentimos, compreendendo o mundo e a
nós mesmos.
Atividades de aplicação
C u r 1O s íd a d e S
ATIVIDADE 2
TÍTULO DE CURIOSIDADE
Com base nas informações do texto de Gaarder e em sua opinião,
CRIE a estrofe de um poema com o título:
Qual é a coisa mais importante da vida?

Tema em debate

0 pensamento moderno
A necessidade de explicar o mundo e a si mesmo está presente
nos homens de todas as épocas. O que altera é a forma como essa
busca se processa em cada período da história humana.
Para os modernos, já é muito claro que o conhecimento é um
processo relacionado não apenas com o sujeito que pensa, mas diz
respeito também à sua atuação prática na realidade vivenciada
pelo homem.

As grandes perguntas que norteiam o conhecimento


moderno são em relação à sua origem. O conhecimento vem
VERMEER, Johannes. A lição
de música, 1662-65. da experiência, da razão, ou ambas atuam na produção do
conhecimento?

Tentando responder a essas questões, o pensamento da época


moderna seguiu dois modelos de conhecimento: o empirismo e
o racionalismo, com destaque para as teorias de Francis Bacon
e de René Descartes, na tentativa de compreender o homem e
suas relações.

O empirismo Inglês
Para os empiristas, as idéias humanas são provenientes dos
sentidos (visão, audição, tato, paladar e olfato), o que significa
que elas têm origem na experiência e nas sensações. Podemos,
assim, definir o empirismo como uma corrente que pretende que
todo conhecimento derive imediatamente do que é dado pela
experiência.
—I “Os pontos, as linhas, os círculos que cada um tem no
espírito são simples cópias dos pontos, linhas e círculos que
conheceu na experiência”. (Stuart Mill)
I C u r i O s l d a d eS

Como podemos ver na frase de John Stuart Mill, a própria FILMOGRAFIA


estruturação da mente se dá pelas sensações empíricas. Se Divulgação
temos a ideia de círculo, por exemplo, é porque já percebemos
anteriormente, pelos sentidos, formas que se aproximam dessa
figura geométrica. É claro que não existem formas perfeitas na
natureza, mas certos objetos nos sugerem tais formas.
Por exemplo, ao observarmos o quadro negro, nós o percebe­
mos como sendo retangular. Se medíssemos os seus ângulos, per­
ceberiamos algumas imperfeições, o que sugere que o retângulo
perfeito só pode ser concebido mentalmente. As idéias (a ideia de
retângulo perfeito, por exemplo) são, assim, formadas posterior­
mente à experimentação do conhecimento sensível. Conhecere­
mos, a seguir, alguns pensadores desta corrente.
As loucuras
do Rei George
Atividades de aplicação Direção:
Nicholas Hytner
Inglaterra, 1994
ATIVIDADE 3
Divulgação
EXPLIQUE a frase, relacionando-a ao empirismo. ■ s in a ilfflflH !
"A própria estruturação da mente se dá pelas sensações o grande ditador
empíricas. ”
(Stuart Mill)

O Grande Ditador
Direção: Charles Chaplin
EU A ,1940

Divulgação

Francis Bacon
Francis Bacon (1561-1626) fez da experiência o fundamento da
Ciência. Ele concebia a Ciência como domínio da natureza a serviço
do homem. Contudo, sua concepção fundamental de natureza
depende da concepção filosófica de natureza na Antiguidade.
Retoma, assim, os princípios aristotélicos da causalidade dos Elisabeth,
fenômenos, propondo o método científico ou experimental como a era de ouro
principal instrumento para o conhecimento dos fenômenos a partir Direção: Shekhar Kapur
da compreensão de suas leis ou princípios. Inglaterra / França, 2007
C ü r Í0 s1 d a d eS
m Os jovens são mais aptos para inventar do que para julgar,
mais aptos para a execução do que para o assessoramento,
TÍTULO DE CURIOSIDADE e mais aptos para novos projetos do que para atividades já
estabelecidas; porque a experiência da idade em coisas que
estejam ao alcance dessa idade os dirige; mas em coisas
Filósofo, estadista novas, os maltrata.
e ensaísta inglês [...] Os jovens, na conduta e na administração dos atos,
nascido em Londres. abraçam mais do que podem segurar, agitam mais do que
É o fundador do empirismo podem acalmar; voam para o fim sem consideração para com
moderno. Ele dará um os meios e os graus; perseguem absurdamente alguns princípios
destino mais prático à com que toparam por acaso; não se importam em (isto é, em
Filosofia, isto é, à Ciência, como) inovar, o que provoca transtornos desconhecidos.
como precursor de um [...] Os homens maduros fazem objeções demais,
“novo método” (o indutivo), demoram-se demais em consultas, arriscam-se muito
que faz experiências e pouco, arrependem-se cedo demais e raramente levam o
observações rigorosas como empreendimento até o fim, mas se contentam com uma
antecipações da natureza mediocridade de sucesso. Não há dúvida de que é bom forçar
(previsões de chuva, sol, o emprego de ambos [...], porque as virtudes de qualquer
terra para bom plantio). um deles poderão corrigir os defeitos dos dois.
Bacon é o preconizador
Francis Bacon. Fragmento.
da separação entre
Disponível em: www.mundodosfilosofos.com.br/bacon.htm - 28K -
teologia e Ciência, e Acesso em: 10 mar. 2009. (Fragmento)
defensor da ideia de
que as descobertas
de esquemas operativos
não são resolução de Bacon enfatiza que as explicações científicas deveriam
um poder divino. buscar a causa dos fenômenos, ou seja, a sua condição de
aparecimento. Uma vez encontrada a causa, poderiamos obter
Desejava dar à explicações completas, isto é, explicações que descrevem
humanidade domínio relações inexoráveis de necessidade e suficiência causai entre
maior sobre as forças os acontecimentos.
da natureza por meio
de descobertas e
invenções científicas.
John Locke
0 filósofo John Locke (1632 - 1704) afirmava que “não há
nada no intelecto que não tenha existido antes na experiência”.
Isso significa que as idéias não são inatas, a mente humana é,
em seu nascimento, como uma folha de papel em branco,
sendo as experiências que imprimem as idéias no intelecto.
A experiência é externa e interna. A externa nos remete
a qualidades primárias, objetivas dos fenômenos, através da
sensação, proporcionando-nos a representação dos objetos
externos: cores, sons, odores, sabores, extensão, forma,
movimento, etc. A experiência interna, embora sua causa seja
objetiva, remete-nos a qualidades secundárias, subjetivas
dos fenômenos, através da reflexão, proporcionando-nos a
representação das próprias operações exercidas pelo espírito
sobre os objetos da sensação, como conhecer, crer, lembrar,
duvidar, querer, etc.
Atividades de aplicação
1
ATIVIDADE 4

EXPLIQUE a frase relacionando-a ao empirismo de Locke.


"A s idéias não são inatas. ” BLAISE PASCAL

O homem é apenas um caniço,


o mais fraco da natureza:
mas é um caniço pensante.

Não é preciso que o Universo


inteiro se arme para esmagá-
lo: um vapor, uma gota de
David Hume água são suficientes para
matá-lo. Mas, mesmo que
Vamos iniciar os estudos deste filósofo por meio de fragmentos o Universo o esmagasse,
do seu texto “Melancolia filosófica”, em que ele nos fala sobre
o homem seria ainda mais
sentimentos que o filósofo experimenta. No texto, a consciência
da realidade é vista como uma espécie de “condenação”; que nobre do que aquilo que o
angustia, inquieta, levando-o constantemente a sair de si e mata, porque ele sabe que
engajar-se, assumindo o seu papel na construção da sociedade e morre e conhece a vantagem
da humanidade. do Universo sobre ele; mas
disso o Universo nada sabe.
ATIVIDADE 5
Toda nossa dignidade consiste,
MELANCOLIA FILOSÓFICA
pois, no pensamento. É a partir
dele que nos devemos elevar
Eu janto, jogo gamão, converso e me divirto com meus
e não do espaço e do tempo,
amigos; e quando, após três ou quatro horas de divertimento,
eu retorno a essas especulações, elas parecem tão frias... que não saberiamos ocupar.
e ridículas... Assim, vejo-me absoluta e necessariamente
inclinado a viver, e a conversar, e a agir como as outras
pessoas nos seus afazeres diários... Estou pronto a lançar
todos os meus livros e papéis ao fogo, e a jamais renunciar
aos prazeres da vida por causa do raciocínio e da filosofia.
[...] Quando então me canso de tanto divertimento e
companhia, e tendo sido levado a meditar em meu quarto,
ou em um passeio solitário ao longo do rio, sinto a minha
mente completamente absorta em si mesma, e me vejo
naturalmente inclinado a conduzir a minha visão a todos esses
assuntos sobre os quais encontrei tanta disputa no curso da
minha leitura e conversação.
Não posso deixar de ter curiosidade acerca dos princípios
morais do bem e do mal, a natureza e o fundamento dos
governos e a causa dessas tantas paixões e inclinações que
atuam em mim e me governam. Sinto-me desconfortável
[...] em pensar que aprovo um objeto e desaprovo outro;
que chamo algo de belo e algo de feio; que decido a respeito
da verdade e da falsidade [...] sem saber com base em quais
princípios eu procedo [...]
Sinto uma ambição crescente em mim de contribuir para
a instrução da humanidade [...] Esses sentimentos surgem
naturalmente em minha presente disposição [...] Sinto que
deva ser um perdedor no que concerne ao prazer; e essa é a
origem da minha filosofia.

HUME, David. Tratado sobre a natureza humana.


Livro I. (Fragmento)

Atividades de aplicação

A que você atribui essa responsabilidade social do filósofo à qual se


refere Hume?

David Hume nasceu


na Escócia, em
Edimburgo, em 1711.
0 jovem Hume, que
sonhou tornar-se homem
de letras e filósofo
célebre, renunciou aos estudos
jurídicos e comerciais, passou
Sobre o entendimento humano
alguns anos na França,
David Hume (1711-1776) faz uma análise psicológica do
e, aos vinte e três anos, seu
entendimento humano. Segundo ele, as nossas idéias não são
“Tratado da Natureza Humana”
apenas cópias das impressões que temos das sensações (dados
foi editado em Londres, em 1739.
trazidos pelas nossas experiências externas), mas também das
impressões das emoções que experimentamos diante dessas
Foi considerado
sensações (experiências internas).
uma das figuras mais importantes
Vejamos o exemplo citado pelo próprio Hume.
do chamado iluminismo escocês.
Diante desse enigma enunciado no texto de Hume, se-

Obras:
Tratado da n a tu re z a h um ana;
In v e stig a ç ã o so b re o
e n te n d im e n to hum an o ;
Se quero levantar o braço, levanto-o. Não é evidente que
In v e stig a çã o so b re os
minha vontade é a causa do movimento de meu corpo? Mas, se
p rin c íp io s d a m oral.
refletirmos bem, essa experiência não é menos clara do que
a precedente. Constato duas coisas: inicialmente, que quero
levantar o braço, em seguida, que ele se levanta. Não sei
absolutamente por meio de que engrenagem neuromuscular
complexa se opera o movimento de meu braço.
■a
ia
■ l
34
Um paralítico quer levantar o braço e, para surpresa sua,
constata que nenhum movimento se segue ao seu desejo.
E eu, cuja língua ou cujos dedos se movem segundo minha
vontade, não tenho o menor poder sobre meu coração ou
t C u r Í o s l d a d eS

sobre meu fígado. PENSADORES


Constato, com surpresa, que quero efetuar certos
Reprodução
movimentos e, depois, que esses movimentos se realizam.
Mas não constato o porquê, não tenho experiência de uma
conexão necessária. Permanece enigmática a ação da
alma sobre o corpo: se tivéssemos o poder de afastar as
montanhas ou controlar os planetas, esse poder não seria
mais extraordinário.

HUME, David. Investigação acerca do entendimento


humano: Ensaios morais, políticos e literários. São
Paulo: Nova Cultural, 1999. (Fragmento)

gundo o qual é obscura a relação entre a alma e o corpo na


experiência, fala-se de substância, de princípios, de causas
e efeitos, etc.
Que existe verdadeiramente no pensamento quando se ___ Isaac Newton
discorre sobre isso? A quais impressões vividas correspondem (Inglaterra, 1643-1727)
todas essas palavras? Para Hume, ir da ideia à impressão
Newton foi um dos mais
consiste apenas em perguntar qual é o conteúdo da consciên­
cia que se oculta sob as respostas apresentadas ao problema brilhantes cientistas
de todos os tempos.
da causalidade.
Ele não se concentrou apenas
Hume questiona da seguinte maneira a origem do princí­
numa área de estudos.
pio de causalidade: “todo raciocínio experimental, pelo qual
Para além da matemática e
do presente se conclui o futuro (a água vai ferver, amanhã
da Filosofia natural, as suas
fará dia, etc.), repousa nesse princípio de causalidade. De
grandes paixões foram
onde me vem esse princípio? A qual impressão corresponde
a Teologia e a Alquimia.
essa ideia?”

Os esforços de Newton no campo


da Matemática e das Ciências
O hábito e a associação das idéias foram grandiosos, mas a sua
maior obra foi sobre a exposição
Hume não encontrará, em nenhum setor da experiência, do sistema do mundo, dada na
uma impressão concreta de causalidade que torne legítima sua obra denominada Princip ia.
essa ideia de causa que pretendemos ter: a experiência externa Os dois primeiros volumes
me fornece apenas o depois, não me dá a origem do porquê. contêm toda a sua teoria,
Portanto, a causalidade não existe nas coisas, mas numa crença, incluindo a da gravitação,
a partir do hábito e da associação das idéias. e as leis gerais que estabeleceu
Como afirma Hume: “Por que será que espero ver a água para descrever o movimento,
ferver quando a aqueço? É porque aquecimento e ebulição relacionando-o com as forças que o
sempre estiveram associados em minha experiência, e essa determinam — “leis de Newton”.
associação determinou um hábito em mim. Se estabeleço “uma No terceiro volume, trata
conclusão que projeta no futuro os casos passados de que tive das aplicações da sua teoria
experiência, é porque a imaginação, irresistivelmente arrastada dos movimentos dos
pelo peso do costume, resvala de um evento dado àquele que corpos celestes, incluindo
comumente o acompanha. A necessidade é algo que existe no os cometas.
espírito, não nos objetos.”
Hume dialogou com o seu tempo. A Física newtoniana trouxe
para o campo do conhecimento o problema da causalidade.
Hume, no entanto, colocou em dúvida a existência de causas
explicativas para os fenômenos.

Para citar um exemplo


FILMOGRAFIA
Segundo nos explica Isaac Newton, “quando uma bola (A) de
Feitiço do Tempo bilhar colide com outra bola (B), pela força de ação e reação, há uma
transferência de força da bola A para a bola B que faz com que ela
Divulgação •
se movimente. Assim, podemos dizer que A é a causa do movimento
de B.”
No entanto, para Hume, a única fonte do conhecimento são as
sensações e não percebemos pelos sentidos que existe tal causa. Per­
cebemos, sim, num tempo 1, a bola A em movimento, e, num tempo
2, a bola B também se movimentando. Mas, o que nos autoriza a di­
zer pela percepção dos sentidos, que A provocou o movimento de
B? O que nos faz esperar que a bola B se movimente é o hábito.

Atividades de aplicação

ATIVIDADE 6

Hume faz um a análise psicológica do entendimento humano.


Que novidade o pensamento de Hume agrega ao empirismo?

Direção: Harold Ramis


E U A ,1993

Tempos Modernos
Divulgação

ATIVIDADE 7
(UEL) "Em bora nosso pensam ento pareça possuir esta liberdade
ilimitada, verificaremos, por m eio de um exame m ais minucioso,
Direção: Charles Chaplin que ele está realmente confinado dentro de limites m uito reduzidos
E U A ,1936 e que todo poder criador do espírito não ultrapassa a faculdade de
combinar, de transpor, de aum entar ou de dim inuir os m ateriais
que nos foram fornecidos pelos sentidos e pela experiência. ”

HUME, David. Investigação acerca do entendimento humano. Trad. de


Anoar Aiex. São Paulo: Nova Cultural, 1996. Coleção Os Pensadores.
De acordo com o texto, é CORRETO afirmar que, para Hume

a)

b)
os sentidos e a experiência estão confinados dentro de limites
muito reduzidos.
todo conhecimento depende dos materiais fornecidos pelos sentidos
t C u M o s i d a d es

e pela experiência.
O QUE ELES DIZEM
c) o espírito pode conhecer as coisas sem a colaboração dos sentidos
e da experiência.
SOBRE O SER HUMANO
d) a possibilidade de conhecimento é determinada pela liberdade
ilimitada do pensamento. Thomas Hobbes
e) para formar as idéias, o pensamento descarta os materiais fornecidos “O homem é o lobo
pelos sentidos. do homem.”

Jean-Jacques
O racionalismo Rousseau
“A natureza fez o
Os racionalistas não negam o empirismo, mas acreditam
homem feliz e bom,
que ele não possui valor científico, limitando-se a uma simples
mas a sociedade o
opinião, enquanto o verdadeiro conhecimento é aquele que for
corrompe e o torna
logicamente necessário e universalmente válido.
miserável.”
Para essa corrente, só a mente humana é capaz de conhecer a
verdade, pois o conhecimento inclui a existência de idéias inatas,
ou seja, que existiriam no homem, antes de qualquer experiência. Arthur
Schopenhauer
René Descartes “O homem é um
animal selvagem
e terrível. Nós
conhecemos
unicamente no
estado subjugado
e domesticado,
denominado
civilização: por isto
nos assustam as
eventuais erupções
de sua natureza.”

Sigmund Freud
“A renúncia
progressiva dos
CHARDIN, Jean-Siméon. Os atributos das artes, 1766. instintos parece ser
um dos fundamentos
Descartes, pensador e matemático, ao contrário de Hume, já se do desenvolvimento da
situa dentro de outra corrente da teoria do conhecimento, o racio­ civilização humana.”
nalismo. A grande questão da filosofia cartesiana é a busca de um
fundamento do conhecimento, assegurado de forma “clara e indubi-
tável”, ou seja, um conhecimento que não é passível de dúvidas.
Que certeza poderia ser dessa natureza, ou seja, inquestioná­
vel? Para Descartes, o método consiste em recusar tudo aquilo em
que pudermos colocar a menor dúvida. Tal método o conduzirá à
certeza de que, se estamos duvidando, é porque existe um sujeito
que duvida. Essa constatação leva-o à famosa conclusão: “se duvi­
do, eu existo”, ou, “penso, logo existo”.
Assim, a posição desse pensador é claramente distinta do
empirismo, pois o pensamento é anterior à experiência. A razão
1 C Ur Í O s l d a d eS é, assim, a essência da realidade e da compreensão de mundo e
deve ser priorizada em relação aos sentidos.
Essa visão do racionalismo de Descartes, também chamada
PENSADORES cartesiana, alterou e acelerou profundamente as descobertas
científicas, exercendo até hoje grande influência nos processos
de conhecimento.
Os conhecimentos acumulados pelas correntes empiristas
e racionalistas levam a novas indagações que serão a fonte das
preocupações dos pensadores iluministas no século XVIII.

—I Afinal, o que conhecemos? Os objetos que experimenta­


mos pelos sentidos, ou a representação mental que fazemos
desses objetos?

Atividades de aplicação

ATIVIDADE 8
René Descartes
1l
Na concepção filosófica racionalista, o conhecimento
(França, 1596 - 1650)
a) ocorre como resultado da experiência sensível por meio da qual o
conhecimento se organiza.
Filósofo e matemático, b) busca resultados objetivos, valorizando a natureza e suas relações.
pertencente a uma família c) baseia-se na busca da certeza e da demonstração, apoiado pelas
de posses, dedicada estruturas a posteriori do pensamento.
ao comércio, ao direito d) privilegia a razão em detrimento da experiência sensível como via
e à medicina. de acesso ao conhecimento.
Vivendo de rendas
e perseguindo a ATIVIDADE 9
realização de seu
sonho na carreira militar, Do pensamento cartesiano podemos concluir que
viajou por vários paises
a) a subjetividade, ou seja, o conhecimento do mundo não se faz sem
da Europa - Alemanha,
o sujeito que conhece.
Holanda e França
b) a objetividade, ou seja, o conhecimento do mundo se faz a partir
(1622-23) - como um do objeto.
oficial no exército imperial. c) o conhecimento começa com a experiência, mas a experiência
Renunciou definitivamente à sozinha não nos dá o conhecimento.
carreira militar para d) o conhecimento é consequente da relação entre um sujeito e um
dedicar-se à investigação objeto.
científica e filosófica.
ATIVIDADE 10
Obras: M editações m etafísicas e
Discurso do método. RETIRE do texto de Descartes, na abertura do capítulo, algumas
passagens e comente-as, relacionando-as à corrente racionalista
estudada neste capítulo.
ATIVIDADE 11

IDENTIFIQUE os pensadores retratados nos quadros e, a seguir,.;'


ELABORE um resumo das principais idéias do empirismo inglês a •.
partir desses pensadores.
f C u r Í 0 s l d a d eS

DEFINIÇÃO
DE CIÊNCIA

Copérnico

“A Ciência busca
compreender a realidade
de maneira racional, descobrindo
relações universais e necessárias
entre os fenômenos,
o que permite prever
acontecimentos,
e consequentemente,
agir sobre a natureza.
Para tanto, a Ciência se utiliza
de métodos rigorosos e atinge
um tipo de conhecimento
sistemático, preciso
e objetivo”.

Walter Benjamin

“Ciência: do latim
scien tia ,‘sabedoria’,
conhecimento, é
o conhecimento
de caráter racional,
sistemático e seguro
dos fatos e dos fenômenos
do mundo”.
Reprodução
Bronowski

“O controle da natureza
pela Ciência implica
força e poder. Toda a
natureza começaria por
se lastimar se lhe fosse
dada a palavra”.

Reprodução
A razão entre o empirismo e o
intelectualismo
C U r 10 sidades
As transformações ocorridas a partir do Renascimento levaram
R "DOIS EXCESSOS: ao questionamento dos critérios e métodos para aquisição do
I EXCLUIR A RAZÃO, conhecimento verdadeiro. Uma das funções da filosofia moderna
S
M
ADMITIR APENAS A RAZÃO” é investigar até que ponto o saber científico atinge o seu objetivo
0 (BLAISE PASCAL) de gerar esse conhecimento.
Conhecendo as teorias propostas pelos empiristas e pelos racio-
E
nalistas, percebemos claramente uma oposição entre intelectualis­
R mo e experiência: aquilo que é interior, que vem do nosso espírito,
A que acreditamos estar primitivamente em nós de modo inato (o
C priori); e aquilo que é exterior, cuja existência e as propriedades
I
O SIGNIFICADO DA PALAVRA descobrimos fora de nós (a p osteriori), algo adquirido.
N
A RAZÃO
L

s Logos, ra tio ou
M razão significa pensar e falar
O ordenadamente, com medida e
proporção, com clareza e de modo
compreensível para outros.
Assim, na sua origem, racionalismo
empirismo
a palavra razão significa a
capacidade intelectual
para pensar e exprimir-se
correta e claramente, para pensar ^ ,É .
e dizer as coisas tais como são.

A razão é uma maneira de


organizar a realidade para que
esta se torne compreensível.
É, também, a confiança de que
___ rirfk
podemos ordenar e organizar as
coisas porque são organizáveis, No racionalismo cartesiano e no empirismo inglês, a razão e a
ordenáveis, compreensíveis nelas experiência de que resulta o conhecimento científico do mundo
mesmas e por elas mesmas, isto é, e da sociedade, bem como a possibilidade de transformá-los, são
as próprias coisas são racionais. instâncias em nome das quais se passou a criticar todos os valores
do mundo medieval.
Posteriormente, no século XVIII, surgiu uma nova interpreta­
ção dada à teoria do conhecimento pelo filósofo alemão Immanuel
Kant, numa tentativa de superar essa oposição entre as propostas
racionalistas e empiristas extremas. Para Kant, era necessário fazer
Marilena Chauí uma crítica à razão, determinando quais são as possibilidades e
quais são os limites do conhecimento humano.

■3
II
■I
40
Capítulo 2

Jusnaturalismo e
Contrato Social

RUBENS, Peter Paul. O s q u a t r o filó so fo s, 1612. Galleria Pitti, Florença/ltália.

‘Democracia é quando
eu mando em você;
ditadura é quando
você manda
em mim.”
(Millor Fernandes)
1 C u r l OsldadeS
Texto e contexto

PENSADORES
Reprodução
P Eu imagino os homens chegados ao ponto em que os
obstáculos, prejudiciais à sua conservação no estado natural,
os arrastam, por sua resistência, sobre as forças que podem
ser empregadas por cada indivíduo a fim de se manter em tal
estado. Então, esse estado primitivo não mais tem condições
de subsistir, e o gênero humano perecería se não mudasse sua
maneira de ser.
Ora, como é impossível aos homens engendrar novas forças,
mas apenas unir e dirigir as existentes, não lhes resta outro
meio, para se conservarem, senão formando, por agregação,
uma soma de forças que possa arrastá-los sobre a resistência,
pô-los em movimento por um único mobile fazê-los agir
de comum acordo. Essa soma de forças só pode nascer do
concurso de diversos; contudo, sendo a força e a liberdade de
cada homem os primeiros instrumentos de sua conservação,
como as empregará ele, sem se prejudicar, sem negligenciar
os cuidados que se deve? Esta dificuldade, reconduzida ao meu
---- Jean Jacques Rousseau
assunto, pode ser enunciada nos seguintes termos: “encontrar
uma forma de associação que defenda e proteja de toda a
(Genebra, 1712-1778) força com uma pessoa e os bens de cada associado e pela qual
cada um, unindo-se a todos, não obedeça, portanto, senão a si
Rousseau é um dos mesmo, e permaneça tão livre como anteriormente.”
principais pensadores da Tal é o problema fundamental cuja solução é dada pelo
concepção jusnaturalista ou contrato social. As cláusulas deste contrato são de tal modo
contratualista. Suas obras determinadas pela natureza do ato, que a menor modificação
serviram de referencial as tornaria vãs e de nenhum efeito; de sorte que, conquanto
à Revolução Francesa jamais tenham sido formalmente enunciadas, são as mesmas
e permanecem em todas as partes tacitamente admitidas e reconhecidas,
como fundamentais até que, violado o pacto social, reentra cada qual em seus
ao entendimento do primeiros direitos e retoma a liberdade natural, perdendo a
que conhecemos por liberdade convencional pela qual ele aqui renunciou.
Estado moderno. ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. Livro I.
Tradução de Rolando Roque da Silva. São Paulo: Cultrix.
0 grande diferencial de
sua teoria é a exigência
da participação A política como arte modeladora dos
direta do povo no ato
legislativo. A sua crítica
interesses comuns
ao Estado representativo
A grande preocupação dos filósofos iluministas é a crítica à
o aponta como um
sociedade e à política do Antigo Regime, por meio da apologia à
crítico do liberalismo,
teoria emergente em sua época. investigação racional de todas as esferas da vida humana, seja ela
de cunho econômico, social, natural ou metafísico.
O lluminismo propõe uma laicização da razão em nome do
projeto de criação de uma esfera pública burguesa. Nesse contexto
das Luzes, o saber adquire um lugar privilegiado, uma vez que é
por meio dele que o poder será exercido.

72
0 Contrato Social pode ser considerado o ponto de partida
para as bases da democracia moderna e das teorias dos direitos
políticos que se formam a partir do lluminismo. C u M osidades
Para Rousseau, a propriedade privada marca a transição do
estado de natureza para a gestação da sociedade civil. O que ele
propõe é a destituição do poder fundado no uso da força para a COSTUMES
instituição de poderes legítimos, ou seja, sob a direção suprema da
vontade geral, definida como aquela que representa os interesses Vestuário
que cada pessoa tem em comum com todas as demais, de modo Século XVIII
que, ao ser atendido um interesse seu, também estarão sendo
atendidos os interesses de todas as pessoas.
Rousseau acreditava que essa vontade geral surgiu como
necessidade dos homens de solucionar os conflitos entre as
vontades particulares para proveito dos interesses comuns. 0
pacto social se firma pela vontade geral, não como vontade da
maioria, mas no sentido de uma igualdade moral e legítima contra
aquilo que a natureza poderia trazer de desigualdade física entre
os homens, uma vontade moral em prol da razão pública. Nessa
visão, a política é a arte modeladora dos interesses comuns.

IP É somente à lei que os homens devem a justiça e a liberdade;


é esse órgão salutar da vontade de todos que restabelece
no direito a igualdade natural entre os homens; é essa voz
celeste que dita a cada cidadão os preceitos da razão pública
PIETIO. Ana Mediei.
e o ensina a agir de acordo com as máximas de seu próprio
Vestuário do século XVIII.
julgamento, e não ficar em contradição consigo mesmo.

ROUSSEAU, Jean Jacques. Da economia política. Vol. 1. Trad.


de Lourdes Santos Machado. São Paulo: Globo, 1962.

Atividades de aplicação

ATIVIDADE 1

Com base no pensamento político de Rousseau, EXPLIQUE o


significado das afirmativas:

a) No pacto social, vontade geral não significa vontade da maioria.

PIETIO. Ana Mediei.


Vestuário do século XVIII.
b) A política é a arte modeladora dos interesses comuns.

J C u M osidades
U
S
N
A
! A IMPRENSA E O PANFLETO ;
T
U
R Apoiaram-se também os
A iluministas na imprensa.
L Editou-se muito no século XVIII.
I
S A tal ponto que o filósofo Hegel
M disse que a leitura diária do
O jornal “era a oração do homem
Vamos compreender, passo a passo, o processo de construção
E moderno”. Somente na América
da teoria do pacto social.
do Norte daquele século,
C
estima-se que mais de dois
O
mil títulos de jornais tenham
Estado de natureza e sociedade civil
N
T vindo à luz. Mas o panfleto 0 direito natural tem sua origem no jusnaturalismo, uma ideia
R
foi o veículo soberano racional de direitos inatos, universais e inalienáveis que existia
A
T da comunicação no Século no homem antes da existência das sociedades, ou seja, no estado
O das Luzes. de natureza, anterior ao pacto social.
S
Eram de baixo custo, fáceis de
0
c
1
A
L
; serem transportados e escondidos, ;
e geralmente eram escritos
em linguagem sintética
e objetiva, que depois veio
IP [...] perfeita liberdade para regular suas ações e dispor
de suas posses e pessoas do modo como julgarem acertado
a ser a escrita comum de quase dentro dos limites da lei da natureza, sem pedir licença ou
toda a imprensa moderna. depender da vontade de qualquer outro homem. E também
Era também uma publicação um estado de igualdade, em que é recíproco todo o poder e
democrática, pois atingia jurisdição, não tendo ninguém mais que outro qualquer.
tanto o salão do aristocrata,
como a taverna operária e o LOCKE, 1998. p. 382.
café do literato.
: :
No estado civil, as pessoas abrem mão dos direitos do estado
Disponível em: http;//www. de natureza por meio de um pacto social que representa a
educaterra.terra.com.br/voltaire/
vontade do conjunto dos indivíduos, através de uma legislação
cultura/iluminismo.htm - 20k
- Acesso em: 18 mar. 2009. que estabelece os limites necessários para que todos sejam
beneficiados, harmonizando a vida coletiva.

Atividades de aplicação
A
ATIVIDADE 2

Em que consiste a ideia do jusnaturalismo?

II
■I
74
5

ATIVIDADE 3

DIFERENCIE direito natural e direito civil. J


C u M osidades u
s
N
PENSADORES A
T
Reprodução u
R
A
L
I
S

O 2
E

C
Thomas Hobbes e o L e v ia t ã 0
N
T
Thomas Hobbes, em sua obra mais conhecida, o Leviatã, R
A
afirma que os homens no estado natural são egoístas e inseguros,
T
não conhecem leis, seguindo apenas suas paixões e desejos em 0
busca de seus próprios interesses, numa constante competição
S
pela riqueza, segurança e glória. 0
A consequência disso é uma “guerra de todos contra todos”, cuja -----Thomas Hobbes
c
solução seria delegar a soberania de modo absoluto e autoritário ao 1
(1588-1679) A
Estado e suas instituições, como forma de induzir os homens pelo L
medo e pela repressão, a honrar seus pactos, mantendo a paz.
Filósofo e cientista político
■ T inglês, Hobbes quis fundar

P “Durante o tempo em que os homens vivem sem um poder


uma filosofia que permitisse
explicar o poder absoluto dos
1111111111111111111

soberanos. Em 1651, publicou


comum capaz de os manter a todos em respeito, eles se a sua obra-prima, o Leviatã,
encontram naquela condição chamada guerra; e uma guerra na qual tentou definir as
que é de todos os homens contra todos os homens.” situações em que seria possível
legitimamente a submissão
“0 homem é o lobo do homem.”
a um soberano.
“Tudo aquilo que é válido para um tempo de guerra, em
que todo homem é inimigo de todo homem, o mesmo é válido
também para o tempo durante o qual os homens vivem sem
outra segurança senão a que lhes pode ser oferecida pela sua
própria força e pela sua própria invenção. Em tal situação não
há lugar para a indústria, pois o seu fruto é incerto, não há
cultivo da terra, nem navegação, nem uso das mercadorias
que podem ser importadas pelo mar; não são construções
confortáveis, [...]. E o pior do que tudo, há um constante
temor e perigo de morte violenta. A vida do homem é solitária,
. miserável, sórdida, selvagem e curta.”
HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Rideel,
2005. Capitulo XI. (Fragmentos)

O Leviatã, título da obra de Hobbes, é um monstro da mitologia


fenícia, com aparência de serpente marinha, que reina peto ■i
terror. IB
■ I
75
John Locke e o individualismo liberal
A novidade que John Locke agrega à teoria de Hobbes refere-se
à legitimação da propriedade privada como direito natural e
não civil. A propriedade era vista, anteriormente, como uma
consequência da hereditariedade ou um decreto do soberano.
Apesar do avanço do capitalismo, o regime político conti­
nuava monárquico, e o prestígio social era mantido nas mãos da
nobreza.

P Deus é um artífice, um obreiro, arquiteto e engenheiro


que fez uma obra: o mundo. Este, como obra do trabalhador
divino, a ele pertence. É seu domínio e sua propriedade. Deus
criou o homem à sua imagem e semelhança, deu-lhe o mundo
para que nele reinasse e, ao expulsá-lo do Paraíso, não lhe
retirou o domínio do mundo, mas lhe disse que o teria com
o suor de seu rosto. Por todos esse motivos, Deus instituiu,
no momento da criação do mundo e do homem, o direito à
propriedade privada como fruto legítimo do trabalho. Por isso,
de origem divina, ela é um direito natural.

LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. São Paulo:


John Locke Abril Cultural, 1989.Os pensadores. Fragmento.

(1632-1704)
Locke afirma que a principal função do estado no Contrato
Filósofo inglês e Social é garantir a propriedade privada, fruto do trabalho
ideólogo do liberalismo, humano, como direito natural. Essa valorização do trabalho
é considerado o principal eleva a burguesia numa sociedade onde reis e nobres viviam
representante do como parasitas.
empirismo britânico
e um dos principais teóricos
do Contrato Social.
Rousseau e o Contrato Social
A maior parte de sua
Para Rousseau, ao contrário, a soberania está no povo, que a
obra se caracteriza
exerce por meio da vontade geral, sendo o governante apenas o
pela oposição ao autoritarismo,
representante da soberania popular.
em todos os níveis: individual,
político e religioso. Acreditava
no uso da razão para obter
a verdade e determinar
a legitimidade das
P Cada um de nós põe em comum sua pessoa e todo seu
instituições sociais. poder sob a direção suprema da vontade geral, e recebemos,
enquanto corpo, cada membro como parte indivisível
do todo.
ROUSSEAU, Jean Jacques. Do contrato social.
Rio de Janeiro: Globo, 1962.
(Fragmento)

O estado de natureza de Hobbes e o estado de sociedade de


Rousseau evidenciam uma percepção do social como luta entre
fracos e fortes, vigorando a lei da selva ou o poder da força.
7
Para cessar esse estado de vida ameaçador, os seres humanos
decidem passar à sociedade civil, criando o poder político e as
leis.
1 C uri o

DECLARAÇÃO DOS
DIREITOS DO HOMEM
Na concepção de Rousseau (no século XVIII), em estado
E DO CIDADÃO
de natureza, os indivíduos vivem isolados pelas florestas,
sobrevivendo com o que a natureza lhes dá, desconhecendo
lutas e comunicando-se pelo gesto, pelo grito e peto
canto, numa língua generosa e benevolente. Esse estado

O ^
de felicidade original, no qual os humanos existem sob a
forma do bom selvagem inocente, termina quando alguém

m
cerca um terreno e diz: “É meu”. A divisão entre o meu e
o teu, isto é, a propriedade privada, dá origem ao estado

O —t > P O H Z O O
de sociedade.

CHAUÍ, Marilena. Filosofia. São Paulo: Ática, 2000.

Admitidos pela Convenção


Nacional em 1793 e afixada
no lugar das suas

O O c n
Tema em debate reuniões.

Preâmbulo:
A sociedade civil
O Povo Francês,
A sociedade civil vive sob leis instituídas para que haja convencido de que o
organização dos diversos interesses. Essas leis representam a esquecimento e o desprezo
“vontade geral”, sendo a expressão dos interesses do povo. A dos direitos naturais
função do Estado, como garantidor da “vontade geral” , faz dele do Homem são as únicas
nada mais que uma representação dos direitos através das leis. causas das infelicidades do
Por esse ponto de vista, podemos afirmar que a sociedade civil se mundo, resolveu expor,
confunde com o próprio Estado. numa declaração solene,
estes direitos sagrados e
inalienáveis, a fim de que
■ E qual é a origem dessas leis? Que idéias justificam sua todos os cidadãos,
instituição e a obediência às mesmas? podendo comparar sem
cessar os atos do Governo
com o fim de toda
Segundo Rousseau, elas surgem do contrato social, quando instituição social, não
cada indivíduo, ao se associar, abdica do direito natural que é se deixem jamais oprimir
transformado em direito civil ou positivo, um direito artificial, e aviltar pela tirania;
que vai tentar suprir a fragilidade do direito natural e do uso da para que o Povo tenha
força, garantindo a vida, a liberdade e a propriedade privada sempre distante dos
dos governados. A partir desse contrato, o uso da força passa a olhos as bases
ser direito exclusivo do Estado, justificado e restrito à defesa da sua liberdade
e de sua felicidade,
da liberdade comum, quando se fizer necessário. A questão
o Magistrado, a
filosófica fundamental passa a ser como conciliar os interesses
regra dos seus deveres,
do homem e do cidadão convivendo na mesma pessoa. Nasce
o Legislador, o objeto
daí a distinção entre o homem e o cidadão, e as implicações e da sua missão.
funções que caberia a cada um no novo modelo de sociedade.
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u
Curiosidades
P O homem natural é tudo para si mesmo: ele é a unidade
s numérica, o inteiro absoluto que só tem relação com ele
N próprio ou com seu semelhante. O homem civil é apenas uma
A
DECLARAÇÃO DOS DIREITOS
T DO HOMEM E DO CIDADÃO unidade fracionária que depende do denominador cujo valor
U está em sua relação com o inteiro, que é o corpo social. As
R
(FRAGMENTOS)
boas instituições são aquelas que melhor sabem desnaturar
A
L
o homem, tirar-lhe sua existência absoluta para lhe dar uma
I relativa, e transportar o eu para a unidade comum: de tal
S modo que cada particular não se creia mais um, mas parte da
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unidade, e apenas seja sensível no todo.

ROUSSEAU, Jean Jacques. Oeuvres Complètes.


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Plêiade, 1964. (Fragmento)


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Atividades de aplicação
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ATIVIDADE 4

RELACIONE as expressões jusnaturalismo e contrato social.


A O fim da sociedade é a
L felicidade comum. O governo
é instituído para garantir ao
homem o gozo destes direitos
naturais e imprescritíveis.

Estes direitos são a igualdade,


a liberdade, a segurança
e a propriedade.

III
Todos os homens são iguais
por natureza e diante da lei.
Os povos antigos não são mais um modelo para os modernos;
IV sob todos os aspectos, eles lhes são muito estranhos.
A lei é a expressão livre e Sobretudo vós, genebrinos, ficai em vosso lugar, não ides aos
solene da vontade geral; ela objetos elevados que se vos apresentam para vos esconder
é a mesma para todos, quer o abismo que se cava diante de vós. Vós não sois romanos,
proteja, quer castigue; ela só nem espartanos, nem mesmo sois atenienses. Abandonai esses
pode ordenar o que é justo e grandes nomes que não vos cabem. Vós sois mercadores,
útil à sociedade; ela só pode artistas, burgueses, sempre ocupados com vossos interesses
proibir o que lhe é prejudicial. particulares, com vosso trabalho, vosso comércio, vosso
ganho, pessoas para as quais a própria liberdade é apenas um
meio de adquirir sem obstáculo e possuir em segurança.

ROUSSEAU, Jean Jacques. Carta aos cidadãos de Genebra, 1764.


(Fragmento)
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