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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS


FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL

Texto 6 – Maquiavel e a Fundação da Ciência Política Moderna

PROFESSOR: Carlos Augusto da Silva Souza

Belém – PA
2022
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Maquiavel e a Fundação da Ciência Política Moderna
1. Contexto Histórico

Nicolau Maquiavel (1469-1527) nasceu em Florença, sendo reconhecido como o fundador da ciência política
moderna, pelo fato de que em sua obra retrata o Estado e o governo como realmente são e não como
deveriam ser. Diferentemente de Aristóteles, para Maquiavel, o Estado não tem como função principal
assegurar a felicidade e a virtude. Também, ao contrário do pensamento medieval, este Estado não é mais a
preparação dos homens para o reino de Deus. O Estado, a partir de Maquiavel, passa a ter vida própria, faz
política, estabelece estratégias e faz suas leis de acordo com as necessidades e as condições históricas de
cada momento.

Durante a época de Maquiavel a condição da Itália, convulsionada por crises políticas, ameaças externas e
ausência de unidade nacional, influenciou diretamente na construção de “O Príncipe”, sua obra mais
conhecida. Durante a maturidade intelectual de Maquiavel a Europa vivia os ventos culturais do
Renascimento1 e a experiência política da fundação dos Estados modernos. Diferentemente de muitos países
da Europa, que passavam por unificações derivadas da centralização do poder político nas mãos de um único
centro decisório, a península Itálica, entretanto, estava dividida em diversos pequenos Estados, organizados
de diferentes formas (repúblicas, reinos, ducados, principados, além dos Estados da Igreja). As disputas pelo
poder entre esses territórios era constante, a ponto de os governantes contratarem os serviços de
mercenários, tanto para a defesa quanto para expandir seus domínios territoriais.

Além disto, diversos países como: Germânia, França e Espanha, que desenvolviam influentes e gigantescos
aparelhos de Estado, tentavam abocanhar territórios da Itália, cuja fragilidade devia-se ainda ao importante
fato do comércio italiano ter perdido espaço para portugueses e espanhóis após a Tomada de Constantinopla
pelos turcos em 1453. Nesta situação, enquanto os pequenos Estados da península itálica promoviam
guerras entre si; os grandes estados (como o Ducado de Milão, República de Veneza, República de Florença,
o Reino de Nápoles e os Estados Papais) estabeleciam alianças com outros governantes, procurando
aumentar seus domínios e desestabilizar os opositores. A política italiana era, portanto, muito complexa e os
interesses políticos estavam sempre divididos. Toda esta situação gerava grande incerteza e grande temor
quanto a manutenção e destino dos estados italianos2.

Por outro lado, na Itália dividida, a tirania imperava em vários territórios, governados despoticamente por
casas reinantes sem tradição dinástica, ou com direitos contestáveis ou governados pela força das armas.
Alguns estados da península Itálica tinham sido tomados por exércitos composto por mercenários, chamadas
de Condottieri3. A ilegitimidade do poder gerava situações de crise e instabilidade permanente, onde somente
o cálculo político, a astúcia e a ação rápida e fulminante contra os adversários seriam capazes de manter a
estabilidade dos governos.

Desta forma, esmagar ou reduzir à impotência, a oposição interna, atemorizar os súditos para evitar a
subversão e realizar alianças com outros estados, constituíam uma das principais atividades dos governantes.
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O Renascimento foi um período de intensa renovação. Caracterizou-se por um movimento intelectual baseado na recuperação
dos valores e modelos da Antiguidade greco-romana, contrapondo-os à tradição medieval ou adaptando-os a ela. O Renascimento
referiu-se não apenas às artes plásticas, a arquitetura e as letras, mas também à organização política e econômica da sociedade.
2 A Itália foi um dos últimos países da Europa a se unificar e virar um país nos moldes atuais (Estado Moderno). A Itália era composta

de vários reinos que compunham a Península Itálica, e sua unificação ocorreu correu na segunda metade do século XIX e terminou
em 1871. Com isto, os reinos passaram a formar um só país, o Reino da Itália, sob o reinado de Victor Manuel II.
3 Condotiero (termo derivado do latim conducere, "conduzir") foram grupos de mercenários que formaram verdadeiras escolas de

guerra. Essas companhias alugavam sua força militar para determinados governos em troca de dinheiro e honrarias. Eram
frequentes os contratos com governos das cidades-estados, especialmente na Toscana, na Romanha, em Vêneto e na Úmbria.
Como muitas dessas cidades proibiam seus cidadãos de pegar em armas, a solução era recorrer a mercenários que, a despeito
dos contratos firmados, não hesitavam em trocar de lado, se o inimigo oferecesse maior compensação. A maioria dos condotieros
eram de origem italiana, mas não faltaram exemplos alemães, ingleses e de outros países europeus.
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Como naquela época, o poder do governante era mantido exclusivamente por sua força militar, era natural
que, pela força, o poder fosse deslocado para outro governante. Nem a religião, nem a tradição, nem a
vontade popular tinham capacidade suficiente para legitimar o poder que era conduzido pela força das armas
e pela habilidade dos governantes em conduzir suas ações e evitar as crises internas e externas.

A ausência de um Estado central e a extrema multipolarização do poder criaram um vazio, que só os mais
fortes tinham capacidade para ocupar. A obra de Maquiavel revela a consciência diante do perigo que a
divisão política da península itálica em vários estados provocava, e a fragilidade dos governos que estariam
expostos, à mercê das grandes potências européias. Do início ao fim do livro, Maquiavel, para quem a
finalidade da arte política é a manutenção do poder, induz os governantes às decisões ditadas pela força.
Impera a chamada lei do mais forte ou do mais esperto politicamente.

Outro fator importante que não deve ser desprezado ao interpretar as ideias de Maquiavel reside no fato de
que ao final da Idade Média, retomava-se uma visão antropocêntrica do mundo (que considera o homem
como medida de todas as coisas) presente outrora no pensamento das civilizações mais antigas como em
Atenas e Roma, a qual permitiu o despontar de uma outra ideia da atividade política, centrada na ação dos
governantes, diferente daquela predominante no período medieval, em que o governo derivava da vontade
divina. Em outras palavras, a retomada do humanismo iria propor na política a “liberdade republicana contra
o poder teológico-político de papas e imperadores” (CHAUÍ: 2008). Esta nova interpretação do mundo,
distanciado de uma visão religiosa do governo, possibilitou a retomada do humanismo cívico e a construção
de um diálogo político entre uma burguesia em ascensão desejosa por poder e uma realeza detentora da
coroa, mas, em franca decadência econômica.

É preciso lembrar que a formação do Estado moderno se deu pela convergência de interesses entre reis e a
burguesia, marcando-se um momento importante para o desenvolvimento das práticas comerciais e do
capitalismo na Europa. Assim, Maquiavel assistia em seu tempo um maior questionamento do poder absoluto
dos reis ou de alguma dinastia, como os Médici em Florência, uma vez que nascia uma elite burguesa com
seus próprios interesses, com a exacerbação da ideia de liberdade individual. Questionava-se o poder
teocêntrico e desejava-se a existência de um governante que, detentor das qualidades necessárias, isto é,
da virtú, poderia garantir a estabilidade e defesa de sua cidade contra outras vizinhas.

2. Biografia

Maquiavel era o terceiro de quatro filhos de Bernardo e Bartolomea de'Nelli. Seu pai era jurista e tesoureiro
de uma província italiana chamada Marca de Ancona, que se constituía como uma das quatro províncias
instituídas pelo Papa Inocêncio III (1198-1216) no primeiro ano de seu pontificado, como uma divisão dos
Estados Pontifícios. A mãe era próxima dos Médices, nobre família de Florença, mas a família de Maquiavel
era toscana, e, apesar de antiga, não possuía grande fortuna. Maquiavel Iniciou seus estudos de latim com
sete anos e, posteriormente, estudou também os fundamentos da língua grega antiga. Comparada com a de
outros humanistas sua educação foi fraca, principalmente por causa dos poucos recursos da família.

Maquiavel entrou para a política aos 29 anos de idade no cargo de Secretário da Segunda Chancelaria da
cidade de Florença em 19 de junho de 1498. Não se sabe ao certo o que teria levado à escolha de Maquiavel
para a chancelaria. Alguns autores afirmam que ele teria trabalhado ali como auxiliar em 1494 ou 1495, outros
preferem atribuir a sua entrada à escolha de um antigo professor seu, Marcelo Virgílio Adriani, o qual ele teria
conhecido em aulas na Universidade Pública de Florença e naquele momento exercia o cargo de Secretário
da Primeira Chancelaria.

As chancelarias eram órgãos auxiliares do governo de Florença. A primeira chancelaria era responsável pela
política externa e pela correspondência com o exterior. A segunda ocupava-se com as guerras e a política
interna. Entre as funções exercidas por Maquiavel, estavam a de assessoria política, de diplomacia e de
comando no Conselho dos Dez, um outro órgão auxiliar dos governantes de Florença. Foi justamente sua
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experiência neste cargo, lidando com questões de guerra e política interna que deu a Maquiavel a argucia
necessária para avaliar a conduta dos governantes expostas em suas obras.

Maquiavel ocupou este cargo em um momento em que a família Médici tinha sido destituída do poder após a
invasão de Florença pelos franceses em 1494, durante o reinado de Carlos VIII. Florença foi declarada uma
república na ocasião e Maquiavel colaborou com os franceses e, por isso, ocupou o cargo de Chanceler.

Em 25 de março de 1509, sob a liderança do papa Júlio II formou-se uma aliança entre os estados da igreja
com a Espanha e Veneza contra a França. Essa aliança atacou Florença e, após a vitória, destituiu a
experiência republicana e trouxe de volta os Médici ao poder da cidade.
Em 7 de novembro de 1512, Maquiavel foi demitido de seu cargo sob a acusação de traição e grande
colaborador do governo anterior. Foi multado em mil florins de ouro e proibido de se retirar da cidade durante
um ano.
Em janeiro de 1513 dois jovens, Agostino Capponi e Pietropolo Boscoli, foram presos e acusados de
conspirarem contra os Médices. Com eles foi encontrada uma lista de possíveis adeptos do movimento
republicano, entre os quais constava o nome de Maquiavel. Por este incidente Maquiavel foi preso e torturado
e passou 22 dias na prisão.
Para sua sorte, com a morte do papa Júlio II em 21 de fevereiro de 1513 e a eleição de João de Médici como
o novo Papa (com o nome de Clemente VII) todos os suspeitos de conspiração foram anistiados entre eles
Maquiavel, que se retirou para um exílio voluntário numa propriedade no distrito de Sant'Andrea in Percussina,
distante cerca de 3,3 quilômetros da sede do governo.

Foi durante o exílio, o qual duraria até sua morte em 21 de junho 1527, que Maquiavel escreveu “O Príncipe”,
seu livro mais conhecido. A obra foi escrita em 1513, e publicada postumamente em 1532. Trata do problema
do poder, mais especificamente, de como alcançá-lo e de como mantê-lo. A obra foi dedicada a Lourenço II
(1492-1519), herdeiro da família Médicis e duque de Urbino.
Diz-se que Maquiavel ao dedicar o livro ao herdeiro da família Médice procurava restabelecer seu prestígio
frente aos novos governantes e recuperar seu cargo público. Por esta razão o livro é considerado por muitos
como um manual para governantes e não um livro com objetivos acadêmicos. Os manuais de
aconselhamento de governantes eram muito populares na época, mas a obra de Maquiavel trouxe um
ineditismo ao afastar a atividade política da moralidade cristã que imperava na época.
Maquiavel não considerava a moral ou a ética como assuntos políticos. Pelo contrário, a política deveria ser
tratada em termos práticos e frios. Por isso, o certo e o errado são substituídos por noções de utilidade. A
política deixa de ser medida por ideologias ou ideais e passa a ser medida por sua eficiência na conquista e
manutenção do poder.
Para Maquiavel o ponto de partida para um governo eficiente deve ser a análise da natureza humana. Em
seus relatos Maquiavel procura demonstrar que a maioria das pessoas é egoísta, de visão curta, volúvel e
facilmente enganável. Por esta razão, para o autor, as falhas humanas deveriam ser estrategicamente
exploradas por um líder que desejasse chegar e manter o poder.
Em relação a natureza humana, por exemplo, Maquiavel indica que o interesse próprio pode ser visto como
instinto de autopreservação do homem. Por isso, o medo pode fazê-lo reagir com atos de coragem, trabalho
e cooperação, o que interessa ao governante astuto. A tendência de imitar em vez de pensar das pessoas
levou Maquiavel a concluir que isso poderia levar as pessoas a seguirem o exemplo de um líder e agirem de
modo cooperativo. Traços da natureza humana como a volatilidade e a credulidade permitiriam que as
pessoas fossem facilmente manipuladas por um líder habilidoso, para que se comportassem de modo
benevolente. Da mesma forma o egoísmo, manifestado no desejo de ganhos pessoais e ambição, poderia
ser uma força motora, se canalizado corretamente, e seria especialmente útil para um governante forte.

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Mediante conselhos, sugestões e ponderações realizadas a partir de acontecimentos históricos, o livro traz
reflexões originais e baseadas em uma riqueza de eventos históricos. O conteúdo político do livro orientou-
se pelos fatos que Maquiavel vivenciou durante sua experiência no governo e os eventos narrados são
validados a partir de circunstâncias historicamente determinadas, afastando-se, assim, de abstrações ou
idealizações derivadas dos períodos anteriores.

Maquiavel afirma ser a história a mestra dos atos humanos, especialmente dos governantes, e que o mundo
sempre foi habitado por homens com as mesmas paixões e desejo de poder. Por intermédio de uma história
comparada, o autor ilustra através de exemplos concretos as conclusões de suas análises sobre a prática da
atividade política.

O livro é considerado como a obra inaugural da ciência política moderna. Na obra o autor levanta dois
questionamentos principais: a) como chegar ao poder, e, b) como se manter no poder.

A conquista e manutenção do poder estaria diretamente relacionada as estratégias e comportamento do


governante, tanto em relação ao aparelho militar, quanto a forma de tratar os súditos, quanto a escolha e
relacionamento com o aparelho administrativo do estado, cabendo ao bom rei (ou bom príncipe) ser dotado
de virtù (mérito ou ação pessoal) ou da fortuna (contexto favorável), sabendo como bem articulá-las.
Enquanto a virtú dizia respeito às habilidades ou virtudes necessárias ao governante, a fortuna tratava-se da
sorte, do acaso, da condição dada pelas circunstâncias da vida.

Por fortuna, entende-se a indicação dos aspectos circunstanciais e pouco previsíveis que resultam em
benefício ou malefício. Não se trata de uma força sobrenatural, mas do próprio desdobramento natural de
tudo o que envolve ou afeta o humano (decisões, enfermidades, etc.). Já virtú são as características pessoais
que auxiliam o governante a garantir seu objetivo. Trata-se, por exemplo, da astúcia, inteligência e
flexibilidade.

Para Maquiavel “...quando um príncipe deixa tudo por conta da sorte, ele se arruína logo que ela muda. Feliz
é o príncipe que ajusta seu modo de proceder aos tempos, e é infeliz aquele cujo proceder não se ajusta aos
tempos” (MAQUIAVEL, 2002, p. 264).

O livro recomenda que toda ação política deve ser estabelecida em razão dos fins que se procura atingir. O
objetivo maior da política seria manter a estabilidade social e do governo a todo custo, sob pena de distúrbios
e convulsões sociais. Para isso, era necessário um estado e um governante forte, sendo que um príncipe não
deve se importar por ser considerado cruel, as vezes este procedimento é absolutamente necessário na
atividade política. Para Maquiavel a base de todo o poder são boas leis e bons soldados. A força é o fator
principal que assegura a manutenção do Estado e garante ao governante certa estabilidade, com respeito e
ordem.

3. A Obra

O livro está estruturado em 26 capítulos, que podem ser divididos em cinco partes:

1) Capítulo I a XI: análise dos diversos grupo de principados e meios de obtenção e manutenção destes;
2) Capítulo XII a XIV: discussão da análise militar do Estado;
3) Capítulo XV a XIX: discussão sobre a conduta do Príncipe;
4) Capítulo XX a XXIII: conselhos de interesse do Príncipe;
5) Capítulo XXIV a XXVI: reflexão sobre a conjuntura da Itália à sua época.

Capítulo I: Os vários tipos de Estado, e como são instituídos

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Maquiavel inicia seu livro falando sobre os tipos de Estado, que são segundo ele repúblicas ou principados,
sendo estes últimos hereditários ou novos, entendendo-se os novos como aqueles anexado pelo príncipe aos
seus domínios, ou foram fundados recentemente.

Capítulo II: As monarquias hereditárias

Neste capítulo Maquiavel observa que a dificuldade de se manter um Estado novo é maior do que a de se
manter um Estado hereditário, pois no estado hereditário o povo já está acostumado com a soberania de uma
família, de uma linhagem. Nas monarquias novas que na realidade são Estados mistos, pois foram
acrescentados a Estados hereditários, o povo não tem vínculos com o príncipe e se um príncipe tenta mudar
seus costumes, corre o risco de o povo revoltar-se contra ele, o que pode gerar conspirações apoiadas pela
grande massa. Deste modo, o príncipe respeitando a cultura local, se manterá no poder; a menos que, como
diz Maquiavel, uma força excepcional o derrube, porém, se tal fato ocorrer, poderá reconquistá-lo na primeira
oportunidade oferecida pelo usurpador.

Maquiavel ainda fala que na medida em que o soberano não ofende seus súditos e não mostra motivos para
o povo odiá-lo, estes o quererão bem, e mais:

"[...] qualquer alteração na ordem das coisas prepara sempre o caminho para outras mudanças, mas num
longo reinado os motivos e as lembranças das inovações vão sendo esquecidos."

Quando o povo vive do seu modo, com seus costumes e sendo respeitado pelo monarca, este se acomoda
de tal forma que as lembranças, os desejos de mudanças vão sendo postos em esquecimento.

Capítulo III: As monarquias mistas

Maquiavel mostra neste capítulo que o povo tem sempre o desejo de mudança, desejo de melhoria; as
pessoas, segundo Maquiavel, mudam com grande facilidade de governantes esperando tal mudança, que,
no pensar de Maquiavel, é sempre para pior.

Para ele, o príncipe sempre precisará do favor dos habitantes de um território para poder dominá-lo. A
imposição do novo governo ou provocações vindas dos soldados do monarca, ou outros motivos, podem
gerar injúrias no povo, gerando, assim, inimigos para o príncipe que são as pessoas ofendidas com a
ocupação do seu território.

"[...] depois de conquistado uma segunda vez, os territórios rebeldes não voltam a ser perdidos com a mesma
facilidade. A própria rebelião faz com que o monarca se sinta inclinado a fortalecer sua posição punindo os
rebeldes, desmascarando os suspeitos, revigorando seus pontos fracos."

Quando se é conquistado um território de mesma região e língua, é mais fácil de dominá-lo do que se não os
fosse, ainda mais se este povo não estiver habituado com a liberdade. O novo príncipe deve extinguir toda a
linhagem de seus antigos governantes, mas não pode deixar que haja divergência de costumes; deve também
o príncipe fazer a manutenção das leis e dos tributos.

Ao se conquistar uma província com língua, leis e costumes diferentes, um dos meios mais seguros, segundo
Maquiavel, é que o monarca vá pessoalmente habitá-lo. Estando o soberano presente, os distúrbios serão
logo percebidos e rapidamente corrigidos. Outra forma seria de se estabelecer colônias em um ou dois lugares
estratégicos na província, tomando as casas das pessoas que vivem neste local por ser uma pequena parte
da população, em nada representarão perigo ao monarca. A grande maioria da população também não fará
mal ao príncipe, ao contrário, se sentirá grata pelo fato de o monarca os deixar em paz e não quererão ofender
o soberano.

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Disse Maquiavel: Note-se que é preciso tratar bem os homens ou então aniquilá-los. Eles se vingarão de
pequenas injurias, mas não poderão vingar-se de agressões graves; por isso, só podemos injuriar alguém se
não temermos sua vingança.

O príncipe de um território estrangeiro deve liderar e defender seus vizinhos mais francos e procurar debilitar
os mais poderosos. Não há dificuldade para se conquistar um território onde movidos pela inveja dos que
tinham o poder os habitantes menos poderosos apoiam o invasor; porém deve-se ter cuidado para que estes
não adquiram poder e autoridade em demasia.

Disse Maquiavel: as guerras não podem se evitadas e que, quando adiadas, só trazem benefícios para o
inimigo. A guerra é inevitável, então, quando se tem a oportunidade de enfrentar o inimigo, deve-se enfrentá-
lo, quanto mais se adia uma batalha, mais o inimigo fica preparado, portanto, adiar uma guerra só traz sempre
prejuízos ao monarca.

Capítulo IV: Por que o reino de Dario, ocupado por Alexandre, não se rebelou contra os sucessores
deste, após a sua morte

Sempre os reinos foram governados de duas formas: por um príncipe e seus assistentes; ou por um príncipe
e vários barões, esses barões são ligados ao príncipe por laços de natural afeição. Estes que estão de junto
ao príncipe, são os nobres, os prestigiados; mas dentre esses sempre há quem aspire por inovações. Estes
podem abrir caminho para um invasor tomar o poder, facilitando sua vitória, vê-se assim que depois não
bastará aniquilar apenas família do príncipe, mas também os nobres que estarão sempre prontos a liderar
novas revoluções.

Capítulo V: O modo de governar as cidades ou Estados que antes de conquistados tinham suas
próprias leis

Ao se dominar um Estado acostumado com a liberdade, e com suas próprias leis, Maquiavel mostra três
formas e mantê-lo: primeira, arruinando-o; segunda, habitando-o; terceira, permitindo-lhe que viva seguindo
suas próprias leis. Neste último caso, deve-se cobrar tributos e deve-se colocar ali um governo de poucas
pessoas que sejam mantidas amigas.

"[...] a cidade habituada à liberdade pode ser dominada mais facilmente por meio dos seus cidadãos do que
de qualquer outra, desde se queira preservá-la."

Quem se torna o senhor de uma cidade livre, e não aniquila, pode esperar ser destruído por ela, pois sempre
haverá motivo para rebelião em nome da liberdade perdida e das suas eventuais tradições, que nem o curso
do tempo nem os benefícios conseguem apagar.

Por isso se diz que é melhor respeitar os costumes do território conquistado, ou então, destruí-lo. Sempre
estarão na mente do povo seus antigos costumes, e, mais cedo ou mais tarde estes se revoltarão contra o
que está sendo imposto, e não haverá benefício ou tempo, como disse Maquiavel, que os faça esquecer,
ainda mais se o povo estiver junto.

Quando um estado está habituado a viver sob o governo de uma linhagem de príncipes que tenha sido extinta,
seu povo não entrará em acordo para a escolha de um soberano; assim é fácil, pois, dominá-los, pois este
povo não sabe viver em liberdade.

"Nas repúblicas, por outro lado, há mais firmeza, brio, maior ódio, e desejo de vingança; não poderão
abandonar a memória de sua antiga liberdade. Assim, o meio mais seguro de dominá-las será devastá-las,
ou nelas habitar."

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Esses ensinamentos de Maquiavel nos mostram que o príncipe, sempre mais que tudo, deve manter o povo,
diríamos talvez que, inconsciente, enganados com a situação de que tudo está bem e de que o príncipe é
bom; quando não se pode dar essas impressões ao povo segundo Maquiavel deve-se aniquilá-lo para que o
poderio do monarca continue, pois caso o contrário, o povo se revoltará, derrubando o monarca.

Assim o monarca deve sempre procurar estar bem com o povo, pois este último tendo consciência ou não, é
sempre a força maior; apesar de sempre ser a classe inferior. O que seria de um reino sem povo? Quem
pagaria os tributos? Quem trabalharia pra sustentar os luxos do príncipe? Quem seria governado? O príncipe
só é príncipe quando tem quem governar.

Capítulo VI: Os novos domínios conquistados com valor e com as próprias armas

Os homens sempre procuram seguir os caminhos percorridos por outrem, pondo em prática seus atos que
deram certo e evitando praticar seus passos que não deram certo. Os que se tornam príncipes por seu próprio
valor e com suas próprias armas, se tornam príncipes com dificuldade, mas mantêm facilmente seu poder.
Segundo Maquiavel, as dificuldades se originam em parte nas inovações que são obrigados a introduzir para
organizar seu governo com segurança.

"Vale lembrar que não há nada mais difícil de executar e perigoso e manejar (e de êxito mais duvidoso) do
que a instituição de uma nova ordem de coisas. Quem toma tal iniciativa suscita a inimizade de todos os que
são beneficiados pela ordem antiga, e é defendido tibiamente por todos os que seriam beneficiados pela nova
ordem alta de calor que se explica em parte pelo medo dos adversários, quem têm as leis do seu lado, e em
parte pela incredulidade dos homens."

Quanto a isso, Maquiavel diz que a natureza dos povos é lábil: é fácil persuadi-los de uma coisa, mais é difícil
que mantenham sua opinião. E que convém ordenar tudo de modo que, quando não mais acreditarem, se
lhes possa fazer crer pela força.

Quem com suas próprias armas consegue algo, valoriza mais do quem conquista com armas alheias.

Capítulo VII: Os novos domínios conquistados com as armas alheias e boa sorte

Quem chega ao poder em troca de dinheiro ou pela graça alheia, com muita dificuldade manter-se-á no poder.
Só com muito engenho e valor poderá se manter.

"Além disso, os Estados criados subitamente como tudo o mais que na natureza nasce e cresce com rapidez
não podem ter raízes sólidas, profundas e ramificadas, de modo que a primeira tempestade os derruba. A
não ser que, conforme já disse, a pessoa que chegou ao poder tenha tanta virtude que saiba conservar o que
a sorte lhe concedeu tão de súbito, estabelecendo, em seguida, as bases que os outros precisam erigir antes
de se tornarem príncipes."

Chegar ao poder dessa forma, é chegar despreparado, sem raízes; quem não cuidar de procurar se
estabilizar, valorizar, tornar-se astuto, perderá o Estado. Ou no caso se é possível prever, se deve suprir
essas carências bem antes.

Capítulo VIII: Os que com atos criminosos chegaram ao governo de um Estado

Maquiavel cita dois exemplos de pessoas que se tornaram príncipes por meio do crime, o primeiro, o de
Agátocles após tantas traições e tão grande crueldade que além de ter obtido êxito na conquista, conseguiu
se manter no poder por muito tempo; Maquiavel explica esse fato ao de que Agátocles usou da crueldade
apenas uma vez: para chegar ao poder. Chegando ele lá, foi diminuindo sua crueldade de modo a ser querido
por seu povo.

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O segundo exemplo é o de Oliverotto de Fermo que com tamanha crueldade chegou ao poder, e lá se
manteve cruel, o que fez com que pouco tempo depois, este fosse derrubado do poder e morto por César
Borgia, juntamente com seu mestre em virtudes e atrocidades Vitellozzo.

"Não se pode, contudo, achar meritório o assassínio dos seus compatriotas, a traição dos amigos, a conduta
sem fé, piedade e religião; são métodos que podem conduzir ao poder, mas não à glória."

"[...] ao tomar um Estado, o conquistador deve definir todas as crueldades que necessitará cometer, e praticá-
las todas de uma vê, evitando ter de repeti-las a cada dia; assim tranquilizará o povo, ao não renovar as
crueldades, seduzindo-o depois com benefícios. Quem agir diferentemente, [...], estará obrigado a estar
sempre de arma em punho, e nunca poderá confiar em seus súditos, que devido às contínuas injúrias, não
terão confiança no governante."

"Os benefícios, por sua vez, devem ser concedidos gradualmente, de forma que sejam mais bem apreciados."

O príncipe deve sempre agir pensando no povo, pois na verdade é o povo quem detêm o poder e a força.
Com um monarca cruel, o povo se torna amedrontado e injuriado, acabando por se reunir e destruir seu
poderio. Porém quando os benefícios vêm, o povo se sente feliz e quer bem o monarca, o que diminui
consideravelmente a possibilidade de conspiração.

Capítulo IX: O governo civil

Na visão de Maquiavel, governo civil é governo em que o cidadão se torna soberano pelo favor de seus
concidadãos.

"O governo é instituído pelo povo ou pela aristocracia, conforme haja oportunidade para um ou para a outra.
Quando os ricos percebem que não podem resistir à pressão da massa, unem-se, prestigiando um dos seus
e fazendo-o príncipe, de modo a poder perseguir seus propósitos à sombra da autoridade soberana. O povo,
por outro lado, quando não pode resistir aos ricos, procura exaltar e criar um príncipe dentre os seus que o
proteja com sua autoridade."

A dificuldade é maior de manter-se no poder o príncipe que chegou ao poder através da aristocracia do que
o que chegou através do povo, pois a aristocracia se considera igual ao monarca, sendo que o soberano não
pode assim dirigi-los ou ordenar em tudo que lhe apraz.

A aristocracia quer oprimir; e o povo apenas não quer ser oprimido. Quem chegar ao poder deve sempre
manter a estima do povo, isso será conseguido o protegendo. O povo é quem está com o príncipe na
adversidade, quem o povo está com ele, é difícil derrubá-lo do poder.

Capítulo X: Como avaliar a força dos Estados

É examinada a situação do príncipe, se este, em caso de ataque, pode reunir um exército suficiente, e
defender-se; ou se não, este não podendo combater, é forçado a refugiar-se no interior de seus muros, ficando
na defensiva.

"Portanto, o príncipe que é senhor de uma cidade poderosa, e não se faz odiar, não poderá ser atacado;
ainda que o fosse, o assaltante não sairia gloriosamente da empreitada."

O povo tem enorme influencia para definir o a força de um Estado; se o povo estiver ao lado do príncipe,
mesmo que um dominador consiga tomar o lugar do príncipe, não se dará bem, pois o povo se levantará
contra ele.

Capítulo XI: Os Estados eclesiásticos


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Estados conquistados com o mérito ou com a sorte, porém estes não são necessários para conservá-lo, pois
são sustentados por antigos costumes religiosos.

"Tão fortes e de tal qualidade são estes que permitem aos príncipes se manterem no poder qualquer que seja
sua conduta e modo de vida. Só esses príncipes podem ter estados sem defendê-los e súditos sem governá-
los; e seus estados, mesmo sem ser defendidos, não lhes são tomados."

Mesmo que chegue um dominador e tente colocar tal estado sob seu poder, se o povo se mantiver unido,
este não obterá êxito em sua empreitada; os costumes são fortes e mantêm o povo unido.

Capítulo XII: Os diferentes tipos de milícia e de tropas mercenárias

Na ótica maquiaveliana, a base principal de um Estado são boas leis e bons exércitos. Há três tipos de tropas,
são elas, próprias, mercenárias, auxiliares ou mistas. Sendo as mercenárias e as auxiliares prejudiciais e
perigosas.

Os soldados mercenários são covardes, seu único motivo pra lutar é o salário, que nunca é o suficiente para
que morram pelo príncipe numa batalha. São dispostos ao príncipe em tempos de paz, mas ao chegar a
guerra, o abandonam.

"E a experiência demonstra que só os príncipes e as republicas armadas obtêm grandes progressos, pois as
forças mercenárias só sabem causar danos; e também que uma republica que tenha exercito próprio se
submeterá mais dificilmente ao domínio de um dos seus cidadãos do que uma republica com armas
mercenárias."

Os mercenários pensam em si e no que vão ganhar, não no êxito do monarca. O melhor sempre é usar suas
próprias armas. A vitória obtida através da força e armas alheias não é uma vitoria genuína.

Capítulo XIII: Forças auxiliares, mistas e nacionais

Maquiavel iguala as forças auxiliares com as mercenárias: são inúteis. As tropas auxiliares podem até ser em
si mesmas eficazes, mas são sempre perigosas para os que delas se valem se são vencidas, isto representa
uma derrota; se vencem, aprisionam quem as utiliza.

Quanto às tropas mistas, Maquiavel diz sê-las mais eficazes que as compostas inteiramente de mercenários
ou auxiliares, mas são muito inferiores que um exército inteiramente nacional.

"Um príncipe prudente, por conseguinte, evitará sempre tais milícias, recorrendo a seus próprios soldados;
preferirá ser derrotado com suas próprias tropas a vencer com tropas alheias, vitória que não se pode
considerar genuína."

"Em conclusão, nenhum príncipe pode ter segurança sem seu próprio exército, pois, sem ele, dependerá
inteiramente da sorte, sem meios confiáveis de defesa, quando surgirem dificuldades."

Assim como ocorreu com Davi quando Saul o ofereceu sua armadura para que enfrentasse Golias, e Davi
preferiu ir com sua funda e um punhal, pois com a armadura de Saul são poderia dar o melhor de si. No
entanto as armas alheias nos sobrecarregam e limitam, isso quando não falham. Portanto, o seguro mesmo
é ter seu próprio exército e suas próprias armas.

Capítulo XIV: Os deveres do príncipe para com as milícias

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O capítulo inicia mostrando o objetivo ou pensamento principal de um príncipe, que além da guerra, é também
as leis e a disciplina. Esta é a única arte que se espera de quem comanda. Quem negligencia a arte da guerra,
perde a consideração e o principal, o Estado.

A caça é indicada por Maquiavel como um ato a ser sempre praticado pelos soldados, para que estes se
habituem à natureza das regiões, a posição das montanhas, a abertura dos vales, aos rios, pântanos...

"A fim se exercitar o espírito, o príncipe deve estudar a historia e as ações dos grandes homens; ver como se
conduziram na guerra, examinar as razões das suas vitorias e derrotas, para imitar as primeiras e evitar as
ultimas."

Estes são os deveres do príncipe que nunca deve se acomodar, mesmo nos tempos de paz, mas sempre
estar preocupado para que suas tropas estejam em forma quando a sorte mudar, pois como foi dito no
Capítulo III, as guerras não podem ser evitadas.

Capítulo XV: As razões pelas quais os homens, especialmente os príncipes, são louvados ou
vituperados

É citado que levando em conta os príncipes, uns são tidos como liberais, outros por miseráveis; um, generoso,
o outro ávido; um, cruel, o outro misericordioso; um, perjuro, o outro fiel; um, efeminado e pusilânime, o outro
bravo e corajoso; humanitário ou altaneiro; lascivo ou casto; franco ou astuto; difícil ou fácil; serio ou frívolo;
religioso ou incrédulo...

Maquiavel reconhece que o ser humano não possui a capacidade de ter todas as qualidades acima
enumeradas, então, faz-se necessário que o príncipe tenha a prudência para evitar o escândalo provocado
pelos vícios que poderiam abalar seu reinado, evitando os outros se for possível; se não for, poderá praticá-
los com menores escrúpulos. Diz ainda Maquiavel:

"Quem quiser praticar sempre a bondade em tudo o que faz está fadado a sofrer, entre tantos que não são
bons. É necessário, portanto, que o príncipe que deseja manter-se aprenda a agir sem bondade, faculdade
que usará ou não, em cada caso, conforme seja necessário."

O príncipe pode até aparentar ter todas as qualidades acima citadas, mas tê-las realmente já poderia tornar-
se prejudicial; por isso é necessário que o príncipe aja de acordo com o momento. Se for necessário usar de
bondade, que use; se preciso for a crueldade, que use.

Capítulo XVI: A liberalidade e a parcimônia

A liberalidade deve ser praticada de modo apropriado, não sendo reconhecida. Um príncipe liberal gastará
todo o seu tesouro, o que o fará impor pesados impostos ao povo, o que o fará ser odiado pelos seus súditos.
E ainda pouco estimado por ter se tornado pobre. E se o príncipe quiser corrigir sua liberalidade será passado
imediatamente por miserável.

"[...] o príncipe não se deve incomodar de ser tido como miserável, para não ter de onerar demais os súditos,
para poder defender-se e para não tornar-se pobre e desprezado,[...]"

Maquiavel nos mostra neste capitulo que para aquele que já é príncipe a liberalidade é prejudicial, mas para
aquele que está a caminho de ser, ser tido como liberal é necessário. É necessário para o príncipe que esteja
à frente do exército e vive do botim de guerra, do roubo e de resgates, pilhando a riqueza alheia. Esbanjar as
riquezas alheias não diminui a reputação do príncipe, mas sim a ergue; apenas esbanjar os próprios recursos
que prejudica. E o mais importante é que o príncipe não seja odiado ou desprezado; a liberalidade leva a uma
dessas condições.

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Capítulo XVII: A crueldade e a clemência. Se é preferível ser amado ou temido

Todos os príncipes devem preferir ser considerados clementes, e não cruéis. Porém deve se saber usar essa
clemência. Quando o objetivo é manter o povo unido e leal, o príncipe não deve se importar em ser tido por
cruel; os príncipes novos no poder não podem fugir da reputação de cruel, pois estes estados são os mais
perigosos.

Seria bom que o príncipe fosse ao mesmo tempo amada e temido, mas como essa junção é difícil, é preferível
que seja temido. Temido de forma que, se não é possível conseguir o amor de seus súditos, se evite o ódio;
o que é conseguido não atentando contra as mulheres e os bens dos súditos e cidadãos. Se for necessário
que o príncipe decrete a execução alguém, que este dê um bom motivo.

"Os homens têm menos escrúpulos em ofender quem se faz amar do que quem se faz temer, pois o amor é
mantido por vínculos de gratidão que se rompem quando deixam de ser necessários, já que os homens são
egoístas; mas o temor é mantido pelo medo do castigo, que nunca falha."

Quando o príncipe está à frente do exército deve manter a fama de cruel, ou caso o contrario, o monarca não
conseguirá comandar com êxito.

O amar vem de acordo com cada homem, mas o temor lhes é imposto; sendo assim o príncipe deve fazer o
uso do que lhe tem nas mãos, e não no que depende da vontade alheia.

Capítulo XVIII: A conduta dos príncipes e a boa-fé

É esperado de um príncipe que mantenha sua palavra empenhada, e viver com integridade e não com astúcia.
Todavia nem sempre o príncipe pode agir com boa-fé, principalmente quando é necessário para isso ele ir
contra os próprios interesses e quando os motivos para que mantenha a palavra não existam mais.

Pode-se lutar de duas formas: pela lei e pela força. Sendo a primeira própria dos homens; a segunda própria
dos animais. Contudo uma não é duradoura sem a outra. Quando se é necessário que o príncipe aja como
um animal, deve saber agir como o leão e a raposa; o leão para afugentar os lobos e a raposa para fugir das
armadilhas.

"[...] é bom ser e parecer piedoso, fiel, humano, íntegro e religioso; mas é preciso ter a capacidade de se
converter aos atributos opostos, em caso de necessidade."

De certo que se não consiga ter todas as qualidades acima citadas, é bom aparentar tê-las; nada é mais
necessário do que a aparência da religiosidade. Por tanto:

"Todos veem nossa aparência, poucos sentem o que realmente somos, e estes poucos não ousarão opor-se
à maioria que tenha a majestade do Estado a defendê-la."

O que importa para um príncipe é a aparência que passa para os seus subordinados, muitas vezes sendo o
contrário do que pensa o povo, mas conseguindo esconder o que se é de verdade.

Capítulo XIX: Como se pode evitar o desprezo e o ódio

Os príncipes devem tomar o cuidado que suas decisões sejam irrevogáveis, e que as sustente de tal forma
que a ninguém ocorra enganá-lo ou deslocá-lo.

Os príncipes devem se acautelar contra duas coisas: seus súditos e as potências estrangeiras. Contra as
potências estrangeiras lhe servirá boas armas e bons amigos; contra as conspirações dos súditos lhe servirá

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não ser odiado, visto que o conspirador só executará seu plano se pensar que a morte do soberano satisfará
o povo.

"Em poucas palavras, do lado do conspirador estão o medo, os ciúmes, as suspeitas, o receio do castigo; do
lado do príncipe há a majestade do poder, as leis, a proteção oferecida pelos amigos e pelo Estado. Quando
a esses fatores se acrescenta a estima do povo, é impossível que alguém cometa a temeridade de conspirar."

Os príncipes sábios tentam sempre não aborrecer os grandes e agradar o povo. Pode-se fazer isso deixando
reservado aos grandes as tarefas como os julgamentos isso pra eles é estima , todavia o monarca deve ele
mesmo fazer os favores. O príncipe deve sempre tomar cuidado para não injuriar alguém de cujos serviços
se utilize.

Sempre o que conta para o príncipe é o que seus súditos sentem por ele; se o povo sente ódio ou desprezo,
e ainda por cima, não o temem, o Estado será perdido facilmente.

Capítulo XX: A utilidade de construir fortalezas e de outras medidas que os príncipes adotam com
frequência

Quando um príncipe novo chega ao poder deve armar seus súditos, o que lhes imporá que o príncipe lhes
tem confiança, eles assim se tornam leais e os que já eram leais matem sua lealdade. Se o príncipe novo
desarma seus súditos, lhes imporá que não lhes tem confiança, o que provoca ódio contra o soberano.

Todavia se um príncipe adquire um Estado o adicionando ao seu, é necessário que o desarme, com exceção
dos habitantes que estiveram do seu lado na conquista; mesmo esses é necessário que lhes seja cortada a
ousadia, arranjando as coisas de modo que o poder militar do novo domínio fique nas mãos de soldados que
viviam no Estado antigo, junto ao príncipe.

Disse Maquiavel: ... o príncipe sábio deve fomentar astuciosamente alguma inimizade, se houver ocasião
para tal, de modo a incrementar sua grandeza superando esse obstáculo.

Quanto às fortalezas, se o príncipe teme seus súditos mais do que os estrangeiros, deve construí-las; em
caso contrário, não. Maquiavel: ... a melhor fortaleza é a construída sobre a estima dos súditos, pois as
fortificações não salvarão um príncipe odiado pelo povo.

Capítulo XXI: Como deve agir um príncipe para ser estimado

Nada faz com que um príncipe seja mais estimado do que os grandes empreendimentos e os altos exemplos
que dá.

Em cada ação o príncipe deve procurar atrair fama de grandeza e excelência. Sendo que quando algum
cidadão faz algo extraordinário, bom ou ruim, o príncipe deve lhe dar um recompensa ou uma punição que
seja amplamente comentada pelo povo. Castigos e recompensas devem estar em perfeito equilíbrio; um
superior não pode valer-se apenas de um ou de outro.

É elevada a estima de um príncipe que age como amigo ou inimigo declarado, não ficando em neutralidade
quando dois de seus vizinhos poderosos estão em guerra.

"O que não é amigo pedirá sempre a neutralidade, e o amigo solicitará uma decisão, e a entrada na guerra.
Os príncipes inseguros preferem geralmente permanecer neutros, pensando evitar perigos presentes, o que
o mais das vezes os arruína."

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Quando o Estado que o príncipe apoiou vence, é estabelecido um vinculo forte de amizade e gratidão por
parte desse Estado. Contudo quando o Estado apoiado perde, este sempre ajudará e protegerá enquanto
puder seu companheiro de uma sorte que poderá mudar.

O príncipe não deve nunca aliar-se a alguém poderoso para causar dano a outrem, a não ser quando for
necessário, pois se o aliado vence, o príncipe fica sujeito ao seu poder.

Os príncipes devem honrar os que são ativos, melhorando seu Estado. Deve-se entreter o povo com festas
e espetáculos em certas épocas; e também o príncipe dever estar uma vez ou outra em contato com os
membros de subgrupos do Estado, mas sempre mantendo sua dignidade majestosa.

Com isso o povo terá sempre prazer em ter tal como seu soberano e sempre estará ao seu lado.

Capítulo XXII: Os ministros dos príncipes

Para conhecer um príncipe, basta tomar conhecimento dos homens que o cercam, eles causam a primeira
impressão do monarca. O monarca sábio escolhe bem seus ministros.

Maquiavel distingue três tipos de mente: um compreende as coisas por si; o segundo compreende as coisas
demonstradas por outrem; o terceiro nada consegue discernir, nem só, sem com a ajuda dos outros. O
primeiro tipo é o melhor de todo; a segunda também é muito boa, mas a terceira é inútil.

"Toda vez que o príncipe tem o discernimento para reconhecer o bem e o mal naquilo que se faz ou diz
(mesmo que não apresente originalidade de intelecto), identificará as obras boas ou más do seu ministro,
corrigindo algumas e incentivando outras."

O ministro que procura sempre em todas as suas ações seu próprio interesse nunca será um bom ministro,
não merecendo confiança. Quem é ministro nunca deve pensar em si próprio, mas sim no monarca. Para
assegurar a fidelidade do ministro, o príncipe deve honrá-lo e enriquecê-lo, fazendo lhe favores e atribuindo
lhe encargos.

Podemos dizer que se conhece o superior através de seus subordinados.

Capítulo XXIII: De que modo escapar aos aduladores

O príncipe deve evitar os aduladores as cortes estão cheias , mostrando que não há ofensa em falar a
verdade, todavia quando todos podem falar a verdade a uma pessoa, perdem-lhe o respeito. O príncipe sábio
tomará homens sábios como conselheiros, que falarão a verdade ao príncipe, mas somente quando
perguntados e sobre o que perguntados, assim o príncipe não ouvirá mais ninguém. O príncipe ouvirá seus
conselheiros somente quando quiser e as decisões tomará sozinho.

O príncipe que não é sábio nunca poderá ser bem aconselhado, pois ele ouvirá os conselheiros e não saberá
harmonizá-los. Se a sorte lhe dê um orientador ainda poderá se sobressair, mas mais na frente este orientador
lhe tomará o poder.

"Os conselheiros pensarão todos nos seus próprios interesses, e o príncipe será incapaz de corrigi-los, ou de
reconhecê-los. Não pode ser de outra forma, pois os homens falam sempre com falsidade, a não ser quando
a necessidade os obriga a serem verídicos."

Os bons conselhos nascem da prudência do príncipe; e que esta não nasce dos bons conselhos recebidos.
Tudo vem da capacidade do príncipe, da sua capacidade de escolha. Em suas decisões o príncipe deve ser
claro e objetivo, mantendo, sempre que possível sua palavra. Um príncipe que muda a todo o tempo de idéia
acaba por deixar o povo confuso, o fazendo perder a confiança.
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Capítulo XXIV: As razões por que os príncipes da Itália perderam seus domínios

Um novo soberano é sempre mais observado do que um soberano de antiga dinastia; quando o soberano
novo faz atos virtuosos, estes cativarão mais os súditos do que os de um monarca de antiga dinastia. Deverá
o monarca novo não falhar em outras coisas, fortalecendo seu Estado com boas leis, boas armas e bons
exemplos.

"Se considerarmos aqueles senhores que perderam seus estados na Itália de hoje, como o rei de Nápoles, o
que de Milão e outros, encontraremos neles em primeiro lugar um defeito comum no que se refere às forças
armadas, pelos motivos já amplamente examinados. [...] alguns ou sofriam a hostilidade do povo ou, se o
povo lhes tinha estima, não souberam garantir-se contra os nobres."

Quando o príncipe tem o povo do seu lado, mesmo assim este não pode deixar ser derrubado esperando que
o povo venha a reerguê-lo se levantando contra o dominador. Disse Maquiavel: Só são boas, seguras e
duráveis aquelas defesas que dependem exclusivamente de nós, e do nosso próprio valor.

Capítulo: XXV: O poder da sorte sobre o homem e como resistir-lhe

Na visão de Maquiavel, tudo que acontece conosco é atribuído à sorte, mas metade disso podemos controlar.
Para ele a sorte é como um rio, que quando este corre calmamente podemos construir diques e barragens
para que quando as águas vierem com fúria, sejam desviadas e seu ímpeto seja menos selvagem e
devastador.

"[...] o príncipe que baseia seu poder inteiramente na sorte se arruína quando esta muda. Acredito que é
prudente quem age de acordo com as circunstancias, e da mesma forma é infeliz quem age apondo-se ao
que o seu tempo exige."

O tempo vai determinar como que cada príncipe deve agir, contudo deve-se agir no tempo certo e sempre
preparado para quando a sorte variar, assim Maquiavel aconselha ser impetuoso a cauteloso com a sorte.

Capítulo XXVI: Exortação à libertação da Itália, dominada pelos bárbaros

Neste ultimo capítulo Maquiavel expressa o seu anseio pela libertação de sua pátria, a Itália.

"[...] agora, quase sem vida, a Itália espera por quem lhe possa curar as feridas e ponha fim à pilhagem na
Lombardia, à rapacidade e à extorsão no reino de Nápoles e na Toscana, curando-a das chagas abertas há
tanto tempo. Pede a deus que lhe envie alguém capaz de libertá-la dessa insolência, dessa Barbara
crueldade. Esta disposta a seguir uma bandeira, desde que alguém a empunhe."

Maquiavel deixa explícito neste capítulo que seu desejo é que Lorenzo de Médici se torne o soberano da Itália
daqueles tempos, deixando claro também o principal motivo de ter escrito O Príncipe, um manual para que
Lorenzo de Médici reine com êxito na Itália:

"Não se deve, portanto deixar que se perca esta oportunidade; a Itália, depois de tanto tempo, precisa
encontrar seu libertador."

"Que vossa ilustre família possa, portanto, assumir esta tarefa com a coragem e as esperanças inspiradas
por uma causa justa, de forma que, sob sua bandeira, nossa pátria volte a se levantar [...]"

Maquiavel e os conceitos de Virtú X Fortuna

Durante muito tempo pensou-se Maquiavel de uma forma errada, como um autor que prega o despotismo e
uma política imoral em que vale de tudo para atingir determinado fim (a famosa “Os fins justificam os meios”).
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Tentarei elucidar essa questão através de dois conceitos chaves da análise maquiaveliana ( não
maquiavélica): Virtú e Fortuna.

Esses dois conceitos inauguram um novo momento da filosofia política, a partir deles começa-se a pensar
política de forma política, ao contrário de antes que se abordava o tema a partir de análises religiosas ou
morais.

Fortuna diz respeito às circunstâncias, ao tempo presente e as necessidades do mesmo, a sorte da pessoa.
É a ordem das coisas em todas as dimensões da realidade que influenciam a política, é externa ao homem e
desafia suas capacidades.

Virtú ( traduzindo do Latim para o Português: Virtude, porém é melhor usar Virtú, para não confundir com a
virtude moral) é justamente a capacidade do indivíduo (político) de controle das ocasiões e acontecimentos,
ou seja, da fortuna. O político com grande Virtú vê justamente na Fortuna a possibilidade da construção de
uma estratégia para controlá-la e alcançar determinada finalidade, agindo frente a uma determinada
circunstancia, percebendo seus limites e explorando as possibilidades perante os mesmos. A Virtú está
sempre analisando a Fortuna e, portanto, não existe em abstrato, não existe uma fórmula, ela varia de acordo
com a situação.

Talvez de uma má interpretação desses conceitos que tem origem a visão maquiavélica de Maquiavel. Pois,
os fins justificam os meios dentro de uma determinada situação política que sofre influência de outras
dimensões como a social, a econômica e a moral e cabe ao político com as suas capacidades de análise e
de estratégia achar um meio perante essa conjuntura para realização de um determinado fim.

Na obre O Príncipe, cap. 25, em que Maquiavel explica esses conceitos, ele fala sobre a crença que há em
sua época em um determinismo divino, o desenvolvimento dos mesmos se opõe a esse determinismo como
vimos, porém devemos cuidar pois assim como a Fortuna não é determinada e fatalista, mas sim muda de
acordo com a conjuntura, a Virtú não o simples livre arbítrio, mas sim a escolha certa na hora certa.

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