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A Formação do Estado-nação Porém, se estudarmos com mais cuidado os escritos

de Maquiavel, perceberemos que seu interesse era

desenvolver uma teoria de governo capaz de garantir


O CONCEITO DE ESTADO a “virtude da República”. A ideia de “República” que,

segundo o historiador inglês Quentin Skinner,


O conceito “Estado” costuma ser utilizado para
Maquiavel herdou da tradição republicana, é
definir o organismo institucional que nasceu na
fundamental para o pensamento político do
Europa, na transição do século XIV para o século
intelectual florentino e para o próprio pensamento
XV, sendo caracterizado pela centralização
político moderno.
administrativa, burocrática e militar e pela capacidade
Essa ideia de virtude foi desenvolvida, em um
de exercer soberania sobre um território delimitado
primeiro momento, na Grécia Clássica, especialmente
por fronteiras.
por Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.), sendo trabalhada

também em Roma por autores como Cícero (106


Na próxima seção, estudaremos com mais detalhes a
a.C.- 43 a.C.) e Tito Lívio (59 a.C. – 17 d.C.),
história da formação do Estado na Europa. Por ora, é
chegando até Maquiavel por uma série de debates
importante entender como essa organização política
políticos que estavam sendo travados na Península
chamou a atenção dos autores que, na época,
Itálica desde o final do século XII.
tentavam interpretar as sociedades europeias.

Foi nesse momento, ainda segundo Quentin Skinner,


Certamente, o intelectual florentino Nicolau
que as estruturas políticas dos principados medievais,
Maquiavel (1469-1527) é um dos nomes mais
comandados por monarcas com direito hereditário,
destacados entre os primeiros esforços de criação de
começaram a ser repudiadas no território que, no
uma teoria do Estado Moderno, sendo conhecido
século XIX, passaria a ser chamado de “Itália”. As
como o fundador da Ciência Política. Maquiavel
sociedades italianas, ou regnum italicum, como eram
costuma ser conhecido pelo livro O Príncipe,
chamadas na época, estavam preocupadas em
publicado postumamente em 1532, com a máxima os
desenvolver formas de convivência coletiva capazes
“fins justificam os meios”, que, no senso comum, se
de resistir ao despotismo monárquico e garantir a
tornou sinônimo de tolerância com a perversidade
estabilidade interna e externa, proporcionando aos
política.
seus cidadãos aquilo que Aristóteles chamava de “boa

vida”.

Para isso, era necessário encontrar meios que

impedissem, ou amenizassem, a “corrupção” da


Nicolau Maquiavel
República — outro conceito trazido do vocabulário
político aristotélico. Corrupção, disse Aristóteles no O nascimento de uma cidade se dá pela ação dos

tratado da Política, é o efeito natural do tempo nos homens. Não é, contudo, produto de indivíduos, mas

governos, podendo, no máximo, ser atenuado por sim de povos ou grupos que vivem dispersos e, de

governantes virtuosos. Foi essa atmosfera conceitual alguma forma, decidem unir-se em uma mesma área,

dentro da qual Maquiavel pensou, escreveu e atuou seja em razão de sua segurança ou de qualquer outro

politicamente, como analista, poeta, historiador e motivo [...] No momento da constituição do Estado,

conselheiro do poder. os indivíduos já estão reunidos em grupos. E é como

tal que se organizam para formar o Estado. A


Tito Lívio, autor e historiador romano que registrou a prosperidade e a segurança da cidade não são matéria
história de Roma e seu significado político, elaborou individual, de foro íntimo, mas sim assunto dos
o texto Discursos sobre a primeira década de Tito grupos.
Lívio entre 1513 e 1521. Na obra, Maquiavel tem
(MAQUIAVEL, 1982)
interesse de entender as leis, a liberdade e as

instituições políticas no funcionamento de


Temos, na citação, muitos elementos que nos
uma República. Em sua discussão sobre política e
permitem compreender o núcleo do pensamento
governos, Maquiavel parte da premissa de que os
político de Maquiavel para além dos clichês
assuntos terrenos estão na alçada das competências
compartilhados no senso comum. Na época de
humanas, não restando espaço para a interferência
Maquiavel, Florença era objeto de constantes
divina.
assédios de repúblicas vizinhas e impérios

estrangeiros, o que colocou o tema da estabilidade do


Reflexão
governo no primeiro plano das preocupações do

A boa vida comum, portanto, é da responsabilidade autor.

dos seres humanos, a eles cabendo desenvolver

mecanismos que tornem possível o convívio coletivo A cidade, que no texto de Maquiavel pode ser tomada

harmônico. A Ciência Política elaborada por como sinônimo de “Estado”, é resultado de uma

Maquiavel afirma a laicização da vida social. escolha racional, feita por grupos humanos, que antes

viviam de forma desagregada e esparsa. Não há em

Maquiavel um “Estado natural”, pré-social, como

vamos encontrar em outros teóricos do Estado

Moderno. A agregação social é um “desde sempre”

no pensamento do escritor florentino.

O Estado surge quando esses grupos, movidos por

necessidade prática, decidem que é melhor se unir e


pactuar a organização de um poder relativamente A política teria moral própria e seu objetivo sempre é

centralizado que seja capaz de defender os interesses manter a “saúde cívica da República”, ainda que para

de todos. A partir desse momento fundacional, o isso o governante precise fazer aquilo que seria

desafio da comunidade política passa a ser a defesa considerado inadequado para o homem comum, como

da “virtude” da República, entendida como a matar. É fundamental que o governante, continua

capacidade de prover o bem comum contra os Aristóteles, tenha sorte (fortu) e a capacidade de ser

assédios internos das facções e os ataques dos amado pela comunidade (virtu). Um governante

inimigos estrangeiros. azarado e odiado pela maioria jamais conseguiria

É essa a discussão que Maquiavel desenvolve em O manter a República saudável e capaz de exercer

Príncipe, sem dúvida um dos livros mais famosos da “soberania sobre territórios e corações”.

literatura política ocidental. O interesse do autor é

aconselhar o príncipe no melhor caminho para a

conservação da República.

Deve, pois, alguém que se torne príncipe mediante o

favor do povo conservá-lo amigo, o que se lhe torna

fácil, uma vez que não pede ele senão não ser

oprimido. Porém, quem se torna príncipe pelo favor


Governo, 1896, de Elihu Vedder. Pintura exposta na
dos grandes, contra o povo, deve antes de mais nada
Biblioteca do Congresso, em Washington. Na placa,
ganhar este para si, o que se lhe torna fácil quando
pode-se ler: "um governo das pessoas, pelas pessoas,
assume sua proteção. E porque os homens, quando
para as pessoas".
recebem o bem de quem esperavam somente o mal,

obrigam-se mais ao seu benfeitor, torna-se o povo Se é fundamental ser “amigo do povo”, o governante
desde logo mais seu amigo do que se tivesse sido por precisa dosar os bons e os maus atos. Os bons atos
ele levado ao principado. são executados em ritmo lento para “perpetuar a

(MAQUIAVEL, 2002) memória da bondade”, enquanto os “maus atos”

devem ser “executados de uma só vez para que sua

O governante, diz Maquiavel, deve ser julgado por memória seja curta”.

critérios específicos, diferentes daqueles usados para

avaliar o caráter dos homens comuns. Temos aqui a Então, ao governante é permitido ser mau?

diferença entre os governantes e os homens comuns, Para Maquiavel, sim, desde que isso seja necessário

entre a vida política e a vida privada, estabelecida por para garantir a integridade da República. Não se trata

Maquiavel como “razão de Estado”. da defesa da maldade em si, mas sim do

reconhecimento de que o governo da cidade demanda


escolhas difíceis. Por isso, o governante deve ser política da modernidade, popularmente reconhecido

“sábio, ilustrado e corajoso”. pela máxima “o homem é o lobo do homem”.

Porém, da mesma forma como fizemos há pouco com


ESTADO E CONTRATO SOCIAL Maquiavel, é necessário entender o pensamento

político de Hobbes para além dos clichês e como um


Teoria do Estado bastante distinta da de Maquiavel
esforço de teorizar sobre a própria ontologia humana.
foi aquela desenvolvida pelos autores que

costumamos agrupar na corrente dos

“contratualistas”, que se desenvolveu na Europa entre

os séculos XVII e XVIII, encontrando em Thomas

Hobbes (1588-1679) e Jean Jacques Rousseau (1712-

1778) seus principais expoentes.

Isso não significa que tenham abordado o tema do

Estado da mesma maneira, pois há diferenças

substantivas entre os pensamentos políticos

desenvolvidos pelos dois autores. Em comum entre

eles estão a sintaxe política e os conceitos acionados

na reflexão. De

struição do Leviatã, 1865, Gustave Doré

Então, o que é Estado na visão do contratualismo?


Toda a discussão que o autor propõe a respeito do
O contratualismo parte da premissa de que o Estado é
Estado parte de uma premissa ontológica, segundo a
o resultado de um contrato social, de um acordo
qual nós, seres humanos, somos naturalmente ruins e
coletivo movido pela racionalidade humana no qual a
racionais. Ou seja, nascemos perversos, egoístas e
maioria, deliberada ou tacitamente, decide que viver
apetitosos, mas nascemos também capazes de
em comunidade é melhor do que viver isoladamente.
entender que nossa natureza é potencialmente
Disso depreende-se que, diferentemente de
destrutiva, e que é necessário domá-la para que a
Maquiavel e da tradição aristotélica, os
própria vida seja possível.
contratualistas reconhecem a possibilidade de

existência de um momento pré-político, de um


O estado natural, então, é violento, selvagem, uma
“estado natural”, quando os seres humanos não
situação de “guerra de todos contra todos”, como o
viviam de forma gregária.
próprio Thomas Hobbes afirmava.

Thomas Hobbes é autor do Leviatã, publicado em

1651 e um dos mais famosos tratados de filosofia


Se dois homens desejam a mesma coisa, eles podem Em Hobbes, o estado natural é o inferno na Terra. Em

tornar-se inimigos, se for impossível que ambos Rousseau, é o Éden.

alcancem o que desejam ao mesmo tempo. E no Em comum entre eles está a ideia de que a saída da

caminho para seu fim (que é principalmente sua situação pré-social se deu por um acordo, por um

própria conservação, e às vezes apenas seu deleite), contrato estabelecido pela maioria e movido pelos

esforçam-se por se destruir ou subjugar um ao outro. imperativos da razão. Diz Hobbes que os primeiros

Disso segue-se que, quando um invasor nada mais humanos perceberam que o estado de natureza, se

tem a recear do que o poder de um único outro perpetuado, significaria a extinção da espécie.

homem, se alguém planta, semeia, constrói ou possui Pactuaram, então, que melhor seria abrir mão das

um lugar conveniente, é provavelmente para esperar liberdades primitivas para submeterem-se a um poder

que outros venham preparados com forças externo, acima de todos, e que fosse capaz de garantir

conjugadas, para desapossá-los e privá-los, não a vida e a propriedade, tornando a própria existência

apenas do fruto de seu trabalho, mas também de sua coletiva possível.

vida e de sua liberdade. Por sua vez, o invasor ficará

no mesmo perigo em relação aos outros. O fim último, causa final e desígnio dos homens (que

amam naturalmente a liberdade e o domínio sobre os


(HOBBES, 1983)
outros), ao introduzir aquela restrição sobre si

mesmos sob a qual os vemos viver nos Estados, é o


Jean-Jacques Rousseau, autor de Contrato Social,
cuidado com sua própria conservação e com uma vida
publicado em 1762, parte de premissa ontológica
mais satisfeita. Quer dizer, o desejo de sair daquela
diametralmente oposta. Tal como Hobbes, Rousseau
mísera condição de guerra que é a consequência
também afirma a existência de um mundo pré-social,
necessária (conforme se mostrou) das paixões
onde os homens viviam isolados. Porém, a natureza
naturais dos homens, quando não há um poder visível
humana, para Rousseau, é boa e generosa.
capaz de os manter em respeito, forçando-os, por

O estado de natureza é pacífico, harmonioso, é o medo do castigo, ao cumprimento de seus pactos e

“império da felicidade”. àquelas leis de natureza que foram expostas.

(HOBBES, 1983)
No princípio, quando viviam entregues ao livre-

arbítrio dos seus instintos, os homens não praticavam Resumindo


vilania, tirania ou assassínio. Eram doces como Na teoria hobbesiana, então, o Estado nasce de uma
animais domésticos, inofensivos como crianças, e a situação original de caos e violência e como produto
terra abundava, dando o necessário para todos da racionalidade humana. Em Rousseau, a decadência
viverem com fartura. não é original, intrínseca à natureza humana, mas sim

(ROUSSEAU, 1999) resultado de uma escolha infeliz: a invenção da


propriedade privada, que se deu no momento em que A fim de que não constitua, pois, um formulário

o primeiro ser humano “demarcou no chão um inútil, o pacto social contém tacitamente esta

pedaço de terra para dizer que era seu, encontrando obrigação, a única a poder dar forças às outras: quem

outros inocentes o suficiente para acreditar nele”. se recusar a obedecer à vontade geral, a isto será

Começava aqui a guerra geral rousseauniana, porque, constrangido pelo corpo em conjunto, o que apenas

não havendo nenhum poder externo capaz de regular significa que será forçado a ser livre. Assim é esta

os limites de cada propriedade, estabeleceu-se o condição: oferecendo os cidadãos à pátria, protege-os

“reino da força”, que, no limite, não era proveitoso de toda dependência pessoal; condição que promove

para ninguém, “pois nada garante que o mais forte o artifício e o jogo da máquina política e que é a

hoje se manterá forte amanhã, e a obrigação de se única a tornar legítimas as obrigações civis, as quais,

manter forte para sempre é fardo tão pesado que sem isso, seriam absurdas, tirânicas e sujeitas aos

ninguém pode carregar sobre os ombros” maiores abusos.

(ROUSSEAU, 1999).
(ROUSSEAU, 1999)

Surge, então, o Estado, como um pacto no qual os

homens abdicam de sua liberdade original para dar

aval à existência de um poder comum, responsável

pela salvaguarda do interesse coletivo.

Rousseau, no entanto, resguarda a possibilidade de

ruptura com esse poder, desde que ele não cumpra

seu papel no contrato. Então, o contrato social para

Rousseau poderia ser rompido unilateralmente pela

sociedade civil, em uma ação revolucionária.


Jean-Jacques Rousseau

Thomas Hobbes
ESTADO E LIBERDADE

Outra tradição que, na modernidade, trouxe o Estado

para o centro de suas preocupações filosóficas foi o

liberalismo político, um “fenômeno histórico

pertencente à história europeia e marcado pelos

embates com o absolutismo monárquico e outras

formas de tirania política que existiram na Europa no

início da modernidade” (MATEUCI, 2000).

Benjamin Constant (1767-1830)

Locke e Constant notabilizaram-se por delinear

dimensões mais claras ao ideário político liberal,

escrevendo importantes tratados sobre a limitação

institucional do poder do Estado. Destacam-se aqui

o Primeiro tratado sobre o governo civil e o Segundo

tratado sobre o governo civil, escritos por Locke e


Entre os fundadores do liberalismo político estão
publicados em 1689, além de Sobre a liberdade dos
nomes como:
antigos comparada com a dos modernos, escrito por

Constant e publicado em 1819.

Ambos os autores partem da premissa de que a boa

vida em comunidade somente é possível a partir de

uma premissa: a existência de um Estado

comprometido com o bem-estar coletivo e com a

defesa da vida e da propriedade dos indivíduos

(entendidas como direitos naturais), sem que com

isso se exerça tirania ou poder absoluto sobre a

sociedade.
John Locke (1632-1704)
A noção de “governo consentido” é fundamental para

Locke, que acredita que os seres humanos, dotados de

racionalidade intrínseca, são perfeitamente capazes de


idealizar formas de governo que atendam às suas teorizar formas de governo adequadas às modernas

necessidades, ou seja, a defesa da vida e da sociedades de massa, em muitos aspectos diferentes

propriedade. Segundo Locke, portanto, a existência das sociedades antigas. O autor argumenta que, na

dos governos, e no limite do próprio Antiguidade, a liberdade republicana era viável, pois

Estado, justifica-se pelas necessidades da sociedade garantia aos cidadãos participarem diretamente do

civil e não pelos interesses do próprio governo, ou governo.

do próprio Estado.
Esse tipo de liberdade somente seria possível em

Se o homem no estado de natureza é livre como se pequenos territórios, ocupados por populações pouco

disse, se é senhor absoluto da sua própria pessoa e numerosas. Como na modernidade a situação é

suas próprias posses, igual ao mais eminente dos bastante diferente, uma vez que as nações modernas

homens e a ninguém submetido, por que haveria ele costumam ser mais extensas e populosas do que as

de se desfazer dessa liberdade? Por que haveria de repúblicas antigas, fez-se necessária a reconceituação

renunciar a esse império e submeter-se ao domínio e das ideias de liberdade e de participação política.

ao controle de qualquer outro poder? A resposta

evidente é a de que, embora tivesse tal direito no A liberdade moderna consiste no direito, para cada

estado de natureza, o exercício do mesmo é muito um, de influir sobre a administração do governo, seja

incerto e está constantemente exposto à violação por pela nomeação de todos ou de certos funcionários,

parte dos outros [...]. Tais circunstâncias o fazem seja por representações, petições, reivindicações, às

querer abdicar dessa condição, a qual, conquanto quais a autoridade é mais ou menos obrigada a levar

livre, é repleta de temores e perigos constantes. E não em consideração. Comparai agora a esta a liberdade

é sem razão que ele procura e almeja unir-se em dos antigos. Esta última consistia em exercer coletiva,

sociedade com outros que já se encontram reunidos mas diretamente, várias partes da soberania inteira,

ou projetam unir-se, para a mútua conservação de em deliberar na praça pública sobre a guerra e a paz,

suas vidas, liberdades e bens, aos quais atribuo o em concluir com os estrangeiros tratados de aliança,

termo genérico de propriedade. O fim maior e em votar as leis, em pronunciar julgamentos, em

principal para os homens unirem-se em sociedades examinar as contas, os atos, a gestão dos magistrados;

políticas e submeterem-se a um governo é, portanto, a em fazê-los comparecer diante de todo um povo, em

conservação de sua propriedade. acusá-los de delitos, em condená-los ou em absolvê-

los.
(LOCKE, 1990)
(CONSTANT, 2019)

Benjamin Constant, por sua vez, está interessado em

entender as especificidades da liberdade moderna Aqui o autor está formulando aquela que é uma das

quando comparada com a antiga, com o objetivo de principais características do liberalismo político: a
defesa de uma democracia fundada em instituições Percebe-se claramente como a preocupação com a

legislativas responsáveis por representar os liberdade contra a tirania do Estado pauta o

interesses da população, que participaria do pensamento político moderno desde o século XVI,

governo de forma indireta. Assim, seria possível junto com outras questões, como a segurança

garantir direitos políticos às populações numerosas, territorial contra as invasões estrangeiras e a

que periodicamente seriam convocadas ao debate prosperidade econômica da República.

público, no período eleitoral, para escolher livremente

seus representantes. ESTADO E A PRODUÇÃO DE RIQUEZA

Outra filosofia política moderna que se preocupou em A teoria política marxista, desenvolvida por Marx e

teorizar limites institucionais ao poder do Estado foi Engels no século XIX, trouxe para a discussão a

o Constitucionalismo, principalmente com agenda da libertação das classes oprimidas.

Montesquieu (1689-1756), autor do tratado O No Manifesto comunista, publicado em 1848, os

espírito das leis, publicado em 1748 e considerado a autores argumentam que:

matriz teórica inspiradora das Constituições


O Estado é um órgão especial que surge em certo
modernas. No texto, Montesquieu idealizou o sistema
momento da evolução histórica da humanidade, e que
de “freios e contrapesos”, segundo o qual o poder do
está condenado a desaparecer no decurso da mesma
Estado é dividido em três partes independentes entre
evolução. Nasceu da divisão da sociedade em classes
si:
e desaparecerá no momento em que desaparecer esta

Poder Legislativo divisão. Nasceu como instrumento nas mãos da classe

dominante, com o fim de manter o domínio desta


Poder Executivo
classe sobre a sociedade, e desaparecerá quando o
Poder Judiciário domínio desta classe desaparecer.

Como a virtude é necessária em uma república e na (ENGELS; MARX, 2003)


monarquia a honra, o medo é necessário em um

governo despótico, pois nele a virtude não é Resumindo

necessária e a honra seria perigosa. O imenso poder No vocabulário marxista, portanto, o Estado não é o

do príncipe passa inteiramente àqueles que ele confia resultado de uma racionalidade humana intrínseca

e se torna perigoso instrumento de opressão contra a nem tampouco uma evolução em relação à situação

liberdade de todos. Manter o poder do príncipe das liberdades primitivas. O Estado é resultado de

restrito a leis pactuadas coletivamente é a única forma uma realidade material e objetiva, na qual as classes

de garantir as liberdades individuais e coletivas. superiores desenvolvem aparelhos institucionais para

dominar as classes inferiores.


(MONTESQUIEU, 1990)
Essa relação de dominação somente seria superada Maquiavel estava interessado em discutir formas de

pela abolição da divisão de classes e do próprio garantir a estabilidade interna e externa da República,

Estado, dando lugar a uma sociedade comunista em e, dessa maneira, atenuar os efeitos da corrupção,

que as pessoas viveriam solidariamente, consumindo sendo o republicanismo de Aristóteles sua principal

o que produzem, sem se apropriarem da riqueza referência.

produzida por outros. Maquiavel estava interessado em afirmar a liberdade

do mercado, sendo, portanto, o precursor do


No próximo módulo, nos debruçaremos sobre a liberalismo econômico, e a fonte onde a escola
realidade histórica que, na Europa, deu origem ao austríaca beberia.
Estado Nacional, buscando entender como foi forjada Maquiavel estava interessado em defender a total
a estrutura de poder que por tanto tempo tem sido o abolição do Estado, sendo um dos primeiros
principal objeto do pensamento político ocidental. pensadores a formular o ideal anarquista.

VERIFICANDO O APRENDIZADO

2. Thomas Hobbes e Jean Jacques Rousseau são os

principais expoentes da corrente de pensamento


1. O intelectual florentino Nicolau Maquiavel
político que costumamos chamar de
costuma ser reconhecido pela máxima “os fins
“contratualista”. Assinale, entre as alternativas a
justificam os meios”, que se tornou sinônimo de
seguir, aquela que melhor define a premissa do
legitimação da perversidade política. No entanto, a
contratualismo.
obra de Maquiavel é muito mais complexa.

Assinale, entre as alternativas a seguir, aquela que

melhor define a obra de Maquiavel. A premissa do contratualismo afirma a organização

política como o resultado de um acordo coletivo

segundo o qual, racionalmente, os homens decidem


Maquiavel estava interessado em discutir como seria
que viver em coletividade é melhor do que viver em
possível defender a monarquia e a tirania do príncipe,
situação de desagregação.
sendo assim o principal teórico do autoritarismo
A premissa do contratualismo afirma que o homem é
político na modernidade.
naturalmente gregário e, por isso, a questão principal
Maquiavel estava interessado em discutir a abolição
é desenvolver mecanismos de aprimoramento da
da propriedade privada e a revolução social, sendo,
sociedade política, visto que a sua existência se
por isso, o precursor do comunismo na modernidade
confunde com a própria natureza humana.
e a fonte onde beberia Karl Marx.
A premissa do contratualismo afirma que o Estado diversificada, e que serviram de pano de fundo para o

Moderno é o resultado da vitória política da surgimento dos Estados Nacionais.

burguesia, que acumulou poder suficiente para

organizar uma estrutura de dominação, cujo objetivo Começar a contar a história da origem dos Estados

é a exploração do trabalho. Nacionais nos convida, segundo Guy Fourquin, a

A premissa do contratualismo afirma que os homens entender a dinâmica da prosperidade material vivida

estão naturalmente vocacionados à liberdade, sendo o pela Europa no século XI. O crescimento produtivo

Estado o artifício criado pela tirania divina com o aumentou a quantidade de alimentos disponíveis para

objetivo de impedir a plena realização da natureza o comércio, fazendo com que seus preços dos víveres

humana. alimentícios diminuíssem e a qualidade de vida

A premissa do contratualismo afirma que os seres aumentasse, resultando no crescimento demográfico

humanos são naturalmente gregários, logo o Estado é e, consequentemente, no crescimento das cidades e na

um “desde sempre” que não precisa ser intensificação da atividade comercial.

necessariamente explicado, mas apenas aprimorado.


E essa evolução também pode ser percebida nos

âmbitos artístico e intelectual.

Na vida cultural, observou-se notória expansão das

atividades artísticas e intelectuais, com a difusão de


ESTADO NACIONAL
universidades pelo continente. Tratava-se, portanto,

de um ciclo virtuoso experimentado em graus


O Estado Nacional, entendido como estrutura de
distintos em diversas regiões da Europa e que aponta
poder centralizada e capaz de exercer soberania
para um cenário de desenvolvimento econômico,
burocrática, política e militar sobre um território
prosperidade material e grandeza cultural, bem
delimitado por fronteiras, é resultado da história
diferente da imagem de uma Idade Média atrasada e
europeia ocidental entre os séculos XIV e XVII.
decadente, que muitas vezes modula o imaginário

Nesse período, entende-se por “Europa Ocidental”, histórico coletivo.

segundo o historiador inglês Perry Anderson (2004),

a aproximação de França e Inglaterra com a Península

Ibérica, formada por Portugal e Espanha. Crises

democráticas agudas, guerras civis religiosas, início

da laicização das mentalidades e dos costumes,

modernização das relações econômicas, urbanização.

São essas as experiências que aconteceram em uma

Europa Ocidental plural e extremamente


difíceis de se resolver. Bastaria que a nobreza

diminuísse seus gastos ou aumentasse os impostos

cobrados sobre seus dependentes. No entanto, a

racionalidade econômica feudal funciona a partir de

outras prioridades, como demonstra Witold

Kula (1974) no livro Teoria econômica do sistema

feudal.

Manu

scrito medieval mostrando uma reunião de doutores


Obrigações Feudais
na Universidade de Paris
O autor argumenta que a economia, entendida como o
Um dos resultados desse cenário, ainda seguindo os
conjunto de atividades sociais desenvolvidas com o
estudos de Fourquin, foi o aumento do custo de vida
objetivo de garantir a existência material das pessoas,
da aristocracia feudal, pois, com a Revolução
não pode ser pensada de forma separada dos valores
Comercial, para utilizarmos as palavras de Henri
culturais. A cultura feudal é fundada na ideia da
Pirenne (apud FOURQUIN, 1987), ficou mais caro
desigualdade natural, ou seja, na premissa de que as
manter os signos de distinção tão importantes para
pessoas nascem diferentes entre si, divididas em
alimentar o ethos aristocrático em sociedades pré-
inferiores e superiores, e assim ficarão até morrer.
modernas.
Isso não significa, entretanto, que essa mesma

E, com isso... tradição não reconheça os direitos adquiridos pelos

A consequência dessa situação foi o endividamento “de baixo”.

em massa da nobreza europeia, fenômeno detectado


O princípio da reciprocidade de direitos e deveres
por Fourquin (1987) a partir da análise de
entre fortes e fracos, diz Kula, também é basilar da
inventários post mortem. Ao estudar essas fontes, o
cosmovisão feudal.
autor detectou que os nobres europeus, em geral,

estavam morrendo endividados.


E o que significa esse princípio?

Temos aqui um impasse que, na racionalidade Se o menor deve obediência e impostos (em forma de

econômica moderna, capitalista, não seria dos mais serviços e produtos) ao seu senhor, o aristocrata
também tem suas obrigações, como proteger seus as outras e, dessa maneira, reunisse condições

dependentes e não cobrar taxas abusivas. O políticas, econômicas e militares para o

endividamento da aristocracia colocava, então, um restabelecimento das hierarquias feudais, ameaçadas

impasse ao sistema. pelas guerras camponesas.

Aconteceu, nesse momento, aquilo que Perry

Anderson, no livro Linhagens do Estado Absolutista,

Ou seja, se a nobreza não pode cortar gastos porque chama de Revolução Militar, que marcou o

precisa manter seu estilo de vida ostentatório, e os nascimento dos exércitos modernos, formados não

servos não aceitam impostos que consideram mais por servos que pagavam o “tributo de sangue”,

abusivos, o que fazer? Essa situação é o ponto de mas sim por soldados profissionais, remunerados e

partida para a famosa “crise do feudalismo”. A crise subordinados ao Estado centralizado, personificado

do feudalismo, portanto, foi o resultado da disfunção na pessoa do rei, o “primeiro entre iguais, o primus

do próprio sistema, pois suas causas foram inter pares”, como se costumava dizer na época.

endógenas, isto é, internas. A epidemia de Peste

Negra, que assolou a Europa durante o século XIV,

não foi a causa da crise, mas sim o seu agravante.

Pressionada e endividada, parte da nobreza começou

a quebrar os acordos consuetudinários (legitimados

pelos costumes), o que provocou uma revolta geral

junto ao campesinato, dando início ao que alguns

autores chamam de “anarquia feudal”. Em alguns

lugares da Europa Ocidental, os conflitos foram mais

intensos do que em outros, mas a realidade de colapso


A ideia de monarquia precede a de República, mas a
estrutural foi comum a todo o continente, de acordo
ideia de noção de identidade nacional remete
com as pesquisas desenvolvidas pelo historiador
diretamente às dinâmicas da construção da identidade
francês Georges Duby.
monárquica.

Diante da real possibilidade da destruição física e do


Exemplo
desaparecimento do estamento social, a aristocracia
No Brasil, a identidade monárquica é tão forte, que,
europeia aceitou fazer algo que, em condições
mesmo na tentativa de ruptura republicana, as cores e
normais, jamais aceitaria: abnegar de sua autonomia,
muitos dos símbolos foram mantidos.
inclusive militar, para permitir que uma família
Agora, uma casa aristocrática específica detinha o
aristocrática centralizasse o poder, dominando todas
poder sobre as outras e sobre o território. Surgiu,
assim, o Estado Nacional, impulsionado pela FORMAÇÃO DOS ESTADOS MODERNOS:

tentativa de salvar as hierarquias tradicionais da PORTUGAL

destruição, preservando o máximo possível a ordem

social feudal. Para isso, entretanto, foi necessário

mudar, e a nobreza perdeu suas antigas liberdades,

passando a estar subordinada ao rei.

Desse jeito foi possível impor ao campesinato a

“segunda servidão”, novamente utilizando as palavras

de Perry Anderson. Essa foi a contradição que

caracterizou a formação dos Estados Nacionais. Para

salvar a ordem feudal, o novo arranjo político deixou Portugal foi o primeiro caso de modernidade política

aquele que era um dos seus valores fundamentais: na Europa, no pleno sentido do termo, com sistema

a autarquia aristocrática. fiscal, exército e burocracia em dimensão

centralizada, supralocal. Tal como aconteceu no


Surgiu, junto com o Estado, um novo tipo de nobreza.
restante da Europa, o Estado surgiu em Portugal
Não mais aquela que vivia no campo, com hábitos
como um dos resultados de experiências de intensa
rústicos e no controle de seu exército particular. O
movimentação militar e guerra civil provocadas pelo
nobre deixou de ser o “senhor da guerra” para tornar-
cenário geral da crise feudal, que estudamos
se o cortesão, sedentarizado, desarmado, vivendo na
anteriormente.
corte, sob controle do trono.

Foi a chamada Revolução de Avis, iniciada em 1383

e terminada em 1385, que levou D. João (1385-1433),

chefe da casa de Avis, ao trono português, com o

título de D. João I. A partir de então, todos os

empreendimentos da sociedade portuguesa, inclusive

a expansão marítima e comercial a partir do final do

século XIV, seriam coordenados pela autoridade


Retrato do "Tratados de Münster", um dos caminhos
central do Estado. Comparado com o restante da
percorridos para a Paz de Vestfália, onde o conceito
Europa, Portugal tinha vantagem em termos de
de Estado-nação foi criado.
eficiência e rapidez, o que explica a dianteira que

tomou na geopolítica continental na época.


cristandade resumia-se a senhorios que se

encontravam ao norte da península. Um dos

principais senhorios era o Condado Portucalense,

onde vigorava a família de Borgonha (origem

francesa), sendo Afonso Henriques (1110-1185) o

principal líder. A princípio, o Condado Portucalense

estava subordinado ao Reino de Leão.


Batalha de Aljubarrota, de Jean de Wavrin.

Para entender como se deu a construção da Esse condado, juntamente com os outros senhores do

modernidade em Portugal, é importante, segundo norte, manifestou o desejo de ampliar seus domínios

Luiz Felipe Tomaz, estudar o processo de (autoridade e riqueza) por meio da expansão militar e

recristianização da Península Ibérica, pois, somente da guerra com os muçulmanos. Nesse momento, as

mais tarde — a partir do século XI —, o território foi cidades do Porto e de Viana eram extremamente

incorporado à cristandade. Desde a Idade Média, importantes para o contato comercial com Flandres,

argumenta Tomaz, Portugal contava com uma atual Bélgica e centro comercial da época. A aliança

estrutura política e militar relativamente centralizada. com essas cidades, que eram chefiadas por uma

Quem comandou a reconquista cristã (avanço da oligarquia mercantil, permitiu à coalizão cristã a

cristandade sobre os mouristas) foi a monarquia. aquisição de recursos para a formação de exércitos.

Nessas cidades tinha-se grande autonomia municipal,

pois as câmaras detinham forte poder em relação aos

senhores do norte. Essas câmaras eram governadas

pelos homens bons (elite local), que tinham interesse

em garantir sua autonomia, que estava sendo

contestada pelos senhores do norte.

Afonso Henriques surgiu nesse contexto para oferecer

proteção militar a fim de que essas cidades

mantivessem sua autonomia. Em troca, essas cidades


D. ofereceriam dinheiro a Afonso Henriques.
Afonso Henriques, fundador da nação e da dinastia

borgonhesa Por meio da aliança com as cidades, Afonso

Henriques acumulou dinheiro e, com os nobres,


Entre os séculos VII e XI, a Península Ibérica foi
otimizou a atividade militar. Tal fato conferiu notória
controlada pelos muçulmanos. Nesse momento, a
força militar ao Condado Portucalense, a ponto de
outras casas aristocráticas reconhecerem sua da política de alianças matrimoniais/diplomáticas

ascendência sobre elas. A partir do século XII, essas característica das sociedades monárquicas.

casas aristocráticas proclamaram a família dos

Bourbon como dinastia real. No século XIV, pressionados pela crise estrutural que

assolava as sociedades europeias e pela ocupação

Surge, assim, a monarquia feudal em Portugal, muçulmana, alguns reinos ibéricos decidiram unir-se

liderada por um grande senhor de terras, que se com o objetivo de centralizar esforços para a

sobrepõe aos demais. superação da crise e a reconquista cristã do território.

A expansão marítima e comercial portuguesa, Entre esses reinos, os maiores eram o de Castela e o

portanto, foi potencializada por uma monarquia com de Aragão, que se uniram por meio do casamento de

longo histórico de centralização administrativa, que Isabel I e Fernando II, em 1649.

gerenciou a nobreza com ethos militar e que

efetivamente se lançou aos mares.

FORMAÇÃO DOS ESTADOS MODERNOS:

ESPANHA

Locali

zação de Castela

O caso do Estado Nacional espanhol remete à

principal experiência imperialista dos primeiros anos


Isabel I
da modernidade, visto o poder que a Espanha exerceu

sobre grande parte do continente americano e sobre o

extenso território na própria Europa. Mais do que

qualquer outro país europeu, a Espanha beneficiou-se


Fernando II FORMAÇÃO DOS ESTADOS MODERNOS:

FRANCESES X INGLESES
Perry Anderson mostra como, durante a escassez de

mão de obra provocada pela crise geral do


Na França, o Estado Nacional formou-se na transição
feudalismo, Castela mostrou-se sede de uma lucrativa
do século XIV para o século XV, a partir da
economia lanífera. Enquanto isso, Aragão, que já era
sobreposição de duas situações de crise: a crise
potência territorial e comercial com capacidade de
estrutural do feudalismo e a famosa Guerra dos Cem
controlar territórios mediterrânicos, como a Sicília e a
Anos (1339-1453) contra a Inglaterra. Em
Sardenha, garantia o fluxo comercial para abastecer o
desvantagem na guerra e pressionada pela crise das
Estado espanhol.
hierarquias feudais, a nobreza francesa permitiu que o

rei Carlos VII concentrasse em si a talha, que era o


O dinamismo político e militar do novo Estado
imposto de sangue que o campesinato pagava à
logo se revelaria dramaticamente em uma vasta
aristocracia em forma de serviços militares
série de conquistas externas.
esporádicos. Nasceu assim a “talha real”, que
Granada, o último reduto mouro, foi destruída,
direcionou à dinastia a prerrogativa de apropriar-se
completando a reconquista.
do serviço militar dos camponeses.
Nápoles foi anexada.

Navarra, absorvida.

E, acima de tudo, as Américas foram descobertas e

subjugadas.

O Império espanhol chegou ao apogeu, em 1519, com

Carlos I (1550-1558), que foi também o Carlos V do

Sacro Império Romano-Germânico. Devido a uma

complexa teia de relações dinásticas, Carlos, ao


Soldados
mesmo tempo um Bourbon e um Habsburgo, acabou
ingleses que desembarcaram na Normandia, c. 1380–
herdando aqueles que na época eram os maiores
1400, durante a Guerra dos Cem Anos
impérios do mundo: o espanhol, voltado ao Atlântico,

e o Habsburgo, continental, voltado ao centro da Temos aqui, também segundo Perry Anderson, o

Europa. Surgiu assim, comandado a partir de Madri, evento que fundou o exército moderno, ao centralizar

o maior império da era moderna. no rei o direito exclusivo de convocar e coordenar a

força militar. A nobreza foi, então, desarmada,

sedentarizada, em um ato voluntário, consentido, por

uma questão de sobrevivência. Como se diz


popularmente: “entregou os anéis para não perder os

dedos”.

Já na Inglaterra...

A formação do Estado Nacional deu-se de maneira

distinta quando comparada à situação dos países

continentais (Portugal, Espanha e França). Para

entender essas particularidades, precisamos conhecer

a situação de quase colapso na qual se encontrava a

Inglaterra na segunda metade do século XV.

Após perder a guerra para os franceses, a Inglaterra, Gu

que tinha tradição de descentralização político- erra das Duas Rosas

administrativa, foi dividida por uma guerra civil


Henrique VII (1457-1509) foi o primeiro rei da
travada entre duas de suas principais casas
dinastia Tudor, diante da fragilidade das outras casas
aristocráticas.
aristocráticas, sempre rivais potenciais da dinastia. O

projeto de centralização político-administrativa


Foi a chamada Guerra das Duas Rosas (1450-1485),
liderado por Henrique VII, na avaliação do
envolvendo os York e os Lancaster. A guerra foi tão
historiador Perry Anderson, teve três movimentos:
longa e sangrenta que praticamente extinguiu as duas

casas, abrindo um vazio de poder que foi ocupado por


PRIMEIRO MOVIMENTO
outra dinastia, a dos Tudor.
Desarmar a nobreza, fragilizando-a ainda mais e

concentrando, na autoridade central, o poder de

convocar e formar exércitos.

SEGUNDO MOVIMENTO

Mais complexo, consistiu no esvaziamento político

da nobreza.

TERCEIRO MOVIMENTO

Como consequência direta, foi o rompimento com a

tradição que orientava o monarca a delegar cargos

para a aristocracia, nomeando em seu lugar novas

famílias emergentes e enriquecidas em virtude do

comércio de lã.
Assim, a monarquia feudal menos centralizada da antes de ser o território e seu aparato de poder

Europa Ocidental fortaleceu sua autoridade central institucional, é uma “comunidade imaginada”, nas

em virtude do profundo esgotamento da aristocracia, palavras do historiador norte-americano Benedict

e não por causa dos esforços do grupo em sobreviver Anderson (2008).

à crise estrutural do feudalismo, como aconteceu no

continente.

O Mural nacionalista irlandês, em Belfast, mostrando


irrestrito amor à nação como elemento formador de solidariedade com o nacionalismo basco.
uma nova visão política
A nação é um tipo de comunidade imaginada
O processo de construção do Estado Nacional, no socialmente, construída de modo a fazer as pessoas
entanto, não envolve apenas centralização política, pensarem sobre si próprias como parte de um grupo.
administrativa e militar, mas também representações A invenção da nação é de interesse direto do Estado,
simbólicas que sejam capazes de construir vínculos pois não há poder que consiga se sustentar apenas
identitários entre as pessoas. pela repressão, sem contar com nenhum

consentimento.
Resumindo

Trata-se de convencer todos os que nasceram no A afetividade e a identidade fomentadas pela


território controlado por determinado Estado de que simbologia identitária, nesse sentido, são
fazem parte de uma comunidade, de que existem fundamentais para a própria efetividade do poder
vínculos afetivos que os irmanam. público. Por isso, e essa foi uma das principais
Para isso, foi fundamental o “nacionalismo”, um caraterísticas da história política do século XIX, o
ambiente político-cultural que teve seu lugar na Estado investe tanto na “invenção de tradições”,
Europa e nas Américas durante o século XIX. como dizem os historiadores ingleses Eric
Os diversos nacionalismos mobilizaram os estudos Hobsbawm (1917-2012) e Terence Ranger (1929-
históricos, geográficos, e os rituais da cultura popular 2015).
com o objetivo de inventar ritos e tradições capazes

de fomentar sensações de pertencimento à nação que,


Por “tradição inventada” entende-se um conjunto de campesinato. Nasceu, assim, o Estado Nacional

práticas, normalmente reguladas por regras tácita ou Moderno centralizado.

abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual As guerras camponesas (a anarquia feudal) levaram

ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas ao estabelecimento de uma aliança entre as frações da

de comportamento através da repetição, o que burguesia comercial, que favoreceram o

implica, automaticamente, uma continuidade em fortalecimento de uma delas para centralizar os

relação ao passado. Aliás, sempre que possível, tenta- esforços de repressão ao campesinato. Nasceu, assim,

se estabelecer continuidade com um passado histórico o Estado Nacional Moderno centralizado.

apropriado. As guerras camponesas (a anarquia feudal) levaram

ao estabelecimento de uma aliança entre a Igreja


(HOBSBAWM; RANGER, 2004)
Católica e as frações da burguesia comercial, que

VERIFICANDO O APRENDIZADO favoreceram o fortalecimento de uma delas para

centralizar os esforços de repressão ao campesinato.

Nasceu, assim, o Estado Nacional Moderno

centralizado.

As guerras camponesas (a anarquia feudal) levaram


1. A anarquia feudal, característica da crise do
ao estabelecimento de uma aliança entre a Igreja
feudalismo, foi o ponto de partida para a
Católica e as famílias aristocráticas, que favoreceram
formação dos Estados Nacionais na Europa
o fortalecimento de uma delas para centralizar os
Ocidental. Assinale entre as opções a seguir aquela
esforços de repressão ao campesinato. Nasceu, assim,
que justifica corretamente essa afirmação.
o Estado Nacional Moderno centralizado.

As guerras camponesas (a anarquia feudal) levaram

ao estabelecimento de uma aliança entre o

campesinato e a aristocracia, que juntos derrotaram a 2. Portugal foi o primeiro caso de modernidade

burguesia e mantiveram a estrutura político- política na Europa. Assinale entre as opções a

administrativa descentralizada. Nasceu, assim, o seguir aquela que melhor explica por quê.

Estado Nacional Moderno.

As guerras camponesas (a anarquia feudal) levaram

ao estabelecimento de uma aliança entre as famílias Portugal foi o primeiro caso de modernidade política

aristocráticas, que favoreceram o fortalecimento de na Europa porque já vinha desenvolvendo relações

uma delas para centralizar os esforços de repressão ao comerciais no campo desde o século XI, o que

potencializou a formação de um Estado burguês.


Portugal foi o primeiro caso de modernidade política Estudaremos aqui o ciclo de rebeliões sociais e

na Europa porque precisou formar um exército políticas que aconteceu na Europa e nas Américas

nacional e centralizado pra lutar contra a França no nesse período. Foram experiências tão

conflito que ficou conhecido como Guerra dos Cem transformadoras que chegaram a modificar o

Anos. vocabulário político, como demonstra a filósofa

Portugal foi o primeiro caso de modernidade política alemã Hannah Arendt (1998), que identificou aquela

na Europa porque já contava com situação de relativa que teria sido a principal transformação político-

centralização militar e administrativa desde a Idade semântica trazida pela modernidade: a mudança no

Média, quando a aristocracia cristã formou uma sentido do conceito “revolução”.

coalizão pra reconquistar o território ibérico, então

ocupado pelos muçulmanos. Se antes “revolução” era uma palavra associada ao

Portugal foi o primeiro caso de modernidade política movimento circular dos corpos celestes, agora passa a

na Europa porque a expansão marítima comercial ser um sinônimo de ruptura social e política drástica,

forneceu recursos para a burguesia portuguesa, que se que transforma para melhor as sociedades, que

articulou politicamente e fundou o primeiro Estado acelera a marcha da história rumo ao futuro, como,

capitalista do mundo. por exemplo:

Portugal foi o primeiro caso de modernidade política


Revolução Inglesa
na Europa porque a guerra com a Espanha fortaleceu

a nobreza, que derrotou a burguesia incipiente, A independência dos Estados Unidos

fundando assim o primeiro Estado aristocrático do


Revolução Francesa
mundo.

Foi assim que se construiu uma memória positiva


ESTADO NACIONAL: REAFIRMAÇÃO E desse conjunto de rebeliões sociais e políticas que
REVOLUÇÕES aprendemos a chamar de “Revoluções Burguesas”.

O período compreendido entre os séculos XVII e

XIX foi, ao mesmo tempo, o momento de


INGLATERRA
consolidação e crise dos Estados Nacionais. Foi nessa

época que o modelo de Estado centralizado, originado


Ainda no século XVII, a Inglaterra foi desestabilizada
na Europa Ocidental no século XIV, se espalhou pelo
por um conjunto de revoltas sociais que acabaram por
mundo, mas foi também quando a sociedade civil
instituir aquele que se tornaria um dos valores mais
questionou e confrontou a autoridade centralizada.
sagrados das democracias liberais modernas:

o Constitucionalismo, que, como vimos no módulo


1, está fundado na premissa de que o poder do Estado pioneiramente passou a subordinar o espaço rural às

deve ser limitado pela lei. demandas comerciais e industriais urbanas.

Saiba mais

A Revolução Inglesa foi bastante estudada na

bibliografia especializada, que apresenta diferentes,

e por vezes conflitantes, interpretações do evento.

Certamente, as duas principais referências para o

assunto são os livros O mundo de ponta cabeça:

ideias radicais durante a Revolução Inglesa de 1640,

de Christopher Hill, publicado em 1987, e o livro As


Guerra Civil Inglesa durante a Revolução Inglesa
causas da Revolução Inglesa, de Lawrence Stone,
O campo inglês especializou-se em criar ovelhas para
publicado em 1988.
servirem como fonte de matéria-prima para a
Enquanto Christopher Hill, em perspectiva marxista, incipiente indústria têxtil. Esse foi o “cercamento dos
afirma que a Revolução Inglesa foi o evento de campos”, enclosures, aquilo que Karl Marx (1818-
inauguração da fase moderna da luta de classes, ao 1883) chamou de “acumulação primitiva do capital”.
decretar a primeira grande vitória da burguesia sobre

a aristocracia; Stone argumenta que o processo de Entretanto, essa burguesia ascendente estava sub-

aburguesamento da Inglaterra se deu pela representada na estrutura da monarquia aristocrata

modernização da própria nobreza rural, a gentry. inglesa. Podemos dizer que essa situação de sub-

representação foi um dos principais focos de tensão


Seja como for, apesar das diferenças, ambos os que implodiram o sistema político inglês. No
autores interpretam as revoluções inglesas do século processo, o rei Carlos I foi morto, em janeiro de
XVII como o momento de fundação da ordem 1649, no primeiro regicídio, ou seja, assassinato do
capitalista, que passaria a estruturar a vida social e rei, moderno da história.
política no mundo ocidental.

Você sabia
A Revolução Inglesa (1640-1688) foi um processo Regicídios são normais nas monarquias, pois é
plural, cheio de idas e vindas e atravessado por comum que o trono seja objeto de desejo e alvo de
diversas guerras civis. Desde o século XVI, a conspirações, quase sempre envolvendo grupos
burguesia inglesa (famílias ricas, mas sem signos aristocráticos próximos ao monarca.
aristocráticos de distinção) era um grupo influente No caso da morte de Carlos I, o regicídio não foi
devido ao processo de cercamento dos campos, que conspiratório, mas sim realizado em execução
pública, em nome da “autoridade do povo”. O povo, Comentário

então, empoderou-se a ponto de condenar o rei à A formação dos Estados Unidos nunca contou com

morte, o mesmo monarca que até então era visto uma organização única, tendo cada uma das colônias

como o portador de um direito divino. estruturas singulares. Sua unidade nunca feriu esse

princípio, não à toa foi ali que se consolidou o


Depois da execução de Carlos I, a Inglaterra viu, modelo de federalismo.
ainda, a formação de uma ditadura comandada por

um líder militar chamado Oliver Cromwell (1599-


Diferentemente das revoluções inglesas do século
1658). A monarquia foi restaurada com a dinastia dos
XVII, a Revolução Americana não questionou a
Stuart, e uma nova guerra civil, a Revolução
monarquia ou a autoridade do rei, mas sim o
Gloriosa, em 1688, instituiu a primeira monarquia
parlamento, acusado de violar direitos coloniais
constitucional da história.
adquiridos. Até o fim do processo, as elites coloniais

Agora, a verdadeira soberania não pertencia ao rei, insurgentes pediram a proteção do rei contra a

mas sim à lei, entendida como a manifestação da espoliação feita pelo parlamento britânico. Por isso,

vontade do “povo”. como afirma John Pocock, a independência dos EUA

É a máxima que diz que “o rei reina, mas não deve ser inserida no contexto mais amplo das

governa”. transformações das instituições britânicas que vinham

Em todo esse período, o trono esteve em conflito com se processando desde o século XVII.

o parlamento, disputando a quem caberia o controle


E como os conflitos começaram?
político da monarquia. O parlamento venceu. O

parlamentarismo sobrepôs-se ao absolutismo.

INDEPENDÊNCIA DOS ESTADOS UNIDOS

Na segunda metade do século XVIII, o mundo inglês

protagonizaria outro evento que seria reconhecido


Guerra dos Sete Anos
como um dos momentos de fundação da cultura
Os conflitos entre as colônias e o parlamento
democrática moderna. Foi a independência das treze
começaram na década de 1760, logo após o fim da
colônias inglesas, ou a Revolução Americana, que
Guerra dos Sete Anos (1756-1763).
trouxe ao mundo a novidade de um país independente

na América.
Brasão de O primeiro

Armas (Parlamento britânico) congresso continental, 1774.

Tendo saído da guerra com as contas desequilibradas, Em 1774, as lideranças coloniais organizaram o I

o parlamento britânico, que, como sabemos, Congresso da Filadélfia, quando redigiram um

governava o Império desde a Revolução Gloriosa manifesto pedindo proteção e apresentando suas

(1688), apertou o rigor em suas relações mercantis reclamações ao rei George III.

com as colônias.

A Inglaterra era o parceiro governante e as raízes do

parlamento estavam na sociedade inglesa comercial e

de proprietários de terra. Era isso o que “tornaria a

conciliação com as colônias, em última instância,

impossível” (POCOCK, 2003).

Caricatura
Diante da recusa do parlamento inglês em atender às
britânica representando as leis como uma violação de
reivindicações das colônias, os representantes
Boston
coloniais reuniram-se novamente em 1776,
Entre 1764 e 1774, o parlamento criou dura
quando Thomas Jefferson (1743-1826) redigiu a
legislação que pressionou os interesses econômicos
Declaração de Independência dos EUA. Começou,
coloniais.
então, um ciclo de conflitos que se arrastaria até

1783, mostrando ao mundo o caso inédito de colônias

que confrontaram a autoridade de sua metrópole e

venceram.

Para Bernard Bailyn (2003), o que alimentou a

insatisfação das colônias foi a convicção de que seus

direitos tradicionais estavam sendo atacados, de que


suas liberdades adquiridas corriam risco. O algoz não Entre 1789 e 1791, o projeto vitorioso foi o

era a monarquia centralizada. Era o parlamento. girondino, marcado pelo objetivo de transformar a

monarquia absolutista comandada pelos Bourbons em


No fim, cheguei à conclusão de que o medo de uma uma monarquia constitucional, à moda inglesa. A
conspiração ampla contra a liberdade no mundo de propriedade privada foi defendida e a desigualdade
língua inglesa – uma conspiração que se acreditava social não foi pautada como problema estrutural da
ter sido alimentada na corrupção e sobre a qual se sociedade francesa.
sentia que a opressão na América do Norte era apenas

a parte mais imediatamente visível – estava no Foi um momento de compromisso entre a burguesia e

coração do movimento revolucionário. os setores mais progressistas da aristocracia e da

Igreja. O objetivo do pacto era abolir a feudalidade,


(BAILYN, 2003)
ampliar o acesso aos direitos políticos, numa

Sem dúvida alguma, as revoltas sociais que revolução pacífica que não almejava questionar a

desestabilizaram o mundo francês durante as décadas propriedade privada e a ampliação de direitos sociais.

de 1780 e 1790, e que posteriormente ficariam (SOBOUL, 1995)


conhecidas como Revolução Francesa, tornaram-se o

evento simbolicamente mais importante da cultura REVOLUÇÃO FRANCESA

política moderna. Já tendo sido objeto de diversos

estudos especializados, a Revolução Francesa precisa A partir de 1792 até 1795, começaria o momento de

ser pensada como um processo complexo, cheio de maior radicalidade do conflito, quando a própria

idas e vindas e não restrito apenas ao território estrutura da sociedade francesa foi posta em questão

europeu francês, visto que se manifestou também em pelo projeto jacobino, comandado pela aliança entre

terras coloniais, como na ilha caribenha de Santo operariados urbanos e a pequena burguesia liderada

Domingo, palco da mais radical e violenta revolução por Maximilien François Marie Isidore de

social dos primeiros anos da modernidade. Robespierre (1758-1794). Esses grupos situavam-se

mais à esquerda do espectro político francês e

Nos diversos momentos dos conflitos, em alguns de demandavam mais do que apenas o fim da monarquia

forma mais aguda, em outros de maneira mais pálida, absolutista e o fim da feudalidade. Desejavam

a “tirania” do Estado monárquico foi questionada questionar a estrutura fundiária, a divisão de terras, a

pela sociedade. O historiador francês Albert Soboul miséria dos trabalhadores urbanos.

(1914-1982) divide o processo revolucionário em três

momentos, cada qual apresentando níveis diferentes Mas, politicamente, quem eram os jacobinos?

de radicalismo disruptivo e projetos distintos para a Politicamente, os jacobinos eram republicanos e não

organização político-institucional do Império francês. estavam dispostos a negociar com a estrutura


monárquica. O resultado foi o acirramento dos capitalismo monárquico liberal, tal como era o

conflitos sociais e a militarização efetiva da crise objetivo na fase jacobina do processo.

francesa, dando início àquilo que já na época ficou Em Santo Domingo, a reação colocou a emancipação

conhecido como “terror”, quando o tribunal política na agenda dos revolucionários, agora

revolucionário executou milhares de pessoas, comandados J. J. Dessalines (1758-1806), outra

incluindo o rei Luís XVI e o próprio Robespierre. importante liderança militar negra. Os conflitos foram

sangrentos e a minoria branca foi quase


Os efeitos da guerra revolucionária atravessaram o completamente exterminada naquela que foi a
oceano Atlântico, chegando à ilha de Santo Domingo, primeira revolução moderna a trazer a discussão
colônia francesa na América. Santo Domingo era uma racial para o centro da pauta dos conflitos.
sociedade escravocrata, em que a minoria branca

comandava uma economia agroexportadora, movida Em 1º de janeiro de 1804 foi proclamada a

pelo trabalho escravo da maioria negra. independência da República do Haiti, que se tornou o

segundo país independente das Américas, logo depois


Nos anos da Revolução Pacífica girondina, como dos EUA. Na França, a monarquia foi restaurada, a
explica Eugene Genovese, a elite colonial manifestou propriedade privada respeitada e as demandas
o desejo de ser representada na Assembleia dos jacobinas por direitos sociais sufocadas. Napoleão
Estados Gerais e gozar da ampliação dos direitos Bonaparte (1769-1821) tornou-se a principal
políticos. Porém, com a radicalização jacobina, a liderança política do Império francês.
escravidão foi abolida em todo o império colonial

francês. Os questionamentos ao Estado Moderno

continuariam no século XIX, novamente nas duas


Nesse momento, as forças revolucionárias eram margens do Atlântico: dezenas de processos
lideradas pelo comandante e governador de Santo emancipacionistas decretaram o fim da dominação
Domingo Toussaint Bréda (1743-1803), e o objetivo colonial europeia nas Américas, novas revoluções
era defender a Revolução, o que significava defender sociais desestabilizaram a França, em 1830, 1848 e
a abolição da escravidão, tanto dos ataques 1871, apresentando amplo leque de projetos políticos,
restauradores internos como dos externos. indo do liberalismo burguês ao comunismo.

O termo “revolucionário” provocou a formação de Se, entre os séculos XIV e XVI, a Europa construiu o
um amplo arco de forças, que passou a ter o objetivo Estado Moderno, com sua estrutura política,
de derrotar a agenda social e republicana dos administrativa e militar centralizada e com seu
jacobinos. Nobreza, clero, potências internacionais e espírito aristocrático, os séculos XVIII e XIX
alta burguesia juntaram-se para atacar a Revolução questionaram tanto a centralização como a dimensão
Jacobina e retroceder o processo ao estágio do
feudal dos Estados Nacionais, dando origem a uma Diferentemente das revoluções inglesas do século

série de disputas ideológicas que marcariam a história XVII, que questionaram a autoridade do parlamento,

humana no século XX. a Revolução Americana questionou o poder do rei,

considerado responsável pelo endurecimento das


VERIFICANDO O APRENDIZADO relações coloniais a partir da década de 1760.

Diferentemente das revoluções inglesas do século

XVII, que questionaram a autoridade do rei, a

Revolução Americana questionou o poder da Igreja,

considerada responsável pelo endurecimento das


1. A Revolução Americana guarda algumas
relações coloniais a partir da década de 1760.
particularidades quando comparada com as

revoluções inglesas do século XVII. Assinale entre

as alternativas a seguir aquela que melhor

apresenta essas particularidades.

2. A Revolução Francesa foi um processo histórico

complexo, heterogêneo e cheio de idas e vindas,


Diferentemente das revoluções inglesas do século
que no final do século XVIII desestabilizou o
XVII, que questionaram o poder político da
mundo francês. Assinale entre as alternativas a
burguesia, a Revolução Americana questionou o
seguir aquela que melhor define a Revolução
poder político da Igreja, considerada responsável pelo
Francesa.
endurecimento das relações coloniais a partir da

década de 1760.

Diferentemente das revoluções inglesas do século A Revolução Francesa não ficou restrita apenas ao
XVII, que questionaram o poder político da Igreja, a território europeu, chegando também à América, e a
Revolução Americana questionou o poder político da partir disso surgiu o segundo país independente das
burguesia, considerada responsável pelo Américas: a República do Haiti, fundada em janeiro
endurecimento das relações coloniais a partir da de 1804.
década de 1760. A Revolução Francesa ficou restrita ao território
Diferentemente das revoluções inglesas do século europeu francês, chegando às Américas apenas no
XVII, que questionaram a autoridade do rei, a plano das ideias políticas, levando o continente a
Revolução Americana questionou o poder do restaurar as relações coloniais, abolidas desde a
parlamento, considerado responsável pelo independência dos EUA, na década de 1770.
endurecimento das relações coloniais a partir da A Revolução Francesa não ficou restrita apenas ao
década de 1760. território europeu, chegando também à América, e a
partir disso surgiu o segundo país independente das

Américas, os EUA, fundado em janeiro de 1804.

A Revolução Francesa não ficou restrita apenas ao

território europeu, chegando também à América, e a

partir disso surgiu o primeiro país independente das

Américas, os EUA, fundado em janeiro de 1804.

A Revolução Francesa ficou restrita ao território

europeu francês, chegando às Américas apenas no

plano das ideias políticas, levando o continente a

adotar o comunismo, tal como havia sido pregado em

Paris, na década de 1780.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como aprendemos, estudar a história dos Estados

Nacionais nos convida e entender a heterogeneidade

dos processos históricos que, em diversos lugares da

Europa, levaram à formação de estruturas políticas

centralizadas, cujo objetivo foi salvar o feudalismo da

experiência de crise que começou no século XIV.

O tempo passou e, nos séculos XVIII e XIX, os

Estados Nacionais tornaram-se alvo de contestações

das sociedades civis europeias, em um momento de

urbanização e industrialização do Velho Mundo.

Vários projetos políticos foram formulados nesse

momento: liberalismo, anarquismo, comunismo, que

seriam aprofundados no século XX e, de alguma

maneira, estão presentes até hoje nos conflitos

políticos do nosso tempo.

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