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INTRODUÇÃO
O estudo da Ciência Política permite ao operador do Direito entender os princípios norteadores
das diversas correntes políticas que deram origem – em última análise aos Estados, na forma
como os conhecemos na atualidade.
O Direito vem regular a vida em sociedade, dentro desses Estados. Por isso, saber como o
pensamento político evoluiu, desde os primórdios, pode ensejar uma melhor reflexão sobre
conceitos e as principais características dos diversos tipos de regimes e partidos políticos ao
longo do mundo.
De acordo com os tópicos selecionados, deu-se ênfase em torno da formação dos pensadores
clássicos que ensejaram a criação dos chamados “estados modernos”. Longe de menosprezar os
conceitos da era de ouro da Grécia antiga com as primeiras manifestações políticas em
sociedade, mas o que se pretende aqui, longe de ilações aprofundadas sobre gregos e romanos,
é promover a reflexão e discussão sobre alguns dos pensadores que contribuíram para a
formação do pensamento político contemporâneo, bem como as ideologias que se sobressaíram
nesse processo evolutivo histórico.
A obra deixada por esses pensadores, são o ponto chave para o entendimento dos modelos
liberais e neoliberais, bem como da decadência do modelo atual de Estado, no qual tanto
sistemas socialistas/comunistas, quanto o modelo capitalista, apresentam falhas estruturais de
promoção de bem estar a toda uma sociedade organizada. Prova disso, são os bolsões de
pobreza e exclusão social que permeiam desde sociedades mais à esquerda quanto à direita do
ponto central do pensamento político.
Inicia-se a pesquisa com o florescer do período renascentista, quando se tenta resgatar alguns
ideias dos da Grécia Antiga, principalmente por desvencilhar-se da mistura até então
predominante entre Estado e Religião, fruto de séculos de idade média.
Do renascimento, evolui-se para a chamada idade moderna na qual, fica mais evidente a
necessidade de divisão de poderes dentro da cúpula de um Estado. Salientam os pensadores
dessa época uma busca para a liberdade do indivíduo e o estabelecimento de garantias contra a
interferência excessiva do Estado na vida das pessoas.
Nesse período, tem-se as primeiras manifestações do chamado constitucionalismo moderno. O
povo, principalmente carreado pela ascensão econômica da burguesia, começa a exigir essas
garantias de liberdade e, ao mesmo tempo, se opõe à manutenção dos privilégios existentes
para pequena parcela da população – notadamente nobreza e clero.
Pregou-se que a força motriz de um Estado era o próprio povo, portanto, era o povo o detentor
legítimo do poder. O exercício da administração da sociedade nas mãos de alguns era – em
última análise – uma delegação desse poder do povo para os governantes. Daí, provém a
importância de conhecer as principais características de tais pensadores.
1 MAQUIAVEL EM O PRÍNCIPE
Quem nunca ouviu o termo “maquiavélico” como adjetivo pejorativo a alguém ou uma situação
em particular. Infelizmente isso é tudo que conhecem sobre Nicolau Maquiavel. O imaginário
popular, prescinde de maiores explicações embasadas. A fatídica expressão sobreviveu por
séculos, desgarrando-se das fontes ensejadoras de tal verbete.
É preciso conhecer este que foi um importante pensador para a organização das ideias em torno
da política de seu tempo, e certamente teve influência na formação dos Estados na forma como
a conhecemos na contemporaneidade. Aliás todos os pensadores abordados na presente
pesquisa tem suas nuances entrelaçadas – de uma forma ou de outra – para a constituição do
pensamento político dos chamados estados modernos.
Weffort (2001, p.15) apresenta como maestria a história de vida desse cidadão florentino que
viveu entre os séculos XV e XVI. Necessário salientar, que nesse período a península itálica era
um emaranhado de mini nações, dentre as quais Florença – berço de Maquiavel – era uma delas.
Maquiavel teve curta passagem em cargos públicos no governo florentino, em um período
complicado, de grande instabilidade política, no qual o poder passava de mão em mão em
espaços de tempo relativamente curtos. Nessa Troca de governantes, o referido escritor acaba
demitido e exilado em seu próprio país, proibido de ocupar qualquer cargo público, inclusive
com uma estadia na prisão (WEFFORT, 2001, p. 16).
Já em liberdade, retorna à propriedade herdada de seus pais, e vive modestamente longe do
glamour da vida pública. Nesse período recluso, ele passa a examinar os pensadores clássicos, e
redige suas obras, dentre as quais cabe destacar a mais importante, que marcou seu nome na
história do pensamento político: O príncipe (WEFFORT, 2001, p 16).
Nessa obra, Maquiavel deixa de lado as tradicionais escritas idealistas. Não queria escrever sobre
como as coisas deveriam ser. Ele lia os clássicos e comparava com a realidade concreta de seu
tempo. Desta forma sua obra, embora criticada por muitos (tanto que o seu nome ficou grafado
para sempre como sinônimo pejorativo), fato é que ele escreveu sobre a realidade da política, a
vida tal como ela é (WEFFORT, 2001, p 16).
Nesse período do chamado renascimento, o centro de tudo deixa de ser a igreja. Há de salientar
neste ponto, que nesse período ocorreram as reformas e revoltas protestantes. Mas Maquiavel
estava preocupado com a verdade efetiva das coisas.
Weffort (2001, p. 18) salienta que
Ao formular e buscar resolver esta questão, Maquiavel provoca uma ruptura com o saber repetido
pelos séculos. Trata-se de uma indagação radical e de uma nova articulação sobre o pensar e fazer
política, que põe fim à ideia de uma ordem natural e eterna. A ordem, produto necessário da
política, não é natural, nem a materialização de uma vontade extraterrena, e tampouco resulta do
jogo de dados do acaso. Ao contrário, a ordem tem um imperativo: deve ser construída pelos
homens para se evitar o caos e a barbárie, e, uma vez alcançada, ela não será definitiva, pois há
sempre, em germe, o seu trabalho em negativo, isto é, a ameaça de que seja desfeita.
Essa busca pela verdade real das coisas, leva a uma busca que não tem fim. Pelo exposto,
compreende-se que sempre haverá novas formas de interpretação das coisas da vida no
espectro político. Isso se revela importante lição até para os dias atuais. Muito embora em
tempos atuais, a sociedade seja completamente diferente, o que se percebe é que o
comportamento humano ostenta características imutáveis ao longo do tempo.
Nesse sentido, em O príncipe, Maquiavel estuda a natureza humana ao longo da história. Revela
que os comportamentos dissimulados, covardes e ambiciosos sempre existiram e sempre
existirão. As paixões humanas são verdadeiros instintos ruins, e estudar o passado, por meio dos
autores clássicos era uma forma de conhecer o modo operacional mediano do comportamento
humano, e assim, seria possível prever os acontecimentos que se sucederiam no futuro e,
portanto, seria possível prever formas de remediar tais males, já que, a história é cíclica na
humanidade (WEFFORT, 2001, p. 20).
O escritor florentino salienta que para conter as paixões humanas - a depender do grau
evolutivo de uma sociedade – era inevitável conhecer 3 possibilidades distintas de organização
do Estado: anarquia, principado, e república.
Para Weffort (2001, p. 20)
Maquiavel sugere que há basicamente duas respostas à anarquia decorrente da natureza humana
e do confronto entre os grupos sociais: O principado e a República. A escolha de uma ou de outra
forma institucional não depende de mero ato de vontade ou de considerações abstratas e idealistas
sobre o regime, mas da situação concreta. Assim, quando a nação encontra-se ameaçada de
deterioração […], o Príncipe não é um ditador; é, mais propriamente, um fundador do Estado, […]
Quando, ao contrário, a sociedade já encontrou formas de equilíbrio, o poder político cumpriu sua
função regeneradora e “educadora”, ela está preparada para a República. Neste regime […], as
instituições são estáveis e contemplam 8 a dinâmica das relações sociais. Os conflitos são fonte de
vigor, sinal de uma cidadania ativa, e portanto são desejáveis (grifo do autor).
Entende-se, diante da explanação acima, que a justificativa de um Estado forte, muitas vezes
autoritário, era plausível diante de situações de instabilidade social, como realmente ocorria na
península itálica, nos tempos da República de Florença.
Por fim, Maquiavel ainda ressalta a dicotomia entre “virtù” e “fortuna”. Para ele, a “virtù” seria a
chave do sucesso para o príncipe. Mais do que riqueza, o caminho do homem deveria
enveredar-se pela bravura e coragem.
Weffort (2001, p. 23) arremata que
É desta perspectiva que ganha um novo sentido a discussão sobre as qualidades do príncipe. Este
deveria ser bom, honesto, liberal, cumpridor de suas promessas, conforme rezam os mandamentos
da virtude cristã? Maquiavel é incisivo: há vícios que são virtudes. Não tema pois o príncipe que
deseje se manter no poder “incorrer no opróbrio dos defeitos mencionados, se for indispensável
para salvar o Estado”. (O príncipe, cap. XV). Os ditames da moralidade convencional podem
significar sua ruína.
E justamente nesse ponto salientado pelo doutrinador, que percebe-se o sentido da frase
célebre de Maquiavel, que encerra a abordagem do pensamento político deste florentino, ao
mostrar que ao príncipe é desejável que use todos os meios para salvaguardar os interesses do
Estado e, por reflexo, de seu povo. Em última análise encerra-se em uma única oração que
perpetuou-se na história do pensamento político clássico: “Os fins justificam os meios”.
2 HOBBES EM O LEVIATÃ
O ponto central para entender a obra de Thomas Hobbes, é o conceito de estado de natureza. É
preciso compreender que a natureza animal do homem, é incompatível com a vida civilizada que
pretende-se na convivência em sociedade.
Mas é preciso entender a sistemática do pensamento de Hobbes não como o homem em estado
de natureza sendo um homem das cavernas, um primata irracional. Pelo contrário, a visão que o
pensador concebia era o de homens vivendo ao próprio arbítrio em toda a extensão de seus
afazeres. Sem um mecanismo de controle.
Nesse sentido, segundo Weffort (2001, p. 55), Hobbes afirmava que o homem médio, não sabe
ao certo como o seu vizinho vai agir nas coisas cotidianas da vida. Dessa forma espera-se ou
supõe-se que agirá desta ou daquela maneira. Esse grau de incerteza, quando em níveis
elevados podem ocasionar ataques preventivos. Ataca-se o semelhante, antes que seja atacado.
E ele sintetiza bem a necessidade de um mecanismo central de controle, no qual todos
respeitem, nem que tal respeito seja por mera coerção.
Por isso, se não já um Estado controlando e reprimindo, fazer a guerra contra os outros é a atitude
mais racional que eu posso adotar (é preciso enfatizar esse ponto, para ninguém pensar que o
“homem lobo do homem”, em guerra contra todos, é um anormal; suas ações e cálculos são os
únicos racionais, no estado de natureza) […] O que Hobbes pede é um exame de consciência:
“conhece-te a ti mesmo”. Estamos carregados de preconceitos, acha Hobbes, que vêm basicamente
de Aristóteles e da filosofia escolástica medieval. Mas o mito de que o homem é sociável por
natureza nos impede de identificar onde está o conflito, e de contê-lo. A política só será uma
ciência se soubermos como o homem é de fato, e não na ilusão; e só com a ciência política será
possível construirmos Estados que sustentem, em ves de tornarem permanente a guerra civil
(WEFFORT, 2001, p. 55-58).
Nota-se que nesse chamado estado de natureza, a tendência é chegar-se à barbárie. Os homens
não exitariam em utilizar de todos os meios possíveis para o atingimento de seus objetivos.
Agiriam apenas conforme seu próprio julgamento.
Hobbes então, propõe a forma de resolver essa situação. A existência de um Estado, que seja
forte, e capaz de defender os seus cidadãos de ataques externos, bem como promova uma série
de condições para que todos possam conviver harmonicamente.
Nesse sentido, aqueles que assim desejassem viver, sob a proteção de uma instituição grandiosa
que oferece segurança, estariam dispostos a pactuar um acordo ou contrato, pelo qual abririam
mão de parcela de sua soberania (incondicional do estado de natureza) em troca da
possibilidade de que homens possam conviver em paz (WEFFORT, 2001 p. 62-63).
Entretanto para se garantir a efetividade, Hobbes discorre que o Estado deveria ser absoluto e
forte, pois, somente assim, pode impor o respeito para evitar a barbárie.
No livro Leviatã, escreve sobre liberdade e igualdade, embora em moldes diferentes daqueles
entendidos na posterior revolução francesa. No estado absolutista idealizado por Hobbes, a
liberdade é mitigada em lugar da proteção do rei aos súditos. Mas essa proteção é exercida por
meio da coerção e do medo (WEFFORT, 2001 p. 71) .
Mas, como só vivemos em sociedade devido ao contrato, somos nós os autores da sociedade e do
Estado, e podemos conhecê-los tão bem quanto as figuras da geometria. De um só golpe, o
contrato produz dois resultados importantes. Primeiro, o homem é o artífice de sua condição, de
seu destino, e não Deus ou a sua natureza. Segundo, o homem pode conhecer tanto a sua presente
condição miserável quanto os meios de alcançar a paz e a prosperidade. Esses dois efeitos, embora
a via do contrato tenha sido abandonada na filosofia política posterior ao século XVIII continuam
inspirando o pensamento sobre o poder e as relações sociais (WEFFORT, 2001 p. 77).
O próprio nome do livro remete a um monstro bíblico. Assim o Estado forte mantém temerosos
os súditos para que andem na linha. Importante ressaltar que essa nuance de demonstrar o
Estado como um monstro que impõe medo à sociedade para fazer valer as leis que garantem a
boa convivência, somado à ideia de que o homem sem essa limitação constante seria levado a
uma condição animalesca irracional voltada para guerra, coloca Hobbes, juntamente com
Maquiavel no rol dos pensadores políticos mais odiados em sua época.
3 LOCKE EM O ENSAIO SOBRE O GOVERNO CIVIL (SÉCULO XVII)
John Locke, pensador político inglês que vivei entre 1632 a 1704, desenvolveu seus escritos em
torno da ideia de que o Estado para além de proteger os súditos contra ataques de inimigos
externos, não pode interferir demasiadamente na vida das pessoas. Pregava, portanto, a
existência de um Estado liberal.
O estado de natureza é colocado em dúvida quando se apresentam as sociedades desiguais da
época que eram incapaz de prover uma existência equilibrada para todos os indivíduos.
Esses ensaios sobre o governo civil escritos por Locke, eram em verdade uma forma de justificar
os aspectos da Revolução Gloriosa ocorrida naquele tempo na Inglaterra, pela qual instituiu-se o
constitucionalismo inglês, onde o parlamento limita os poderes de atuação do monarca.
De acordo com Weffort (2001, p. 84) esse tratado é
[…] um ensaio sobre a origem, extensão e objetivo do governo civil. Nele, Locke sustenta a tese de
que nem a tradição nem a força, mas apenas o consentimento expresso dos governados é a única
fonte do poder político 11 legítimo. Locke tornou-se célebre principalmente como autor do
segundo tratado, que, no plano teórico, constitui um importante marco da história do pensamento
político, e , a nível histórico concreto, exerceu enorme influência sobre as revoluções liberais da
época moderna.
Diante do exposto, percebe-se que junto de Hobbes, já estudado, ele entende que o estado de
natureza deve dar lugar para que uma única fonte superior de poder tome conta das gentes.
Seria o governo civil como uma vertente diferente do contrato social.
A diferença, para Locke, é que no estado de natureza, segundo ele, os homens tinham como
direitos naturais além da vida e liberdade, também o da propriedade, diferentemente do
defendido por Hobbes. Nesse estado de natureza, embora mais pacífico que na visão
hobbesiana, era necessário que os homens se unissem em prol de livremente estabelecerem
uma sociedade, de forma a preservação da propriedade, da vida e da liberdade (WEFFORT, 2001,
p. 86).
Salienta-se que
Em suma, o livre consentimento dos indivíduos para o estabelecimento da sociedade, o livre
consentimento da comunidade para a formação do governo, a proteção dos direitos de
propriedade pelo governo, o controle do executivo pelo legislativo e o controle do governo pela
sociedade, são, para Locke, os principais fundamentos do estado civil (WEFFORT, 2001 p. 87).
Nota-se a preponderância do Poder Legislativo sobre o Executivo, e a ênfase na manutenção da
propriedade privada, nos alicerces contratualistas de Locke. Seu discurso agrada os membros do
parlamento, dão sustentação aos arranjos governisas pós Revolução Gloriosa (com Guilherme de
Orange no trono inglês) e ainda garante a base de sustentação da burguesia ascendente, que
acumula capital e, portanto, deseja uma manutenção perene do direito à propriedade privada.
Locke ainda defende o direito do povo de resistir a eventuais governos que não cumpram a
finalidade para o qual foram instituídos. A tirania – como chamou – dá ensejo à rebelião popular,
imbuída de legitimidade.
Segundo Locke (apud WEFFORT, 2001, p. 88)
[…] a doutrina da legitimidade da resistência ao exercício ilegal do poder reconhece ao povo,
quando este não tem outro recurso ou a quem apelar para sua proteção, o direito de recorrer a
força para a deposição do governo rebelde. O direito do povo à resistência é legítimo tanto para
defender-se da opressão de um governo tirânico como para libertar-se do domínio de uma nação
estrangeira.
As ideias de Locke, conforme salientado pelo doutrinador, foram matizes influenciadoras de
outros filósofos. Note-se que esse período de grandes transformações na Inglaterra, que Locke
presenciou, foram quase cem anos antes das transformações que sacudiram o mundo na
Revolução Francesa em 1789.