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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

LETICIA CATARINO LIBÓRIO

2023086269

RESENHA: CONTRASTES E SEMELHANÇAS ENTRE “O PRÍNCIPE E


“DISCURSOS SOBRE A PRIMEIRA DÉCADA DE TITO LÍVIO” DE
MAQUIAVEL

Belo Horizonte

2023
A seguinte narrativa apresenta uma abordagem bibliográfica através das obras
“O Príncipe” e “Discursos Sobre a Primeira Década de Tito Lívio”, do pensador político
Maquiavel. Para darmos início à temática, semelhanças e contrapontos de tais obras, é
de grande importância a exposição do contexto histórico e da trajetória de Maquiavel
para a construção de tais pensamentos.

A infância do autor clássico situou-se em Florença, uma península constituída de


diversos pequenos Estados, cada um, respectivamente, com seus próprios regimes
políticos, economias e culturas, garantindo um caráter mosaico e heterogêneo para a
região, servindo como explicação para a quantidade de conflitos presentes no local. Tais
conflitos situam-se a infância de Maquiavel, marcada por perspectivas de conflitos de
poder das parcelas dominantes – Médicis, Igreja, França, etc – dando enfoque no
assassinato de Juliano de Médici e a decadência da família Médici. Dessa forma, a
trajetória de Maquiavel em torno se sua vida política mostrou-se com objetivo de
beneficiar o cenário político italiano, apesar de contratempos em exercer cargos
públicos em razão das mudanças de governo com o passar do tempo.

A metodologia de Maquiavel contrapunha as de Platão, Aristóteles e São Tomás


de Aquino. Em relação ao estudo do Estado e seu desenvolvimento, é cabível dizer que
houve um rompimento da tradição idealista, em que aborda o Estado como algo que
deveria ser e não como ele é em sua totalidade, então, o novo ponto de partida para
compreensão dos Estados, para Maquiavel – especificamente os principados, como
abordado em “O Príncipe” – é a realidade concreta que o cerca.

Em sua obra supracitada, conhecida como um manual de “como ensinar um


príncipe a governar”, apresenta lições recomendadas com enfoque em principados.
Como declara Raquel Kritsch, doutora em Ciência Política pela USP e professora na
Universidade Estadual de Londrina:

Pode-se dizer que é um texto de natureza teórica, pois ao falar da ação dos
príncipes Maquiavel trabalha com uma tipologia de governantes, que de
alguma forma está acoplada a uma tipologia de Estados. E, embora essas
lições estejam particularmente voltadas para o caso dos principados, elas
podem ser estendidas para outras formas de governo e de Estados.
(KRITSCH, 2001)

Em contrapartida, sua outra obra “Discursos Sobre a Primeira Década de Tito


Lívio”, ao contrário do “O Príncipe”, que possui enfoque nas noções e necessidades
dentro de um principado, essa obra, através de um viés republicano, expõe abordagens
teóricas de como assegurar a estabilidade e manter uma comunidade por meio da justiça
e noções de senso comum. Entretanto, nos é relatado que a oposição do principado e
republicanismo baseia-se em um processo de construção de uma nação, em que o
principado torna-se responsável por fundar o Estado, um agente unificador em
momentos de crise, enquanto a fase da república é realizada em um momento de maior
equilíbrio – ou visando tal equilíbrio - caracterizando-se pela “liberdade”, pois em seu
juízo, o povo seria virtuoso, as disputas seriam a “fonte do vigor humana” e as
instituições seriam estáveis.

Um dos principais pontos presentes em torno da trajetória teórica de Maquiavel


são as noções de “Fortuna” e “Virtu”, respectivamente, sem tais discernimentos a
compreensão e estipulação de diferenças entre obras não será de forma bem sucedida.
Em suas obras, a caracterização dos conceitos apresentados é discutida em volta da
postura e ações de um governante em frente a determinadas situações, como a
unificação, estabilização de um país e modos de dominação, que por meio da sabedoria
do governante – Virtu – e da sorte – noção posterior ao cristianismo, abandonando a
idéia de Fortuna como riqueza, glória e poder - pois, “O destino é uma força da
providência divina e o homem sua vítima impotente.” (Sadek, 2001), e o governante que
possuir tais virtudes e a sorte, será o responsável para tais cargos políticos.

Dessa forma, com o esclarecimento supracitado, é possível delimitar as


diferenciações entre perspectivas do autor no processo de construção das obras. O maior
contraste entre as obras baseia-se no enfoque em principados; jogos de poder;
conveniência e auto-interesses – “O Príncipe” – contraposto pela visão republicana
referente à preservação da comunidade, fundamentada em idéias de justiça e bem-
comum.

Para a finalidade de unificar a Itália - governar e manter - é levantado o


argumento de que a dificuldade da dominação de Estados ou cidades circulará em torno
dos fatores: se o Estado for herdado – linha sucessória entre os príncipes – ou se será
um Estado Novo, sendo este o possuidor de maiores dificuldades. Além disso, terá a
condição de seu passado, se este envolve conquistas anteriores ou não. Conquistar um
Estado que foi conquistado anteriormente, é descrito a seguir

Digo, pois, que esses Estados conquistados e anexados por outro, mais
antigo, podem pertencer ao mesmo país e à mesma língua ou não. Quando
pertencem, é muito mais fácil de dominá-los, sobretudo se não estiverem
habituados a viver livres: para possuí-los com segurança, basta extinguir a
linhagem do príncipe que os governava, pois, quanto ao resto preservando-se
as antigas condições e não havendo contrastes de costume, os homens vivem
pacificamente. (Maquiavel, 1981)

Em contra partida, se em torno da trajetória histórica de uma cidade não


apresentar marcas de conquista, o recomendável, de acordo com o autor: “Quem os
conquistar, se quiser preservá-los, deverá respeitar duas regras: a primeira é que o
sangue do príncipe anterior seja extinto; a segunda, não alterar as velhas leis nem os
impostos – e assim, em brevíssimo tempo, o principado novo se tornará um só corpo
com o antigo.” (Maquiavel, 2007)

Desse modo, podemos inferir que a dominação será bem sucedida se a língua,
costumes e leis contratantes na cidade/província não forem demasiado conflitantes, pois
o quadro étnico, lingüístico e cultural, em ausência de homogeneidade, pode servir
como base para conflitos, logo, é necessária uma grande sabedoria para manter-los em
estabilidade. Infere-se, para tal, em adição a uma visão individualista, o homem de
Estado não está restrito a convenções e códigos morais, definindo um caráter de
flexibilidade moral.

Devido aos fatos apresentados, para o contexto, a necessidade de uma figura


política unificadora e estruturante para a formação do Estado apresenta-se como algo
irremediável, nos levando para o exemplo de comparação da estrutura e composição do
Estado da França e o Estado Turco e quais os fatores que os tornam tão difíceis ou
fáceis de dominação. O Estado Turco, por ser constituído em torno de uma figura
máxima, expõe que a conquista seja mais complicada devido aos sujeitos estarem
submetidos ao rei e logo, difíceis de serem corrompidos. Diferentemente da França, que
pode ser invadido com apoio interno, resultando em uma conquista mais facilitada.

Nessas circunstâncias, o debate sobre as melhores formas de governo e como


conciliar os conflitos entre diversos grupos com a finalidade de manter a estabilidade foi
o tópico central em “Discursos Sobre a Primeira Década de Tito Lívio”. O objeto de
estudo de Maquiavel tinha enfoque em cidades que não possuíam relações de servidão
externas, colocando como ponto central a república de Roma e as razões pela qual teve
uma longa duração.

O surgimento de idéias republicanas estabeleceu um sistema controlado através


de magistrados e, assim, a idéia de que a liberdade política e a participação dos cidadãos
só seriam sustentadas por esse tipo de governo, enraizando o raciocínio em noções de
liberdade, bem-comum e grandeza cívica. Nesse contexto, a noção de “grau de
felicidade” em uma cidade que detém uma boa legislação, em que suas leis não
precisem ser alteradas e refeitas, mantendo uma vida segura sob a execução de tais leis,
porém, as cidades com “grau de infelicidade” são aquelas que não são próximas de suas
instituições, precisando se reestruturar.

A percepção em torno da república, de acordo com estudiosos, girava em torno


da idéia de haver dentro dela três regimes: monarquia, aristocracia e democracia.
Todavia, esses regimes possuem suas formas vantajosas e desvantajosas – deterioração
dos modelos, como a monarquia declinar para a tirania – e mesmo em casos em que o
regime aparenta ser o melhor para o momento, não era cabível para um período de
tempo muito extenso, resultando em um ciclo em que repúblicas são governadas e se
governam. Mas pela falta de conselho e força, havia a possibilidade da cidade tornar-se
uma conquista de um Estado mais bem organizado ou a república estaria dependente
dessa rápida mudança de regime. Desse modo, Maquiavel explora a seguinte resolução:

[...] se tivessem conhecimento deste defeito, aqueles que criaram as leis


evitariam todos esses três regimes propriamente ditos e elegeriam um regime
que participasse de todos, julgando-o mais firma e estável, porque um
vigiaria o outro, havendo numa mesma cidade a monarquia, a aristocracia e a
democracia. (Maquiavel, 2007)

A república de Roma, em meio a uma crise de desunião entre plebe e Senado,


encontrou um modo de ampliar e melhorar o regime graças à virtude. Em momentos
anteriores, predominavam somente a mistura de poder aristocrática e principesca,
gerando insatisfação na porção popular da sociedade e que, para não perderem o poder
devido a uma crise popular, abriram espaço para tal parcela, tornando a república mais
estruturada e estável, graças as três qualidades dos regimes e no impedimento de suas
respectivas formas degeneradas, devido aos três servirem de moderador para o outro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 KRITSCH, R. Maquiavel e a construção da política. Lua Nova: Revista de


Cultura e Política, n. 53, p. 181–190, 1 jan. 2001.
 MAQUIAVEL, N. O Príncipe. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981.
Capítulos I a XI.
 MAQUIAVEL, N. Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio. São Paulo:
Martins Fontes, 2007 (3-40).
 SADEK, M.(2001). Nicolau Maquiavel: o cidadão sem fortuna, o intelectual de
virtù. Os clássicos da política, 1(3).

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