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INDÍCE

INTRODUÇÃO --------------------------------------------------------------------------------------2

HISTÓRIA DO CONSTITUCIONALISMO – SOBERANIA E CONSTITUIÇÃO +


LIBERALISMO --------------------------------------------------------------------------------- 2 -12

CONSTITUIÇÃO DOS ANTIGOS ----------------------------------------------------- 2, 3


CONSTITUIÇÃO MEDIEVAL ----------------------------------------------------------- 3, 4
CONSTITUIÇÃO DOS MODERNOS ------------------------------------------------- 4, 5
SOBERANIA E CONSTITUIÇÃO - AS TEORIAS DA SOBERANIA ----------------- 5, 6

SOBERANIA E CONSTITUIÇÃO - LIBERALISMO, CIDADANIA E LIMITAÇÃO DO


PODER ---------------------------------------------------------------------------------- 6 - 9

DOIS CONCEITOS DE LIBERDADE ------------------------------------------ 6, 7


LIBERALISMO, CIDADANIA E LIMITAÇÃO DO PODER ---------------- 7, 8, 9

SOBERANIA E CONSTITUIÇÃO - OS LIMITES DO LIBERALISMO OITOCENTISTA --


10 - 12

SELVAGENS, BÁRBAROS, CIVILIZADOS, LIVRES E ESCRAVOS------- 9, 10


INDIVIDUALISMO, CIDADANIA E DESPOTISMO DEMOCRÁTICO--------11

CONCLUSÃO -------------------------------------------------------------------------------------12

BIBLIOGRAFIA ------------------------------------------------------------------------------------13

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INTRODUÇÃO
O objetivo deste relatório é descrever a linha conceptual do programa da disciplina de
História das Ideias Políticas e a lógica interna de cada uma das suas subdivisões. Para isso, irei
expor as principais ideias e conceito basilares presentes no livro “Constitución de la antiguedad
a nuestros dias”, de Maurizio Fioravanti, que serviu de base para a aprendizagem da história do
Constitucionalismo. Abordarei os principais teóricos do liberalismo e relacionarei, também, com
as aulas da disciplina e com a obra de Fioravanti, textos de teóricos como Airton Seelaender,
Isaiah Berlin, Cristina Nogueira da Silva e James Tully.

HISTÓRIA DO CONSTITUCIONALISMO – SOBERANIA E


CONSTITUIÇÃO + LIBERALISMO
Ao longo da obra “Constitución de la antiguedad a nuestros dias”, Maurizio Fioravanti
descreve a evolução da ideia de constituição, desde a Antiguidade Clássica aos tempos
modernos, dividindo-a em três momentos: a Constituição dos Antigos, a Constituição Medieval
e a Constituição dos Modernos.

CONSTITUIÇÃO DOS ANTIGOS

A constituição dos antigos funcionava como uma espécie de critério de ordem das
relações políticas e sociais desse tempo. Tal constituição era profundamente distinta da
constituição dos modernos, já que era apenas um sistema de organização da comunidade
política, da pólis, na medida em que os antigos não tinham nenhuma “soberania” que limitar.
Não tinham, também, pensado na própria constituição como uma norma, ao contrário do que
acontece nos tempos modernos em que a constituição consagra a separação de poderes e
garante diversos direitos aos cidadãos.

A constituição era, para os antigos, um ideal, quer ético quer político, a perseguir e que
ganhava força nas fases de crise mais intensas. Nestas fases, a constituição desenvolveu
características mais definidas e precisas relativamente à conciliação social e política.

Era, sim, uma constituição mista pois juntava elementos das formas de governo
degeneradas.

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Em suma, a constituição dos antigos é um grande projeto de disciplina social e política.
É uma herança deixada aos povos vindouros da ideia de que uma comunidade política tem que
ter uma forma organizada e duradoura e isso só pode ser possível com uma constituição.

CONSTITUIÇÃO MEDIEVAL

A Idade Medieval, do ponto de vista da história constitucional, aparece como a idade do


“eclipse da constituição”, compreendida entre a Antiguidade e a Época Moderna.

O mundo político medieval é caracterizado quer pela ideia de que Deus era a fonte
primeira de todo o poder, exercendo-o sobre os seus subordinados na terra, quer pela ideia de
uma hierarquia rígida, na medida em que as ordens sociais mais privilegiadas exerciam poder
sobre aqueles que estão em estratos sociais mais baixos. Todos estes poderes,
independentemente da sua maneira de legitimação, de serem ou não exercidos sobre pessoas,
coisas ou terras, tinham algo em comum: o facto de não serem poderes soberanos, de não terem
nenhuma intenção totalizadora e omnicompreensiva em relação aos sujeitos, aos bens e às
ordens que existem em concreto, dentro das suas respetivas jurisdições.

O pensamento político medieval irá retomar muitas das características presentes na


antiguidade: condenação da tirania, a natureza mista da constituição e muitas outras. O que se
alterou com a mudança do período da Antiguidade para a Idade Medieval foi o tipo de
constituição, a constituição dos antigos concebia-se como uma ordem política ideal, enquanto
a constituição medieval entende-se como uma ordem jurídica, com o objetivo de preservar e
fazer frente àqueles que pretendem introduzir alterações arbitrárias ao equilíbrio existente.

Pode-se dizer que o período da Idade Média é caracterizado pelo facto de a constituição
deixar de pertencer exclusivamente ao campo político e moral, do perfecionismo do homem,
através da experiência da cidadania política comum e começar a entrar no mundo do Direito, a
converter-se num discurso jurídico, que nasce da prática social. A ordem jurídica continuava a
ser dada, já que não havia poder constituinte nem soberania popular. Desta forma, quando
falamos de constituição medieval falamos de regras, limites, pactos, contratos e equilíbrio.

É importante salientar que a noção contemporânea de Constituição não é aplicável à


Idade Média, a ideia de lei fundamental, sim, como afirma Airton Seelaender.

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A lei fundamental foi criada para limitar o poder monárquico, era uma norma reguladora
da aquisição e transmissão do poder. O conceito tende a abranger ainda princípios tais como o
da Independência e indivisibilidade do Reino e da inalienabilidade da coroa e dos seus domínios.

Enquanto a constituição liberal concedia ao indivíduo garantias contra o estado, as leis


fundamentais estavam focadas sobretudo na garantia deste e da sua forma de governo. Faziam-
no estatizando a coroa, destacando o caráter transpessoal e a continuidade da monarquia.

A ideia de lei fundamental revelou-se politicamente útil tanto para os opositores quanto
para os partidários do absolutismo, já que não pressupunha preocupações com a soberania
popular, com a tripartição dos poderes ou com os direitos individuais, mas sim a proteção do
Estado e da forma de governo. Para além disso, como afirma Seelaender, ampliou o interesse
pela norma positiva e pela história do direito de cada país e também foi uma das referências
básicas na construção do direito Público moderno, legitimando a sua autonomia. A substituição
da lei fundamental pela Constituição refletiu a passagem do antigo regime para o liberalismo:

“Posto que associável ao direito natural e marcada por intensa carga política, a teoria
das “leges fundamentales” destacava a relevância do direito positivo vigente. definindo
usualmente tais “leges” como meio de limitação do poder pelo direito positivo e como núcleo da
estrutura institucional do Estado, tal teoria preparou terreno, sem dúvida, para a concepção
liberal de Constituição.” (Seelaender, Airton, «Notas sobre a constituição do direito público na
Idade Moderna: a doutrina das leis fundamentais», in Seqüência, Revista do Curso de Pós-
graduação em Direito da UFSC, Ano XXVI, 2006, pp. 197-232 (digitalizado em dir.
aulas/ideiaspoliticas/textossecundários), p 211)

CONSTITUIÇÃO DOS MODERNOS

O profundo estado de conflito e, em certos casos, a própria guerra civil, como aconteceu
na França e a guerra do séc. XVII em Inglaterra, já não eram apenas considerados meros desvios
da constituição mista. Esta já não era vista como o requisito histórico, pacifico e harmonioso, ao
qual era necessário voltar a recorrer para se sair do conflito existente. Pelo contrário, as
doutrinas de soberania, presentes, principalmente, na obra de Thomas Hobbes, indicavam, que
a própria constituição mista era causadora de conflito e de guerra civil e que até poderia levar à
anarquia - “Soberania contra Constituição”. Assim, a soberania marcou o distanciamento da
tradição medieval, introduzindo uma constituição que pode ser classificada como Constituição
dos Modernos.

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SOBERANIA E CONSTITUIÇÃO - AS TEORIAS DA SOBERANIA

As teorias de soberania foram desenvolvidas, principalmente por: Jean Bodin, Thomas


Hobbes e Jean-Jacques Rosseau.

Bodin não procede pela via da análise, partindo da enumeração dos poderes e das
prerrogativas do soberano, mas tenta sim descobrir a natureza dos poderes que pertencem ao
soberano.

Para Bodin e Hobbes, a soberania tinha um único titular, o rei, e o seu poder servia para
evitar conflitos e garantir estabilidade. Por isso, a oposição ao soberano significava debilitar as
suas competências de representar e estabilizar a ordem civil e política. Há que salientar que para
Bodin, o rei não é soberano porque é titular de poderes que em si são soberanos, o rei é
soberano se o seu poder for perpetuo e absoluto. O teórico entendia, assim, a soberania como
una, originária, indivisível e perpétua. Em Bodin, vemos ainda uma influência da constituição
medieval, reduzida a um modo de organizar o governo, mas Hobbes marca o afastamento total
e definitivo dessa ideia.

Hobbes percebeu que era necessário configurar algo suficientemente forte para ser
capaz de instituir o poder soberano comum, mas ao mesmo tempo ser capaz de desaparecer,
para não fazer oposição ao soberano. Esse algo foi a ideia de contrato social – os indivíduos
todos iguais no Estado de Natureza, movidos pelo perigo motivado pelo ilimitado desejo de cada
um, decidem, para acabar com os conflitos e salvar as próprias vidas, instituir um poder
soberano comum. Hobbes afirma que todos os indivíduos serão representados por um único
homem, o rei. Logo, a razão principal pela qual a oposição ao soberano é impossível é porque
estariam a debilitar a sua capacidade de representar a ordem civil e política, da qual eles
próprios, os indivíduos, fazem parte.

Rosseau, por sua vez, vai introduzir um conceito muito importante para o
constitucionalismo moderno: a soberania popular. Ao contrário dos dois autores mencionados
em epigrafe, Rosseau defende que o soberano é o povo. A partir do contrato social, os indivíduos
vão se transformar num corpo político, povo. Nesse pacto, irão renunciar à sua liberdade
natural, pessoal, em detrimento de adquirem liberdade civil. Um ponto fulcral da filosofia do
Rosseau é o de que os governantes nunca poderão, em qualquer circunstância, tirar proveito de
sua posição de autoridade para se destacar do povo soberano e colocar a lei ao serviço da sua
própria vontade e dos interesses privados, ao contrário do que defende Hobbes.

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O povo soberano deve ter sempre a possibilidade de retomar o que havia delegado aos
governantes, sem ter que cumprir “leis fundamentais" ou contratos originais que de alguma
forma limitem o seu próprio poder soberano. Para o teórico, quem o povo elege não são
representantes, mas apenas “comissários”: nada podem concluir definitivamente. Qualquer lei
que não tenha sido ratificada diretamente pelo povo é nula, não é lei.

SOBERANIA E CONSTITUIÇÃO - LIBERALISMO, CIDADANIA E LIMITAÇÃO


DO PODER

DOIS CONCEITOS DE LIBERDADE

Antes de abordar a maneira como a ideia de soberania, relacionada com o


constitucionalismo, se desenvolveu, principalmente, na época inicial do liberalismo é necessário
distinguir dois tipos de liberdade, de modo a conseguirmos entender as teorias de liberais como
John Locke, Benjamin Constant, John Stuart Mill e Jeremy Bentham.

Para Isaiah Berlin, existem dois tipos de liberdade: a liberdade negativa e a liberdade
positiva.

Em traços gerais, dispor de liberdade negativa é não sofrer coerção. Ausência de


impedimentos à vontade, quaisquer que eles sejam. Eu tenho liberdade negativa quando vivo
sem interferência de terceiros (Estados, outras entidades ou até outros indivíduos). Em ‘Two
Concepts of Liberty’, Berlin escreve:

“Neste sentido, ser livre significa para mim não haver a intromissão de outrem. Quanto
mais vasta for a área de não-interferência tanto mais ampla será a minha liberdade” (Berlin,
Isaiah, ‘Two Concepts of Liberty’, in Liberty (ed. Henry Hardy), Oxford, Oxford University Press,
p 217)

Para além disto, segundo o conceito negativo de liberdade, o ideal é existir o mínimo de
leis possível para remover obstáculos e a preservação daquelas que removam obstáculos
maiores. Assim, só é legítima a lei que tem por objetivo impedir que uns possam ser obstáculos
à liberdade de outros.

Já a liberdade positiva consiste na autonomia na gestão da própria vida, eu sou mestre


de mim próprio, no sentido em que me supero a mim mesmo, atinjo objetivos superiores e não
no sentido de poder fazer aquilo que quero, como na liberdade negativa. Aqui, a liberdade é

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encarada como libertação. Os Homens só são livres se se libertarem dos seus desejos e paixões,
atingindo o seu verdadeiro “eu”. Relativamente a este conceito de “eu”, Berlin afirmou o
seguinte:

“Esta identidade é então identificada como o “verdadeiro” eu que, ao impor a sua


vontade singular, colectiva ou “orgânica” aos seus “membros” recalcitrantes realiza a sua
própria liberdade “superior” e, por conseguinte, a deles próprios.” (Berlin, Isaiah, ‘Two Concepts
of Liberty’, in Liberty (ed. Henry Hardy), Oxford, Oxford University Press, p 257)

Deste ponto de vista, a lei acaba por ser sempre encarada com bons olhos. Deve existir
o maior número de leis possível, aquelas que ajudem os cidadãos a atingir objetivos superiores
e superar obstáculos, porque auxiliam o indivíduo a libertar-se dos seus vícios, desejos, intentos,
paixões.

LIBERALISMO, CIDADANIA E LIMITAÇÃO DO PODER

Parte da Glorious Revolution, a forma de governo equilibrada e ordenada que


representará durante muito tempo na Europa o modelo constitucional por excelência. O
primeiro ideológico de tal solução fora John Locke.

A teoria de Locke fundamenta-se numa conceção de Estado de Natureza bastante geral.


Ao contrário de Hobbes, Locke defende que no Estado de Natureza o homem é capaz de instituir
propriedade. Neste estado inicial, o ser humano não tem liberdade para se destruir a si ou aos
outros. Como existe uma lei de natureza que obriga todos à razão, então ninguém deverá
destruir ninguém (pessoa, vida, propriedade, saúde...). O Estado de Natureza é governado pela
lei da razão e a razão ensina a humanidade que, sendo todos iguais e independentes, ninguém
deve prejudicar os outros. Logo, temos a Ordem da Natureza e não a desordem, como em
Hobbes.

Para assegurar no tempo a propriedade instituída no estado de natureza, os homens


devem abandonar o estado de natureza e instituir a sociedade política, através do contrato
social. Este visa, portanto, assegurar e melhorar uma ordem pré-existente, através de leis civis
que a garantam. Conclui-se que, para Locke, o contrato social é um aperfeiçoamento do Estado
de Natureza.

Locke acaba, também, por distinguir o poder absoluto do poder moderado. Um poder
absoluto é aquele em que um rei ou uma assembleia, detêm ambos os poderes legislativo e

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executivo, enquanto um poder moderado estabelece dois sujeitos distintos para repartir o
poder legislativo e o poder executivo.

Assim, a forma de governo ideal para Locke era a de King in Parliament, uma monarquia
não absoluta, mas onde existisse um poder executivo firme, com um poder de veto sobre a lei
que se exerce no parlamento.

No entanto, é importante ter em conta que outros teóricos apontaram falhas na teoria
de Locke, criticando-a a partir de uma perspetiva completamente diferente. Um desses teóricos
foi James Tully.

Locke, que partilha as ideias dos povos colonizadores, afirmava que a terra tem que ser
cultivada e dela deve ser retirada matéria-prima para a indústria (uso racional da propriedade).
Logo, se os índios desperdiçavam e não faziam o uso correto da terra, então não teriam o direito
de propriedade da mesma. Contudo, muito antes da teoria de Locke já os índios comerciavam
produtos originários da sua propriedade. Muitos historiadores, inclusive James Tully, acreditam
que os índios não tinham qualquer desejo de aumentar a sua propriedade até perceberem que
podiam gerar mais rendimento se a vendessem aos seus colonizadores. Tully escreve:

“The reason why Locke´s concepts of political society and property are inadequate to
represent these two problems clearly is that Locke constructed them in contrast to Amerindian
forms of nationhood and property in such a way that they obscure and downgrade the distinctive
features of Amerindian polity and property. (Tully, James, “Rediscovering América: the two
treatises and Aboriginal Rights” in G.A.J. Rogers (ed.), Locke’s Philosophy, Content and Context,
Clarendon Press, 1994; – pp 166 e 167)

No século XVII em Inglaterra, ser escravo era estar sujeito ao poder absoluto e arbitrário
de outro. Aquele que merece a morte, ou seja, que violou uma lei da natureza, pode ser
escravizado. Esta era a única forma de escravidão válida para Locke. Logo, como aponta Tully,
os ingleses, que tanto contestavam o poder ilegítimo do monarca, estavam eles próprios a
exercer um poder ilegítimo, coagindo os povos indígenas a fazer uma assimilação do seu modelo
de sociedade ao modelo civilizacional europeu altamente produtor.

Em suma, para Tully, Locke legitima a desapropriação dos terrenos indígenas por parte
dos ingleses servindo-se de conceitos como o da propriedade, terra e sociedade política que são
o centro da teoria moderna do desenvolvimento da sociedade.

Voltando aos restantes teóricos do liberalismo, na teoria de Montesquieu denotamos


uma clara continuação do pensamento de Locke, sendo esta bastante importante para a difusão

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do seu pensamento, nomeadamente no que diz respeito à alternativa entre poder absoluto e
poder moderado. Para Montesquieu, o poder legislativo deve poder controlar e limitar o
executivo, mas não o absorver ou nele se intrometer (daí o poder de veto) e vice-versa.

Já na obra de Constant, os direitos são assegurados pela lei, enquanto a constituição se


ocupa da organização da forma de governo, tornando possível uma aplicação da lei que garanta
os direitos, ao contrário do que acontece na filosofia de Locke. Propõe, tal como os outros
pensadores, a criação de um poder moderador, do qual o rei deveria ser detentor, que fosse o
regulador do sistema.

Tal como Locke, Mill afirma que nenhuma sociedade poderá ser livre se liberdades como
a liberdade de expressão, de opinião, pensamento e propriedade não forem respeitadas,
nomeadamente a maior liberdade de todas que é prosseguir a nossa felicidade e o nosso próprio
bem, da forma que melhor nos convier, a menos que o bem dos outros esteja a ser por nós
privado. Segundo, J. S. Mill todo o indivíduo é autónomo por ser guardião da sua vida seja ela
física, mental ou espiritual. “A humanidade ganhará muito mais deixando que cada um viva
como a si mesmo parece melhor do que obrigando cada um a viver como aos outros parece
melhor”.

Complementar à teoria de Mill, está a ideia de critério de utilidade, desenvolvido por


Jeremy Bentham, em que se afirma que não existe propriamente o aspeto constitucional, mas
antes um poder legislativo positivado que permite aos cidadãos observarem a prossecução dos
seus interesses de forma concreta e real, bem como de acordo com a sua vontade popular.

SOBERANIA E CONSTITUIÇÃO - OS LIMITES DO LIBERALISMO


OITOCENTISTA

SELVAGENS, BÁRBAROS, CIVILIZADOS, LIVRES E ESCRAVOS

Ao longo da história da Humanidade, o avanço civilizacional teve como princípios


basilares a ordem e o progresso. Os países europeus “civilizados” colonizaram os povos
“atrasados” em nome da expansão do seu império, do seu poder político e do seu domínio
através da aplicação das suas leis e dos seus princípios.

Segundo as teorias liberais do século, existiam dois estádios de evolução: o primeiro


onde estavam os europeus, organizados em Estados, que rentabilizavam os recursos naturais,
como a agricultura, indústria, comércio e o segundo onde estavam povos atrasados, socialmente

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desorganizados, economicamente dependentes e pouco rentáveis, dedicados à pesca ou à
pastorícia. O pensamento setecentista e oitocentista encara a diversidade cultural de forma
negativa. Para estes, embora o percurso histórico seja universal, os povos viviam em estados
diferentes, justificando-se, assim, a existência de Impérios. Cristina Nogueira da Silva, no livro
“Liberalismo, Progresso e civilização: povos não europeus no discurso liberal oitocentista”,
escreve:

“(…) a que era legítimo o uso do poder político para promover o progresso da parte
atrasada da humanidade, para encaminhar as sociedades “primitivas” em direcção a gruas
superiores do seu desenvolvimento histórico.” (Silva, Cristina Nogueira da «Progresso e
Civilização: povos não europeus no discurso liberal oitocentista», Estudos Comemorativos dos
10 Anos da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa (coord. Diogo Freitas do
Amaral, Carlos Ferreira de Almeida e Marta Tavares de Almeida), Coimbra, Almedina, 2008, vol,
p 16)

Contudo é importante realçar que, verdadeiramente, não se promovia o avanço


civilizacional dos “povos atrasados”, estes eram deixados numa espécie de esquecimento.

J.S. Mill, liberal, apenas considerava que o poder se podia exercer contra a vontade de
um membro de uma comunidade civilizada, caso o prejuízo dos outros membros esteja em
causa. No entanto, esta é uma teoria, segundo o autor, que somente se aplicava a seres
humanos na maturidade das suas faculdades, o que faz com que existam outros que precisam
de ser protegidos contra os seus próprios danos bem como exteriores. É o que acontece com os
bárbaros, à semelhança das crianças.

Neste sentido, Mill encaminha-nos para um ponto em que o despotismo é considerado


como uma forma legítima de poder quando se lida com os bárbaros, desde que o objetivo seja
o seu desenvolvimento. A liberdade não é suscetível de ser aplicada àqueles que ainda vivem
num estado antes do desenvolvimento, visto que ainda não atingiram o discurso livre para a
liberdade. Mill defende os nativos e os escravos têm que ser comandados e controlados, já que,
por razão da sua natureza, vão continuar a depender da metrópole ou do senhor. A colónia
precisa da metrópole para sobreviver, pois é esta que a civiliza e a impede de cair sobre os seus
instintos, o mesmo raciocínio é aplicado ao dualismo escravo/senhor.

Mais tarde, com Kant, surgiram outras ideias relativas à colonização, como a de um
sistema federativo. Nesta federação, como afirma Cristina Nogueira da Silva, “todos os Estados
concordavam, à semelhança do que se passava com os indivíduos, a quando da fundação das
respectivas sociedades civis- em submeter-se às leis de um Direito Público Universal.” (Silva,

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Cristina Nogueira da «Progresso e Civilização: povos não europeus no discurso liberal
oitocentista», Estudos Comemorativos dos 10 Anos da Faculdade de Direito da Universidade
Nova de Lisboa (coord. Diogo Freitas do Amaral, Carlos Ferreira de Almeida e Marta Tavares de
Almeida), Coimbra, Almedina, 2008, vol, p 23)

Para que se formasse este Estado Federal teria que existir uma constituição civil
republicana; as liberdades individuais e a separação dos poderes teriam que ser respeitados; os
Estados teriam que sair da condição sem leis dos selvagens e abandonar o estado natureza, para
isto, era necessário um processo de aculturação.

INDIVIDUALISMO, CIDADANIA E DESPOTISMO DEMOCRÁTICO

Para Alexis Tocqueville, o liberalismo é como um mal da modernidade. Este aponta que
é ilusório pensar que a realização individual reside essencialmente no refúgio da vida privada e
que a liberdade política é um bem em si mesmo e não um meio para atingir os fins da esfera
privada. Para Tocqueville, o individualismo associa-se a uma orientação exclusiva para os bens
privados.

Desenvolve, então, a sua teoria em redor da origem do individualismo, recusando a


perspetiva de Hobbes ou de Locke (pertence à natureza humana) ou a de Rosseau (como
produto da desigualdade), é antes uma criação da sociedade moderna.

Contudo, o problema não está propriamente na defesa da vida privada pelo homem
moderno, mas antes na forma como o individualismo que daqui degenera é vivificado. Perde-se
o sentido cívico e o enriquecimento é a única fonte de preocupação dos cidadãos, gerando-se
novos despotismos: o despotismo democrático que está ligado à tirania da maioria, com
predominância do órgão de assembleia legislativa sobre todos os outros e também uma outra
conceção: o despotismo do Estado Leviathan, centralizado e burocrático.

Tocqueville resolve este problema propondo o desenvolvimento da autonomia


municipal, a desburocratização das instituições políticas e o associativismo civil.

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CONCLUSÃO

Com este relatório pretendia-se fazer uma compilação dos temas do programa da
disciplina de História das Ideias Políticas. Foi possível estudar as principais “teorias mãe” do
liberalismo, que serviram de base para o pensamento europeu, mas também a história do
constitucionalismo, a forma como a ideia de “constituição” evolui ao longo dos tempos. Apesar
disto, foi bastante importante considerar perspetivas que não estão completamente de acordo
com as teorias liberais, como a critica de James Tully à filosofia de Locke, para nos ajudar a
pensar e a refletir sobre o que aprendemos.

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BIBLIOGRAFIA

• Fioravanti, Maurizio, “Constitucion, de la Antigüedad a nuestros días”, Madrid,


Editorial Trotta, 2001.

• Seelaender, Airton, “Notas sobre a constituição do direito público na Idade


Moderna : a doutrina das leis fundamentais”, in Seqüência, Revista do Curso de
Pós-graduação em Direito da UFSC, Ano XXVI, 2006, pp. 197-232 (digitalizado
em dir. aulas/ideiaspoliticas/textossecundários).

• Silva, Cristina Nogueira da «Progresso e Civilização: povos não europeus no


discurso liberal oitocentista», Estudos Comemorativos dos 10 Anos da
Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa (coord. Diogo Freitas do
Amaral, Carlos Ferreira de Almeida e Marta Tavares de Almeida), Coimbra,
Almedina, 2008, vol. I.

• Berlin, Isaiah, ‘Two Concepts of Liberty’, in Liberty (ed. Henry Hardy), Oxford,
Oxford University Press.

• Tully, James, “Rediscovering América: the two treatises and Aboriginal Rights”
in G.A.J. Rogers (ed.), Locke’s Philosophy, Content and Context, Clarendon
Press, 1994.

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