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Acórdãos TCAN Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte

Processo: 01900/16.1BEPRT

Secção: 1ª Secção - Contencioso Administrativo

Data do Acordão: 01/27/2023

Tribunal: TAF do Porto

Relator: Antero Pires Salvador

Descritores: SISTEMA INCENTIVOS, QUALIFICAÇÃO,


INTERNACIONALIZAÇÃO;
PEQUENAS MÉDIAS EMPRESAS; INCUMPRIMENTO
CONTRATUAL;
DEVOLUÇÃO AJUDAS; FALTA FUNDAMENTAÇÃO DIREITO;
PRINCÍPIO APROVEITAMENTO ACTO;

Sumário: 1 . Uma vez verificado o incumprimento de condições contratuais por


parte da autora, a entidade administrativa estava vinculada a reduzir o
incentivo financeiro que lhe foi atribuído em função desse incumprimento,
de acordo com o artigo 16.º, n.º 4, do Regulamento do Sistema de
Incentivos à Qualificação e Internacionalização de PME, em conjugação
com os artigos 12.º, 15.º, 24.º e 25.º do mesmo Regulamento.

2 . Actuando a entidade demandada ao abrigo de poderes vinculados e não


no exercício de valorações próprias da actividade administrativa, não há
lugar à aplicação dos princípios gerais da actividade administrativa, como
seja a violação dos princípios da boa fé, da tutela da confiança e da justiça.

3 . Obrigando-se a A./recorrente a executar o projecto nas condições e nos


prazos constantes do processo de candidatura e de acordo com os termos
em que foi aprovado e que fazem parte do Contrato e a comunicar à
entidade demandada qualquer alteração ou ocorrência relevante que
pusesse em causa os pressupostos da aprovação do projecto e uma vez que
a A./Recorrente não executou o projecto nas condições constantes do
processo de candidatura e do Contrato, porquanto não realizou as despesas
elegíveis de “feiras internacionais” conforme previsto, até porque os
incentivos que lhe foram concedidos representavam apenas um
adiantamento que podiam ser corrigidos na data do encerramento, sendo
assim que o incentivo final apurado podia ser diferente do expectável, a
única solução legalmente possível era a redução efectivada, como o foi.

4 . Pese embora tenha sido violado o dever de fundamentação de direito do


acto impugnado enquanto dever procedimental, perspectivando-se que o
acto não poderia apresentar outro conteúdo que não o que teve, por ser
vinculado, incumbe ao Tribunal proceder ao afastamento do respectivo
efeito anulatório, tal como exigido pelo artigo 163.º, n.º 5, al. a), do CPA,
em observância do denominado “princípio do aproveitamento do acto
administrativo”.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)

Votação: Unanimidade

1
Decisão (…)

Está em causa a legalidade do despacho proferido pela


Directora da ré, em 17.05.2016, que ordenou a devolução do
montante de 12.549,47 €, recebido no âmbito do incentivo
financeiro liquidado no montante de 49.969,31 €, nos termos
do Contrato n.º ...51, para aplicação na execução do projecto
individual n.º 32351, aprovado na sequência de candidatura
apresentada, ao abrigo do Sistema de Incentivos à
Qualificação e Internacionalização de Pequenas e Médias
Empresas (PME), ao Programa Operacional Regional do
Norte, de acordo com o aviso n.º 10/SI/2012, de 24 de
Outubro.
A. Da falta de fundamentação de direito

Compulsando o teor dos ofícios datados de 05.04.2016 e de
17.05.2016, remetidos pela entidade demandada à autora,
que integram o conteúdo do acto administrativo ora
impugnado, constata-se que os mesmos não contêm,
efectivamente, como alegado pela autora, fundamentação de
direito da decisão tomada pela entidade demandada no
sentido da devolução, pela autora, do montante do incentivo
de 12.549,47 €, limitando-se a expor as razões de facto que
justificaram a prática do acto impugnado.
É certo que, no ofício de 17.05.2016, a entidade demandada
alude, quanto à fase de análise da candidatura apresentada
pela Autora ao Programa Operacional Regional do Norte,
ao “nº 3 do artº 15º da Portaria 47-A/2012”, para notar que
esse normativo subiu a taxa de comparticipação das
despesas elegíveis da tipologia “feiras internacionais” de 45%
para 75%, e, relativamente à fase de encerramento do
investimento, à “Orientação de Gestão nº ...11”, para
justificar a aplicação da penalidade de 1.721,91 € ao
incentivo final. Todavia, tais menções nunca seriam
bastantes para fundamentar de direito o acto administrativo
impugnado, equivalendo, pois, tal insuficiência à falta de
fundamentação, nos termos do artigo 153.º, n.º 2, do CPA.
A falta de fundamentação constitui um vício de forma do
acto administrativo, gerador, em regra, de anulabilidade, de
acordo com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do CPA,
segundo o qual “[s]ão anuláveis os atos administrativos
praticados com ofensa dos princípios ou outras normas
jurídicas aplicáveis, para cuja violação se não preveja outra
sanção”.
Assim, verificando-se a inobservância, por parte da ré, do
dever de fundamentação de direito do acto administrativo
impugnado, o acto é anulável, na esteira do preceituado no
artigo 163.º, n.º 1, do CPA.
No entanto, cumpre averiguar, a título oficioso, se se verifica,
ou não, em concreto, alguma das circunstâncias previstas no
artigo 163.º, n.º 5, do CPA, que, a ocorrerem, determinarão o
afastamento automático, ex lege, da possibilidade do
sancionamento do acto administrativo com a anulação. De
tal norma resulta que “(...) 5 - Não se produz o efeito
anulatório quando: a) O conteúdo do ato anulável não possa
ser outro, por o ato ser de conteúdo vinculado ou a apreciação
do caso concreto permita identificar apenas uma solução como
legalmente possível; b) O fim visado pela exigência
procedimental ou formal preterida tenha sido alcançado por
outra via; c) Se comprove, sem margem para dúvidas, que,
mesmo sem o vício, o ato teria sido praticado com o mesmo
conteúdo.”.
Nesta conformidade, para apurar se, num caso concreto, a
lei conferiu à Administração margem de livre decisão,
primeiro há que interpretar a norma aplicada e, se uma vez
interpretada a norma, subsistir a sua indeterminação
estrutural ou linguística, conclui-se que a lei quis conferir à
Administração um espaço de valoração – neste sentido, cfr. o
Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de
28.01.2022, processo n.º 00781/20.5BEPRT (in
www.dgsi.pt).
Atentando no acto impugnado, o mesmo apresenta um
conteúdo vinculado, uma vez que, verificado, pela ré, o
incumprimento de condições contratuais por parte da
autora, sem que tal lhe fosse imputável, impunha-se à ré,
como fez, a redução do incentivo financeiro que foi atribuído
à autora em função desse incumprimento, de acordo com o
artigo 16.º, n.º 4, do Regulamento do Sistema de Incentivos à
Qualificação e Internacionalização de PME (criado ao abrigo
do enquadramento nacional dos sistemas de incentivos,
aprovado pelo Decreto-Lei n.º 287/2007, de 17 de Agosto,
alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 65/2009, de 20
de Março), em conjugação com os artigos 12.º, 15.º, 24.º e
25.º do mesmo Regulamento, com a Orientação de Gestão
n.º 05.REV1/POFC/2009, com a Orientação de Gestão n.º
08.REV2/2012 e com a cláusula sétima, n.º 1, alínea a), do
Contrato.

(…)

… pese embora tenha sido violado o dever de fundamentação


de direito do acto impugnado enquanto dever procedimental,
perspectivando-se que o acto não poderia apresentar outro
conteúdo que não o que teve por ser vinculado, incumbe ao
Tribunal proceder ao afastamento do respectivo efeito
anulatório, tal como exigido pelo artigo 163.º, n.º 5, alínea a),
do CPA, em observância do denominado “princípio do
aproveitamento do acto administrativo”.
**
Entendemos que não assiste razão à A./Recorrente.
Na verdade, mostrando-se provado - sem eufemismos - a
ausência de participação da empresa nas feiras
internacionais homologadas no projeto relativamente ao ano
de 2014, para o que recebeu incentivos financeiros – sem
que apresentasse justificação plausível e aceite pela entidade
administrativa Agência para o Investimento e Comércio
Externo de Portugal – ICEP, outra solução não se impunha
senão a redução do incentivo financeiro recebido para
esse efeito mas, que, no prazo de vigência do contrato
celebrado, não foi realizado, nos termos previstos no n.º 4 do
art.º 16.º do Regulamento do Sistema de Incentivos à
Qualificação e Internacionalização de PME – aprovado ao
abrigo do enquadramento nacional dos sistemas de
incentivos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 287/2007, de 17
de Agosto, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º
65/2009, de 20 de Março -, em conjugação com os arts. 12.º,
15.º, 24.º e 25.º do mesmo Regulamento, com a Orientação
de Gestão n.º 05.REV1/POFC/2009, com a Orientação de
Gestão n.º 08.REV2/2012 e com a cláusula sétima, n.º 1,
alínea a), do Contrato, segundo o qual – art.º 16.º - “Os
incentivos atribuídos poderão ser objeto de redução, nos
termos a definir pelo órgão de gestão, em resultado do
incumprimento de condições contratualmente estabelecidas,
nomeadamente as relativas ao calendário de execução dos
projetos.”
Mais, nos termos da cláusula 7.ª do Contrato e de acordo
com o art.º 24.º do Regulamento do Sistema de Incentivos à
Qualificação e Internacionalização de PME, a A./recorrente
obrigou-se a executar o projecto nas condições e nos prazos
constantes do processo de candidatura e de acordo com os
termos em que foi aprovado e que fazem parte do Contrato
[cfr. al. a)], e a comunicar à entidade demandada qualquer
alteração ou ocorrência relevante que pusesse em causa os
pressupostos da aprovação do projecto [cfr. al. d)].
Uma vez que a A./Recorrente não executou o projecto nas
condições constantes do processo de candidatura e do
Contrato [cfr. cláusula 7.ª, al. a)] porquanto não realizou as
despesas elegíveis de “feiras internacionais” conforme
previsto, até porque os incentivos que lhe foram concedidos
representavam apenas um adiantamento que podiam ser
corrigidos na data do encerramento, sendo assim que o
incentivo final apurado podia ser diferente do expectável, a
única solução legalmente possível era a redução efectivada,
como o foi.
(…)
A entidade recorrida podia, perante os factos apurados,
reduzir os incentivos financeiros atribuídos e mais não fez
que exercitar, como as normas legais referidas o
possibilitavam, esse dever.
**

***
Quanto à violação dos princípios da boa fé, da tutela da
confiança e da justiça, sem necessidade outras
considerações, até porque a alegação nada adianta que, em
concreto, infirme o que a sentença concluiu, importa apenas
relembrar a vinculatividade da administração, perante os
factos objectivamente provados e reiterar o que a decisão
judicial recorrida escreveu ou seja “a entidade demandada,
uma vez verificado o incumprimento de condições
contratuais por parte da autora, estava vinculada a reduzir o
incentivo financeiro que foi atribuído à autora em função
desse incumprimento, de acordo com o artigo 16.º, n.º 4, do
Regulamento do Sistema de Incentivos à Qualificação e
Internacionalização de PME, em conjugação com os artigos
12.º, 15.º, 24.º e 25.º do mesmo Regulamento, com a
Orientação de Gestão n.º 05.REV1/POFC/2009, com a
Orientação de Gestão n.º 08.REV2/2012 e com a cláusula
sétima, n.º 1, alínea a), do Contrato.
Neste contexto, conclui-se que a entidade demandada
actuou ao abrigo de poderes vinculados, e não no exercício
de valorações próprias da actividade administrativa, pelo que
não há lugar à aplicação dos princípios gerais da actividade
administrativa.
Consequentemente, improcede o vício de violação de lei por
violação dos aludidos princípios”.
III
DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste
Tribunal em negar provimento ao recurso e assim manter a
sentença recorrida.

*
Custas pela A./Recorrente.
*
Notifique-se.
DN.

Porto, 27 de Janeiro de 2023

Antero Salvador
Helena Ribeiro
Nuno Coutinho

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