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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS


FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL

Texto 7 – As Diversas abordagens do Contrato Social

Prof. Carlos Augusto da Silva Souza

Belém – PA
2022

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AS TESES DO CONTRATO SOCIAL
1. Contexto Histórico
As teses do Contrato Social estão intimamente relacionadas com o processo de formação do Estado
Moderno a partir do século XVI. Nesta corrente teórica os pensadores estavam preocupados em
responder questões sobre: Qual é a utilidade do estado? Será que a sociedade realmente necessita
de um Estado? Qual o alcance e limites do poder do estado? São essas questões que os teóricos
denominados de contratualistas vão procurar responder.
O Estado moderno surge do esfacelamento das sociedades feudais, predominantemente agrárias e
voltadas para a subsistência. No feudalismo, apesar de já existir a figura do Rei e dos nobres, o poder
político estava fragmentado em diversos centros decisórios e não havia unidade política e nem um
exército forte que pudesse garantir a paz ou a submissão das autoridades individuais a uma autoridade
capaz de centralizar o poder político em um único estado.
O fator econômico que possibilitou a crise no sistema feudal foi o desenvolvimento do comércio de longa
distância e o início do processo de acumulação de capital. O desenvolvimento do comércio trouxe como
conseqüência a formação da burguesia e do proletariado, o desenvolvimento da vida urbana, a
incorporação de novas tecnologias que resultaram no incremento da produtividade agrícola e artesanal, o
despontar de um sistema financeiro internacional e a criação de um sistema educacional voltado para a
produção de conhecimento científico.
Por outro lado, as mudanças econômicas e sociais em curso tornaram necessária a intervenção de um
poder político forte, dando margem para a formação do estado moderno (cuja primeira manifestação foi o
Estado absolutista). A formação do Estado Moderno é dividida, para fins de periodização, em quatro fases:
o estado absolutista, estado liberal, crise no estado liberal e estado democrático liberal.

A crise do sistema feudal apresenta diversos elementos de formação, entre eles podemos citar as revoltas
camponesas e a intensa acumulação de capital por parte da burguesia comercial, que passa a controlar o
comércio na Europa.

Nesse contexto, a burguesia para oferecer melhores condições de comércio e acumulação de capital, de
forma a desenvolver as sociedades medievais passa a exigir garantias dos reis como um governo estável,
leis mais favoráveis a circulação de mercadorias e impostos e taxas unificadas. Os burgueses também
protestavam contra os elevados impostos sobre as mercadorias e a diversidade de moedas.

O capitalismo comercial desenvolveu-se inicialmente na Itália (Gênova, Pisa, Veneza, Florença) e nos
Países Baixos. O comércio marítimo com o Oriente permitiu às repúblicas e monarquias italianas a
acumulação de grandes capitais e os países baixos, por sua vez, constituíram o principal empório entre o
Oriente e o Norte da Europa.
Com o desenvolvimento do comércio prosperaram, então, as cidades comerciais, onde se estabeleciam as
famosas feiras internacionais que acompanhando o desenvolvimento do capitalismo mercantil, necessitou
de uma autoridade que centralizasse o poder, de forma exercer uma mínimo de controle, planejamento e
gestão pública, para o funcionamento dom novo sistema econômico.
O Estado Moderno é fruto de um processo de cerca de três séculos para se estabelecer. A primeira fase
dele é o absolutismo monárquico. Por meio da centralização do poder na figura de um Rei único, começa
a ser desenvolvido o exército nacional, a estrutura jurídica única e a sistematização da cobrança de
impostos. A monarquia absoluta permite, ainda, a formação da infraestrutura que garante a máquina
pública e cria as condições para o surgimento do corpo burocrático.
Entre as principais características do estado moderno destaca-se:
 Um só poder;

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 Um só exército;
 Autoridade soberana de um único rei para todo o território;
 Administração e justiça unificada;
 Criação do sistema burocrático.

2. As Teses do Contrato Social


As teses sobre o Contrato social ou Contratualismo se formaram a partir de um conjunto de teorias que
surgem a partir do século XVI e procuram explicar os caminhos que levam os indivíduos a formar Estados
como forma de possibilitar a construção de uma ordem social pacífica, colaborativa e que objetive o bem
comum. Essa noção de contrato traz implícito que as pessoas devem abrir mão de certos direitos naturais
e o transferir para um governo, a fim de obter as vantagens que a ordem social civilizada pode
proporcionar.
O contrato social seria um acordo entre os membros da sociedade, pelo qual se comprometem a viver
seguindo regras de conduta moral e reconhecem a autoridade de um regime político ou de um governante.
O ponto de partida da maior parte dessas teorias é o exame da condição humana na ausência de qualquer
poder político organizado que levem a produção de uma ordem social estruturada, chamada de "estado de
natureza". Nesse estado, as ações dos indivíduos estariam limitadas apenas por seu poder e sua
consciência. Desse ponto em comum, os proponentes das teorias do contrato social tentam explicar, cada
um a seu modo, como foi do interesse racional do indivíduo abdicar da liberdade que possuíam no estado
de natureza para obter os benefícios de uma ordem política.
As teorias sobre o contrato social se difundiram entre os séculos XVI e XVIII como forma de explicar ou
postular a origem legítima dos governos e, portanto, das obrigações políticas dos governados ou súditos.
Thomas Hobbes (1651), John Locke (1689) e Jean-Jacques Rousseau (1762) são os mais famosos
filósofos do contratualismo.
2. O Contrato Social em Thomas Hobbes e a defesa do Estado Absolutista.
Thomas Hobbes nasceu 1588 na Inglaterra dos Tudors e foi influenciado pela reforma anglicana que
ocorrera cinco décadas antes. O século XVII foi de grande importância para a Inglaterra, pois marca o
começo do expansionismo colonialista ultramarino inglês, com a fundação de Jamestown, a primeira
colônia inglesa nas Américas, em 1607. É também no século XVII que são lançadas as bases do
capitalismo industrial na Inglaterra com a Revolução Gloriosa ocorrida na década de 1680. É durante esse
período que a Marinha Inglesa irá se consolidar como a maior e mais bem equipada marinha do mundo,
tendo grande contribuição para o acúmulo de capitais que irá financiar o expansionismo colonial e, mais
tarde, industrial inglês.
Hobbes não compartilha com as explicações religiosas sobre a origem divina do poder real. Deus não
atribuiria poderes especiais a qualquer ser humano, nem escolheria um governante para agir em seu
nome. O poder político seria uma construção humana, derivado de um ato voluntário e consensual, pelo
qual as pessoas celebrariam um contrato e fundariam a sociedade. As idéias de Hobbes sobre a origem e
alcance do poder do estado estão expostas em sua obra mais famosa, “O Leviatã”, onde procura explicar
as razões que levam as pessoas a abrir mão de certos direitos e o transferir para um governo, a fim de
obter as vantagens da ordem social.
A filosofia política de Hobbes parte do pressuposto que a vida em sociedade é fruto da vontade do
indivíduo que é efetivamente a fonte do poder. A sociedade torna-se uma associação voluntária de
indivíduos, que através de um contrato social abandonam seu estado natural e convivem segundo regras
de conduta moral. O Estado funda-se na delegação, total de poderes individuais para um governante que
tem o dever de proteger o contrato social.

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Além da sua inteligente construção teórica que justifica a necessidade do Estado Soberano, Thomas
Hobbes inovou em diversos pontos da política, pois fazia construções lógicas, deduzidas dos conceitos
formulados da realidade da natureza humana.
2.1. O Estado de Natureza.
Hobbes em sua obra procura mostrar a importância do Estado, detentor de poderes absolutos e, para isso,
parte de uma premissa de como seria a vida coletiva caso não existisse um poder acima dos indivíduos.
Para Hobbes sem o Estado civil, que seria uma construção dos homens para viver em sociedade, os
indivíduos viveriam num Estado de Natureza. Para defender sua concepção política, Hobbes cria uma
teoria que procura justificar a necessidade do Estado, partindo da análise da convivência dos homens sem
autoridade.
Nesta perspectiva, para Hobbes, O homem não é naturalmente um animal político (ou seja, que tende a
viver em comunidade), mas antes um ser movido pelo auto interesse e pelo benefício próprio.
O Estado de Natureza é qualquer situação onde não há um governo que estabeleça a ordem. O homem
age de acordo com o Direito Natural que se refere ao direito e a liberdade de cada um para usar todo o
seu poder (inclusive a força) para se auto-preservar e satisfazer os seus desejos. No estado de natureza o
homem é guiado pela lei natural que seria a regra geral, ditada pela razão, que obriga cada um a
preservar a sua própria vida e o proíbe de destruí-la.
A lei natural significa a lei dos mais fortes e, para preservar a vida o homem utiliza o seu poder individual
(força física, astucia, inteligência, etc.). Por esta razão, para Hobbes, o homem no estado natural é
egoísta, no sentido de que o mundo em que vive o leva a sempre pensar nos seus próprios interesses.
Entretanto, no estado natural todos os seres humanos são iguais no seu egoísmo, o que faz que, cada
um, utilize os seus recursos de poder para satisfazer os seus desejos e vontades individuais.
Para Hobbes a igualdade dos homens no estado de natureza é a igualdade no medo, pois a vida de todos
fica ameaçada. Esta igualdade está representada na capacidade de um destruir o outro. Nem o mais forte
está seguro, pois o mais fraco é livre para usar de todos os artifícios para garantir seus desejos e sua vida.
Isto faz com que o homem seja o lobo do próprio homem, pois como não há nenhum poder acima do
poder individual, o estado natural é um estado de guerra de todos contra todos. Para que todos não
acabem se matando e tenham segurança é necessário um estado, uma instituição de poder comum: o
estado civil.
Os homens são iguais por natureza quanto a sua capacidade de obter o que desejam. O conflito surge
quando dois desejam algo que só um pode desfrutar. No estado de natureza não há a presença do Estado
ou de leis que regulem as ações humanas e determinem o justo e o injusto. Há, portanto, um estado de
guerra, onde todos têm direito a tudo. Para garantir a autopreservação neste estado de natureza é
razoável que se ataque o outro antecipadamente. A manutenção do direito natural, portanto, não permite a
construção da paz e sustenta em seu lugar o medo.
O estado civil surge do desejo do homem em manter sua vida. Hobbes atribui a este desejo o nome de
instinto de conservação. No estado natural a vida está em constante ameaça e, os homens, em
decorrência do instinto de conservação, guiados pela razão, são levados a pactuarem entre si um contrato
social com o objetivo de preservarem a própria vida.
O estado civil surge devido ao medo que os homens têm uns dos outros no estado de natureza. A
construção de um estado civilizado, pacífico e sem medo só é possível quando os homens decidem
abandonar este estado de guerra e viver pacificamente através da obediência a regras de conduta moral.

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É necessário então que todos os homens decidam em conjunto abdicar do direito natural e entregar sua
força a figura de um soberano, que será formado pela soma de todas essas forças.
2.2. O contrato social para Hobbes
Feita esta descrição sobre a natureza humana e tendo apresentado o impasse que se vivia no 'estado de
natureza', Hobbes, passa a descrever a forma de contrato que se estabelece entre cada homem a fim de
viabilizar a vida em sociedade. Cada indivíduo renuncia o seu direito à liberdade individual, da qual era
possuidor no 'estado de natureza' substituindo-a pela segurança individual existente no 'estado de
sociedade'. O contrato social seria, então, na visão de Hobbes, um conjunto de regras de convivência
coletiva, pacífica e harmoniosa.
Entretanto, para Hobbes, quem garante que o homem, uma vez se comprometendo a viver em sociedade,
seguindo regras de conduta moral, não venha, em algum momento, a descumprir este pacto. Por esta
razão, somente um poder acima dos indivíduos, dotado de força coercitiva, teria capacidade para manter o
indivíduo aderindo ao contrato. Assim cabe ao Estado, através da ameaça de punição, submeter o
individuo ao contrato, e proteger a sociedade de possíveis transgressores. Para Hobbes, sem um poder
acima dos indivíduos, o homem acaba retornando ao estado de natureza e passa a agir de acordo com
seu egoísmo e seus interesses e vontades individuais. Desta forma, a manutenção do pacto, ou contrato,
que institui o 'estado de sociedade' é responsabilidade final do Estado, e não cabe a nenhum indivíduo
contestar este poder sob pena de inviabilizar a vida em sociedade e retornar ao estado natural.
A base de criação do Estado, para Hobbes, está na necessidade de se exercer um controle sobre a
natureza humana, a qual, movida pelo desejo de poder incessante inviabilizaria a vida em sociedade. A
institucionalização do Estado é uma saída ou uma decisão racional de adaptação à a vida em sociedade
frente a inviabilidade da vida social no estado de natureza.
Na visão de Hobbes, portanto, o Estado surge como uma restrição que o homem impõe sobre si mesmo
como forma de cessar o estado de guerra de todos contra todos. A análise do estado de natureza dos
homens teve caráter realista ao mostrar a necessidade de uma autoridade política com leis positivas.
Entretanto, Hobbes foi idealista ao não observar a possibilidade do abuso do poder por parte do Soberano.
Ele afirmava que a separação dos poderes iria enfraquecer a unidade estatal e defendia um Estado com
poderes ilimitados, acima da constituição e das leis civis.
A obra de Thomas Hobbes é considerada, na área da ciência política, como importante referencial à
passagem do pensamento político para a modernidade política. A questão da defesa de um Estado
absoluto e forte marca todo Leviatã, o Estado soberano para manter a estabilidade social deve ser um
poder absoluto e indivisível.
3. John Locke e o Estado Liberal
John Locke nasceu em 1632 na pequena cidade de Wrington, em Somerset, na região sudoeste da
Inglaterra. Sua família era da linha puritana da religião anglicana. Seus pais, de origem modesta, foram
John Locke, um pequeno proprietário e advogado que trabalhava como procurador e como funcionário do
Juizado de Paz, e Agnes Locke, filha de um curtidor.
O período da infância e adolescência de Locke corresponde à fase ascendente da nova filosofia conhecida
como Iluminismo, que busca na razão a explicação para os fenômenos do mundo real. É também o
período da guerra civil na Inglaterra (1642-1646): quando puritanos e presbiterianos escoceses aliam-se
contra o Rei Carlos I; Oliver Cromwell comanda os rebeldes. É uma fase de tensão para sua família,
envolvida mais de perto no conflito porque o pai de Locke lutou contra a monarquia, como capitão de
cavalaria, nas tropas vitoriosas do Parlamento.

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Após a vitória dos Parlamentaristas, um colega de armas e amigo de seu pai, o coronel Alexander
Popham, tornou-se membro do Parlamento, em posição de indicar alunos para a famosa Westminster
School, controlada por um comitê do partido parlamentarista. Em 1647, com apenas 15 anos, Locke foi
aceito em Westminster e iniciou seus estudos que incluíam grego e latim. Em 1652 Locke foi estudar na
Christ Church College, então o principal colégio em Oxford, onde aprofundou seus estudos sobre filosofia
política. Em 1689 escreve a obra Dois tratados sobre o governo, que se tornou muito influente entre os
intelectuais de seu tempo. A obra é dividida em duas partes. A primeira descreve a condição corrente do
governo civil, contestando a tese sobre o direito divino dos reis e a segunda descreve a justificação para o
governo e os ideais necessários à sua viabilização.
Locke personificou na Inglaterra do final do século XVII, as tendências liberais opostas às idéias
absolutistas de Hobbes. Partidário dos defensores do Parlamento, Locke defendia a necessidade da
divisão dos poderes como forma de defender os cidadãos contra a tirania e a opressão representada pelo
poder absoluto dos reis. Para ele o estado absolutista levava constantemente ao abuso do poder. Locke
afirma que o soberano deve governar segundo o que ditem as leis estabelecidas, promulgadas e
conhecidas pelo povo e não mediante decisões imprevisíveis. O soberano deveria estar obrigado a
empregar a força da comunidade, exclusivamente, para que essas leis fossem respeitadas e o governante
deveria dirigir suas ações exclusivamente para lograr a paz, a segurança e o bem-estar do povo.
3.1. O Estado de Natureza em Locke
O ponto de partida de Locke é mesmo de Hobbes isto é, o "estado de natureza seguido de um "contrato"
entre os homens, que criou a sociedade e o governo civil. Mas, Locke chega a conclusões opostas às de
Hobbes, pois, sustenta que, mesmo no estado de natureza, o homem e dotado de razão e sabe discernir
entre o bem e o mal entre o que é certo e o que é errado. Os homens têm consciência da existência de
uma lei natural, que os ensina que todos os homens são iguais e independentes e que ninguém deve
prejudicar outra pessoa na sua vida, saúde, liberdade ou propriedade. Locke pensa que qualquer poder
exercido sobre as pessoas – excetuando-se os casos de auto-defesa ou de execução da lei natural – só é
legítimo se tiver o consentimento do indivíduo. Assim, a existência de um poder político só pode ter tido
origem num acordo, ou contrato, entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil.
E esse acordo só faz sentido se aqueles que o aceitam tiverem alguma vantagem nisso.
Para Locke, no estado natural, o indivíduo goza da plenitude da sua liberdade e todos são iguais perante a
natureza. Em seu livro aborda claramente que o ser humano é naturalmente livre e na ausência de
governo, reina a liberdade. Além disto, no estado de natureza, o homem possui certos direitos, entre os
quais o de possuir certos bens que é fruto de seu trabalho. Entretanto, apesar de visualizar o estado de
natureza como um estado quase perfeito, Locke não deixa de reconhecer alguns inconvenientes que
podem tornar a vida demasiado instável e insegura. Isto porque há sempre quem, movido pelo interesse,
pela ganância ou pela ignorância, se recuse a observar a lei natural, ameaçando constantemente os
direitos das pessoas e a propriedade alheia. Para Locke no estado natural, o homem é senhor de sua
própria pessoa, e de suas coisas, e não está subordinado a ninguém, entretanto, no estado natural o
indivíduo é um rei tanto quanto os demais, e como uma parte dos homens pode não observar e seguir a lei
natural pode haver constante ameaça quanto a manutenção da liberdade e da igualdade, o que torna a
vida no estado natural absolutamente insegura.
É para fazer frente a estas dificuldades que se dá a passagem do estado de natureza ao estado de
sociedade. Os indivíduos decidem abrir mão dos privilégios do estado de natureza, e decidem estabelecer
um pacto se comprometendo a viver segundo determinada regras de convivência coletiva. Assim, para
Locke, A sociedade civil tem origem quando a lei natural não é mais respeitada e o homem para continuar
exercendo seu direito natural precisa punir os transgressores. Faz-se necessária então a elaboração de
um contrato social que determine os limites da liberdade e da igualdade que existiam no estado natural.
Com a celebração do contrato social torna-se então necessário a administração da Lei conferida, por via
de uma transferência de poderes a um governante autorizado pelos indivíduos que tem como tarefa zelar

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pelo contrato, manter a liberdade e a igualdade civil, defender a propriedade e punir os transgressores.
Para Locke o consentimento do homem para viver no estado civil, não é expresso, mas tácito, pois
ninguém nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil, mas, a partir do
momento em que usufruímos das suas vantagens, estamos a dar o nosso consentimento tácito. Caso
contrário, teríamos de recusar os benefícios do estado e viveríamos à margem da sociedade.
Na abordagem de Locke, entre os direitos que o homem possuía quando no estado de natureza, está o da
propriedade privada que é fruto de seu trabalho. O Estado civil deve, portanto, reconhecer e proteger a
propriedade. É justamente para proteger a sua propriedade, que o indivíduo decide abandonar o estado de
natureza em troca da proteção e estabilidade que só o governo pode garantir. Locke dá o nome genérico
de “propriedade” não apenas aos bens materiais das pessoas, mas a tudo o que lhes pertence, incluindo a
sua vida e liberdade.
Locke torna esta idéia mais precisa indicando três coisas importantes que faltam no estado de natureza e
que só o poder político tem condições de garantir:
1. Falta uma lei estabelecida, conhecida e aceite por consentimento, que sirva de padrão comum para
decidir os desacordos sobre aspectos particulares de aplicação da lei natural. Isto porque, apesar de a lei
natural ser clara, as pessoas podem compreendê-la mal e divergir quando se trata da sua aplicação a
casos concretos.
2. Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei, evitando que haja juízes em causa
própria. Isto porque quando as pessoas julgam em causa própria têm tendência para ser parciais e
injustas.
3. Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenças justas, evitando
que aqueles que são fisicamente mais fracos ou em menor número sejam injustamente submetidos pelos
mais fortes ou em maior número.
Por esta razão, para Locke, o contrato social foi celebrado justamente para preservar e garantir a
liberdade e a igualdade que os indivíduos possuíam no estado de natureza. Com a celebração do contrato
social, o indivíduo pode conservar sua liberdade pessoal e gozar do fruto de seu trabalho. Entretanto, se a
autoridade pública, a quem foi confiada a tarefa de usar o poder do estado para proteger a todos, abusar
de seu poder, o povo tem o direito de romper o contrato e recuperar a sua soberania original. Assim Locke
defendia o direito do povo em se sublevar contra o governo e justificava a derrubada e a substituição de
um soberano legítimo por outro.
Na abordagem de Locke, na sociedade política, pelo contrato social, as leis aprovadas por mútuo
consentimento de seus membros e aplicadas por juízes imparciais, manteriam a harmonia geral entre os
homens. O soberano seria, assim, o agente executor da soberania do povo, pois o governo só é legítimo
quando autorizado pelos indivíduos daquela comunidade. O acordo que dá legitimidade ao governo é por
sua vez fundamentado nos dois direitos do homem na sociedade natural: o de sua preservação e de seus
bens e o de castigar a infração à lei natural. Neste acordo vê Locke o fundamento da legitimidade do
poder do estado civil. Isto cria o desejo de cada um em renunciar ao poder individual de castigar, e de
entregá-lo a uma outra pessoa para que o faça em seu nome. O homem renuncia ao primeiro poder que
tem no estado natural, o de empregar a própria força para se defender, confiando essa tarefa ao governo.
Esse poder é abandonado pelo homem para reger-se por leis feitas pela sociedade, na medida em que a
preservação de si mesmo e do resto dessa sociedade o requeira; e essas leis da sociedade limitam em
muitas coisas a liberdade que o homem tinha quando obedecia apenas à lei da natureza.
Locke também defende a separação dos poderes como forma de evitar a tirania e a opressão do estado
contra o cidadão que este mesmo estado deve proteger. Para Locke, a sociedade civil, que veio substituir
o estado natural, possui dois poderes essenciais: um é o legislativo, que determina como o Estado deve
agir para a conservação da sociedade e de seus membros; o outro e o executivo, que assegura a
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execução das leis promulgadas. O poder legislativo e o executivo devem estar em diferentes mãos para
evitar possíveis abusos. Nesta situação, Locke defende os princípios liberais de liberdade individual,
direito à propriedade e divisão dos poderes do Estado. Ao sustentar também o direito do povo a
sublevação, fez a justificativa da Revolução Gloriosa de 1688, que derrubou Jaime II e consolidou a vitória
do Parlamento sobre o Rei. Locke também observa a existência de um terceiro poder – o poder federativo,
que refere-se ao poder encarregado das relações exteriores (guerra, paz, alianças e tratados). Neste
aspecto Locke não estabeleceu claramente uma teorização sobre este poder, abordando mais claramente
a função do poder executivo e do poder legislativo não estado civil.
Sobre a legitimidade do poder, a opinião de Locke sobre a rebelião do povo é contrária à de Hobbes para
quem o pacto social era a fonte do poder absoluto do monarca. Hobbes achava que a rebelião dos
cidadãos contra as autoridades constituídas só se justificaria quando os governantes renunciassem a usar
plenamente o poder absoluto do Estado. Contra essa tese, Locke justifica o direito de resistência e
insurreição não pelo desuso, mas pelo abuso do poder por parte das autoridades. Quando um governante
se torna tirano, coloca-se em estado de guerra contra o povo.
De acordo com o cientista político Norberto Bobbio, "Locke passou para a História, justamente como o
teórico da monarquia constitucional, um sistema político baseado, ao mesmo tempo, na dupla distinção
entre as duas partes do poder, o parlamento e o rei, e entre as duas funções do Estado, a legislativa e a
executiva, bem como na correspondência quase perfeita entre essas duas distinções - o poder legislativo
emana do povo representado no parlamento; o poder executivo é delegado ao rei pelo parlamento".
Para além da defesa da monarquia moderada, Locke tornou-se um dos clássicos do liberalismo político,
ao propor uma articulação de temas fundamentais: a igualdade natural dos homens, a defesa do regime
representativo, a exigência de uma limitação da soberania baseada na defesa dos direitos subjetivos dos
indivíduos. Os princípios fundamentais desta teorização incluem a liberdade natural e a igualdade dos
seres humanos; o direito dos indivíduos à vida, liberdade e propriedade; o governo pelo consentimento; o
governo limitado; a supremacia da lei; a separação dos poderes; a supremacia da sociedade sobre o
governo; o direito à revolução. O princípio de governo pelo consentimento, com finalidade e poder
limitados, é o fundamento do constitucionalismo liberal, sendo os dois elementos considerados como a
expressão clássica das idéias políticas liberais. O consentimento entre indivíduos cria a sociedade e o
consentimento dentro da sociedade cria o governo. É nesta origem e finalidade do governo civil
Na relação entre poderes, Locke considera o poder legislativo supremo, porque o poder de definir leis
deve ser superior ao poder que meramente as executa. Poder executivo e federativo estão nas mesmas
mãos porque ambos exigem o controlo sobre a força armada; contudo, são distintos. O poder executivo
deve subordinar-se ao legislativo, como se verificará no cabinet system instaurado pela Revolução de
1688, ou seja, nos primórdios dos governos responsáveis perante parlamentos eleitos. Mas o poder
federativo é muito menos capaz de ser controlado pela legislação, pelo que deve confiar-se, também, na
virtude moral da prudência de quem o domina. A proposta idealizada por Locke afasta da atual fisionomia
da divisão das funções estatais por não conferir autonomia ao Poder Judiciário e estabelecer
preponderância do Poder Legislativo frente aos demais, afastando-se do atual modelo constitucional.
Para a posteridade, ficou o conceito central de que, qualquer que seja a forma de governo, o poder
legislativo e o executivo não devem ser controlados simultaneamente pelos mesmos indivíduos. Todo o
contrato social deve estipular as garantias e os equilíbrios, (checks and balances) indispensáveis à
sociedade civil ou política. Restava tirar as consequências da delimitação da finalidade e do poder
governamentais. A função e finalidade do governo consiste na proteção da vida, da liberdade e da
propriedade. A limitação do poder é o corolário da limitação da finalidade: um poder conferido apenas para
a preservação da vida, liberdade e propriedade não pode destruir, escravizar nem empobrecer as
pessoas. Um governo não pode possuir poder absoluto arbitrário sobre a vida e a propriedade das
pessoas; nunca deve tornar-se mais poderoso do que os indivíduos que serve. A limitação é, também
defendida, em termos tradicionais de prioridade do bem comum e da lei natural sobre a lei civil.

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4. O Contrato Social de Rousseau
Jean-Jacques Rousseau foi um importante filósofo, político e escritor suíço. Nasceu em 28 de junho de
1712 na cidade de Genebra (Suíça) e morreu em 2 de julho de 1778 em Ermenoville (França). É
considerado um dos principais filósofos do iluminismo, sendo que suas idéias influenciaram a Revolução
Francesa (1789).
Rousseau parte de uma crítica as teorias de Hobbes sobre o Estado de Natureza. Na concepção de
Hobbes, no estado de natureza o homem é um ser egoísta e o único soberano de seus desejos, paixões e
vontades. No estado de natureza não há leis que definam o que é justo ou injusto e como não há nada
que limite a vontade humana este estado é um estado de guerra. No estado natural de Hobbes, como não
há limites a ação humana, a única maneira de garantir a posse de seus bens é através da força e, não
tendo nada além dela que o proteja, a insegurança e a incerteza tornam-se constantes, sendo que a
qualquer momento suas posses e bens podem ser tomados por outros seres humanos e a própria vida fica
comprometida. A única forma de pacificar o homem é constituindo a sociedade civil que se estabeleceria
através de um contrato social que tiraria os homens do estado primitivo e os conduziria ao estado
civilizado.
Para Rousseau é justamente o contrário. Para ele no estado de natureza o homem é bom (o bom
selvagem), mas, a construção da sociedade teria pervertido a natureza humana. O homem natural de
Rousseau vivia harmoniosamente com a natureza, livre do egoísmo, cobiça, possessividade e ciúme, não
havendo nenhuma preocupação constante com a busca de propriedade, status e reconhecimento Apesar
de desigualmente dotado pela natureza, os homens naturais eram de fato livres e iguais. Eles viviam
isolados um do outros e não estavam subordinados a ninguém; eles evitavam uns aos outros como fazem
os animais selvagens. No estado de natureza de Rousseau não há propriedade, tudo é de todos, podendo
um homem usufruir de uma terra apenas para plantar o necessário para subsistência. Quando alguém
cercou um lote e disse isso é meu, impedindo que outros também usufruíssem da terra, e outro por
humildade acreditou em tal afirmação, criou-se a sociedade civil. Rousseau considera que a propriedade
privada foi o marco para a mudança do estado de natureza para o estado civilizado. Foi através da
apropriação que surgiu a sociedade civil. E o homem civilizado surgiria do progresso, aperfeiçoamento e
distorção das qualidades pessoais do gênero humano.
Na abordagem de Rousseau, cataclismas geológicos reuniram os homens para a "idade de ouro", uma
idade de vida comunal primitiva na qual o homem aprendia a fazer o bem junto com os prazeres do amor,
amizade, canções, e danças. A descoberta do ferro e do trigo iniciou uma novo estágio da evolução
humana criando a propriedade privada. Na abordagem de Rousseau foi o ferro e o trigo que civilizaram os
homens e arruinaram a raça humana. Do cultivo da terra, nasceu a divisão do trabalho e a propriedade
privada. Quando as heranças cresceram em número e extensão ao ponto de se confrontarem umas com
as outras, a sociedade nascente deu lugar ao mais horrível estado de guerra.
Posteriormente Rousseau propôs que esse estado de guerra forçou os proprietários de terra ricos a
recorrer a um sistema de leis (contrato social) para proteger sua propriedade. Com a criação da lei
começou a ocorrer injustiças que resultaram numa profunda desigualdade social. Preocupados com seus
interesses os homens através do contrato destroem a piedade natural, tornando-se mau, o que colocaria a
sociedade em estado de guerra. Assim, o contrato social de Rousseau surgiu para legitimar a propriedade
e possibilitar o domínio dos ricos sobre os pobres, daqueles que tem propriedade daqueles que não tem.
Na visão de Rousseau, como o contrato social surge para legitimar a desigualdade ele se torna um pacto
ilegítimo ou coercitivo, pois sujeita o gênero humano ao trabalho, a miséria e a servidão. Então, para
Rousseau a questão que se colocava era a seguinte: como preservar a liberdade e a igualdade natural do
homem e ao mesmo tempo garantir a segurança e o bem-estar da vida em sociedade?

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Segundo Rousseau, isso só seria possível através de um novo contrato social, por meio do qual houvesse
condições de prevalecer a soberania da sociedade, a soberania política da vontade coletiva. Neste pacto
haveria de a necessidade de igualdade para a existência de liberdade. O Estado só se torna legítimo
quando feito por todos os indivíduos, tanto proprietários quanto não proprietários. Quando o Contrato se
torna legítimo o indivíduo perde sua liberdade natural, mas ganha a liberdade civil ou cidadania e não
renuncia completamente aos seus direitos naturais, mas, ao contrário, entra em acordo para a proteção
desses direitos, que o Estado deve preservar. O contrato social legítimo deve fundar-se na vontade geral,
derivada do próprio povo e tem como função garantir o bem comum.

Vontade geral é aquela que dá voz aos interesses que cada pessoa tem em comum com todas as demais,
de modo que, ao ser atendido um interesse seu, também estarão sendo atendidos os interesses de todas
as pessoas. Na visão de Rousseau a vontade geral não é o mesmo que a vontade de todos, mas um mero
agregado de vontades, o desejo mútuo da maioria. Neste aspecto, em Rousseau, a vontade geral
diferencia-se da vontade particular que consiste no que uma pessoa quer só para si, não atribuindo peso
ou consideração aos desejos e interesses alheios. Diferente de Hobbes, para Rousseau o governante não
é detentor da vontade geral, pois, para ele, apenas os indivíduos enquanto membros de um corpo social,
reunidos em torno do interesse comum, podem enunciar a vontade geral. Assim, na formação do poder
político, quando é a opinião de uma minoria que não corresponde à vontade geral, mas sim aos interesses
de uma facção, a maioria tem o direito de se impor à minoria, evitando assim a tirania e a opressão da
minoria sobre a maioria.

Na abordagem de Rousseau a soberania popular é a única que detém um poder civil legítimo. Para
estabelecer a vontade geral, os indivíduos devem se reunir em assembléias, sendo a assembléia,
enquanto um processo de decisão, um espaço da destruição das vontades particulares em proveito do
interesse comum.

Percebe-se que Rousseau revelava certa preocupação em entender a atividade política como uma
condição de arte construtora do interesse comum. A vontade geral é indestrutível e, ela deixando de
existir, o povo tem o direito de se insurgir contra o governante.
Rousseau deu muita importância ao tema da liberdade em sua obra. Para ele ao formalizar um novo pacto
social baseado no consentimento, os bens são protegidos e a pessoa, unindo-se às outras, obedece a si
mesma, conservando a liberdade. O pacto social pode ser definido quando "cada um de nós coloca sua
pessoa e sua potência sob a direção suprema da vontade geral". Rousseau diz que a liberdade está
inerente na lei livremente aceita. "Seguir o impulso de alguém é escravidão, mas obedecer a uma lei auto-
imposta é liberdade". Rousseau considera a liberdade um direito e um dever ao mesmo tempo. A
liberdade pertence ao homem e renunciar a ela é renunciar à própria qualidade de homem. A liberdade é
indivisível e inalienável.
Há uma diferença entre o pensamento de Rousseau e o de Locke, que também afirmou a liberdade do
homem como base de sua teoria política. Locke admite a perda da liberdade quando afirma que "o
homem, por ser livre por natureza, não pode ser privado dessa condição e submetido ao poder de outro
sem o próprio consentimento" enquanto para Rousseau o homem não pode renunciar à sua liberdade.
Esta é uma exigência ética fundamental.
Na concepção de Rousseau os governantes, ou magistrados, não devem ser numerosos, para não se
enfraquecer, pois quanto mais atua sobre si mesmo, menos influência tem sobre o todo. Na pessoa do
magistrado há três vontades diferentes: a do indivíduo, a vontade comum dos magistrados e a vontade do
povo, que é a principal.
Foi grande a influência política que tiveram as idéias de Rousseau na França. Os princípios de liberdade e
igualdade política, formulados por ele, constituíram as coordenadas teóricas dos setores mais radicais da

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Revolução Francesa e inspiraram sua segunda fase, quando foram destruídos os restos da monarquia e
foi instalado o regime republicano, colocando-se de lado os ideais do liberalismo de Voltaire e
Montesquieu.

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