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FUNDAMENTOS DE DIREITO PÚBLICO

Aula 1 - 17.08.2022 - Evolução do Estado

Para o entendimento dos Fundamentos do Direito Público (“FDP”), é preciso compreender o


Estado, os seus afazeres, obrigações, etc. É possível compreendê-lo a partir da sua dicotomia
com o direito privado - objeto de divergências entre pesquisadores-, porém o curso se
debruçará principalmente sobre o Estado. O direito público se refere ao direito do poder,
que implica um dever de submissão, extremamente disputado ao longo do tempo.

Estado. A noção de Estado é antiga. É possível dizer que todas as coletividades representam
uma forma de Estado. A partir do momento que as pessoas se reúnem com uma forma
organizada de poder, há Estado. A estrutura de complexidade varia de acordo com a
composição da coletividade. A dinâmica do Estado é evolutiva e dialética e vai se
transformando à medida que a sociedade evolui. O direito público deve refletir essas
mudanças.

O império romano foi uma forma de constituição do Estado bastante relevante do ponto
de vista jurídico. O poder era centralizado com um sistema normativo claro que regulava a
vida das pessoas. No início da Idade Média, há um momento importante para a noção de
estado, que é o surgimento do cristianismo. O poder vai se fragmentar entre pessoas que
receberam de Deus o poder de exercer o governo em determinada localidade. Isso vai gerar
Estados pequenos, muito centrados na religião. Isso perdurará durante toda a Baixa Idade
Média. Haverá uma imprevisibilidade do direito, uma vez que se funda na vontade de quem
governa, que, por sua vez, é fundamentada na vontade de Deus.

A economia na Idade Média era baseada na subsistência. Aos poucos, surge um


intercâmbio de mercadorias entre os diferentes Estados - o comércio vai ganhando espaço.
O poder extreamente fragmentado faz com que haja fragmentação das regras. Cada canto
possui um sistema tributário, financeiro, entre outros. Há cada vez mais rotas comerciais,
produtos para vender, etc. Consequentemente, há cada vez mais regras para serem
respeitadas. Ao fim do século XV, o poder econômico e poder político não são mantidos por
uma única pessoa. A partir da expansão do comércio, surge uma nova classe - dissociação
entre poder político e econômico. Disso, decorre necessidades de maior liberdade, tanto no
sentido de comércio, quanto de locomoção.

No início do sex. XVI, há um patrocínio pelas elites econômicas de guerras para unificar
territórios - Era Moderna. Isso vai gerar uma recentralização do poder e do Estado. Pouco a
pouco, junta-se os pequenos reinos em reinos maiores. Na Inglaterra, com a morte de
Elizabeth I, Jaime I toma o poder e rompe com a classe econômica. De maneira paralela,
surge o racionalismo na filosofia, que traz pensadores, no campo do Estado, que retira Deus
dos critérios. O poder começa a ser discutido de maneira racional - Hobbes e Locke. Hobbes
tira a legitimidade do Estado da religião e coloca em uma questão pragmática - necessidade
de organização social. Locke também retira a legitimidade da religião e cria a separação do
Estado em quatro poderes. Juntando o momento histórico com o pensamento filosófico,
surge ameaças aos reis, que responde de forma violenta. A revolução gloriosa marca o incío
do implementação das novas ideias. Esse momento marca a submissão do poder do estado
ao direito, como, por exemplo, com a monarquia constitucional. Começam a surgir as ideias
iniciais de direito público.

Durante o sec. XVII, na França, o rei reprime violentamente as movimentações nos sentidos
liberais. Rousseau e Montesquieu serão peças importantes para a noção de Estado.
Montesquieu, após viajar para entender as formas de Estado, faz o livro O Espírito das Leis:
“quem tem o poder, tende a dele abusar e avança até encontrar limites”, criticando as
monarquias. Diz que o pior esquema de poder é aquele em que uma pessoa concentra o
poder. É necessário, em sua visão, de uma divisão de poderes, que trará equilíbrio. O melhor
sistema de governo é aquele que é dividido em três funções: legislativo - criar as leis,
executivo - aplicar as leis - e judiciário - dirimir conflitos de aplicação das leis. A sua
conclusão é de que esse é o sistema mais equilibrado. Não há o conceito de poder
democrático em sua visão, apenas o de poder coletivo. Rousseau tem o Estado como objeto
secundário, sendo o indivíduo o seu objeto primário. Diz que os valores religiosos poluem o
processo formativo das pessoas - ideia de tirar a religião do ensino. Publica uma obra sobre
pedagogia, em que diz qual é o processo perfeito de pedagogia - aos dois anos a criança
deve ser afastada dos pais e deve receber um tutor. No mesmo ano dessa obra, Rousseau
publica o Contrato Social, que é a continuidade do Emilio. A primeira parte é a formação do
cidadão e a segunda é a forma como o indivíduo age em sociedade. Diz que a sociedade
romperá a sua forma natural a partir da criação de um pacto, que depende de manifestações
livres e racionais, uma vez que o poder não será fruto de imposição, mas de manifestação
livre e racional. A democracia é condição para Rousseau, mas diz que a democracia
representativa é a deturpação da democracia verdadeira. O seu modelo ideal de democracia
é a direta. A segunda noção importante de Rousseau é a separação de espaço coletivo e de
espaço individual. O que diz respeito à intimidade, não deve ser objeto de deliberação
coletiva. As suas três obras surgem em momentos conflituosos da política francesa.
Rousseau tem uma presença muito forte na revolução, inclusive na Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão, principalmente no arts. 3º e 4º. O Estado passa a ser dividido em
três funções.

A revolução francesa vai negar a importância do poder executivo, uma vez que o entenderá
como “de todos”. As cidades passam a ser divididas em colegiados, que nomearão um
conselho para exercer um poder misto de legislativo e executivo naquela localidade. Os
colegiados funcionam com base no consenso e nas normas emitidas pela Assembleia
Nacional. Quando Napoleão assume, ele reestabelece o poder executivo, mas em novas
bases, subordinado da Assembleia.

Por que essa trajetória histórica é importante? Com a revolução gloriosa e com a revolução
francesa, cria-se dois conceitos diferentes e importantes: (i) recentralização definitiva do
poder; (ii) condicionamento desse poder ao direito. Não existe poder que não seja
submetido ao controle. A partir disso, pode-se falar de direito público.

O que é direito público? É o direito que regula o exercício do poder, bem como o seu
controle.

Aula 2 - 24/08/2022 - Estado Democrático de Direito


Na estrutura pós revolução francesa, será pensado novamente no direito romanístico, mas
com um “upgrade” que é o direito constitucional. Há uma preocupação especialmente com
o direito penal. Para os revolucionários, o código civil era a principal norma do sistema
jurídico. Hoje, tanto na frança e na italia, questiona-se o papel central do direito civil. Na
frança, especialmente, não há tanta diferença entra a constituição e as outras leis, uma vez
que a constituição é tratada de forma parecida com uma lei ordinária.

Ao longo do sex. XIX, haverá debate sobre a liberdade dos indivíduos. Surge o princípio da
legalidade, que é a base para o debate do direito público. Trata-se de uma noção que implica
a limitação dos impulsos do Estado por regras jurídicas. É uma limitação ao poder dos
soberanos. O próprio poder do Estado está submetido ao direito.

No início, o direito público foi muito pouco regulado. Há uma constituição sobre como se
dará a criação de normas e também legislações específicas sobre a criação de instituições
públicas.

A noção de que o poder de Estado deve ser regulado pelo direito não é necessariamente
democrático. O poder do Estado é regulado pelo direito, que pode ser produzido de diversas
formas para além de um sistema baseado na democracia. Na visão de Rousseu, a
democracia somente é possível em estados muito pequenos, porém ele é o único que possiu
um pensamento democrático - decisão a partir da maioria da vontade geral. Na carta dos
direitos humanos, não há uma democracia propriamente dita, porque a chamada “vontade
geral” é baseada apenas naqueles que podem se expressar, que é uma parcela pequena da
população. Na Inglaterra, por exemplo, a câmara dos nobres era a instituição responsável
por votar, sendo que a câmara dos comuns somente surgiu muito tempo depois. Por mais
que os jacobinos tivessem uma ideia democrática, eles mataram quem pensava
diferentemente deles.

A partir das três revoluções, o poder decisório passa a ser baseado no consenso: as decisões
não podem ser frutos de uma única cabeça “escolhida por Deus”. Não pode haver a
autocracia. Desse modelo, parte-se para um outro modelo bastante concentrado: há órgãos
que vão traduzir a vontade geral em leis, mas o acesso a esses órgãos é limitado a
oligarquias. Duranto o sex. XIX, os países europeus vão substituindo seus modelos
autocráticos por monarquias parlamentais constitucionais. O rei passa a reinar, não
governar. O parlamento tem sua própria competência para tomar decisões, embora fosse
limitado. O consenso, obviamente, fica facilitado pelo fato do órgão ser apenas formado por
uma classe econômica.

Esse modelo terá fim na primeira guerra mundial será o fim da democracia. A primeira
guerra mundial será a consolidação dos Estados, que gerará nações fortes, capazes de travar
disputas. Quando acaba a primeira guerra, os países estão destruídos. O movimento pós
primeira guerra colocará em questão não os oligarcas, mas aqueles que não participavam da
oligarquia para os fins democráticos. A constituição de Weimar será a primeira. Porém,
surgem movimentos ditatoriais entre guerras. Nas autocracia pré-revolucionária, não há
direito público, o soberano que dita a norma - o direito não se aplica ao Estado, apenas ao
cidadão. Os movimentos autocráticos entre guerras são diferentes porque eles não afastam
os direitos, mas eles cooptam o direito. As instituições do Estado são preservadas: continua
havendo judiciário, legislativo, etc. O Estado continua semelhante ao que foi construído. O
princípio da legalidade continua existindo.

No momento entre guerras, haverá uma negação à democria dos oligarcas. A estrutura do
sex. XIX passa a ser questionada. A ideia é de que quem decida o líder é o próprio povo.
Hitler manteve o estado de direito, mas as instituições são aparelhadas pelos líderes. A ideia
de democracia vai ser roubada como a forma de decisão do povo. Toda perseguição aos
judeus foi realizada pelo parlamento. A perseguição aos judeus foi construída ao longo do
tempo da perspectiva normativa: primeiro, surge a proibição de judeus se casarem com
alemães, depois restringem o seu comércio, etc.

Quando surge o fim da segunda guerra mundial, o pensamento jusfilosófico dominante será
o seguinte: (i) a democracia deverá ser universalizada; (ii) o estado deve ter base sólidas e
resistentes a figuras autoritárias. Assim, a constituição passa a dispor sobre os direitos
fundamentais, essencialmente com direitos de defesa (limitação do poder do estado), que
não podem ser alterados, a não a partir da criação de uma nova constituição. A democracia
universal é aquela que permita a qualquer cidadão o direito de votar e de ser votado. As
constituições alemãs e italianas vão se basear na ideia de direitos fundamentais irredutíveis,
que vincularão o legislador futuro. A partir dessas constituições, surge o estado democrático
de direito.

Estado democratico de direito é aquele que, não apenas é regulado pelo direito, mas suas as
normas jurídicas vêm de meios democráticos (escolhidos pela totalidade da população). Na
medida em que os parlamentos se tornam universais, há mais pessoas diferentes
participando do legislativo, o que há mais divergencia e menos chances de consenso. A
solução encontrada em vista desse problema é a edição de leis mais genéricas, menos
detalhada.

Haverá uma discussão sobre o que o estado pode e não pode. Somente a lei pode dizer o
que o estado pode e não pode. Com as leis indeterminadas, haverá maiores dificuldade de
se entender o que é permitido fazer. Isso gera aumento da discricionaridade do estado - não
dá para saber as consequências normativas em vista da indeterminação normativa. Em vista
disso, surge uma nova etapa da democracia: a participação. A administração, no sex. XIX,
não era cobrada sobre oq ela dizia.

A partir dos anos 60, a democracia passa a ganhar um caráter formal, além do material. O
estado somente a partir do direito material é limitado, pois sem regras processuais não há
regramento sobre a participação da população nas decisões, seja em processo judicial ou
administrativo.

O estado democrático de direito vai exigir muito mais de um nível de democracia, pois o
cidadão passa a tomar decisões também no processo decisório do estado. Bobbio
desenvolverá ideia de que a democracia exige ações materiais positivas do Estado. A
democracia não é apenas a poribição da interdição dos espaços públicos. O estado precisa
garantir o amplo direito de informação - daí decorrem todos os direitos similares, como
liberdade de imprensa, sigilo postal, liberdade de expressão artística, etc. A que tipo de
informação? todas. Em segundo lugar, há o direito impositivo em relação à educação. Sem o
acesso à educação, não haverá democracia, pois ela é a base do conhecimento para tomada
de decisão. Isso se relaciona com o que Rousseau falou em Emilio.
A ideia de estado de direito é um passo para a ideia de estado democrático de direito. A
democracia é muito além do direito de voto. Discutir o resultado das eleições, por exemplo,
é coisa extremamente básica.

O estado democrático de direito implica: (i) primazia dos direitos fundamentais, porque isso
inibe intenções autocráticas; (ii) o acesso absolutamente universal aos direitos políticos.
Deve ser visto tanto do ponto de vista material, fornecendo aparato para a democracia,
quanto formal, em relação à participação do cidadão.

Bobbio fala de gerações de democracia para a construção da democracia plena.

Aula 3 - 31/08/2022 - Separação público/privado

O Direito Romano é a base da separação. Suma divisio: separação fundamental entre público
e privado. Direito público pertencente ao Estado e privado relativo aos cidadãos. Não dizia
propriamente ao sujeito da relação jurídica, mas ao tipo de relação jurídica desempenhada.
Havia o direito privado (direito civil), que regulava a transação da riqueza entre cidadãos. Por
outro lado, havia a relação jurídica do Estado para com o cidadão (direito penal e um pouco
de tributário). A suma divisio previa a divisão entre o mundo da intimidade e o mundo
público.

O Direito Romano (DR) surge com força após a Revolução Francesa (RF), que tinha o objetivo
de reconstruir a diferenciação entre público e privado, apagada pela Idade Média. Na
estrutura sócio-jurídica da Idade Média, não havia diferenciação entre o tipo do direito
aplicável. Durante a Idade Média, houve uma relativização do direito à privacidade. Com a
evolução da Idade Média para a Idade Moderna, acontece uma amplificação dessa
relativização, tendo em vista os amplos poderes do rei. A partir da separação entre público e
privada na RF, os indivíduos passam a ter sua esfera de direitos e obrigações distintas
daquela do Estado - vida individual e íntima x atividade do Estado (legislativo - assembleia
nacional, direito penal, etc).
A partir do sex. XIX, a grande norma jurídica, em termos de importância, é o direito civil. Não
à toa, as primeiras normas do direito civil possuem normas de teoria geral do direito, não
propriamente do direito privado.

Inicialmente, o direito público tenta ser aplicado da mesma forma que o direito privado, o
que obtém resultados negativos. Os alemães vão pensar mais no direito público do que os
franceses. A França já era um Estado pleno, enquanto a Alemanha era extremamente
fragmentada e passou por um processo de unificação, em que houve diversas discussões
políticas que os franceses não possuíam. A Alemanha se unificou de forma diplomática,
enquanto a França se formou por meio de guerras. O federalismo alemão pressupõe
discussões políticas que mudam a estrutura jurídica do Estado, razão pela qual os alemães
estudam mais o estado. Porém, os alemães não separavam muito bem direito e política.

Cria-se um direito público que não é o direito penal, mas é decorrente de parte do direito
constitucional e não se trata de relações entre privados. O direito patrimonial do Estado vai
seguir como um ramo do direito civil. A partir disso, surge uma separação mais intensa. O
que é o direito público? É o direito que limita o poder do Estado. Começa haver um
complexo de relações jurídicas decorrentes da atividade estatal. O primeiro eixo relevante
para distinguir os direitos é o princípio da legalidade.

O princípio da legalidade separa a lógica do direito privado da lógica do direito público. Na


lógica do direito civil, os cidadãos podem fazer tudo, desde que a lei não proíba. O Código
Civil francês, na sua origem, tinha normas que regiam, mas que as partes, por acordo,
poderiam derrogar. No direito público, o Estado não pode possuir autonomia da vontade,
sob risco de voltar ao antigo regime. Porém, apenas a legalidade não é suficiente.

A lei, até então, não dá conta da separação entre P/P. A discussão se torna mais complexa e
atinge o seu auge na segunda metade do séc. XIX. Marx será fundamental nessa discussão.
Ele notará que há relações jurídicas desiguais, que devem ser intermediadas pelo Estado.
“Esse sistema é perpétua, porque o filho do capitalista será capitalista e o filho do proletário
será proletário - para isso mudar, o Estado deve intervir”.
Na segunda metade do sec. XIX, surge um conflito na doutrina jurídica entre liberdade e
autoridade. Surgem teorias importantes sobre a separação entre o mundo da liberdade
(direito civil) e o mundo da autoridade (direito público). Caso de responsabilidade civil sobre
o atropelamento pela companhia de tabaco francesa (empresa pública) - em que se trava
uma discussão sobre quem é o competente: (i) conselho de estado; (ii) judiciário. A França
mantém até hoje a jurisdição duplice. Nesse caso, decidiu-se que o caso era pertencente ao
conselho de estado, porém não houve indenização, tendo em vista que não havia
responsabilidade civil do Estado.

Teoria pela universidade de bordeaux e teoria pela universidade do louvre. Léon Duguit x
Maurice Hauriou.

O Duguit possui uma vertente mais sociológica do que jurídica, em que entende que haverá
direito privado quando houver relações individuais e público quando houver relação
coletiva. Porém, Duguit entende que se aplica o código civil para os contratos públicos, em
que o Estado é representante da coletivida. Ele entende que Estado = um conjunto de
serviços públicos, ou seja, de atividades voltadas ao coletivo. Demanda coletiva = direito
público; demanda individual = direito privado.

Hauriou, por sua vez, tem uma teoria densa. A separação de P/P em sua visão tem duas
características centrais: regime jurídico e instituição. O regime jurídico é usado como o
ponto central da separação. O Direito civil possui o regime jurídica da individualidade e da
liberdade. Por outro lado, o direito público possui o regime jurídico da autoridade e da
institucionalidade. No direito civil, o que marca a relação é igualdade das partes. No direito
público, há um regime de desigualdade, que demanda a institucionalidade. Originalmente, o
princípio da legalidade aparece como uma autorização que o estado precisa para agir. Para
Hauriou, a legalidade é a definição da liberdade, uma vez que o Estado somente pode agir
com base na lei. O direito civil é baseado no consenso, enquanto que o direito público é
baseado na autoridade.

Aparecem outros dois jurídicas contemporâneos ao Hauriou. Otto Mayer estudou o direito
administrativo da frança. Os alemães estudavam direito do estado, não direito
administrativo. Mayer irá juntar a teoria francesa com a teoria alemã. A sua diferença com
Hauriou é que Mayer dá menos importância para a relação jurídica. O direito público se
destina a discutir a autoridadde do estado, que é limitada pela lei. O estado quando gere seu
patrimonio e pode fazer tudo o que a lei não proíbe (CC).

Santi-Romano irá dizer que vale os direitos subjetivos quando o Estado não atua, mas vale a
supremacia da administração quando atua.

Esses autores fazem uma espécie de “contra-ataque” a Marx. Há uma certa ameaça às
liberdades individuais, pela revisão das teorias liberais. A teoria liberal possuía uma lógica
em que os cidadãos podiam tudo, mas o direito público deveria agir onde os cidadãos
possuíam conflito (apenas com direito penal). Porém, esses autores trazem uma teoria sobre
o Estado que não elimina as liberdades individuais, mas partem dela - ou seja, tratam-se de
autores liberais. A lei parlamentar, então, terá a capacidade de dizer até onde o Estado pode
agir (o Estado só pode agir com autorização legislativa). O público não precisa de consenso,
paridade e igualdade, ele pode impor por meio de sua autoridade e unilateralidade.

O Estado começa a atuar com atividades que ultrapassam a mera imposição de autoridade.
Pouco a pouco, entra em campos sociais e econômicos, para o fornecimento de bens
essenciais aos cidadãos. Com isso, haverá uma discussão sobre onde estará a fronteira P/P.

Após a segunda guerra mundial, Massimo Severo Giannini irá levantar novos paradigmas
para a teoria do direito público. Ele questiona a unilateralidade - o Estado pode usar
mecanismos bilaterais. Releituras: (i) princípio da legalidade - a legalidade não comporta o
estado atual; (ii) O que tutela o direito público? é regido pela lei. A ideia de que o Estado é
monista não é verdadeira, pois há muitos objetivos no direito público, de maneira que
damanda [...?].

Aos poucos, o Estado começa a usar lógica e instrumentos do direito privado. Acontece uma
revisão da ideia de ideia de legalidade, de regime jurídico e de autoridade.
A diferença é sobre a regulação. O direito privado é baseado na autonomia da vontade,
enquanto o direito público regula a função do Estado, entendida como finalidade do Estado.

28.09.2022 - Aula

Tripartição de poderes e forma federativa de organização do Estado.

O estado é fruto de um processo de racionalização (separado do plano teocratico) e de um


processo de limitação do arbítrio do governante. Esses processos terão como inimigo o
despota. O mecanismo de viabilização é a separação do estado em 3 funções: legislativo,
executivo e judiciário. A tripartição tem sido comentada de forma muito simples, mas ela é
complexa: (i) é possível separar em várias formas distintas de 3 poderes; (ii) o estado
contemporaneo tem um histórico de acumulação de funções de modo distinto da
diferenciação clássica dos tres poderes. Entender o que é o estado, qual a sua finalidade,
etc.

O que é o estado. Dalmo diz população, território e unidade. Estado é uma construção
humana que representa uma coletividade a partir de regras de organização da sociedade. É
preciso separar o estado soberano do estado não soberano. O estado soberano é aquele que
tem capacidade de impor e alterar suas próprias regras de existência (competência
originária). Uma vez que ele deve organizar a sociedade, uma de suas funções principais é
elaborar normas jurídicas de convívio. O que configura uma norma jurídica: sanção. Ideia
básica de Montesquieu: Essas regras de convívio devem ser elaboradas por um órgão
diferente daquele vai julgar as condutas, bem como daquele que vai administrar a
sociedade.

No início, havia sempre muito bem definida a figura do judiciário e do legislativo, mas não
tinha a do executivo. A construção do executivo da inglaterra, por exemplo, na figura do
primeiro ministro, foi realizada na segunda metade do século passado. Na frança, na Const.
de 1892, não havia executivo - O que seria o poder executivo era um conjunto de colegiado
em regiões pequenas. O primeiro país a pensar num executivo forte foi os EUA. Se, na
europa, a ideia de tripartição foi a redução do arbítrio, nos EUA, foi a ideia de controle
recíproco - freios e contrapesos (isso não foi ideia dos europeus). No modelo europeu, a
ideia de controle é diferente da ideia de tripartição de poderes.

Porquê da organização de poderes se relacionar com o federalismo. As colônias eram muito


diferentes (origens inglesas, holandesas, etc). A autonomia das colônias tinha que ser
preservada. Nesse sentido, o modelo pensado foi: representação das treze colônias por meio
de uma camara, um poder judiciário e um presidente para falar por todos. Ao mesmo
tempo, não havia muito claro o que seria a atribuição de cada um. A partir disso,
desenvolveu-se a noção de freios e contrapesos. No modelo americano, quem controla os
poderes do presidente é o congresso e deste, o judiciário.

Os franceses perceberam que os colegiados não foram eficazes. A partir disso, começou-se a
cogitar a ideia de um executivo forte. A figura do primeiro ministro foi incentivada. Isso vai
dar origem a três diferentes modelos: (i) americano - três poderes fortes e independentes
com competência não previamente definidas - apenas com linhas gerais (foi dada pela
prática a partir de precedentes); (ii) modelo inglês - o parlamento é o grande centro da
tripartição, o judiciário resolve conflitos e o executivo é formado de parlamentares que
formam a maioria dos assentos e é altamente dependente do legislativo - o p. ministro
precisa de apoio do parlamento para qualquer atitude (é o modelo dominante na europa,
como por reino unido, holanda, etc); (iii) republica parlamentarista - executivo que vem do
parlamento, mas é destacado e mais forte, com possibilidade de governo longe do
parlamento (alemão, espanhol, italiano e português - maioria dos países europeus). A França
será uma mistura do primeiro com o terceiro. Nos países de legislativo forte, o judiciário tem
um poder menor, como na inglaterra. Nos países em que o executivo é forte, é necessário
um judiciário forte para conter os poderes do estado exercido pelo executivo.

Tripartição dos poderes não é uniforme ao redor do mundo. A interação dos poderes é
particular de cada sistema. O movimento de constitucionalização do direito e de supremacia
da constituição aumenta o poder do judiciário. Como a constituição não muda, o judiciário
cabe firmar entendimentos a respeito dela. Nesse modelo, o judiciário será a última voz.
Essa seria mais um modelo bem diferente.
A CF88 redesenhou o modelo de tripartição dos poderes. O art. 2 consagra a tripartição dos
poderes e a sua independência. O problema é: harmonicos entre si. Segundo o prof., isso é
um erro, porque eles não precisam ser assim, eles precisam estar em conflito. Harmonia é
presidencialismo de cooptação. Os poderes tem que ser separados e independentes.
Independencia: (i) a nomeação dos membros de um poder não pode ser interferida por
outro poder - por isso que o ingresso no judiciário é por meio de concurso; (ii) Devem ter
orçamento próprio para serem independentes; (iii) alguém precisa ter a palavra final. O
modelo adotado pela CF88 para nossa tripartição é um modelo que tem inspiração
americana e europeia continental. O modelo é problemático porque no brasil houve uma
mistura de presidente americano e primeiro ministro. No modelo europeu, é inviável um
ministro sem apoio. Do mesmo modo, no Brasil, o presidente precisa do congresso para
fazer muitas coisas - daí vem mensalão, petrolão e a utilização do impeachment como
“chantagem”. O Brasil e a America do Sul nunca foram parlamentaristas. A catalogação das
competências da CF88 tem inspiração na da Alemanha, que é parlamentarista. O bolsonaro
trocou a sua governabilidade pela ausência do impeachment. Problema: o congresso não é
técnico. Weber disse que o congresso somente funciona se houver técnicos. O
funcionamento do dia a dia do modelo alemão pressupõe uma tecnocracia boa. Há uma
diferença entre poder executivo político e técnico. O poder executivo técnico pode não ser
político pela ausência de apoio popular. Não é toda decisão da tecnocracia que vai passar
pelo congresso. O congresso não pensa em política pública, mas em políticas populistas.
Dessa forma, a entrega da governabilidade para o congresso acaba com as políticas públicas.
Para complementar, o judiciário tem preponderância sobre os outros dois poderes.

A supremacia dada ao poder judiciário não foi pensada como um poder com tamanha
publicidade. A corte constitucional alemã não transmite seu processo deliberativo. Quando
se dá a primazia ao poder judiciário, ele precisa ter decisões técnicas, não políticas. Nesse
sentido, o ideal seria diminuir a publicização de sua deliberação. O que precisa ser pública é
a própria decisão. O Judiciário, no nosso país, foi contaminado pela política.

Missão: tripartição é complexa e não possui uma resposta única; o modelo de tripartição vai
depender de dois fatores: (i) desenho jurídico das instituições; (ii) entender como fica a
interação do mundo jurídico e o mundo político na tripartição - não dá para afastar uma
coisa da outra. O modelo ideal considera a elaboração de políticas públicas pelo executivo
para serem aprovadas pelo legislativo. Problema atual: nosso modelo de tripartição de
poderes deu errado. Ou aumenta a autonomia do presidente ou aumenta a articulação
política do presidente com o legislativo a partir de um primeiro ministro. Deveria ser
alterada a forma de nomeação do judiciário e a influência política (a pec kam. jamais deveria
ter passado - deveria ter sido declarada inconstitucional no dia seguinte). A nossa cf
subvalorizou o direito - ela permitiu que o direito se tornasse antidemocratico, o que é
problemático.

Aula 26/10/2022 - Legalidade

A separação público-privado se dá essencialmente pela legalidade. A legalidade é antiga,


surgiu na Roma. Porém, a separação público-privado nunca se deu em termos ontológico do
Estado, mas apenas nas relações jurídicas. Para os romanos, o direito público apareciam em
poucas questões, como no direito penal (que não tinha estrutura) e no direito tributário. Na
estrutura romana, o direito civil era o direito por excelência, razão pela qual hoje temos a
teoria geral do direito na parte geral do código civil. Com a revolução francesa, há o
renascimento do romanismo. A grande lógica dos juristas franceses era a mesma dos
romanos, que entende que o direito civil era o direito por excelência - a sociedade se dá por
excelência nas relações privadas. Não à toa, os lemas da revolução francesa (liberdade,
igualdade e fraternidade) pressupõem essas qualidades aos cidadãos, de forma que não é
necessária a atuação ostensiva do Estado. A teoria jurídica que nasce pós revolução francesa
prevê a primazia do direito civil e irá prever a secundariedade do estado no direito penal e
constitucional.

Quando os franceses criam o estado de direito, estado de legalidade, eles vão dar vida ao
estado de maneira diferente daquela de seus cidadãos. O estado se personifica e ganha vida
própria, com a missão de regular a sociedade. Dentro das relações jurídicas, haverão duas
camadas: entre particulares; entre o estado e a sociedade. Isso quer dizer que as relações
entre estado e sociedade passam a ser regulada pelo direito (o que não havia
anteriormente). Para que sejam eficazes, essas relações não podem ser paritárias. Quer
dizer, acaba-se com o absolutismo, mas cria-se um estado soberano? qual a diferença entre
ambos? apenas um elemento: a submissão do estado ao direito. No antigo regime, o estado
ordenava a sociedade com base no arbítrio. No novo regime, o estado somente interferirá
na vida das pessoas com o direito. O estado, portanto, somente poderá agir com a
autorização de uma lei. Com isso, desenha-se uma diferença fundamental entre estados e
cidadãos. Estes estão amparados no código civil (podem fazer tudo, exceto o que a lei não
permite). O Estado, por sua vez, somente pode agir se a lei permitir.

Em um primeiro momento, no começo do século XIX, a legalidade será interpretada como


uma lei de competência (autorização legislativa para a atuação do estado). No código civil,
todos os capazes podem estar numa relação jurídica. No direito publico, o estado precisará
de uma competência designada pela norma. Nesse início, o Estado foi pouquíssimo atuante.
Há uma autorização muito limitada. Com o passar do tempo, ainda no sec. XIX, a sociedade
começa a mudar. Marx, por exemplo, nota que há uma desigualdade estrutural no sistema
(o pobre sempre será pobre e o rico sempre será rico), razão pela qual propõe a intervenção
do estado. A sociedade será mais complexa e desafiadora.

Estreita-se a ideia de legalidade. Não é apenas o que dá a competência para o agente


público, mas diz o que, como e quando o estado deve agir. Não é apenas a autorização, mas
com conteúdo e forma definidos. “Saint Romano” diz que a administração goza de
supremacia (é autoritária), em contrapartida os cidadãos tem direito subjetivo. Os limites da
atuação do estado são os direitos dos cidadãos. Em vista disso, evolui-se a noção de que a
legalidade é designação da “capacidade” do estado de agir.

No fim da segunda guerra mundial, surge o movimento de constitucionalização do direito


(para fugir do que houve com o nazismo e fascismo). Quando se retira da lei e inclui na
constituição os papéis do estado, enfraque-se o papel da lei. Universaliza-se a democracia
(direito de votar e de ser votado) - momento em que há várias camadas da sociedade no
legislativo. O consenso se torna mais díficil, então a produção normativa também se torna
difícil. A produção de normas de parlamentares começa a criar conceitos jurídicos
indeterminados (calamidade pública, urgência, pobreza, etc). O direito administrativo, então,
é construído em cima de um “pudim”.
Ampliação da ideia de legalidade. Retira-se o foco da legalidade parlamentar e aplica-se para
o direito todo. Vincula-se o estado ao direito, não à lei. Traz uma complexidade: é possível
haver ato legal, mas não constitucional, e vice-versa.

Na visão da virada do sec. XIX para o sec. XX, a discricionaridade administrativa é muito
limitada. Porém, no pós-guerra, do mesmo modo que aumenta-se a legalidade, aumenta-se
a discricionaridade. Mudanças pós-guerra: (i) [...]; (ii) a própria indefinição da produção
legislativa parlamentar será direcionada para o administrador resolver; (iii) surge um
aumento do poder legislativo da administração (delegação da competência; (iv) a
administração se tornará mais técnico; (v) o próprio sistema jurídico irá se construir com
base em conflitos, que não comportam pré-definições normativa.

O que se forma a partir da segunda guerra mundial é um cenário que a administração


receberá da lei comandos genéricos, delegações expressas e competências da constituição
indefinidas. Porém, é uma administração muito menos livre do que aquela prevista pelos
liberais inicialmente - a discricionariedade era fruto de uma disposição específica e uma
competência. Não haverá uma norma específica para a discricionariedade, mas em todo
ordenamento jurídico. Isso acarretará uma hipertrofia do supremo tribunal federal, pois há
mais matéria para controlar. Aumenta-se, portanto, o espectro de discricionariedade, mas
reduz os espectros de decisão (que será controlada pelo judiciário). A motivação do início
era autoexplicativa - mostrar que no mundo real ocorreu a hipótese x.

Hoje, há a sindicabilidade do ato administrativo (controle do ato administrativo). Isso levou o


direito a um outro tipo de complexidade. A ciência jurídica antiga era simples e pouco
complexa, uma vez que se baseava na doutrina legislativa. Hoje, a ciência do direito público
é mais complexa, porque a legalidade é expandida, o que expande a discricionariedade e
demanda raciocínio jurídicos complexos. Por outro lado, essa complexidade é ruim porque
pode levar às ditaduras. No momento em que se acaba o controle de constitucionalidade
pelo supremo, instaura-se uma ditadura. Não é necessário armas ou soldados.

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