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DIREITO CONSTITUCIONAL

DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS

SUMÁRIO

1. Conceitos e Noções Gerais ......................................................................................... 02


2. Normas Constitucionais ............................................................................................. 15
3. A estrutura das Constituições ................................................................................... 22
4. Mudança Constitucional ........................................................................................... 23
5. Princípios Fundamentais da República...................................................................... 24
6. Poder Constituinte ..................................................................................................... 33
7. Controle de Constitucionalidade ............................................................................... 36
8. Direitos Fundamentais ............................................................................................... 51
9. Garantias Fundamentais ............................................................................................ 75
10. Remédios Constitucionais ..................................................................................... 102
11. Nacionalidade......................................................................................................... 122
12. Direitos Políticos .................................................................................................... 126
13. Partidos Políticos .................................................................................................... 139
14. Organização do Estado........................................................................................... 141
15. Organização dos Poderes ....................................................................................... 147
16. Poder Legislativo .................................................................................................... 148
17. Processo Legislativo ....................................................................................... 157
18. Poder Executivo ..................................................................................................... 170
19. Poder Judiciário ...................................................................................................... 176
20. Ministério Público ................................................................................................. 190
21. Advocacia Pública................................................................................................... 194
22. Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas ......................................... 195
23. Da Segurança Pública ............................................................................................. 198
24. Ordem Econômica e Financeira ............................................................................. 200
25. Tribunal de Contas ................................................................................................ 203
26. Ordem Social .......................................................................................................... 205
27. Índios ..................................................................................................................... 210

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CONCEITOS E NOÇÕES GERAIS

1.1. CONCEITO DE CONSTITUIÇÃO


O conceito de Constituição não é unificado, existem várias concepções para definir o termo. Entre
as diversas concepções existentes, três se destacam, a sociológica, a política, e a jurídica.
A concepção sociológica foi desenvolvida por Ferdinand Lassale. Para o autor, a Constituição
somente será legítima se refletir as forças sociais que constituem o poder, ou seja, seria a somatória
dos fatores reais do poder dentro de uma sociedade.
Já a concepção política, desenvolvida por Carl Schmitt, enxerga a Constituição como decisão
política fundamental, decorrente do Poder Constituinte, consubstanciada em normas que refletem a
unidade política de um povo.
Por fim, a concepção jurídica, que tem como maior expoente Hans Kelsen, caracteriza a
Constituição como um fruto da vontade racional do homem, uma norma pura que reconhece um
dever-ser, sem qualquer pretensão de apresentar fundamentação sociológica, política ou filosófica.
Para o jurista, a Constituição poder ser tomada em dois sentidos: lógico-jurídico e jurídico-
positivo. No sentido lógico-jurídico, a Constituição é uma norma fundamental hipotética, cuja
função é servir de fundamento lógico da validade. Sob a perspectiva jurídico-positiva, constitui a
norma positiva suprema, que regula a criação de outras normas.

1.2. A EVOLUÇÃO DO CONSTITUCIONALISMO


1.2.1.O ESTADO MODERNO
No sistema feudal europeu a relação de poder verificava-se entre servos e senhores. Os
senhores. Os senhores (duques, barões) viviam em castelos, o redor dos quais, com o desenrolar da
história (séculos XII, XIV e XV), formaram-se pequenos vilarejos conhecidos por burgos, nos quais
passava a ser exercido o comércio. Isto ocorria porque a sociedade, até então simples e composta
basicamente por três castas (clero, nobreza e camponeses), passava a se tornar mais complexa: os
feudos já não absorviam toda a mão-de-obra camponesa, que aumentava exponencialmente; como
consequência, os “excluídos” daquele sistema tinham de exercer outras atividades, tornando-se
ferreiros, carpinteiros, artesãos, pequenos comerciantes e formando pequenas comunidades. A terra
deixava de ser a única fonte de riqueza.
O comércio e a indústria expandiram-se e a classe burguesa, vivenciando o que se pode
chamar de capitalismo embrionário, precisava de moeda e de segurança para negociar. Era factível a
necessidade de algo que assegurasse a normalidade e a ordem mediante coerção. Inaugurava-se a
transição do medievo à Idade Moderna (séculos XV a XVIII), marcada pela centralização de poder a
monarcas.
A solução encontrada pelos burgueses, ao perceberem que era necessária uma diferente
organização política, capaz de conferir-lhes estabilidade, ordem e tranquilidade, foi fortalecer a
autoridade do rei para consolidar tais objetivos. Formavam-se crescentes monarquias nacionais.
Surgia o Estado Absolutista.

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1.2.2. O ESTADO ABSOLUTISTA
O Estado Absolutista passou por duas fases. Na primeira, a fundamentação era divina e
incontestável. Maquiavel, nessa época, escreveu O Príncipe. Havia dualidade de poder entre monarca e
clero.
A segunda fase foi marcada pelo distanciamento da ideia de Estado de bases teológicas. O
absolutismo passava a ser fundamentado em bases filosóficas e contratuais. Vivia-se num período de
revolução paradigmática no campo da filosofia. Instaurava-se uma nova fundamentação ao poder,
apta a substituir os valores medievos. Aceitavam-se novas fundamentações – visão antropocêntrica,
racionalista e humanista na filosofia.
Era a época do renascimento cultural, que acarretou a definitiva secularização do Estado em
relação à Igreja.
Tomas Hobbes, o primeiro contratualista, discorreu a respeito do Estado “Leviatã”. Tratava-
se de discurso dialético envolvendo civilização e barbárie.
“Palco de uma guerra civil do gênero humano, o estado de natureza aparelhava, por
conseguinte, o extermínio e mútuo aniquilamento do todos. Era um estado de sangue,
desconfiança e ferócia contumaz, em que o medo, institucionalizado no instinto de
sobrevivência, não deixava ainda antever o advento da consciência agregativa, suscetível de
instituir um sistema de relações fundado no estabelecimento da ordem e da segurança.
Estado de natureza fadado a perpetrar-se se não houvesse logo, por necessidade já
inelutável, a passagem ao estado de sociedade.” 1
O homem perde liberdade em troca da promessa de conservação. Todas as liberdades são
transferidas ao Estado, “senhor absoluto da vida e dos comportamentos humanos, pelos menos segundo
a tese implícita nessa singular doutrina com que a razão buscou edificar o Estado Moderno”.2
Maquiavel e Hobbes forjaram ideologias que guiaram e legitimaram os arbítrios do regime
absolutista.

1.2.3. O ESTADO LIBERAL


O Renascimento e o Iluminismo foram movimentos nos quais já se havia internalizado o novo
paradigma filosófico, fundado no sujeito cognoscente, na razão, no cogito ergo sum de Descartes.
Segundo Immanuel Kant:
“Até agora se supôs que todo nosso conhecimento tinha que se regular pelos objetos; porém,
todas as tentativas de mediante conceitos estabelecer algo a priori sobre os mesmos,
através do que o nosso conhecimento seria ampliado, fracassaram sob esta pressuposição.
Por isso tente-se ver uma vez se não progredimos melhor nas tarefas da Metafísica
admitindo que os objetos têm que se regular pelo nosso conhecimento, o que assim já
concorda melhor com a requerida possibilidade de um conhecimento a priori dos mesmos
que deve estabelecer algo sobre os objetos antes de nos serem dados”. 3
Esses movimentos difundiram-se sobremaneira durante o século XVIII e marcaram franca
oposição ao regime absolutista. Discutia-se a possibilidade da mudança das bases nas quais se
fundava a noção de Estado. Propunha-se liberalismo econômico, maior participação popular nas
decisões estatais e limitações ao poder dos soberanos.
Após Hobbes, o poder absoluto do Estado já não havia sendo aceito e germinavam os ideais
revolucionários, mas ainda não havia Constituição.

1 BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 4. ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 25.
2 BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 4. ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 25.
3 KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Trad. Valério Rohden e Udo Baldur Moosburger. 3 ed. São Paulo: Nova Cultura, 1987, p. 14.

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John Locke, o segundo contratualista, tal como Hobbes, fundava os argumentos na ideia de
delegação, mas não de forma tão ampla, refutando a possibilidade de delegação da própria vida em
prol da segurança e salientando a pré-existência de direitos naturais ao homem e superiores ao
poder do Estado. Em Locke já se sinalizava certa noção de Constituição, pois se resguarda a liberdade
individual, a vida e outros direitos tidos por naturais.
Rousseau, por sua vez, não utilizou o discurso barbárie versus civilização. Os argumentos
foram voltados à ideia de um consenso inicial: “O homem nasceu livre e por toda parte ele está
agrilhoado. Aquele que se crê senhor dos outros não deixa de ser mais escravo que eles. Como se
deu essa mudança? Ignoro-o. O que pode legitimá-la? Creio poder resolver esta questão”.4 Ele
sustentava que a ordem social não advém da natureza, mas funda-se em convenções, uma vez que
“o mais forte nunca é bastante forte para ser sempre o senhor, se não transformar sua força em
direito e a obediência em dever”.5
E adiante: “dizer que um homem se dá gratuitamente é dizer uma coisa absurda e inconcebível;
este ato é ilegítimo e nulo, pelo simples fato de que quem o pratica não está em seu juízo perfeito. Dizer o
mesmo de todo um povo é supor um povo de loucos: a loucura não estabelece o direito”.6
Para Rousseau, antes de buscar compreender o ato pelo qual um povo elege um soberano,
um Estado Leviatã, é preciso examinar o ato pelo qual um povo é um povo e é aí que reside a ideia
de um pacto inicial com vistas a uma comunhão de forças suficiente à fundação da sociedade.
Argumentou que Robinson Crusoé e Adão, enquanto sozinhos em seus respectivos mundos,
não necessitavam de pacto inicial algum. Contudo, a partir o momento em que passaram a coexistir,
o pacto inicial necessitava ser firmado.
Com o pacto inicial Rousseau pressupôs a unanimidade em um tempo remoto qualquer. Se
assim não o fizesse “onde estaria a obrigação de os menos numerosos se submeterem à escolha dos
mais numerosos e de onde vem o direito de cem indivíduos, que querem um senhor, votar por dez
que não o querem?”.7
Rousseau não esteve imune a críticas. Entretanto, concretizou a ideia de Estado como
instrumento hábil à busca de um objetivo comum e limitado no tocante à possibilidade de manejar
direitos individuais.
Estava formado o caldo de ideias iluminista. A burguesia, classe já fortalecida, não mais se
contentava somente com o poder econômico e não mais suportava os abusos absolutistas. Os
burgueses queriam o poder político. Advinha a Revolução Francesa sob o lema da liberdade,
igualdade e fraternidade. O Terceiro Estado8 tomava o poder.
Instituiu-se Assembleia Nacional para a criação de uma Constituição democrática para o país
e, após a invasão popular, em 1789, da velha prisão da Bastilha, símbolo do absolutismo monárquico,
Luís XVI via-se forçado a reconhecer a legitimidade da Assembleia.
Proclamou-se a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Em 1791 concluíram-se os
trabalhos constituintes. Surgia o Estado Liberal, absenteísta. A burguesia precisava dos princípios do
laissez-faire, de modo a possibilitar o desenvolvimento do capitalismo, base de seu poderio
econômico. O Estado tinha por base a lei codificada. O que não era proibido era permitido.
Protegiam-se direitos de primeira geração (vida, liberdade, segurança).

4ROUSSEAU, Jean-Jaques. O contrato social. Trad. Antônio de Pádua Danesi. 3. ed. São Paulo, Martins Fontes, 2003, p. 09.
5 ROUSSEAU, Jean-Jaques. O contrato social. Trad. Antônio de Pádua Danesi. 3. ed. São Paulo, Martins Fontes, 2003, p. 12.
6 ROUSSEAU, Jean-Jaques. O contrato social. Trad. Antônio de Pádua Danesi. 3. ed. São Paulo, Martins Fontes, 2003, p. 14.
7 ROUSSEAU, Jean-Jaques. O contrato social. Trad. Antônio de Pádua Danesi. 3. ed. São Paulo, Martins Fontes, 2003, p. 19-20.
8 SIEYES, Emmanuel. Qu’est-ce que le Tiers-état?Paris: Éditions du Boucher, 2002.

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1.2.4. O ESTADO SOCIAL


No início do século XX o Estado Liberal entrou em crise. O regime capitalista acarretou
concentração de poder e de riquezas nas mãos de poucos. A contribuição da Revolução Industrial foi
evidente, seja pelo drástico incremento do poderio econômico daqueles que se apropriaram dos
meios de produção ou com o consequente surgimento do proletariado, classe social de operários
oprimidos com árduas jornadas de trabalho e ínfimos salários. O crescimento exponencial da
população também foi um fator determinante, pois se passou a obter grande oferta de mão-de-obra
a baixo custo, ampliando a opressão por parte dos industriais e limitando ainda mais as condições de
sobrevivência de grande parte do povo.
Intensificaram-se os conflitos sociais. Adveio a Primeira Guerra Mundial e difundiu-se o ideal
socialista na Rússia. Confeccionou-se a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar
(1919). Ambas inauguraram a ideia de Estado Social, garantidor dos direitos de segunda geração
(saúde, educação, previdência).
O Estado passa a ser responsável não somente por se abster de interferir na economia e de
propiciar ambiente propício à manutenção do regime capitalista. O Estado Social tem de oferecer
prestações positivas aos cidadãos, tais como educação, saúde, previdência social, assistência aos
desamparados, etc., passando de mero espectador a protagonista de inúmeros atos destinados a
estabelecer padrões ideais de existência aos respectivos habitantes.
A promessa do Estado Social, como alternativa viável ao absenteísmo que predominou no
mundo ocidental ao menos até o apagar das luzes do século XIX, ainda não se realizou a contento de
todos na República Federativa do Brasil.
Poucos anos passaram, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, para que se
percebessem dificuldades na realização do Estado Democrático de Direito9 nos moldes preconizados
pela Assembleia Nacional Constituinte: a despeito da facilmente verificável densidade normativa dos
chamados direitos de primeira geração, os deveres positivos impostos à federação como decorrência
lógica do reconhecimento dos direitos de segunda geração vêm sendo implementados com muita
dificuldade no Brasil.
O que se pretendeu, com a promulgação da CF/88, foi construir uma sociedade livre justa e
solidária, erradicar da pobreza e da marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais10,
possibilitar o respeito à prevalência dos direitos humanos11. Enfim, erigiu-se dignidade da pessoa
humana à qualidade de fundamento de uma República12 destinada a assegurar a igualdade e a justiça
como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos13.
O Estado Social, entre nós, ainda tem muito a realizar. A dignidade da pessoa humana,
propugnada no inciso III do artigo 1˚ da Constituição Federal, e a sadia qualidade de vida mencionada
no caput do artigo 225, também da CF, somente poderiam ser efetivamente observáveis se cada
cidadão brasileiro obtivesse o que se convencionou denominar mínimo existencial.14

9 CF, art. 1˚, caput.


10 CF, art. 3˚, inciso I.
11
CF, art. 4˚, inciso II.
12 CF, art. 1˚, inciso III.
13 CF, Preâmbulo.
14 "A cláusula da reserva do possível – que não pode ser invocada, pelo Poder Público, com o propósito de fraudar, de frustrar e de

inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição – encontra insuperável limitação na garantia
constitucional do mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo, emanação direta do postulado da
essencial dignidade da pessoa humana. (...) A noção de ‘mínimo existencial’, que resulta, por implicitude, de determinados preceitos
constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir
condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a
prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o
direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à

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De acordo com o artigo 6˚, caput e inciso IV da Constituição Federal, o piso vital mínimo (para
usarmos as palavras de Celso Antônio Pacheco Fiorillo15) deveria proporcionar o gozo de direitos
sociais tais como educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança,
previdência social, proteção à maternidade e à infância, além do direito, aos desamparados, à
assistência social.
Estado Social (ou Estado Democrático de Direito, como prefere Lênio Streck16) só será
possível quando as receitas provenientes de tributos forem arrecadadas e utilizadas de modo a
possibilitar a efetiva implementação dos serviços públicos inerentes aos direitos de segunda geração.

1.3. CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES


A doutrina costuma utilizar diversos critérios para classificar as constituições, entre eles
destacam-se, quanto ao conteúdo, à forma, ao modo de elaboração, à origem, à estabilidade e à
extensão.

1.3.1. QUANTO AO CONTEÚDO


O texto materialmente constitucional será aquele que designa as normas de conteúdo
relativas à regulação do Estado, organização dos poderes, estabelecimento de direitos fundamentais,
sejam elas escritas ou costumeiras, inseridas ou não em um único documento.
Já a constituição formal é aquela escrita, estabelecida pelo poder constituinte originário e
que somente pode ser alterada segundo um processo legislativo por ela estabelecido. Nestas
constituições, como é exemplo a Constituição brasileira de 1988, todas as normas nela inseridas são
normas constitucionais, independentemente de sua importância. Em consequência, entre essas
normas não há hierarquia distinta. Ou seja, no corpo da constituição, não há normas superiores e
normas inferiores, todas gozam da mesma hierarquia, tanto o texto permanente, quanto o Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias. Ademais, conforme o § 3º do art. 5º da Constituição
Federal, que foi inserido pela Emenda Constitucional nº 45/04, chamado cláusula de equivalência, os
Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos que forem aprovados em cada Casa do Congresso
Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às
emendas constitucionais.

1.3.2. QUANTO À FORMA


A norma constitucional pode ser escrita, quando sistematizada em um único documento
escrito que visa à organização fundamental de determinado Estado. Daí surge o conceito de
constituição legal, a norma mais importante, colocada no ápice da pirâmide normativa.
Contudo, nem todas as constituições são unificadas em um único documento solene, elas
podem decorrer de leis esparsas, de jurisprudência, de convenções e de costumes, são as chamadas
Constituições não escritas.

1.3.3. QUANTO AO MODO DE ELABORAÇÃO


Algumas constituições são fruto de um longo e contínuo processo resultante da história e da
formação e fortalecimento da tradição ou costume. São as chamadas Constituições históricas.

alimentação e o direito à segurança. Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana, de 1948 (Artigo XXV)." (ARE 639.337-AgR, Rel.
Min. Celso de Mello, julgamento em 23-8-2011, Segunda Turma, DJE de 15-9-2011.)
15 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 13.
16 STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 4 ed. rev. atual. Porto

Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 33-60.

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Por outro lado, pode acontecer de uma Constituição ser fruto da prevalência de um
contexto, uma hegemonia política que, por meio de um órgão constituinte, sistematiza os dogmas ou
ideias fundamentais acerca da teoria política e do direito dominantes naquele momento. Como
resultado, cria-se uma constituição escrita de caráter dogmático.

1.3.4. QUANTO À ORIGEM


As constituições podem ser promulgadas, quando, sua origem decorre de um órgão
constituinte composto por representantes do povo eleitos para essa finalidade. Por exemplo: as
Constituições brasileiras de 1891, 1934, 1946 e 1988.
As constituições podem ser, também, outorgadas, quando elaboradas e estabelecidas sem a
participação do povo; são aquelas impostas pelos governantes ou detentores do poder. Exemplos:
Constituições brasileiras de 1824, 1937, 1967 e sua Emenda nº 1 de 1969.
Ainda que outorgadas, algumas constituições podem requerer posterior ratificação ou
referendo popular, são as chamadas constituições cesaristas.

1.3.5. QUANTO À ESTABILIDADE


Constituições que não estabelecem nenhuma forma de revisão de suas normas não
chamadas de imutáveis, graníticas ou intocáveis. As constituições são consideradas rígidas quando
exigem um procedimento especial de alteração de seu texto, ou seja, exige-se um procedimento
mais solene e complexo que o das demais normas. A Constituição de 1988 se enquadra nesse
modelo, nos termos do seu artigo 60. Também assim o foram as Constituições de 1891, 1934, 1937,
1946 e 1967/69.
Quando não há propriamente hierarquia entre Constituição e lei infraconstitucional, de
modo que a própria lei ordinária pode mudar constantemente o texto constitucional, diz-se que a
norma constitucional é flexível. Em regra, são Constituições não escritas, porém, excepcional-mente,
é possível que sejam escritas.
As constituições podem, ainda, ser semiflexíveis ou semirrígidas, isso quer dizer que, em seu
texto, elas contemplam um processo legislativo rígido para determinadas matérias e flexível para outras.
Um bom exemplo disso é a Constituição do Império do Brasil, nos termos do seu artigo 17817. Essa divisão
pode ser notada, também, na CF/88, porquanto possui um núcleo temático imodificável (cláusulas
pétreas), levando alguns autores a classificar a Constituição brasileira de “superrígida”.

1.3.6. QUANTO À EXTENSÃO


Chamam-se de sintéticas ou concisas, as constituições que prevêem tão somente os
princípios gerais ou enunciam regras básicas de organização e funcionamento do Estado. Essa
estrutura possibilita maior dinamicidade ao processo de estabilização e flexibilização da Constituição
de modo a facilitar o acompanhamento da evolução da sociedade. Exemplos seriam a Constituição
dos EUA, a da França de 1946 e as do Chile de 1833 e 1925.
Por sua vez, as constituições analíticas, ou prolixas, são aquelas que buscam analisar e
regulamentar o máximo de assuntos cuja pertinência se identifique com o modelo de Estado em
constituição. Em geral trazem em seu texto matérias de conteúdo não-constitucional que poderiam
ser regulamentadas no plano.
Portanto, a Constituição de 1988, é classificada como sendo formal, escrita, dogmática,
promulgada, rígida e analítica.

17Art. 178. É só Constitucional o que diz respeito aos limites, e attribuições respectivas dos Poderes Politicos, e aos Direitos Politicos, e
individuaes dos Cidadãos. Tudo, o que não é Constitucional, póde ser alterado sem as

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1.4. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS
1.4.1. A CONSTITUIÇÃO DE 1824 – A CONSTITUIÇÃO IMPERIAL
Outorgada, a primeira Constituição do Brasil foi concebida para ajudar a manter a unidade
nacional logo após a independência do país.
A constituição que se impunha por vontade do poder do imperador era vital para auxiliar o
novo país a sufocar os movimentos regionais que compreendiam a independência a Portugal como
uma oportunidade para a criação de países independentes naquele espaço comum de língua
portuguesa.
O constitucionalismo, que defendia a tese de uma Constituição centralizadora e
uniformizante do território nacional, se propunha a servir como principal elemento aos interesses
daqueles que não desejavam ver o Brasil dividido em algumas pequenas nações. Assim sendo, foi
marcada pelo centralismo administrativo e político, utilitarismo e absolutismo.
Assim, a Constituição de 1824 estruturou um mecanismo centralizador e também pacificador
dos distúrbios sociais que ameaçaram a existência do território brasileiro como o conhecemos hoje
em dia.
Quando à divisão dos Poderes, um dos pontos que mais chamam atenção refere-se à
existência do Poder Moderador. Além das funções executivas, legislativas e judiciárias, estabeleceu-
se a função moderadora, exercida pelo imperador. Conforme a própria Constituição, “o Poder
Moderador é a chave de toda a organização Política.” Em termos práticos, o poder moderador
permitia ao imperador: nomear senadores, sancionar ou vetar proposições do Legislativo, dissolver a
Câmara dos Deputados, convocando outra, nomear e demitir livremente os Ministros de Estado e
suspender os Magistrados.
A Constituição de 1824, apesar de outorgada, organizada a partir de uma divisão
quatripartite de poderes (executivo, judiciário, legislativo e moderador) trouxe uma das primeiras
manifestações sobre direitos fundamentais no espaço constitucional se comparada a outras
constituições do mundo ocidental.
Nesse sentido se pode considerar o inédito artigo 179, da Constituição de 1824 que sob o
título de “Garantia dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros” buscava estabelecer
algumas diretrizes sobre o tema, mesmo em um país imperial e com um absolutismo ilustrado. Este
artigo 179, extenso e bastante detalhado para a época reconhecia, entre outros direitos, àqueles
ligados à legalidade, à igualdade, à liberdade de pensamento, bem como, à propriedade e à
inviolabilidade de domicílio.
Este artigo 179, mais do representar o tema da presença dos direitos fundamentais em uma
Constituição em nosso país, revela também a influência que aquilo que se denomina de primeira
dimensão de direitos exercia em nosso ordenamento jurídico. Esta primeira dimensão,
marcadamente liberal e tendo no indivíduo o seu principal sujeito buscava a defesa de um universo
calcado nas condições do mercado, da propriedade e da idéia de lei escrita positivada, que buscava a
proteção, fundamentalmente, dos direitos civis dos sujeitos.
Em suma, estas são as principais características da Constituição de 1824:
a) Divisão do território em províncias.
b) Governo monárquico hereditário, constitucional e representativo.
c) Religião oficial católica apostólica romana.
d) Capital do Império: Rio de Janeiro

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e) Divisão harmônica dos quatro poderes (teoria quadripartite de Benjamin Constant (Poder
Legislativo, Poder Executivo, Poder Judiciário e Poder Moderador).
f) Eleição indireta e voto censitário para o legislativo.
g) Poder executivo federal exercido por ministros de Estado.
h) O veto era um exercício exclusivo do Poder Moderador, exercido pelo Imperador.
i) Declaração de Direitos no artigo 179 da Constituição.
j) Centralização político-administrativa.

1.4.2. A CONSTITUIÇÃO DE 1891


A Constituição de 1891, segunda da história brasileira, primeira da República e primeira
constituição promulgada, sofreu grande influência da Constituição dos Estados Unidos da América. A
influência veio a ser decisiva para o ordenamento jurídico como um todo, uma vez que a Constituição
passou até mesmo a adotar um modelo de controle de constitucionalidade, seguindo o padrão
norte-americano, de natureza difusa.
Por essa Constituição, o Brasil adotou o modelo da República Federativa, e a federação
passava a constituir-se dos dois elementos fundamentais que seguem até hoje: união perpétua dos
entes federados e indissolubilidade.
Entre as inovações que trouxe, estão as seguintes:
a) define o regime representativo;
b) o presidencialismo;
c) a organização do Estado em apenas três poderes, que passam a adotar a fórmula de serem
independentes e harmônicos entre si;
d) reconhece a autonomia dos estados-membros;
e) adota a figura do habeas corpus como ação constitucional.
f) A separação do Estado da Igreja, uma vez que passamos a nos constituir como um Estado
de Natureza Laica, na medida em que não se reconhece mais uma “religião oficial”.

Com essa primeira Constituição da República, se fixa o bicameralismo federativo, constituído


pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, sendo a primeira reconhecida como a ‘casa do
povo’ e a segunda como a ‘casa do país’.
Apesar de modificações significativas, no que diz respeito ao voto, este continuaria a ser não-
secreto, pois se exigia a obrigatória assinatura na cédula pelo eleitor. Por outro lado, a nova
Constituição trouxe o fim do voto censitário, que antes definia a qualidade do eleitor a partir de sua
renda (o voto era conhecido pela expressão censitário).
Ainda assim, a exclusão da participação política se manteve ampla, pois estavam excluídos do
direito ao voto:
a) Menores de 21 anos
b) Analfabetos
c) Mulheres
d) Praças-de-pré
e) Religiosos sujeitos à obediência eclesiástica

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f) Mendigos
Ao Congresso Nacional se reservou o direito à regulamentação do sistema eleitoral para as
eleições dos cargos políticos federais, bem assim às assembleias estaduais a regulamentação para as
eleições estaduais e municipais.
No campo dos direitos fundamentais, a Constituição de 1891 manteve as proteções às
clássicas liberdades privadas, civis e políticas, ou seja, ela ainda buscava a proteção às expressões de
autonomia do indivíduo e de proteção a sua capacidade de agir enquanto sujeito capaz de firmar a
sua autonomia e vontade, por essa razão, a Constituição de 1891 não restringiu o conceito de
igualdade, ao contrário, inovando, estendendo-o aos estrangeiros. Além disso, pela primeira vez,
houve expressa previsão do remédio constitucional do habeas corpus.
Além disso, ela previu, por exemplo, a gratuidade do casamento, os direitos de reunião e
associação, bem assim o direito à ampla defesa e muitos outros conforme o seu artigo 72, que
apesar de ser extenso como o anterior artigo 179 da Constituição de 1824, não reconheceu direitos
sociais da classe operária que se constituía lentamente a partir de um processo de urbanização
igualmente lento pela sobrevida da tradição agropecuária de nosso país.

1.4.3. A CONSTITUIÇÃO DE 1934


A Constituição de 1934 veio precedida de grandes transformações sócio-político-econômicas,
uma vez que em 1930 o Brasil transforma a natureza da própria República com o movimento que
ficou conhecido como “Revolução de 1930”. O sonho de construir uma nação voltada à indústria e à
urbanização se inicia.
A partir dessa “revolução”, as condições que representavam o país foram alteradas por um
projeto de modernização econômica, ampliação dos espaços urbanos e a emergência de novos
grupos sociais no poder.
A Constituição de 1934 se fez, assim, necessária, já que as mudanças sociais exigiram uma
nova formatação jurídico-constitucional. A Constituição de 1934 é a terceira da história brasileira,
segunda promulgada, segunda da república.
Ela manteve os princípios formais fundamentais que estavam presentes na Constituição
anterior. Entretanto, apresentou algumas importantes novidades, tais como:

a) Ampliou o poder do executivo.


b) Alterou o bicameralismo rígido, pois passou a atribuir o exercício do Poder legislativo
apenas para a Câmara dos Deputados, já que transformou o Senado Federal em órgão
colaborador da primeira.
c) O voto feminino veio a ser admitido.
d) Criação da Justiça Eleitoral.
e) O mandado de segurança passa a ser uma ação constitucional de garantia dos direitos do
cidadão.
A Constituição de 1934 ainda se mantivesse presa a defesa dos direitos e garantias
individuais de primeira dimensão, porém, acrescentou o ao nosso ordenamento jurídico a segunda
dimensão, como se percebe no título sobre a ordem econômica e social, sobre a família, educação e
a cultura, e sobre o trabalho, com normas de natureza programáticas, bem ao encontro desta
dimensão que se reconhece como a dimensão dos direitos sociais.

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Influenciada pelas constituições européias pós-primeira guerra mundial, fundamentalmente
a Constituição de Weimar, de 1919 e pela Constituição do México, de 1917, a Constituição de 1934
pode avocar para si o fato de que ela inaugurou o que se reconhece como “Estado Social Brasileiro”,
estado amplamente intervencionista na medida em que se colocava como um Estado provedor da
proteção dos direitos sociais de seus concidadãos.
A Constituição de 1934 reconheceu uma série de direitos sociais, como se pode observar em
seu artigo 113 e 121, importantes que foram para lançarem as bases do que mais tarde será o futuro
Ministério do Trabalho e da Consolidação das Leis do trabalho, a CLT, pois reconhece que “a lei
promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do trabalho, na cidade e nos campos,
tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do País.”
Contudo, esta constituição teve um curtíssimo prazo de vigência, pois foi logo substituída
pela Constituição do Estado Novo.

1.4.4. A CONSTITUIÇÃO DE 1937


A Constituição de 1937, quarta da história brasileira, segunda outorgada, foi de autoria de
Francisco Campos. Também conhecida como Polaca, por ter sido baseada na Constituição autoritária
da Polônia. Seu grande objetivo era o fortalecimento do Poder Executivo, permitindo-lhe realizar uma
mais rápida e eficaz intervenção nos espaços do poder, inclusive quanto à elaboração das leis, nesse
sentido, muitos avanços anteriormente elaborados foram interrompidos pelo período ditatorial que se
estabelecia a partir daquilo que se denominou chamar de “Era Vargas”.
Essa intervenção no espaço jurídico significou:
a) possibilidade do Poder Executivo, em princípio, propor a iniciativa de leis;
b) em certos casos, expedir decretos-lei;
c) reduzir o papel do Parlamento Nacional, inclusive quanto à sua função precípua na
elaboração da Lei.

Conforme os termos do artigo 38 da Constituição de 1937, o Poder Legislativo seria exercido


pelo Parlamento Nacional com a colaboração do Conselho da Economia Nacional e do Presidente da
República. O bicameralismo veio a ser mantido, mas na sua composição se pode perceber uma
alteração significativa: Câmara dos Deputados e Conselho Nacional (o Senado deixou de existir ao
longo do Estado Novo).
No que diz respeito à Câmara, ela seria composta de representantes, eleitos mediante o
sufrágio indireto, para um mandato de 04 anos.
No caso da eleição para presidente da República, esse seria escolhido também pela via
indireta, com um mandato de 06 anos.
Suas principais inovações:
a) O mandado de segurança não foi previsto pela Constituição.
b) A ação popular não veio a ter a sua previsão na Constituição.
c) O direito à manifestação do livre pensamento foi restringido.
d) O artigo 178 dissolveu a Câmara, o Senado, as Assembleias dos estados e as Câmaras
municipais.
e) Os partidos políticos foram proibidos.
f) Possibilidade de aplicação da pena de morte para crimes de natureza política.

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g) O direito de greve foi proibido.
h) Política de nacionalização da economia.
A Constituição criada sob essas condições consequentemente proibiu os partidos políticos, a
imprensa tornou-se alvo de censura e controle através do DIP (departamento de imprensa e
propaganda), órgão do governo Vargas e repressão severa justificada através de uma ampla extensão
do poder do presidente da república.
Entretanto, mesmo nesta Constituição, se pode anotar a presença do artigo 122 que ainda
reconhece alguns direitos individuais, uma vez que a política externa de Vargas, ainda que simpática
aos países do Eixo (Alemanha-Itália-Japão) não buscava um afastamento aberto com os ideais das
nações ainda democráticas.

1.4.5. A CONSTITUIÇÃO DE 1946


A Constituição de 1946 foi marcada tanto pela derrocada da Segunda Guerra Mundial (1939-
1945), quanto pela renúncia de Getúlio Vargas, que não conseguiu se manter à frente do poder na
medida em que a vitória das nações aliadas significaram a emergência dos valores democráticos
dessas nações que se tornaram impossíveis de conviver com um país ditatorial.
A Constituição de 1946 é a quinta da história brasileira, a terceira promulgada, uma vez que
veio a representar uma reabertura da política e a consolidação da democracia ocidental em nosso
país.
Essa Constituição buscou inspiração nas Constituições de 1891 e 1934, uma vez que se queria
recuperar as condições político-ideológicas do liberalismo e do Estado-social, igualmente da livre
iniciativa, bem assim da justiça social.
Importa destacar os seguintes aspectos ratificados por essa Constituição:
a) A previsão do artigo 4º do ADCT, que destaca o fato da transferência da Capital da União
para o planalto central.
b) Manutenção do estado laico.
c) A teoria tripartite dos poderes do Estado foi restabelecida.
d) Organização do Poder Legislativo no Congresso Nacional, reorganizando o bicameralismo
no reconhecimento da existência da Câmara dos Deputados e do Senado.
e) Eleição direta para presidente da República, para um mandato de 05 anos.
f) O mandado de segurança e a ação popular são restabelecidos no texto constitucional.
g) Restabelecimento do pluripartidarismo.
h) Vedação da pena de morte, de banimento, de confisco e a de caráter perpétuo.

A Constituição de 1946 se deu a partir de uma recuperação da discussão do tema sobre as


garantias e os direitos individuais e sociais, os quais se viram revigorados pelo contexto do pós-guerra.
Recuperando os princípios da Constituição de 1934, nos títulos que desenhavam os temas da
“Nacionalidade e a Cidadania”, bem como naquele dos “Direitos e Garantias Individuais”, a
Constituição de 1946 foi amplamente marcada pela defesa do pluralismo, do pluripartidarismo, do
direito à liberdade, à igualdade, bem assim construída sob a égide da Declaração Universal dos
direitos do Homem, de 1948, que inaugura uma nova dimensão de direitos, a 3º.
Esta nova dimensão busca centrar a sua proteção sobre bens abstratos, que transcendam ao
imediato individuo e ao mediato social. São bens tais como:

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a) liberdade
b) solidariedade
c) paz
d) fraternidade
e) felicidade
f) direitos difusos
g) direito ao meio ambiente
h) direito ao patrimônio histórico e cultural
i) defesa dos direitos abstratos

A liberdade de pensamento, não era total no que dizia respeito a diversões públicas e
espetáculos, mas, foram abolidas as penas de morte e prisão perpétua e foram restaurados os
institutos do habeas corpus, mandado de segurança e ação popular, bem como também a
integralidade dos princípios da irretroatividade da lei e da legalidade.
Esta Constituição, marcada pela experiência anterior da Era Vargas chegou a estabelecer que
as liberdades e garantias individuais não podiam vir a ser cerceadas por meio de condições e
estratégias autoritárias, numa clara manifestação de proteção aos princípios democráticos. Neste
sentido, até mesmo quando se tratava da possibilidade do Estado de Sítio a Constituição impedia a
vontade soberana do chefe do executivo e atribuía tal condição excepcional ao Congresso Nacional.
Ela também reconheceu o direito de greve aos trabalhadores, reafirmando,
constitucionalmente o direito do repouso semanal remunerado e a participação obrigatória e direta
nos lucros da empresa. Importa destacar que uma das maiores inovações da Constituição de 1946
veio a ser a instituição, no capítulo dos direitos individuais da norma que determinava que “a lei não
poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual”, o que
significava afirmar que a partir da experiência histórica vivida por nosso país esta Constituição, em
particular, instituía ao mesmo tempo um Estado de direito, mas uma limitação da vontade deste em
relação ao direito da inafastabilidade do sujeito em se socorrer do poder judiciário, pois se
reconhecia a condição de harmonia entre os três poderes.

1.4.6. A CONSTITUIÇÃO DE 1967


Os eventos que culminaram para a emergência desta Constituição estão determinados pelas
condições de crise institucional interna pela qual vivia o Brasil nos anos 60. Para justificar o novo
poder, era imperativo realizar uma nova Constituição que viesse a legitimar o status quo daquele
período.
A Constituição de 1967, a sexta da história brasileira, a terceira outorgada, se impunha na
medida em que os atos institucionais impostos pelos militares careciam de legalidade, uma vez que
não estavam previstos pela Constituição de 1946.
Seus principais elementos podem ser assim compreendidos:
a) Centralização política sem o abandono da forma federalista.
b) Brasília é reconhecida como a capital do Brasil.
c) Manutenção da natureza laica do Estado brasileiro.
d) Manutenção meramente decorativa da divisão dos poderes.

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e) Reconhecimento do Poder Legislativo do presidente da República por decretos-leis.
f) Institucionalização dos atos institucionais.
g) Possibilidade de suspensão dos direitos políticos por um período de 10 anos.

A Constituição de 1967 veio a consolidar uma série de arbitrariedades que se fizeram sentir,
desde 1964, pelos decretos dos Atos Institucionais, os “AI”, instrumentos excepcionais que acabaram
ampliando o poder da junta militar.
Sem poder assumir a condição explícita de um regime efetivamente autoritário, o Brasil
tentava demonstrar a presença de um clima de estabilidade constitucional, uma vez que o Congresso
Nacional fora convocado, por meio do Ato Institucional n° 4, para discutir e votar um novo texto
constitucional, justificando legalmente a condição excepcional e conflituosa entre a antítese dos ‘AIs’
e a Constituição de 1946. Em 1967, o resultado foi a promulgação de uma nova Constituição
essencialmente centralizadora, que requereu para o âmbito federal uma série de competências que
antes pertenciam aos estados-membros e aos municípios, ampliando a força dos militares e da
ditadura.
Sem abandonar a defesa de direitos individuais e direitos sociais dos trabalhadores a
Constituição de 1967, por outro lado, reduziu ao limite a autonomia individual, já que ela permitia
suspender direitos e garantias constitucionais.
Foi editado o Ato Institucional n° 5, o que veio a representar na prática o controle sem limites
do poder executivo e a limitação inquestionável dos direitos fundamentais longamente construídos
pelo nosso sistema constitucional anterior.
A Constituição de 1969, a sétima da história brasileira, a quarta outorgada, nasceu no
processo de golpe militar e de ruptura da ordem que começara em 1964 e que se consolidava 05
anos depois.
Importa lembrar que a emenda constitucional que deu origem à Constituição de 1969 visou
institucionalizar e constitucionalizar o Ato Institucional de n.º 5, que representava na prática um
regime autoritário e repressivo em nosso país. Entre as suas iniciativas podem ser destacadas:
a) Fechamento do Congresso Nacional por 10 meses.
b) Suspensão da garantia do habeas corpus quando ocorresse crime político, contra a
segurança nacional, ordem econômica e social e economia popular.
c) Proibição ao pluripartidarismo (reconhecimento da existência de duas estruturas sociais
que agiam como partidos sem o serem: A Aliança renovadora Nacional (ARENA) e o
Movimento Democrático Brasileiro (MDB).
d) Eleição indireta para presidente da República.

1.4.7. A CONSTITUIÇÃO DE 1988


A Constituição de 1988, a oitava da história brasileira e a quarta promulgada, veio a
acontecer após um longo processo histórico que levou a sociedade brasileira ao movimento das
Diretas Já, bem como ao fim do período militar e o retorno de todos os direitos que sofreram uma
diminuição ao longo da ditadura militar.
Esta Constituição representou a retomada da trajetória democrática em nosso país,
buscando reapresentar todos os principais grupos sócio-ideológicos presentes em nossa realidade
social.

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A Constituição inovou em inúmeros campos, não somente por destacar em sua primeira
parte normas materiais que exalam a invasão dos princípios fundamentais no texto constitucional.
A técnica que o constituinte originário buscou desenvolver veio a ser a de consagrar os
direitos e garantias individuais e coletivos, bem como a apresentação do procedimento legislativo,
das competências dos entes da República Federativa, como a competência de todos os institutos que
formam os três poderes independentes e harmônicos entre si.
A Constituição de 1988, a constituição cidadã, não apenas restaurou os direitos e garantias
individuais como ampliou a capacidade jurídica dos princípios que informam a defesa do ser humano
em se metamorfosearem enquanto regras jurídicas impositivas, permitindo a Constituição uma força
principiológica que é hoje a base de todo o ordenamento jurídico.

NORMAS CONSTITUCIONAIS

2.1. PRINCÍPIOS E REGRAS CONSTITUCIONAIS


Analisando-se a evolução dos princípios gerais de Direito aos princípios constitucionais, Paulo
Bonavides18 utiliza a doutrina alemã de Robert Alexy para enfrentar a diferença entre regras e
princípios.19 Ambos são considerados normas jurídicas, porém princípios possuem alto grau de
generalidade, enquanto regras são mais específicas.
Os princípios, na atualidade, rompem com o velho paradigma jusprivatista de que seriam
meras fontes de teor supletório passando a constituir fundamento de toda a ordem jurídica, na
qualidade de princípios constitucionais.20 Desse contexto é que surge a lição de Celso Antônio
Bandeira de Mello, no sentido de que “violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma
norma qualquer”.21
Um dado importante a ser destacado é que inexiste princípio com incidência absoluta ou
peso maior sobre todos os demais. Por exemplo, o princípio da dignidade da pessoa humana, em que
pese sua posição privilegiada no núcleo normativo constitucional, não necessariamente irá
prevalecer sobre todos os demais princípios constitucionais existentes. Como já referido, a análise de
uma série de circunstâncias, em especial a análise do caso concreto (com a ponderação dos bens e
interesses contrapostos), é que irá permitir a tomada de decisão de modo a não se anular um
princípio em detrimento do outro, mas sim compatibilizá-los frente ao antagonismo da situação.

18
BONAVIDES, op. cit., p. 255 e segs.
19 “As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para
cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são
axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos. [...] Os princípios
são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja
aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado das coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida
como necessária à promoção.” (ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 2.ed. São Paulo:
Malheiros, 2003, p. 70).
20
BONAVIDES, op. cit., p. 289.
21 “Princípio – já averbamos alhures – é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição

fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e
inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.
É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema
jurídico positivo. [...] Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa
não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou
inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus
valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.” (BANDEIRA DE MELLO, Celso
Antônio. Curso de direito administrativo. 20.ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 902-903.

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2.2. INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL
A Constituição Federal, como norma fundamental, é o fundamento de validade de todas as
demais normas existentes no ordenamento jurídico. A Constituição deve ser interpretada através dos
métodos clássicos (gramatical, histórico, teleológico e sistemático), mas obedece a princípios
especiais de interpretação, decorrentes principalmente de sua supremacia. São eles:
- Unidade da constituição: a Constituição deve ser interpretada como um conjunto de
normas, uma unidade normativa. Suas normas encontram-se harmonicamente estabelecidas,
devendo ser afastadas aparentes contradições. Não se interpreta uma norma constitucional
de forma isolada, ela deve ser vista em um contexto normativo.
- Efeito integrador: a Constituição não pode ser vista como instrumento de desagregação
social. Ao contrário, ela deve buscar a integração política e social, reforçando a unidade do
ordenamento jurídico.
- Máxima efetividade (ou interpretação efetiva, ou princípio da eficiência): as normas
constitucionais devem ser interpretadas extraindo-se delas o sentido que lhe atribua maior
efetividade.
- Concordância prática (ou harmonização): decorre da inexistência de hierarquia entre as
normas constitucionais e exige do intérprete a harmonização entre as diversas normas, e em
consequência entre os valores constitucionalmente protegidos. Com isso, evita-se o sacrifício
de um direito em detrimento de outro.
- Força normativa: a Constituição é norma fundamental e como tal produz eficácia jurídica.
Dessa maneira, dentre as interpretações possíveis, deve o intérprete adotar aquela que
atribua maior eficácia às normas constitucionais.

2.3. CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS QUANTO À


APLICABILIDADE
Segundo a consagrada classificação proposta por José Afonso da Silva, em sua obra
Aplicabilidade das Normas Constitucionais, levando em conta sua aplicabilidade, as normas
constitucionais apresentam-se como:
Normas Constitucionais de Aplicabilidade Plena: são aquelas normas constitucionais que
produzem eficácia de forma direta, imediata e plena. Ou seja, independentemente de qualquer
norma complementar, possuem aptidão para produzir eficácia integral. Ex. Art. 14, § 2º.
Normas Constitucionais de Aplicabilidade Contida (ou restringíveis): são normas que
possuem aplicabilidade direta e imediata, mas que podem ser restringidas quanto a sua abrangência.
A restrição será possível através da lei. Mas, se não houver lei restritiva, a eficácia será plena. Ex. Art.
5º, § XIII.
Normas Constitucionais de Aplicabilidade Limitada: não produzem os seus efeitos de forma
plena, pelo menos imediatamente, necessitando de normas complementares. No entanto, produzem
uma eficácia imediata, embora reduzida (eficácia negativa, interpretativa e revogadora). Ainda com
base na classificação de José Afonso da Silva, estas normas subdividem-se em:
Normas de princípio institutivo (ex. art. 102, § 1º);
Normas de princípio programático (ex. art. 7º, XX); as normas programáticas são aquelas que
buscam atingir metas públicas, programas de governo, estabelecidos na CF.

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2.4. APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS


O objeto da interpretação/aplicação constitucional pode ser dividido em duas linhas: a)
aplicação direta da norma constitucional como, por exemplo, a realização do plebiscito veiculado
pelo artigo 2˚ do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias;22 b) verificação de
compatibilidade vertical de uma norma inferior com as disposições constitucionais (aqui a norma da
Constituição funciona como paradigma).
As normas constitucionais têm peculiaridades a serem observadas pelo intérprete/aplicador.
Dentre tais peculiaridades podem ser mencionadas as seguintes: a) superioridade hierárquica; b)
natureza da linguagem; e c) caráter político.23
A questão relativa à natureza da linguagem merece destaque. As regras constitucionais, por
sua própria natureza, podem apresentar um altíssimo grau de abstração. Basta mencionarmos os
princípios da igualdade24, da moralidade25, da justiça social26, a função social da propriedade27, a
dignidade da pessoa humana28.
Quanto maior a abstração de uma norma, mais espaço de atuação, de discricionariedade,
dispõe aquele que a pretende interpretar/aplicar. A esse espaço de atuação J.J. Gomes Canotilho diz
que:
“Situadas no ‘vértice’ da ‘pirâmide normativa’, as normas constitucionais apresentam, em
geral, uma maior abertura (e, consequentemente, uma menor densidade) que torna
indispensável uma operação de concretização na qual se reconhece às entidades
aplicadoras um ‘espaço de conformação’ (‘liberdade de conformação’, ‘discricionariedade’)
mais ou menos amplo”.29
É verdade que grande parte das normas contidas na Constituição de 1988 não detêm tanto
grau de abstração como as há pouco mencionadas. Isto se deve ao fato de que se está diante de uma
Constituição analítica na qual há diversas normas só formalmente constitucionais.
As normas com alto grau de abstração são chamadas de princípios. Não existe exata
definição do que seriam esses conceitos jurídicos indeterminados.
Como não há possibilidade de chegar-se a um consenso a respeito de qual seria um conceito
ideal de moralidade, justiça social ou dignidade da pessoa humana, a única maneira de serem
aplicados esses conceitos jurídicos indeterminados seria mediante a análise isolada de cada caso
concreto, de cada situação submetida ao crivo interpretativo.
Desta forma, resta fácil perceber que o intérprete desse tipo de norma tem maior espaço
interpretativo do que quando ele se depara com aquelas previstas de forma casuística.
Quando nos referimos às normas casuísticas, em franca oposição às normas abertas,
queremos nos reportar àquela espécie na qual o legislador busca fixar, do modo mais completo
possível, as situações concretas a serem por elas abrangidas.

22 “Art. 2º. No dia 7 de setembro de 1993 o eleitorado definirá, através de plebiscito, a forma (república ou monarquia constitucional) e o
sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que devem vigorar no País.”
23 Estas características são apontadas por Luís Roberto Barroso (Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática

constitucional transformadora. 5. ed. São Paulo: Sairaiva, 2003, p. 107). Entretanto, o autor ressalta que há diversos outros modos de
apontar as peculiaridades das normas constitucionais e cita como exemplo as obras de J.J. Gomes Canotilho, Jorge Miranda, Celso Ribeiro
Bastos e Raúl Casosa Usera.
24
CF, artigo 5˚, caput.
25 CF, artigo 37, caput.
26 CF, artigo 170, caput.
27 CF, artigo 5˚, inciso XXIII, artigo 170, inciso III, artigo 182, § 2˚ e artigo 186.
28 CF, artigo 1˚, inciso III.
29 CANOTILHO, J. J. Gomes, Direito Constitucional. 5 ed. Coimbra: Almedina, 1986, p. 216.

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A utilização de normas o mais específicas possível (tipos) é imprescindível no tocante à
previsão das condutas penalmente relevantes, bem como naquelas capazes de viabilizar o
surgimento de um fato gerador tributário. Afinal, o que se espera, tanto do intérprete das normas
penais incriminadoras, quanto daquele responsável pela análise de eventual subsunção de condutas
humanas à hipótese de incidência tributária (para usarmos a expressão de Ataliba30) é somente que
ele aplique a norma abstratamente prevista acaso o fato ocorrido no mundo fenomênico,
empiricamente observável, esteja em perfeita consonância com o tipo. Não há muito espaço
interpretativo.
De forma diametralmente oposta, quando o legislador, seja ele o Constituinte ou o ordinário,
utiliza-se de conceitos jurídicos indeterminados como a dignidade da pessoa humana e a função
social da propriedade (para ficarmos somente no nível constitucional), é imprescindível que o
intérprete construa a norma aplicável a cada caso concreto. É por intermédio desse tipo de norma
que se busca a verdadeira concretização do direito. Os conceitos jurídicos indeterminados são os
alicerces de uma aplicação otimizada, realista e justa do direito, da norma ao caso concreto.
As cláusulas abertas conferem ao intérprete a possibilidade de atribuição da justiça a cada
caso concreto, além de conferir eficácia ao próprio texto legal, senão perene, mais duradoura do que
se estivesse ela circunscrita à casuística abstratamente prevista pelo legislador.
A força normativa31 é intensamente maior e assim permanece por muito mais tempo, pois as
pressões axiológicas, ainda que se alterem, poderão, no máximo, acarretar alguma diferença quando
da construção da norma no decorrer dos tempos. Jamais, entretanto, do próprio texto
constitucional.
Não se pode olvidar que, diante da clara abertura dos princípios, o Legislativo atribui ao
Judiciário o poder-dever de construir a norma em cada caso concreto. Assim, no caso dos princípios,
a jurisprudência detém forte influência, quase nos moldes do sistema de precedentes norte-
americano.
Por outro lado, é inegável que as regras constitucionais detenham forte caráter político.
Segundo Luís Roberto Barroso:
“Uma Corte Constitucional não deve ser cega ou indiferente às conseqüências políticas de
suas decisões, inclusive para impedir resultados injustos ou danosos ao bem comum. Mas
somente pode agir dentro dos limites e possibilidades abertas pelo ordenamento. Contra o
direito o juiz não deve decidir jamais. Em caso de conflito entre o direito e a política, o juiz
está vinculado ao direito” 32.
As decisões do Supremo Tribunal Federal podem ser pintadas com cores políticas. Basta, para
tanto, lembrarmos da possibilidade de aquela corte limitar os efeitos de uma declaração de
inconstitucionalidade, ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou d e
outro momento que venha a ser fixado (Lei 9.868/99, artigo 27 e Lei 9.882/99, artigo 11).33
A declaração de inconstitucionalidade, por atingir o plano de validade da norma, gera efeitos
retroativos (ex tunc). Entretanto, o Supremo Tribunal Federal não pode estar alheio ao impacto que
as decisões lá proferidas possam causar em termos socioeconômicos.

30
ATALIBA, Geraldo, Hipótese de Incidência Tributária. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
31
HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991.
32 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 5.

ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 112


33 Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional

interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração
ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

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2.4.1. PARTICULARIDADES
Deve-se dar grande importância à interpretação sistemática da Constituição, pois é somente
mediante uma visão geral da Carta que se consegue respeitar o princípio da unidade da Constituição.
Este postulado preconiza que as normas constitucionais não podem ser analisadas de forma
isolada, como se fossem elementos autônomos, independentes, bastantes em si mesmos.
Os princípios constitucionais são a síntese dos valores mais relevantes da ordem jurídica. Eles
devem funcionar como horizontes interpretativos em qualquer processo de aplicação das regras
constitucionais. Eles indicam o ponto de partida e os caminhos a serem seguidos. Violar um princípio
é muito mais grave do que transgredir uma regra.34

2.4.2. PRESUNÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE


Em síntese aponta-se que: a) em caso de dúvida, a inconstitucionalidade da norma não deve
ser declarada; b) havendo alguma interpretação possível que permita afirmar-se a compatibilidade
da norma com a Constituição, em meio a outras que levavam à inconstitucionalidade, deve o
intérprete optar pela compatibilidade, mantendo o preceito em vigor (esta é a chamada
interpretação conforme a Constituição).

2.4.3. INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO


Havendo alguma interpretação possível que permita afirmar-se a compatibilidade da norma
com a Constituição, em meio a outras que levavam à inconstitucionalidade, deve o intérprete optar
pela compatibilidade, mantendo o preceito em vigor.
Trata-se de processo que se realiza mediante a observância dos seguintes passos: a) escolha
de uma interpretação da norma que a mantenha em harmonia com a Constituição; b) a percepção de
que se está a buscar um sentido para a norma que não seja o mais evidente (interpretação literal); c)
escolha da interpretação mais coerente com a manutenção do texto legal e a consequente exclusão
de outras interpretações que pudessem acarretar incompatibilidade com a Constituição.
Como se percebe, a interpretação conforme a constituição não é um simples procedimento
de hermenêutica, mas um mecanismo de controle de constitucionalidade pelo qual se declara
ilegítima uma determinada leitura da norma legal. Importante destacar que, diferentemente de
outras técnicas de controle da constitucionalidade, no caso da interpretação conforme o texto legal
permanece íntegro, mas sua aplicação fica restrita.35

2.4.4. UNIDADE DA CONSTITUIÇÃO


Importante postulado do processo de interpretação das normas constitucionais. Com base
neste postulado podemos resolver aparentes antinomias entre, por exemplos, a liberdade de
manifestação do pensamento36 e o direito à honra e à intimidade37; entre o direito de propriedade38
e a função social da propriedade39.

34 ÁVILA, Humberto, Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4 ed. São Paulo, Malheiros, 2004; DWORKIN,
Ronald, Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
35
O STF, ao analisar a constitucionalidade de disposições legais que autorizariam a requisição e a utilização de informações bancárias, pela
Receita Federal, diretamente às instituições financeiras, para instauração e instrução de processo administrativo fiscal (LC 105/2001,
regulamentada pelo Decreto 3.724/2001), conferiu-lhes interpretação conforme à Constituição, tendo como conflitante com esta qualquer
outra que possa implicar afastamento do sigilo bancário do cidadão, pessoa natural ou jurídica, sem ordem emanada do Judiciário (RE
389808/PR, rel. Min. Marco Aurélio).
36 CF, artigo 5˚, inciso IV.

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Para Paulo Bonavides, “A unidade da Constituição na melhor doutrina do constitucionalismo
contemporâneo só se traduz, compreensivelmente, quando tomada em sua imprescritível
bidimensionalidade, que abrange o formal e o axiológico, a saber, a forma e a matéria, razão e
valor”.40
Isto porque, na aplicação do postulado da unidade constitucional, deve-se atentar à grande
importância dos princípios constitucionais, especialmente quando estão eles arrolados dentre os
fundamentos da República Federativa do Brasil.41 Afinal, “O princípio, sobretudo, é o substantivo da
ciência constitucional, a bússola de todas as Cartas Magnas na idade dos direitos fundamentais”.42
Nada obstante, lembre-se que não há hierarquia entre normas constitucionais originárias.

2.4.5. FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO


De acordo com Ferdinand Lassale, questões em nível constitucional não deveriam ser
tratadas como questões jurídicas, mas, sim, políticas. Para ele, a Constituição de um país expressaria
somente as relações de poder nele dominantes num dado momento histórico-cultural: o poder
militar, o poder social, o poder econômico, além do poder intelectual (este ainda que em menor
proporção). Seriam somente tais fatores reais de poder os capazes de conformar a Constituição real
de um determinado país. Dessa forma, a chamada Constituição Jurídica não passaria de um mero
documento escrito, um pedaço de papel incapaz de, em confronto com a Constituição real, exercer
força normativa. Profetizou que no caso de conflito entre a por ele denominada folha de papel e
fatores reais de poder dominantes no país, seria inevitável a constatação de que a Constituição
escrita acabaria, sempre, sucumbindo.43
Konrad Hesse chamou a atenção para a necessidade de se analisar tanto o mundo real
quanto o jurídico de forma harmônica, em seu inseparável contexto e no seu condicionamento
recíproco.
Para ele, “uma análise isolada, unilateral, que leve em conta apenas um ou outro aspecto,
não se afigura em condições de fornecer resposta adequada à questão”. Para aqueles que, como
Kelsen e seus seguidores, contemplam apenas a ordenação jurídica, a norma estaria em vigor ou
revogada, não havendo possibilidade de se chegar a outras conclusões. Em antítese, quem, como
Lassale, considera tão somente a realidade política e social (as reais fontes de poder) não tem
condições de compreender a problemática da força normativa das normas constitucionais,
acarretando a pura e simples negação do significado da ordenação jurídica.
Hesse, depois de dizer que “a radical separação, no plano constitucional, entre realidade e
norma, entre ser (Sein) e dever ser (Sollen) não leva a qualquer avanço”, salientou que toda
Constituição escrita, desde que escorada na realidade histórica, política, cultural e econômica de um
país, com vistas a regular situações futuras de forma eficaz, passível de ulteriores e alterações
interpretativas, é dotada de pretensão de eficácia.
Entretanto, essa pretensão de eficácia somente faria sentido se a práxis dos tribunais e de
todos aqueles que à Constituição estariam submetidos sinalizasse de forma a atribuir força
normativa à norma escrita.

37 CF, artigo 5˚, inciso X.


38 CF, artigo 5˚, inciso XXII.
39
CF, artigo 5˚, inciso XXIII.
40
BONAVIDES, Paulo, Teoria Constitucional da Democracia Participativa: por um Direito Constitucional de luta e resistência; por uma Nova
Hermenêutica; por uma repolitização da legitimidade. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 233.
41 CF, artigo 1˚.
42 BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Participativa: por um Direito Constitucional de luta e resistência; por uma Nova

Hermenêutica; por uma repolitização da legitimidade. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 92.
43 LASSALE, Ferdinand. A essência da Constituição. Rio de Janeiro: Líber Júris, 1985.

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Assim, a Constituição real, a folha de papel de Lassale, deixaria de ter apenas uma pretensão de
eficácia limitada ao mundo jurídico, passando efetivamente a regular as situações objetivadas quando da
respectiva elaboração ou até mesmo, num futuro distante, as novas situações a ela submetidas.
Tudo dependendo do que Hesse denominou vontade de constituição, necessariamente
inerente não só aos tribunais, mas, também, a todos aqueles que se encontram em situação de
submissão ao texto constitucional.44
Os argumentos que melhor se adaptam à busca de efetividade ao texto constitucional
brasileiro parece ser o de Hesse. Primeiro porque não acarreta a negação da própria Constituição e,
como consequência, do Direito Constitucional.
Segundo porque, partindo do pressuposto de que o texto constitucional é um retrato do
presente com vistas a regular situações futuras, atribui-se maior âmbito de atuação do intérprete de
suas normas.
Terceiro porque, nessa perspectiva, afasta-se o risco de o texto necessitar de profundas
reformas (ou até mesmo de substituição), por não mais retratar a fonte de poder dominante em
determinado momento histórico do país.
Quarto porque o texto constitucional brasileiro é dirigente45 em sua maior parte,
necessitando de conformação à realidade de um país continental, incapaz de atender às inúmeras
situações juridicamente abrangidas mediante simples critérios de subsunção.
Assim, pode-se afirmar que seria mesmo a práxis dos tribunais, aliada à vontade de
constituição de todos aqueles submetidos à norma constitucional, a forma de se buscar adequação
de uma Constituição programática à dinâmica realidade brasileira.
Nesse contexto da força normativa da Constituição, pode-se invocar um método de
interpretação (interpretação evolutiva), uma consequência dele decorrente (a mutação
constitucional)46 e um postulado (proibição de retrocesso)47 de inegável importância constitucional.

44 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991.
45 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (org.). Canotilho e a Constituição dirigente. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
46 “A INTERPRETAÇÃO JUDICIAL COMO INSTRUMENTO DE MUTAÇÃO INFORMAL DA CONSTITUIÇÃO. - A questão dos processos informais

de mutação constitucional e o papel do Poder Judiciário: a interpretação judicial como instrumento juridicamente idôneo de mudança
informal da Constituição. A legitimidade da adequação, mediante interpretação do Poder Judiciário, da própria Constituição da República,
se e quando imperioso compatibilizá-la, mediante exegese atualizadora, com as novas exigências, necessidades e transformações
resultantes dos processos sociais, econômicos e políticos que caracterizam, em seus múltiplos e complexos aspectos, a sociedade
contemporânea” (HC - 98893, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJE 25/09/2009).
47 “Na realidade, a cláusula que proíbe o retrocesso em matéria social traduz, no processo de sua concretização, verdadeira dimensão

negativa pertinente aos direitos sociais de natureza prestacional (como o direito à saúde), impedindo, em conseqüência, que os níveis de
concretização dessas prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser reduzidos ou suprimidos, exceto nas hipóteses — de todo inocorrente
na espécie — em que políticas compensatórias venham a ser implementadas pelas instâncias governamentais. Lapidar, sob todos os
aspectos, o magistério de J. J. GOMES CANOTILHO, cuja lição, a propósito do tema, estimula as seguintes reflexões (“Direito Constitucional
e Teoria da Constituição”, 1998, Almedina, p. 320/321, item n. 3): “O princípio da democracia econômica e social aponta para a proibição
de retrocesso social. A idéia aqui expressa também tem sido designada como proibição de ‘contra-revolução social’ ou da ‘evolução
reaccionária’. Com isto quer dizer-se que os direitos sociais e econômicos (ex.: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à
educação), uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um
direito subjectivo. A ‘proibição de retrocesso social’ nada pode fazer contra as recessões e crises econômicas (reversibilidade fáctica), mas
o principio em análise limita a reversibilidade dos direitos adquiridos (ex.: segurança social, subsídio de desemprego, prestações de saúde),
em clara violação do princípio da protecção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito econômico, social e cultural, e do núcleo
essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana” (Voto do Min. Celso de Mello em processo de
suspensão de tutela antecipada - STA - 175 - no qual se discutia a questão do direito à saúde em face do princípio da reserva do possível).

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A ESTRUTURA DAS CONSTITUIÇÕES

O que se entende por estrutura das Constituições diz respeito à sua formatação e
estruturação orgânica. Nesse sentido o que o constituinte originário busca construir é a melhor
distribuição organizacional do texto constitucional, numa ideia de que a organização permite uma
maior capacidade efetiva da força e do papel da Constituição no sistema como um todo. No que diz
respeito à CF/88, ela se apresenta estruturada da seguinte forma:

3.1. PREÂMBULO CONSTITUCIONAL


Deve ser compreendido como uma parte de natureza introdutória, um texto preliminar,
destacando-se enquanto uma declaração de intenções legais e legítimas dos constituintes.
Em relação ao significado do seu papel na Constituição três são as posições predominantes:
a) como elemento de irrelevância jurídica – uma vez que ele se constitui em um instituto
mais político do que propriamente jurídico, sua relevância normativa é inexistente. É a
posição adotada pelo STF
b) como um elemento de eficácia plena – ainda que não tenha uma natureza normativa
constitucional, por se constituir na Constituição teria, assim, como outras normas da lei
fundamental, uma mesma eficácia constitucional
c) como elemento de relevância jurídica não direta, indireta – apesar de constituir-se como
instituto jurídico pertencente à Constituição, não tem a mesma significação das normas
jurídicas presentes nela.

3.2. NORMAS CENTRAIS


São aquelas que se situam no seu eixo principal, quer dizer, normas que estão entre os
princípios fundamentais e aqueles da ordem social (artigos 1º a 232).

3.3. DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS GERAIS


São as que permitem uma complementação da obra do constituinte originário na medida em
que esse não conseguiu esgotar determinados assuntos trazidos ao texto constitucional.

3.4. ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS (ADCT)


Tem uma natureza transitória, temporária, auxiliando na passagem da antiga ordem
constitucional para a nova ordem. Elas representam um conjunto de procedimentos que definem as
condições pelas quais a nova ordem busca se harmonizar, superando possíveis conflitos de regras e
situações que venham a ameaçar a ordem jurídica.
Em sendo assim, tais ADCT auxiliam no processo que leva uma determinada ordem
constitucional a ser superada por uma nova, na medida em que duas Constituições não poderão
compartilhar do mesmo espaço sócio-temporal-jurídico.

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Segundo o STF o ADCT tem uma índole constitucional, pois suas normas possuem grau de
positividade como qualquer outra norma constitucional.

MUDANÇA CONSTITUCIONAL

A interpretação da constituição é ação extremamente importante, pois é o significado dos


termos constitucionais que darão validade para as demais normas. Essa interpretação deve levar em
consideração a história, as ideologias, enfim, a realidade em geral do Estado, pois somente assim
será possível alcançar o verdadeiro significado do texto constitucional. A interpretação do texto
constitucional é o que vai definir a norma constitucional.
Ocorre que, dentro dos limites firmados pelo constituinte originário poderão ser observadas
alterações tanto do ponto de vista formal (reforma constitucional) como do informal (mutações
constitucionais).48
Reforma constitucional é a modificação do texto, alterando, suprimindo ou substituindo
artigos, mediante emendas constitucionais, realizadas conforme os mecanismos definidos pelo poder
constituinte originário.
As mutações, por outro lado, são simples alterações no significado e sentido interpretativo
do texto, não do texto em si. Ou seja, o texto permanece inalterado, apenas o significado atribuído é
que varia. Mutações representam, assim, o caráter dinâmico do sistema jurídico, por meio de
processos informais

4.1. NOVA CONSTITUIÇÃO


Teoricamente, é possível tanto recepção material (normas contidas na Constituição anterior
permanecerem válidas no novo ordenamento, se compatíveis com a nova ordem constitucional)
quanto desconstitucionalização das normas constitucionais anteriores, caso em que a norma
constitucional anterior, embora mantida válida, passa a viger no novo ordenamento em nível
infraconstitucional.
Contudo, há necessidade de menção expressa na nova Constituição, o que não existe na
CF/88, motivo pelo qual, em nosso país, não há falar nestas remotas possibilidades.
Em caso de normas inconstitucionais, mesmo quando há emendas que as tornem válidas,
não se admite recepção de norma que já não encontrava suporte de validade sob a égide da
Constituição anterior. E a razão é simples: não compunha validamente o ordenamento jurídico, de
maneira que não há o que recepcionar.
O texto constitucional decorrente de emenda não é capaz de convalidar
inconstitucionalidade formal originária. Admitir tal convalidação seria o mesmo que atribuir efeitos
retroativos a emenda constitucional, o que é vedado em nosso ordenamento.

4.1.1. DIREITO INFRACONSTITUCIONAL ANTERIOR


A continuidade da ordem jurídica ocorre quando a Constituição nova se depara com todo o
arcabouço normativo pré-existente e o recepciona quando com ela compatível.

48LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 158.

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Com a nova norma constitucional, o fundamento de validade de todas as regras
infraconstitucionais anteriores torna-se outro, qual seja, o da nova Constituição que, expressa ou
implicitamente, recepciona o ordenamento válido perante a ordem constitucional pretérita.
Preliminarmente, temos de atentar ao fato de que a inconstitucionalidade material
superveniente nada mais é do que a não recepção de norma infraconstitucional anterior e
incompatível com a nova Constituição. Já a inconstitucionalidade formal superveniente ocorreria
quando a nova Constituição, por exemplo, determinasse que alguma matéria somente poderia ser
veiculada mediante a edição de lei complementar.
Contudo, o entendimento é de que não é necessária a edição de uma nova lei complementar
em razão do comando normativo da nova Constituição. Se aquela lei ordinária que encontrava
fundamento de validade da antiga Constituição atendia aos planos de existência e vigência/validade,
não há motivo algum para se exigir a edição de uma nova com base tão-somente em argumentos
formais. O princípio da continuidade da ordem jurídica fala por si mesmo.
Exemplo clássico é o Código Tributário Nacional (Lei Ordinária 5.172/1966, recepcionada na
qualidade de lei complementar ante a norma veiculada pelo artigo 146 da CF.49
Também merece destaque a regra de que a lei ordinária anterior à nova Constituição, uma
vez recepcionada na qualidade de lei complementar, como no caso do CTN, somente poderá ser
alterada por outra lei de igual espécie, ou seja, outra lei complementar.
A recíproca também é verdadeira: uma lei complementar sob a égide de Constituição
anterior e recepcionada como simples lei ordinária pode facilmente ser alterada mediante a edição
de outra lei ordinária.

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA
REPÚBLICA
Os princípios constitucionais, longe de ter feição meramente programática, detêm intensa
força normativa e apresentam-se como bases de aplicação/conformação de todo o ordenamento
jurídico e, de acordo com Humberto Ávila, “os princípios não apenas explicitam valores, mas,
indiretamente, estabelecem espécies de premissas de comportamentos”.50

49Art. 146. Cabe à lei complementar:


I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos
geradores, bases de cálculo e contribuintes;
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.
d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes
especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da
contribuição a que se refere o art. 239.
Parágrafo único. A lei complementar de que trata o inciso III, d, também poderá instituir um regime único de arrecadação dos impostos e
contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, observado que:
I - será opcional para o contribuinte;
II - poderão ser estabelecidas condições de enquadramento diferenciadas por Estado;
III - o recolhimento será unificado e centralizado e a distribuição da parcela de recursos pertencentes aos respectivos entes federados será
imediata, vedada qualquer retenção ou condicionamento;
IV - a arrecadação, a fiscalização e a cobrança poderão ser compartilhadas pelos entes federados, adotado cadastro nacional único de
contribuintes.
50 ÁVILA, Humberto, Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4 ed. São Paulo, Malheiros, 2004, p. 17.

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5.1. FORMAÇÃO DA REPÚBLICA
A República Federativa do Brasil é formada pela União indissolúvel dos Estados e Municípios e
do Distrito Federal e constitui-se em Estado Democrático de Direito (CF, artigo 1º, caput). Dentre os
fundamentos da República brasileira encontra-se a soberania (CF, artigo 1º, inciso I).
Nossa forma de governo é a republicana. A República é a forma de governo que tem como
principal característica eleição periódica do Chefe de Estado. A forma republicana de governo é um
dos princípios constitucionais sensíveis (CF, artigo 34, inciso VII, “a”).
O Estado Brasileiro é organizado mediante uma aliança de estados chamada Federação.
Numa federação os estados ditos federados compõem um todo soberano. Entretanto, os mesmos
estados federados não detêm soberania: a eles resta atribuída tão somente parte da autonomia
política, como capacidade de auto-organização. Soberano é somente o todo resultante da junção de
todos os estados federados: a República Federativa do Brasil.
Neste ponto é imprescindível reforçar a constatação de que é a República Federativa do
Brasil o ente detentor de soberania. Não a União, pessoa jurídica de direito público interno. No plano
do Direito Internacional é a República Federativa do Brasil quem celebra acordos e assina os
tratados; não a União Federal.
No Direito Internacional a soberania é o fundamento pelo qual os países devem ser tratados
em mesmo nível sejam eles desenvolvidos, em desenvolvimento ou subdesenvolvidos.

5.2. SOBERANIA
O Estado Brasileiro é organizado mediante uma aliança de Estados chamada Federação.
Numa federação os estados ditos federados compõem um todo soberano. Entretanto, os mesmos
Estados federados não detêm soberania: a eles resta atribuída tão somente parte da autonomia
política, como capacidade de auto-organização. Soberano é somente o todo resultante da junção de
todos os estados federados: a República Federativa do Brasil.
Neste ponto é imprescindível reforçar a constatação de que é a República Federativa do
Brasil o ente detentor de soberania na esfera planetária. Não a União, pessoa jurídica de direito
público interno. No plano do Direito Internacional é a República Federativa do Brasil quem celebra
acordos e assina tratados; não a União Federal.
No Direito Internacional a soberania é o fundamento pelo qual os países devem ser tratados
em mesmo nível sejam eles desenvolvidos, em desenvolvimento ou subdesenvolvidos. Todos devem
ter igual tratamento. Um dos principais compromissos assumidos quando da celebração da Carta da
ONU, constante no Preâmbulo, consiste em assegurar a igualdade de direitos das nações, sejam elas
“grandes ou pequenas”.
Luigi Ferrajoli explica que a soberania pode ser concebida sob os aspectos interno e externo.
Sob o aspecto interno, durante muito tempo, ao menos até o advento do Estado de Direito, já no
Século das Luzes, a soberania significava o poder absoluto de regulamentar as questões
intraterritoriais. Do ponto de vista externo, a soberania seria decorrente da paridade com outros
Estados também soberanos, o que “equivale a uma liberdade selvagem e reproduz, na comunidade
internacional, o estado de natural desgregamento, que internamente a sua própria instituição havia
negado e superado”.51
Isto porque a soberania interna, desde os momentos nos quais, em bases racionais e
secularizadas, idealizava-se o Estado Absolutista enquanto entidade, supostamente, necessária à paz

51 FERRAJOLI, Luigi. A soberania no mundo moderno. Trad. Carlo Coccioli e Márcio Lauria Filho. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 5-20.

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e à defesa do bem comum, estava ancorada no poder que então se atribuía ao Estado para cumprir
com essas e outras missões.
A grande conquista na transição do medievo para o Estado Moderno foi a soberania estatal.
O Estado passou a ter existência tanto no plano interno quanto no externo, internacional.52
A relação entre Estados soberanos, justamente por pressupor a não subordinação entre
nações ou a não subordinação a uma instituição supranacional com poderes coercitivos, pode ser
comparada ao “estado de natureza” entre os homens na hipótese hobbesiana da ausência do Estado
(no tocante ao plano intraterritorial).
A hipervalorização da soberania externa explica, por exemplo, o porquê de a universalidade
dos direitos humanos, tão veementemente difundida nos tempos atuais, consubstanciar-se, na
realidade, “numa universalidade parcial e de parte: corrompida pelo hábito de reconhecer o Estado
como única fonte de direito e, portanto, pelos mecanismos de exclusão por este desencadeados para
com os não-cidadãos; e, ao mesmo tempo, pela ausência, também para os próprios cidadãos, de
garantias supra-estatais de direito internacional contra as violações impunes de tais direitos,
cometidas pelos próprios Estados”.53

5.3. PRESIDENCIALISMO
O Presidencialismo tem sido colocado na posição de um Sistema de Governo que não atende
aos anseios do povo no que diz respeito ao atendimento da eficiência da máquina administrativa,
ante o alto grau de burocratização que traz em seu bojo e o declínio da função parlamentar.
Além disso, um dos problemas deste regime é a hipervalorização da figura do Presidente que
adquire uma importância exagerada.
No caso brasileiro as críticas se acirram em face, por exemplo, da elevada competência
legislativa atribuída ao Poder Executivo por meio de Medidas Provisórias (CF, artigo 62) e da
possibilidade do exercício de certas prerrogativas soberanas sem prévia audiência do Legislativo (CF,
artigo 84, VIII).
Em duas oportunidades foram convocados plebiscitos para auscultar a vontade do povo
sobre a opção entre Presidencialismo e Parlamentarismo (1963 e 1993). Em ambas as oportunidades,
escolheu-se o Sistema presidencialista.54
Apesar das duas derrotas parlamentaristas, os anseios pela implantação desse Sistema de
Governo continuam por parte dos que o defendem em contraposição ao Presidencialismo.
Porém, o artigo 60 da CF/88, em seu § 4º, inciso III, insere, entre as cláusulas pétreas, o
Princípio da Separação dos Poderes. Não se pode olvidar que, no Sistema Parlamentarista, a
possibilidade de interferência do Legislativo no Executivo – e vice-versa – acarreta importante
alteração nesse princípio. Assim, infere-se que o Sistema de Governo é não é passível de alteração
por vontade do Poder Constituinte Derivado.

52 “O século XVII servira de apogeu à justificação, propagação e consolidação da doutrina da soberania. Esta doutrina extrai-se de uma
imposição causuística do poder – o poder do monarca, gradativamente edificado e ampliado e afirmado no curso das dissensões e
antinomias medievas, como absoluto e supremo, quer do ponto de vista interno, quer do ponto de vista externo. Externamente, fundava-
se a independência do Estado Moderno, favorecido pelos antigos combates do Imperador germânico com o pontífice romano e
internamente erguia-se um centro de autoridade incontrastável na cabeça visível do monarca de direito divino ou de poderes absolutos”.
(BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10. ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 2003, p 134-135).
53
FERRAJOLI, Luigi. A soberania no mundo moderno. Trad. Carlo Coccioli e Márcio Lauria Filho. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 35-36.
54 No tocante à CF/88, por pressões de monarquistas e parlamentaristas, durante as discussões da Assembleia Nacional Constituinte,

inseriu-se no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 1988 o artigo 2º: "No dia 7 de setembro de 1993 o
eleitorado definirá, através de plebiscito, a forma (República ou Monarquia Constitucional) e o sistema de Governo (parlamentarismo ou
presidencialismo) que devem vigorar no País". Assim, embora com sua data transferida para 21 de abril, foi realizada a consulta popular,
que rejeitou o retorno da Monarquia e, pela segunda vez, rejeitou o Parlamentarismo, mantendo o regime vigente, Presidencialista.

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DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
O Poder constituinte responsável pela promulgação da Constituição de 1988 previu a
possibilidade de se alterar o Sistema de Governo por meio de plebiscito. Ao atribuir essa
competência diretamente ao povo, implicitamente retirou do Poder Constituinte Derivado tal
legitimidade. O povo já se desincumbiu dessa missão ao opinar e ao rejeitar o parlamentarismo.
Agora, nada mais há a fazer, a não ser que o povo, por intermédio de legítimos representantes
novamente reunidos em Assembleia Nacional Constituinte, opte pela mudança.

5.4. FEDERAÇÃO
O Estado Brasileiro é organizado mediante uma aliança de estados chamada Federação.
Numa federação os estados ditos federados compõem um todo soberano. Entretanto, os mesmos
estados federados não detêm soberania: a eles resta atribuída tão somente parte da autonomia
política, como capacidade de auto-organização. Soberano é somente o todo resultante da junção de
todos os estados federados: a República Federativa do Brasil.

Neste ponto é imprescindível reforçar a constatação de que é a República Federativa do


Brasil o ente detentor de soberania. Não a União, pessoa jurídica de direito público interno. No plano
do Direito Internacional é a República Federativa do Brasil quem celebra acordos e assina tratados,
não a União Federal.
No Estado Unitário o Poder Legislativo é desempenhado por apenas um órgão. As leis são
nacionais e destinam-se, em regra, a todo o território ocupado pelo Estado. Admite-se
descentralização administrativa, mas sempre com subordinação hierárquica a uma autoridade
central. Costuma-se dizer que o Estado Unitário é a forma mais comum de Estado.55
O Estado Federal é composto por Estados-membros que integram a federação desde que
despidos do atributo da soberania. Difere do Estado Unitário essencialmente porque os Estados-
membros, na federação, exercem o poder de editar leis e detêm autonomia para se auto organizar.56
Aos Estados-membros de uma federação, justamente por deterem a capacidade de auto-
organização, cabe a prerrogativa de confeccionar as próprias Constituições. Exercem, em tais
situações, Poder Constituinte. Entretanto esse poder é decorrente da Constituição da federação e,
portanto, juridicamente limitado.
Há, contudo, a chamada regra da participação, que permite aos Estados-membros que
tomem parte no processo de elaboração da vontade política da federação, intervindo com voz ativa
nas deliberações de conjunto. Este é um marcante traço distintivo entre Estado-membro federado e
um simples órgão administrativo descentralizado no Estado Unitário.
Por intermédio da regra da autonomia manifesta-se com toda a clareza o caráter estatal das
unidades federadas. Podem elas estatuir uma ordem constitucional própria, estabelecer a
competência dos três poderes que habitualmente integram o Estado e desempenhar uma imensa
gama de poderes, prerrogativas e atribuições que estejam de acordo com a Constituição Federal.
Paulo Bonavides leciona que “A posição dos Estados-membros no sistema federativo não se
cifra apenas no desempenho de sua autonomia constitucional em matéria legislativa, executiva ou
judiciária, senão que cumpre ver ao lado dessa autonomia aqueles pontos da organização federal em

55 “Do ponto de vista da distribuição geográfica do poder, até final do século XVIII, não se conheceu senão o Estado Unitário. É dizer, aquele
em que há um único centro irradiador de decisões políticas expressas em lei” (BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Teoria do Estado e Ciência
Política. 2. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 96).
56 “Exsurge a Federação como a associação de Estados (Foedus, foederis) para formação de novo Estado (o federal) com repartição rígida

de atributos da soberania entre eles. Informa-se seu relacionamento pela ‘autonomia recíproca da União e dos Estados, sob a égide da
Constituição Federal’ (Sampaio Dória), caracterizadora dessa igualdade jurídica (Ruy Barbosa), dado que ambas extraem suas competências
da mesma norma (Kelsen). Daí cada qual ser supremo em sua esfera, tal como disposto no pacto federal (Victor Nunes)” (ATALIBA,
Geraldo. República e Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, p. 10).

27
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
que os Estados federados aparecem por sua vez tomando parte ativa e indispensável na elaboração e
no mecanismo da Constituição Federal”.57
Essa “postura ativa e indispensável” decorre do exercício do poder legislativo em âmbito
federal, por parte de um Estado-membro, a partir da participação nas deliberações parlamentares do
sistema bicameral.
Vários Estados federados (Brasil, Estados Unidos e Argentina, por exemplos) adotam o
bicameralismo, também chamado de legislativo dual: uma câmara composta por representantes do
povo, normalmente eleitos pelo sistema proporcional, e uma câmara composta por representantes
dos Estados, normalmente eleitos pelo princípio majoritário.

5.5. DIVISÃO DE PODERES


A teorização sobre a necessidade da tríade de poderes foi esboçada pela primeira vez por
Aristóteles, na obra “A Política”, detalhada, posteriormente, por John Locke, no “Segundo tratado do
governo civil”, que também reconheceu três funções distintas.58
Todavia, segundo Paulo Bonavides, nem Aristóteles e nem Locke sugeriram independência
ou separação dos poderes, o que somente ocorreu com Montesquieu, em O Espírito das Leis, “a
quem devemos a divisão e distribuição clássicas, tornando-se princípio fundamental da organização
política liberal e transformando-se em dogma pelo art. 16 da Declaração Francesa dos Direitos do
Homem e do Cidadão, de 1789”.59
O princípio da separação dos poderes foi esquematizado, tal qual conhecemos, na Europa
Continental do Século XVIII como técnica refratária ao poder absoluto. Com a separação dos poderes
retirava-se a possibilidade de os monarcas editarem leis e constituía-se um ramo autônomo de
poder, dotado de parcela de soberania porque fundamentado no discurso da participação popular,
com a específica prerrogativa de elaborar leis. Esse ramo de poder era o Parlamento, órgão
representativo pelo qual governados poderiam exercer alguma colaboração nos atos de governo.60
Aponta-se que na Europa, após a Revolução Francesa e a inauguração do conceito de Estado
Moderno, o discurso da participação popular na direção dos destinos das nações atribuía mais
legitimidade ao Parlamento do que ao próprio Executivo. Difundiu-se a figura do Parlamento como a
mais pura conformação do governo do povo, pelo povo e para o povo.61
José Afonso da Silva afirma que, atualmente, o princípio da separação dos poderes não se
configura mais com a rigidez que norteou a sua elaboração. Para ele, a ampliação das atividades do
Estado contemporâneo impõe nova visão, admitindo-se outras formas de relacionamento entre o
Legislativo e o Executivo e destes com o Judiciário; fala-se agora não mais em “separação de
poderes”, mas em “colaboração de poderes” no parlamentarismo e em “técnicas de
interdependência orgânica” e “harmonia de poderes” no sistema presidencialista.62
Com efeito, no constitucionalismo moderno surgiram técnicas de controle com o nítido
objetivo de correção do rigorismo de uma rígida separação de poderes, implantada pela doutrina
liberalista a partir de Montesquieu. As mais conhecidas e eficazes técnicas emergem da teoria de
pesos e contrapesos.
O emprego dessas técnicas resulta presença do Executivo no Legislativo por meio do veto e
da mensagem e, segundo alguns, da delegação.

57
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10 ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 185.
58 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 7 ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Atlas, 2000, p. 355.
59 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 7 ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Atlas, 2000, p. 355.
60 BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 4. ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 265-266.
61 BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 4. ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 266.
62 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 113-114.

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No caso brasileiro, ao lado da independência, propugnou-se a harmonia entre os três
poderes. Evidentemente que não bastaria a mera afirmação feita no artigo 2° da CF para que os
poderes, independentes, fossem exercidos de forma harmônica. Por esta razão foram previstos, de
maneira fluida em grande parte do texto constitucional, diversos dispositivos capazes de balizar todo
o mecanismo de pesos e contrapesos idealizado pela Assembleia Nacional Constituinte.
O Presidente da República é julgado pelo Senado Federal nos crimes de responsabilidade (CF,
artigo 52, inciso I), depois de aprovado o processo pela Câmara dos Deputados (CF, artigo 51, inciso
I), funcionando como Presidente do procedimento o do Supremo Tribunal Federal (CF, art. 52,
parágrafo único).
O Presidente do Supremo Tribunal Federal, por sua vez e assim como todos os demais
Ministros daquela corte é julgado, nos crimes de responsabilidade, pelo Senado Federal (CF, art. 52,
inciso II).
Os Ministros do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, o Procurador-Geral da
República, o presidente e os diretores do banco Central somente são nomeados pelo Presidente da
República após prévia aprovação pelo Senado Federal (CF, art. 84, inciso XIV).
O controle externo das finanças do Poder Executivo e do Poder Judiciário é realizado pelo
Congresso Nacional, auxiliado pelo Tribunal de Contas da União (CF, artigos 70 e 71).
O Presidente detém o poder de veto a projeto de lei ordinária se o considerar
inconstitucional ou contrário ao interesse público (CF, artigo 66, § 1°). Todavia ao Legislativo restou
atribuída a possibilidade de, por voto secreto da maioria absoluta dos membros do Congresso
Nacional, em sessão conjunta, providenciar à derrubada do veto (CF, artigo 66, § 4°).
Medidas provisórias são passíveis de edição pelo Presidente da República, que deverá
submetê-las de imediato ao Congresso Nacional (CF, artigo 62, caput).

5.6. CIDADANIA
O âmbito de abrangência da cidadania enquanto fundamento da República Federativa do
Brasil não pode estar restrito àquelas pessoas que detenham a chamada capacidade eleitoral ativa,
ou seja, as que estão aptas a exercer o direito de votar.
A redução do significado da cidadania ao campo dos direitos políticos acabaria por excluir os
menores de 16 anos, os indivíduos que estivessem com os direitos políticos suspensos, os brasileiros
naturalizados cujos processos de naturalização houvessem sido declarados nulos e os estrangeiros.
Assim, é o reconhecimento e o respeito à cidadania de toda e qualquer pessoa que atribui ao
próprio Estado Moderno legitimidade. Tanto é assim que a cidadania é um dos fundamentos da
República Federativa do Brasil. Por isso, o significado de cidadania deve ser o mais abrangente
possível.

5.7. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA


A dignidade da pessoa humana traduz-se, de acordo com o contido no artigo 1º da CF, como
fundamento da República Federativa do Brasil. Esta é a premissa a partir da qual devem partir os
processos de interpretação do texto constitucional e de todo o restante do ordenamento jurídico
brasileiro.
A dignidade da pessoa humana, enquanto princípio que norteia todo o sistema jurídico
pátrio, é fundamento da República Federativa do Brasil, devendo ser vedada qualquer prática que a
diminua. Isto porque diminuir a pessoa humana, reduzir a amplitude de sua dignidade, é torná-la
objeto, um simples meio para atingir determinado fim.

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5.8. VALORES SOCIAIS DO TRABALHO E DA LIVRE INICIATIVA
A CF enumera, dentre os fundamentos da República Federativa do Brasil, os valores sociais
do trabalho e da livre iniciativa. Eros Roberto Grau, ao comentar esse dispositivo, menciona que a
correta leitura não seria “valores sociais do trabalho”, de um lado, e “livre iniciativa”, de outro. Para
ele, o dispositivo constitucional enuncia, enquanto fundamentos da República, o valor social do
trabalho e o valor social da livre iniciativa. Como conseqüência, “isso significa que a livre iniciativa
não é tomada, enquanto fundamento da República Federativa do Brasil, como expressão
individualista, mas sim no quanto expressa de socialmente valioso”.63
Adverte, também, que o significado da livre iniciativa de que trata o artigo 1º, inciso IV da CF
não está limitado à liberdade econômica: “Importa deixar bem vincado que a livre iniciativa é
expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mas também pelo trabalho”.64

5.9. PLURALISMO POLÍTICO


O pluralismo político viabiliza o trâmite da pluralidade de ideias, aspirações, facções,
interesses e forças da sociedade, que estão em permanente debate, em especial num país de
proporções continentais. A base do pluralismo político é a liberdade de exposição da mais variada
gama de opiniões.
O pluripartidarismo é, na realidade, consequência direta da adoção do pluralismo político
enquanto fundamento da República Federativa do Brasil. Sob a ótica do eleitorado, da cidadania, a
múltipla possibilidade de optar por esta ou aquela ideologia político-partidária viabiliza a difusão de
novas aspirações e, especialmente, das aspirações de minorias que foram historicamente reprimidas,
nas instâncias eleitorais e de poder.

5.10. PRINCÍPIOS NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS


O artigo 4º da CF trata dos princípios a serem adotados pela República Federativa do Brasil
nas suas relações internacionais: independência nacional; prevalência dos direitos humanos;
autodeterminação dos povos; não intervenção; igualdade entre os Estados; defesa da paz; solução
pacífica dos conflitos; repúdio ao terrorismo e ao racismo; cooperação entre os povos para o
progresso da humanidade; concessão de asilo político.
Como se percebe, existe importante conexão entre os tradicionais critérios de justiça entre
os povos e os princípios que regem o Brasil nas relações internacionais. Essa mesma conexão pode
ser verificada na comparação do texto constitucional com o preâmbulo da Carta das Nações Unidas
(ONU):
“Nós, os povos das Nações Unidas, decididos: a preservar as gerações vindouras do flagelo
da guerra que por duas vezes, no espaço de uma vida humana, trouxe sofrimentos indizíveis
à humanidade; a reafirmar a nossa fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e
no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, assim
como das nações, grandes e pequenas; a estabelecer as condições necessárias à
manutenção da justiça e do respeito das obrigações decorrentes de tratados e de outras
fontes do direito internacional; a promover o progresso social e melhores condições de vida
dentro de um conceito mais amplo de liberdade; e para tais fins: a praticar a tolerância e a
viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos; a unir as nossas forças para manter a
paz e a segurança internacionais; a garantir, pela aceitação de princípios e a instituição de
métodos, que a força armada não será usada, a não ser no interesse comum; a empregar

63 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica da Constituição de 1988 (interpretação e crítica). 8 ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2003,
p. 180.
64 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica da Constituição de 1988 (interpretação e crítica). 8 ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2003,

p. 180.

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mecanismos internacionais para promover o progresso econômico e social de todos os
povos; Resolvemos conjugar os nossos esforços para a consecução desses objetivos”.
Flávia Piovesan lembra que “Na realidade, trata-se da primeira Constituição brasileira a consagrar
um universo de princípios a guiar o Brasil no cenário internacional, fixando valores a orientar a agenda
internacional do Brasil – iniciativa sem paralelo nas experiências constitucionais anteriores”.65
A simetria com a tradição internacional e a Carta da ONU justifica, sem a necessidade de
maiores ilações, os princípios da independência nacional, da igualdade entre os Estados e da não
intervenção. A autodeterminação dos povos é, na verdade, o pressuposto, o pano de fundo, para a
aceitabilidade de todos os princípios, dele logicamente decorrentes.

5.10.1. PREVALÊNCIA DOS DIREITOS HUMANOS


Para Flávia Piovesan, “a prevalência dos direitos humanos, como princípio a reger o Brasil no
âmbito internacional, não implica apenas o engajamento do País no processo de elaboração de
normas vinculadas ao Direito Internacional dos Direitos Humanos, mas sim a busca da plena
integração de tais regras na ordem jurídica interna brasileira”.66
A partir da clara opção pela prevalência dos direitos humanos no cenário internacional (artigo 4º,
inciso II), a CF torna o sistema jurídico brasileiro permeável aos sistemas internacionais de proteção aos
direitos humanos, permitindo afirmar que “a partir do momento em que o Brasil se propõe a
fundamentar suas relações com base na prevalência dos direitos humanos, está ao mesmo tempo
reconhecendo a existência de limites e condicionamentos à noção de soberania estatal”.67

5.10.2. SOLUÇÃO PACÍFICA DOS CONFLITOS E DEFESA DA PAZ


Significam não lançar mão de luta armada. Este princípio está em total harmonia com o
Preâmbulo da Carta das Nações Unidas (ONU), conforme mencionado acima.
Vale ressaltar que O artigo 11 da Carta das Nações Unidas contém regras específicas a
respeito da proibição de luta armada, determinando que a Assembleia Geral possa considerar os
princípios gerais de cooperação na manutenção da paz e da segurança internacionais, inclusive os
princípios que disponham sobre o desarmamento e a regulamentação dos armamentos, e poderá
fazer recomendações relativas a tais princípios aos membros ou ao Conselho de Segurança, ou a este
e àqueles conjuntamente.
A Assembleia Geral poderá, também discutir quaisquer questões relativas à manutenção da
paz e da segurança internacionais, que lhe forem submetidas por qualquer membro das Nações
Unidas, ou pelo Conselho de Segurança, ou por um Estado que não seja membro das Nações Unidas,
poderá fazer recomendações relativas a quaisquer destas questões ao Estado ou Estados
interessados ou ao Conselho de Segurança ou a este e àqueles. Qualquer destas questões, para cuja
solução seja necessária uma ação, será submetida ao Conselho de Segurança pela Assembleia Geral,
antes ou depois da discussão.
Ainda, a Assembleia Geral poderá chamar a atenção do Conselho de Segurança para
situações que possam constituir ameaça à paz e à segurança internacionais.

65PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 7 ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 37.
66PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 7 ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 40.
67PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 7 ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 40.

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5.10.3. COOPERAÇÃO ENTRE OS POVOS PARA O PROGRESSO DA


HUMANIDADE
A cooperação entre os povos para o progresso da humanidade segue a tradição internacional
do dever de assistência a outros povos que estejam vivendo condições desfavoráveis que não os
permitam ter regimes políticos e sociais justos. Os ideais humanitários têm fácil trânsito na
comunidade internacional, mas é cada vez mais importante a efetiva ação por parte dos países não
miseráveis.

5.10.4. REPÚDIO AO TERRORISMO E AO RACISMO


O repúdio ao terrorismo e ao racismo, enquanto princípio que rege o Brasil nas relações
internacionais, irradia-se pela própria Constituição e para todo o nosso sistema jurídico interno, pois
o terrorismo68 deve, por imperativo constitucional, ser considerado crime inafiançável e insuscetível
de graça ou anistia, enquanto que a prática do racismo69 constitui-se em crime inafiançável e
imprescritível (CF, artigo 5º, incisos XLII e XLIII).70

5.10.5. CONCESSÃO DE ASILO POLÍTICO


A concessão de asilo político refere-se apenas a crimes políticos, perante os quais não
prosperam os Tratados de Extradição (CF, artigo 5º, inciso LII). A concessão de asilo político é ato de
soberania do Estado, está a cargo do Chefe do Executivo Nacional e dentro de seu âmbito de
discricionariedade, cabendo ao STF analisar a legalidade da medida.
Um dos casos de maior repercussão nos últimos anos envolveu pedido, feito pela República
Italiana, de extradição de Cesare Battisti, condenado pela prática de quatro homicídios enquanto
membro de organização revolucionária clandestina. A questão levada ao conhecimento do Plenário
de nossa Suprema Corte era saber se os atos praticados por Battisti configuravam crime político ou
de opinião. Acaso positiva a resposta, não seria possível a extradição ante a proibição do art. 5º,

68
"O repúdio ao terrorismo: um compromisso ético-jurídico assumido pelo Brasil, quer em face de sua própria Constituição, quer perante a
comunidade internacional. Os atos delituosos de natureza terrorista, considerados os parâmetros consagrados pela vigente CF, não se
subsumem à noção de criminalidade política, pois a Lei Fundamental proclamou o repúdio ao terrorismo como um dos princípios essenciais
que devem reger o Estado brasileiro em suas relações internacionais (CF, art. 4º, VIII), além de haver qualificado o terrorismo, para efeito
de repressão interna, como crime equiparável aos delitos hediondos, o que o expõe, sob tal perspectiva, a tratamento jurídico impregnado
de máximo rigor, tornando-o inafiançável e insuscetível da clemência soberana do Estado e reduzindo-o, ainda, à dimensão ordinária dos
crimes meramente comuns (CF, art. 5º, XLIII). A CF, presentes tais vetores interpretativos (CF, art. 4º, VIII, e art. 5º, XLIII), não autoriza que
se outorgue, às práticas delituosas de caráter terrorista, o mesmo tratamento benigno dispensado ao autor de crimes políticos ou de
opinião, impedindo, desse modo, que se venha a estabelecer, em torno do terrorista, um inadmissível círculo de proteção que o faça
imune ao poder extradicional do Estado brasileiro, notadamente se se tiver em consideração a relevantíssima circunstância de que a
Assembléia Nacional Constituinte formulou um claro e inequívoco juízo de desvalor em relação a quaisquer atos delituosos revestidos de
índole terrorista, a estes não reconhecendo a dignidade de que muitas vezes se acha impregnada a prática da criminalidade política." (Ext
855, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 26-8-2004, Plenário, DJ de 1º-7-2005.)
69 “Raça e racismo. A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse

pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista. (...) Adesão do Brasil a tratados e
acordos multilaterais, que energicamente repudiam quaisquer discriminações raciais, aí compreendidas as distinções entre os homens por
restrições ou preferências oriundas de raça, cor, credo, descendência ou origem nacional ou étnica, inspiradas na pretensa superioridade
de um povo sobre outro, de que são exemplos a xenofobia, ‘negrofobia’, ‘islamafobia’ e o antissemitismo.” (HC 82.424, Rel. p/ o ac. Min.
Presidente Maurício Corrêa, julgamento em 17-9-2003, Plenário, DJ de 19-3-2004.)
70 “Fundamento do núcleo do pensamento do nacional-socialismo de que os judeus e os arianos formam raças distintas. Os primeiros

seriam raça inferior, nefasta e infecta, características suficientes para justificar a segregação e o extermínio: inconciabilidade com os
padrões éticos e morais definidos na Carta Política do Brasil e do mundo contemporâneo, sob os quais se ergue e se harmoniza o Estado
Democrático. Estigmas que por si só evidenciam crime de racismo. Concepção atentatória dos princípios nos quais se erige e se organiza a
sociedade humana, baseada na respeitabilidade e dignidade do ser humano e de sua pacífica convivência no meio social. Condutas e
evocações aéticas e imorais que implicam repulsiva ação estatal por se revestirem de densa intolerabilidade, de sorte a afrontar o
ordenamento infraconstitucional e constitucional do País”. (HC 82.424, Rel. p/ o ac. Min. Presidente Maurício Corrêa, julgamento em 17-9-
2003, Plenário, DJ de 19-3-2004)

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DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
inciso LII da CF, que determina que não será concedida a extradição de estrangeiro por crime político
ou de opinião
Concluiu-se que os atos praticados por Battisti estariam configurados como crimes comuns,
pois “não configura crime político, para fim de obstar o acolhimento de pedido de extradição,
homicídio praticado por membro de organização revolucionária clandestina, em plena normalidade
institucional de Estado Democrático de direito, sem nenhum propósito político imediato ou
conotação de reação legítima a regime opressivo” e, sendo assim, o caso “Não caracteriza a hipótese
legal de concessão de refúgio, consistente em fundado receio de perseguição política, o pedido de
extradição para regular execução de sentenças definitivas de condenação por crimes comuns" (Ext
1.085, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 16-12-2009, Plenário, DJE de 16-4-2010).

5.11. OBJETIVOS DA REPÚBLICA


Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: constituir uma
sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (CF, artigo
3º). Como se percebe, os objetivos fundamentais são caracterizados por cinco verbos no infinitivo.
Objetivo é sinônimo de meta, missão. Fundamental é sinônimo de essencial. O artigo 3º da CF arrola
as quatro metas essenciais a serem atingidas; mostra os quatro horizontes a serem alcançados;
indica os caminhos a trilhar.
Enquanto os fundamentos (CF, artigo 1º) são os pilares de sustentação, os objetivos
fundamentais representam o endereçamento teleológico da República Federativa do Brasil, as
diretrizes a serem seguidas por todas as instâncias de poder e por toda e qualquer pessoa que
integre a República. Isso quer dizer que todos são diretamente responsáveis por constituir uma
sociedade livre, justa e solidária, por garantir o desenvolvimento nacional, por erradicar a pobreza e
a marginalização (e reduzir as desigualdades sociais e regionais) e também por promover o bem de
todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação.

PODER CONSTITUINTE

Poder constituinte é consiste no poder de elaborar uma constituição, inaugurando uma nova
ordem jurídico-constitucional. O poder constituinte originário traz consigo uma ideia de ruptura em
face da ordem jurídica anterior.
Essa ruptura, entretanto, não ignora os atos legislativos de um ordenamento anterior,
porquanto vai recepcionar os atos normativos antecedentes, desde que compatíveis com a nova
Constituição. Ao contrário, tudo o que se mostrar incompatível com as novas normas constitucionais
será considerado não recepcionado e, em consequência, revogado. Em nosso sistema não se admite
a inconstitucionalidade superveniente, ou seja, a norma anterior é considerada revogada e não
inconstitucional.
Titularidade do poder constituinte originário: a titularidade do poder constituinte é do povo,
que o exerce, em regra, da forma representativa, através de representantes eleitos, que vão reunir-

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DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
se em uma Assembleia Geral Constituinte. Também há formas de manifestação direta desse poder
constituinte, como o plebiscito e o referendo.

6.1. CARACTERÍSTICAS DO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO


O poder constituinte originário possui as seguintes características: inicial – pois instaura uma
nova ordem jurídica – autônomo – pois quem exerce o poder constituinte vai dispor sobre o novo
ordenamento jurídico, estabelecendo a nova estrutura estatal e normas de regência – ilimitado –
pois não lhe são impostas formas de manifestação – e incondicionado – porquanto não há direito ou
norma anterior lhe impondo limites ou restrições, embora limitado por valores sociais, econômicos e
culturais.
Em face dessas características, uma nova constituição não contém normas inconstitucionais.
Se não há norma anterior lhe servindo de fundamento, um poder constituinte originário não produz
normas viciadas ou inconstitucionais. Desde já se alerte que as emendas constitucionais podem ser
inconstitucionais, como adiante será demonstrado.
O poder constituinte originário também será permanente, porquanto permanece apto a se
manifestar quando assim entender seu titular, qual seja, o povo.

6.2. PODER CONSTITUINTE REFORMADOR


Também denominado de poder constituído, instituído ou de segundo grau, porquanto
instituído ou previsto pelo constituinte originário, que estabelece limites e condições para reforma
da constituição, bem como aponta quem poderá revisar o texto constitucional. Em nossa atual
Constituição, em face de sua rigidez, o processo legislativo de reforma constitucional se dá através
das emendas constitucionais, disciplinadas no art. 60.71
O poder de reforma é, contudo, limitado por natureza, mostra várias ordens de limitações.

As limitações processuais ou formais dizem respeito ao processo legislativo de reforma da


Constituição. Por exemplo, a exigência de dois turnos de votação, maioria qualificada de 3/5 para
aprovação, iniciativas legislativas especiais, proibição de ser objeto de nova proposta na mesma
sessão legislativa em que rejeitada ou tida por prejudicada.
Por limitações circunstanciais entendem-se aquelas que impedem a reforma da Constituição
na vigência de estado de sítio, estado de defesa ou intervenção federal.

71
Da Emenda à Constituição
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;
II - do Presidente da República;
III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de
seus membros.
§ 1º A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.
§ 2º A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em
ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.
§ 3º A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de
ordem.
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.
§ 5º A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma
sessão legislativa.

34
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
Limitações temporais ocorrem quando se impede a reforma constitucional durante um
período de tempo. A atual Constituição não contém essa espécie de limite, porquanto pode ser
alterada a qualquer momento.

Limitações materiais - determinadas matérias ou núcleos temáticos da Constituição – as


cláusulas pétreas – que não admitem qualquer possibilidade de alteração. Impede que sejam objeto de
reforma as decisões políticas fundamentais do legislador constituinte originário, assim consideradas
aquelas que dão identidade à Constituição. Exatamente por isso, veda-se qualquer emenda, porquanto
alterar essas matérias constitucionais será retirar sua própria identidade. Com essa imutabilidade
preserva-se a identidade e a continuidade de um sistema constitucional. O art. 60, § 4º, da Constituição
Federal de 1988 elenca como cláusulas pétreas a forma federativa de estado, o voto direto secreto,
universal e periódico, a separação dos poderes e os direitos e garantias individuais.

6.3. PODER CONSTITUINTE DERIVADO REVISOR


Denomina-se de revisão constitucional o poder constituinte, também derivado do
constituinte originário, que se manifesta de forma extraordinária e transitória. Difere da reforma
constitucional que é via permanente de alteração da constituição.

Exemplo disso é o art. 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que determina
que a revisão constitucional será realizada após cinco anos, contados da promulgação da
Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão
unicameral.

6.4. PODER CONSTITUINTE DERIVADO DECORRENTE


É a parcela de poder constituinte atribuída aos Estados-membros, permitindo-lhes dotar-se
de uma constituição própria. Os Estados-membros e o Distrito Federal se auto-organizam através de
constituições locais, no Distrito Federal denominada de Lei Orgânica. É também derivado, porquanto
estabelecido pelo legislador constituinte originário.
Sua limitação está nos princípios da Constituição Federal. São os princípios constitucionais
sensíveis, estabelecidos e extensíveis.
Os princípios sensíveis encontram-se previstos no art. 34, VII72, da Constituição Federal, e sua
inobservância permite a intervenção da União.
Já os princípios estabelecidos designam normas de observância obrigatória encontradas em
todo o texto constitucional, que estabelecem preceitos de observância compulsória pelos Estados-
membros.
Por fim, os princípios extensíveis constituem normas que regulam determinadas matérias
concernentes à União e que devem também (de forma extensiva) ser observadas pelos Estados.

72Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: […]
VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:
a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;
b) direitos da pessoa humana;
c) autonomia municipal;
d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta.
e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção
e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.

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CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

7.1. INTRODUÇÃO
O controle de constitucionalidade é, sem dúvida, nos países de Constituição rígida, o
mecanismo de combate aos abusos perpetrados pelo Legislativo e pelo Executivo no tocante à
produção legislativo-normativa infraconstitucional.
Contudo, pouco adiantaria o simples reconhecimento de tal supremacia: mostra-se
imprescindível, além de um efetivo mecanismo de controle da constitucionalidade das leis e dos atos
normativos em nível infraconstitucional, a existência de um órgão independente e detentor da
especial atribuição de guarda à Constituição. É o caso do Supremo Tribunal Federal.73
Neste sentido são as palavras de Zeno Veloso: “A distinção ‘Constituição – leis ordinárias’,
com proeminência da primeira, seria vã e ilusória sem um mecanismo que espanque, vigorosamente,
as usurpações, as afrontas e as violações da Lex Fundamentalis”.74
A análise da constitucionalidade de todo o ordenamento infraconstitucional é
desempenhada mediante um juízo de compatibilidade vertical com a Constituição da República.
Assim, toda espécie de lei ou ato normativo deve estar em consonância com as regras dispostas na
Constituição Federal.75
Qualquer regra ou princípio, no âmbito infraconstitucional, que não esteja de acordo com a
CF é considerado inconstitucional e, portanto, inválido.
Isso também vale no tocante às interpretações que possam ser atribuídas a esta àquela
regra, a este ou àquele princípio. Qualquer interpretação que destoe da inspiração constituinte
originária (ou derivada, em alguns casos) deve ser afastada porquanto inconstitucional, ilegítima,
arbitrária.
Nas palavras de Eros Roberto Grau:
“A interpretação de qualquer texto de direito impõe ao intérprete, sempre, em qualquer
circunstância, o caminhar pelo percurso que se projeta a partir dele – do texto – até a
Constituição. Um texto de direito isolado, destacado, desprendido do sistema jurídico, não
expressa significado normativo algum”.76

73 “CF, Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar,
originariamente: a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de
constitucionalidade de lei ou ato normativo federal”.
74
VELOSO, Zeno. Controle Jurisdicional de Constitucionalidade. 3 ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 18.
75
“A jurisprudência desta Suprema Corte, não reconhece a possibilidade de controle concentrado de atos que consubstanciam mera
ofensa reflexa à Constituição, tais como o ato regulamentar consubstanciado no Decreto presidencial ora impugnado” (ADPF 93 AgR, Rel.
Min. Ricardo Lewandowski, 20/05/2009). Contudo: “É admissível controle concentrado de constitucionalidade de decreto que, dando
execução a lei inconstitucional, crie cargos públicos remunerados e estabeleça as respectivas denominações, competências, atribuições e
remunerações” (ADI 3232, Rel. Min. Cezar Peluso, 14/08/2008).
76 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 40.

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7.2. ESPÉCIES DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE


7.2.1. CONTROLE PREVENTIVO DE CONSTITUCIONALIDADE
O controle preventivo de constitucionalidade é desempenhado pelo Poder Legislativo e pelo
Poder Executivo.
O Poder Legislativo exerce controle preventivo de constitucionalidade: a) durante os
procedimentos de elaboração das leis, por intermédio das Comissões das Casas do Congresso
Nacional; b) quando analisa as medidas provisórias editadas pelo Presidente da República (CF, artigo
62); e c) quando o Presidente da República exorbita os limites da delegação feita pelo Congresso
Nacional na edição de leis delegadas (CF, artigo 68, § 3˚).
Já o Executivo analisa a compatibilidade vertical dos projetos de lei aprovados pelas Casas do
Congresso e, caso as entenda inconstitucionais, exerce o poder de veto previsto no artigo 66, § 1˚ da
CF. É claro que esta afirmação deve ser entendida com as limitações relativas ao próprio poder de
veto do Presidente da República, pois as Emendas à Constituição promulgadas pelas Mesas do
Senado Federal e da Câmara dos Deputados independentemente de sanção ou veto do Chefe do
Executivo (CF, artigo 60, § 3˚).

7.2.2. CONTROLE REPRESSIVO DE CONSTITUCIONALIDADE


Esta espécie de controle fica a cargo do Poder Legislativo nos casos em que o Presidente da
República exorbite os limites de uma delegação legislativa (CF, artigo 49, inciso V), bem como
naqueles relativos à edição de medidas provisórias (CF, artigo 62). No entanto, ficará a cargo do
Poder Judiciário quando se efetiva com a utilização de dois critérios de controle, quais sejam, o
difuso e o concentrado.
Junto ao Poder Judiciário o controle repressivo de constitucionalidade pode ser
desempenhado tanto na forma difusa quanto na forma concentrada. Esta é a essência do controle de
constitucionalidade que estudaremos adiante, sob a designação de Controle Judicial de
Constitucionalidade.
Importante ter em mente que não há prazo decadencial ou prescricional para que seja levada
ao Judiciário, na via difusa ou concentrada, discussão que demande controle de constitucionalidade.
O controle judicial de constitucionalidade, desde que publicada a lei ou o ato normativo, pode ser
feito a qualquer tempo, independentemente de prescrição ou decadência. A temática sujeita a
controle de constitucionalidade não decai e o direito de ação, no tocante a tal temática, não
prescreve. Os efeitos patrimoniais decorrentes da eventual procedência da tese sujeita ao controle
de constitucionalidade é que estão sujeitos a prazos prescricionais e decadenciais.
Ressalte-se que o Poder Judiciário, ao analisar o aspecto da constitucionalidade normativa,
não está adstrito à causa de pedir indicada pela parte que solicita o controle de constitucionalidade.

7.3. CONTROLE JUDICIAL DE CONSTITUCIONALIDADE


7.3.1. CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE

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O controle difuso de constitucionalidade é exercido por todos os juízes e tribunais do país e
pode ser desempenhado em qualquer espécie de processo.77
É também chamado de controle concreto de constitucionalidade justamente porque se
destina a solucionar as questões postas em juízo que tenham como pressuposto o reconhecimento,
ou não, de alguma inconstitucionalidade.
Daí a constatação de que, nesta espécie de controle, o reconhecimento da
inconstitucionalidade de uma norma não é o pedido principal submetido ao Judiciário, mas, sim, sua
causa de pedir. Foi assim que se manifestou o Ministro Carlos Velloso em março de 2002, como
relator na Reclamação 1.503-DF, cuja essência do voto foi assim divulgada no Informativo STF n˚ 161:
“Iniciado o julgamento de reclamação na qual se alega ter havido a usurpação da
competência originária do STF para o julgamento de ação direta de inconstitucionalidade
(CF, art. 102, I, a), por juiz federal de primeira instância, em razão de ter deferido liminar em
ação civil pública promovida pelo Ministério Público, na qual se pleiteia a nulidade do
enquadramento dos ex-ocupantes do extinto cargo de censor federal nos cargos de perito
criminal e delegado federal de que trata a Lei 9.688/98, levado a efeito mediante Portarias do
Ministro da Justiça, com a declaração incidenter tantum da inconstitucionalidade da Lei
9.688/98. O Min. Carlos Velloso, relator, proferiu voto no sentido de julgar improcedente a
reclamação por entender que o controle difuso de constitucionalidade de lei pode ser
exercido em sede de ação civil pública, no juízo de primeiro grau, quando for necessário para
a decisão da hipótese concreta, e que, na espécie, a declaração de inconstitucionalidade
pleiteada pelo Ministério Público não consubstancia o pedido da ação civil pública, mas sim a
causa de pedir.”
Exemplificando: imaginemos que o cidadão X esteja recolhendo um tributo Y porque a lei
assim o determina; a toda evidência, ele não pode deixar, sem autorização legal ou judicial, de
recolher o tributo, sob pena de arcar com as consequências óbvias e iniludíveis que todos
conhecemos; assim, se o indivíduo entender estar sendo submetido ao pagamento de um tributo
decorrente de lei inconstitucional, ele poderá ajuizar, por exemplo, um mandado de segurança com
o objetivo de ver-se desincumbido da obrigação de pagamento da quantia àquele correspondente; o
pedido será justamente o de concessão de ordem de segurança para que a autoridade coatora (no
caso aquela com atribuição para a cobrança do tributo reputado inconstitucional) se abstenha de
exigir do cidadão X (impetrante) o tributo Y; já a causa de pedir, por sua vez, será a
inconstitucionalidade da lei instituidora do tributo.
Assim, podemos concluir que a declaração da constitucionalidade da legislação
infraconstitucional no controle difuso é efetuado de maneira incidental, pois para que o magistrado
possa conceder ou não a segurança no exemplo hipotético acima – e da mesma forma em todas as
questões concretas submetidas à análise do Poder Judiciário que tenham co mo pressuposto a
verificação de compatibilidade vertical de alguma norma infraconstitucional com a CF – é imperioso
que, antes, analise a alegada inconstitucionalidade apontada como causa de pedir.78
Evidentemente que, como se trata de questões concretas postas em juízo, a eficácia da
decisão somente poderá produzir efeitos no caso concreto, inter partes.
A aferição da constitucionalidade constitui matéria de ordem pública, podendo ser conhecida
de ofício pelo magistrado competente.
Perfeitamente aplicável nesta espécie de controle o Princípio da Reserva de Plenário,
insculpido no artigo 97 da Constituição da República: “somente pelo voto da maioria absoluta de
seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a

77 “Todo e qualquer órgão investido do ofício judicante tem competência para proceder ao controle difuso de constitucionalidade” (AI
666523 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, 26/10/2010).
78 “Não usurpa competência do Supremo Tribunal Federal, decisão que, em ação civil pública de natureza condenatória, declara
incidentalmente a inconstitucionalidade de norma jurídica” (Rcl 1897 AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, 18/08/2010).

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inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”. Assim, quando a análise da
compatibilidade da legislação com a Constituição Federal estiver sendo efetuada em órgãos
colegiados, como é o caso de todos os tribunais do país, é imprescindível que haja a manifestação,
para fins de declaração de inconstitucionalidade, do voto favorável de, pelo menos, a maioria
absoluta de todos os membros do respectivo tribunal.
Nada obstante, o STF já decidiu que “Os órgãos fracionários dos Tribunais podem declarar a
inconstitucionalidade de normas se a matéria já tiver sido apreciada pelo Supremo Tribunal Federal,
ainda que incidentalmente” (AI 413118 AgR, Rel Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma,
23/03/2010).
A CF, em seu artigo 52, inciso X, dispõe que compete privativamente ao Senado Federal
suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva
do Supremo Tribunal Federal.
Declarada inconstitucional, por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, a lei
deverá ter sua execução suspensa por ato do Senado Federal do Senado Federal.
A decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal a que o dispositivo faz alusão é aquela
transitada em julgado no controle difuso (e somente no controle difuso). Como sabemos, a quase
totalidade das questões concretas postas em juízo podem ser analisadas, mediante recurso, nos
tribunais de segunda instância. Além disso, há possibilidade de o STF julgar, mediante recurso
extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida, por
exemplo, contrariar dispositivo da Constituição (CF, artigo 102, inciso III, alínea “a”). O STF também
detém competência para analisar, em controle difuso de constitucionalidade, questões afetas a sua
competência originária (por exemplo, a discussão em um habeas corpus impetrado por membro do
Congresso nacional - CF, artigo 102, inciso I, alínea “d”) e questões decorrentes de recursos
ordinários (por exemplo, a discussão em um mandado de segurança decidido em única instância
pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão).
Dessa forma, verifica-se que são somente as decisões definitivas proferidas pelo STF em
controle difuso as capazes de acarretar ulterior resolução do Senado Federal com o objetivo de
suspender a execução, no todo ou em parte, da lei declarada inconstitucional.
É de se notar, ainda, que a resolução do Senado federal apenas suspende a execução da
norma. Não se trata, portanto, de revogação.
Não podemos esquecer que, em regra, os efeitos da decisão proferida pelo STF em controle
difuso são gerados apenas inter partes e têm eficácia retroativa, ex tunc.
Daí, o que chama a atenção são as consequências da resolução do Senado suspendendo a
norma declarada inconstitucional pelo STF no controle difuso: a norma é suspensa com eficácia ex
nunc e os efeitos da suspensão passam a ser gerados erga omnes.
Diverge a doutrina a respeito da obrigatoriedade de o Senado Federal suspender a execução
da lei declarada inconstitucional pelo STF. Clèmerson Merlin Clève filia-se àqueles que sustentam ser
atividade discricionária e política do Senado Federal.79 A propósito, o Senado recusou-se a suspender
a eficácia de legislação relativa ao Finsocial, sob o argumento de que poderia haver profundo abalo
econômico no país.

7.3.2. CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE


A possibilidade de declaração da constitucionalidade de lei em tese, quando o parâmetro de
controle for a Constituição Federal, está concentrada no Supremo Tribunal Federal; a parca

79 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo. RT, 1993, p. 95.

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legitimidade ativa para o ajuizamento de ações objetivando o controle abstrato está concentrada
naqueles arrolados no artigo 103 da CF.80
Como, no controle concentrado, não há caso concreto a decidir, mas tão e somente
discussão de lei em tese, ele também é chamado de controle abstrato de constitucionalidade.
A legitimidade ativa está prevista no já transcrito artigo 103 da CF.81 Neste aspecto, cumpre
destacar a construção jurisprudencial do STF a respeito da necessária correlação entre os objetivos
da instituição com legitimidade para acionar o controle concentrado de constitucionalidade e o
assunto por ela discutido via ADIN, ADC, ADO ou ADPF. Trata-se do instituto da pertinência temática,
exigível de algumas as entidades arroladas no artigo 103 da CF.
A jurisprudência do STF tem exigido a demonstração da pertinência temática para confederações
sindicais, associações82 ou entidades de classe de âmbito nacional,83 Mesas das Assembleias Legislativas,
Mesa da Câmara Legislativa do Distrito Federal e para Governadores84 de Estado.85
Os demais legitimados detêm a chamada legitimidade ativa universal, ou seja, podem levar
ao STF, via controle concentrado de constitucionalidade, toda a sorte de assuntos que demandem a
verificação da compatibilidade de toda a legislação infraconstitucional com a CF.86 Quanto aos
partidos políticos, embora sejam legitimados universais, somente manterão a legitimidade enquanto
tiverem a respectiva representatividade no Congresso Nacional.87
Em regra, os efeitos da decisão nesta espécie de controle de constitucionalidade são
retroativos, ex tunc. O artigo 27 da Lei nº 9.868/99 e o artigo 11 da Lei nº 9.882/99 admitem a
chamada modulação dos efeitos da decisão, que será analisada adiante.
As decisões tomadas no controle concentrado de constitucionalidade têm características
importantes, que as diferenciam daquelas referentes ao controle difuso. Como a discussão, no
controle concentrado, é abstrata, a eficácia da decisão é erga omnes, acompanhada do efeito
vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e

80 “Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: I - o Presidente da
República; II - a Mesa do Senado Federal; III - a Mesa da Câmara dos Deputados; V - o Governador de Estado; IV - a Mesa de Assembleia
Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal; VI - o Procurador-Geral da
República; VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII - partido político com representação no Congresso Nacional; IX -
confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.”
81 "Os legitimados para propor arguição de descumprimento de preceito fundamental se encontram definidos, em numerus clausus, no

art. 103 da Constituição da República, nos termos do disposto no art. 2º, I, da Lei 9.882/1999. Impossibilidade de ampliação do rol
exaustivo inscrito na CF. Idoneidade da decisão de não conhecimento da ADPF" (ADPF 75-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento
em 3-5-2006, Plenário, DJ de 2-6-2006).
82 O Plenário do STF, no julgamento da ADI 3.153-AgR, retomou o entendimento de que as “associações de associações” de âmbito

nacional possuem legitimidade para propor ação direta de inconstitucionalidade.


83 “A Associação dos Delegados de Polícia do Brasil tem legitimidade para a propositura da ADIn. Presença do requisito da pertinência

temática entre as finalidades da agremiação e o objeto da causa” (ADI 3288, Rel. Min. Ayres Britto, 13/10/2010).
84 “Em se tratando de impugnação a diploma normativo a envolver outras Unidades da Federação, o Governador há de demonstrar a

pertinência temática, ou seja, a repercussão do ato considerados os interesses do Estado” (ADI 2747, Rel Min. Marco Aurélio, 16/05/2007).
"Legitimidade – Governador de Estado – Lei do Estado – Ato normativo abrangente – Interesse das demais Unidades da Federação –
Pertinência temática. Em se tratando de impugnação a diploma normativo a envolver outras Unidades da Federação, o Governador há de
demonstrar a pertinência temática, ou seja, a repercussão do ato considerados os interesses do Estado" (ADI 2.747, Rel. Min. Marco
Aurélio, julgamento em 16-5-2007, Plenário, DJ de 17-8-2007) No mesmo sentido: ADI 2.549, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento
em 1º-6-2011, Plenário, DJE de 3-11-2011.
85 “A legitimidade ativa da confederação sindical, entidade de classe de âmbito nacional, Mesas das Assembléias Legislativas e Governadores, para a

ação direta de inconstitucionalidade, vincula-se ao objeto da ação, pelo que deve haver pertinência da norma impugnada com os objetivos do autor
da ação” (ADI 1519 MC, Rel. Min. Carlos Velloso, 06/11/1996).
86
“Os partidos políticos com representação no Congresso Nacional têm legitimidade ativa universal para propor ação direta de
inconstitucionalidade, não incidindo, portanto, a condição da ação relativa à pertinência temática” (ADI 1963 MC, Rel Min. MAURÍCIO
CORRÊA, 18/03/1999).
87 "A perda superveniente da bancada legislativa no Congresso Nacional descaracteriza a legitimidade ativa do partido político para

prosseguir no processo de controle abstrato de constitucionalidade, eis que, para esse efeito, não basta a mera existência jurídica da
agremiação partidária, sobre quem incide o ônus de manter, ao longo da causa, representação parlamentar em qualquer das Câmaras que
integram o Poder Legislativo da União. A extinção anômala do processo de fiscalização normativa abstrata, motivada pela perda
superveniente de bancada parlamentar, não importa em ofensa aos postulados da indisponibilidade do interesse público e da
inafastabilidade da prestação jurisdicional, eis que inexiste, em favor do partido político que perdeu a qualidade para agir, direito de
permanecer no polo ativo da relação processual, não obstante atendesse, quando do ajuizamento da ação direta, ao que determina o art.
103, VIII, da CF" (ADI 2.202-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 27-7-2003, Plenário, DJ de 29-8-2003).

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indireta, nas esferas federal, estadual e municipal (CF, artigo 102, § 2º e Lei nº 9.882/99, artigo 10, §
3º).
Para assegurar a eficácia contra todos e o efeito vinculante a CF prevê o cabimento de
reclamação, para corrigir decisões que tenham desrespeitado ou distorcido o efeito vinculante
inerente ao controle concentrado de constitucionalidade. Reclamação não é recurso.
O STF é o único tribunal do país a fazer controle concentrado de constitucionalidade quando
o parâmetro de aferição de validade da legislação for a Constituição Federal. Não podemos nos
esquecer, contudo, que os Estados-membros exercem o chamado Poder Constituinte Decorrente e,
com base no artigo 25 da CF, organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem,
desde que observados os princípios da CF.
Sendo assim, respeitada a simetria com o modelo federal, o Estado-membro pode contar
com controle de constitucionalidade na modalidade concentrada, uma vez atendidos os seguintes
requisitos: previsão na respectiva Constituição Estadual e respeito à simetria com o modelo de
controle concentrado previsto na CF. Nesta hipótese, o parâmetro de aferição da validade da
legislação estadual ou municipal é a Constituição Estadual, funcionando como seu guardião o
Tribunal de Justiça do Estado-membro.88
Há quatro espécies de ações a serem ajuizadas perante o STF no controle concentrado e
abstrato, quais sejam: a) Ação Direta de Inconstitucionalidade; b) Ação Direta de
Inconstitucionalidade por Omissão; c) Ação Declaratória de Inconstitucionalidade; e d) Arguição de
Descumprimento a Preceito Fundamental.
Abaixo são apresentadas as principais características de cada uma dessas ações, que têm,
contudo, alguns traços procedimentais em comum:
I) legitimidade ativa lastreada, direta ou indiretamente, no artigo 103 da CF;89
II) participação do Procurador Geral da República em todos os processos (CF, artigo 103, § 1º);
III) participação do Advogado Geral da União para a defesa do ato ou do texto taxado de
inconstitucional (CF, artigo 103, § 3º);90
IV) possibilidade de interposição de agravo contra indeferimento da petição inicial;
V) irrecorribilidade da decisão final;
VI) cabimento de reclamação;
VII) eficácia contra todos e efeito vinculante.

7.3.2.1. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE E AÇÃO


DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE
Compete ao Supremo Tribunal Federal a guarda da Constituição, cabendo-lhe processar e
julgar, originariamente a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou
estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal (CF, artigo 102,
inciso I, alínea “a”).

88 "É competente o Tribunal de Justiça (e não o Supremo Tribunal), para processar e julgar ação direta contra lei estadual contrastada com
a norma da Constituição local, (...), cabendo, em tese, recurso extraordinário de decisão que vier a ser proferida sobre a questão." (ADI-QO
n° 1.529/MT, Rel. Min. Octávio Gallotti (DJ 28.2.1997).
89
“Descabe confundir a legitimidade para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade com a capacidade postulatória. Quanto ao
governador do Estado, cuja assinatura é dispensável na inicial, tem-na o procurador-geral do Estado” (ADI 2.906, Rel. Min. Marco Aurélio,
julgamento em 1º-6-2011, Plenário, DJE de 29-6-2011).
90 "O munus a que se refere o imperativo constitucional (CF, art. 103, § 3º) deve ser entendido com temperamentos. O Advogado-Geral da

União não está obrigado a defender tese jurídica se sobre ela esta Corte já fixou entendimento pela sua inconstitucionalidade” (ADI 1.616,
Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 24-5-2001, Plenário, DJ de 24-8-2001).

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7.3.2.1.1. LEGITIMIDADE ATIVA


O art. 103 da CF traz o rol dos legitimados à propositura da Ação Direta de
Inconstitucionalidade e da Ação Declaratória de Constitucionalidade.91 Antigamente o rol de
legitimados para a Ação Declaratória de Constitucionalidade era mais restrito. Contudo, com o
advento da EC 45/2004, todos os legitimados à propositura da ADI passaram a ter legitimidade para a
propositura da ADC.
Merece destaque especial a circunstância de a ADIn ser cabível contra atos normativos
federais e estaduais, enquanto que a ADC encontra cabimento somente em face de leis e atos
normativos federais.
Ressaltando que Não podem ser objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade:
a) as súmulas de jurisprudência, uma vez que não possuem o grau normativo;
b) regulamentos de execução ou decreto (ato normativo do Executivo), pois não têm
autonomia;
c) Norma decorrente de poder constituinte originário;
d) lei municipal.

Todavia no caso de regulamento ou decreto autônomo será objeto de Ação Direta de


Inconstitucionalidade, podendo, até mesmo, ser objeto de controle repressivo no Poder Legislativo,
quando importar em abuso de poder regulamentar.

7.3.2.1.2. EFEITOS DA DECISÃO


As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações
diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia
contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à
administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal (CF, art. 103, § 2º).
A Lei n˚ 9.868/99 foi o diploma normativo que regulamentou as normas procedimentais
tanto a respeito da ação direta de inconstitucionalidade quanto da ação declaratória de
constitucionalidade.

7.3.2.1.3. REQUISITOS DA PETIÇÃO INICIAL


A petição inicial da ADI deve indicar o dispositivo da lei ou o ato normativo impugnado e os
fundamentos jurídicos do pedido; além, é claro do pedido.
Já a petição inicial da ADC deve conter indicação do dispositivo da lei ou do ato normativo
impugnado e os fundamentos jurídicos do pedido; pedido; e indicação da existência de controvérsia
judicial relevante sobre a aplicação da disposição objeto da ação declaratória.
Como se percebe, a ADC, diferentemente da ADI, tem como pressuposto a existência de
controvérsia judicial relevante sobre a questão que se pretende discutir.

91 “Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: I - o Presidente da
República; II - a Mesa do Senado Federal; III - a Mesa da Câmara dos Deputados; V - o Governador de Estado; IV - a Mesa de Assembleia
Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal; VI - o Procurador-Geral da
República; VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII - partido político com representação no Congresso Nacional; IX -
confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.”

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Tanto na ADI quanto na ADC não é admitida a intervenção de terceiros e não se pode
desistir da ação.
A realização de audiências públicas é possível em ambas (ADI e ADC) em caso de
necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato, poderá o relator requisitar
informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a
questão, ou fixar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e
autoridade na matéria.
No procedimento da ADI é viável a admissão da manifestação de outros órgãos ou entidades,
considerada a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes. Trata-se da figura do
amicus curiae. O amicus curiae não tem legitimidade para interpor recurso, exceto no tocante à
decisão que indefira sua intervenção.
A concessão de medida cautelar em ADI pressupõe o voto favorável da maioria absoluta dos
Ministros do STF. Os efeitos da medida são ex nunc, salvo se o Tribunal entender que deva
conceder-lhe eficácia retroativa. A concessão da medida cautelar torna aplicável a legislação
anterior acaso existente, salvo expressa manifestação em sentido contrário.
A concessão de medida cautelar em ADC também pressupõe o voto favorável da maioria
absoluta dos Ministros do STF. Contudo, o objeto da medida cautelar, neste caso, envolve
determinação de que os juízes e os Tribunais suspendam o julgamento dos processos que envolvam
a aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação até seu julgamento definitivo.
A medida cautelar, tanto na ADI quanto na ADC, pode ter os mesmos efeitos da decisão
definitiva de mérito (eficácia contra todos e efeito vinculante). Daí a possibilidade de reclamação
contra decisão que tenha desrespeitado a decisão cautelar proferida pelo STF (desde que a decisão
tenha sido exarada em processo sem trânsito em julgado).
O quorum mínimo para as deliberações, em se tratando de ADI ou de ADC, é de 08 Ministros.

7.3.2.2. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO


As inconstitucionalidades não decorrem apenas de ações (leis ou atos normativos que
eventualmente desrespeitem o texto constitucional). Há inconstitucionalidades também quando se
afere omissões a respeito de matérias previstas na Constituição que, para terem plena eficácia,
dependem da edição de atos normativos infraconstitucionais:
“(...) O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante
inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um
comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que
dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham
consignados. Essa conduta estatal, que importa em um facere (atuação positiva), gera a
inconstitucionalidade por ação. (...) Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à
realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes
e exeqüíveis, abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever de prestação que a
Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse non
facere ou non praestare, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total,
quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida
efetivada pelo Poder Público. (...) A omissão do Estado - que deixa de cumprir, em maior ou
em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como
comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o
Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se
fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade
dos postulados e princípios da Lei Fundamental. (RTJ 185/794-796, Rel. Min. Celso de Mello,
Pleno).

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DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
Em caso de excepcional urgência e relevância da matéria, o Tribunal, por decisão da maioria
absoluta de seus membros, poderá conceder medida cautelar, após a audiência dos órgãos ou
autoridades responsáveis pela omissão inconstitucional, que deverão pronunciar-se o prazo de 5
dias.
Conforme Lei nº 9.868 de 1999.

7.3.2.2.1. EFEITOS DA DECISÃO


De acordo com o disposto no artigo 103, § 2˚ da CF, uma vez declarada a
inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada
ciência ao poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão
administrativo, para fazê-lo em trinta dias.

7.3.2.1.2. LEGITIMIDADE ATIVA


Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade por omissão os legitimados à
propositura da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade
(Lei n˚ 9.868/99, artigo 12-A).

7.3.2.2.3. REQUISITOS DA PETIÇÃO INICIAL


A inicial da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão deve conter indicação da
omissão inconstitucional total ou parcial quanto ao cumprimento de dever constitucional de legislar
ou quanto à adoção de providência de índole administrativa, e o pedido.
Assim como na ADI e na ADC não é admitida a intervenção de terceiros e não se pode desistir
da ação.
A concessão de medida cautelar em ADI pressupõe o voto favorável da maioria absoluta dos
Ministros do STF. Os efeitos da medida são ex nunc, salvo se o Tribunal entender que deva
conceder-lhe eficácia retroativa. A concessão da medida cautelar torna aplicável a legislação
anterior acaso existente, salvo expressa manifestação em sentido contrário.
Em caso de excepcional urgência e relevância da matéria, o Tribunal, por decisão da maioria
absoluta de seus membros pode conceder medida cautelar, após a audiência dos órgãos ou
autoridades responsáveis pela omissão inconstitucional, que deverão pronunciar-se no prazo de 5
(cinco) dias (Lei n˚ 9.868/99, artigo 12-F, caput).
A medida cautelar poderá consistir na suspensão da aplicação da lei ou do ato normativo
questionado, no caso de omissão parcial, bem como na suspensão de processos judiciais ou de
procedimentos administrativos, ou ainda em outra providência a ser fixada pelo Tribunal (Lei n˚
9.868/99, artigo 12-F, § 1).
O quorum mínimo para as deliberações, em se tratando de ADO, também é de 08 Ministros.

7.3.2.3. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL


A arguição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente da Constituição, será
apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei (CF, artigo 102, § 1˚).92 Trata-se de
competência exclusiva do STF.

92 Editou-se, então, a Lei n˚ 9.882/99, que regulou inteiramente a matéria.

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DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
À época em que somente existentes em nosso ordenamento a ADI, a ADO e a ADC, o STF
havia consolidado jurisprudência no sentido de que aquelas ações não se prestavam à verificação,
em abstrato, de leis municipais ou de atos normativos anteriores à Constituição de 1988.93

A grande inovação decorrente da previsão de possibilidade de arguição de descumprimento


de preceito fundamental foi tornar possível a discussão, via controle concentrado de
constitucionalidade, da compatibilidade vertical com a CF tanto de legislação municipal quanto de
legislação editada anteriormente ao advento da atual Carta Magna. Afinal, nos termos do art. 1˚,
Parágrafo único da Lei n˚ 9.882/99, A ADPF pode ter por objeto evitar ou reparar lesão a preceito
fundamental, resultante de ato do Poder Público e, nos termos do inciso I, é também cabível ADPF
quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo
federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição.

7.3.2.3.1. LEGITIMIDADE ATIVA


São legítimos para propor ADPF os mesmos legitimados para propor ação direta de
inconstitucionalidade, ou seja, todas as entidades mencionadas pelo art. 103 da CF.
Importante destacar que o artigo 2˚, §1˚ da Lei n˚ 9.882/99 dispões sobre a possibilidade de
qualquer interessado, mediante representação, solicitar a propositura de arguição de
descumprimento de preceito fundamental ao Procurador-Geral da República, que, examinando os
fundamentos jurídicos do pedido, decidirá do cabimento do seu ingresso em juízo.

7.3.2.3.2. REQUISITOS DA PETIÇÃO INICIAL


A arguição de descumprimento de preceito fundamental deve conter indicação do preceito
fundamental que se considera violado; indicação do ato questionado; prova da violação do preceito
fundamental; pedido; e, se for o caso, a comprovação da existência de controvérsia judicial relevante
sobre a aplicação do preceito fundamental que se considera violado.

7.3.2.3.3. SUBSIDIARIEDADE
Uma característica importante da ADPF é a sua subsidiariedade, isso quer dizer que não se
admite arguição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio
eficaz de sanar a lesividade.
No contexto da subsidiariedade o STF entende que, quando verificado o cabimento de ADI,
em vez de ADPF, quando atendidos os requisitos daquela.
É possível a concessão de liminar, que pode consistir na determinação de que juízes e
tribunais suspendam o andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer
outra medida que apresente relação com a matéria objeto da arguição de descumprimento de
preceito fundamental, salvo se decorrentes da coisa julgada.
A realização de audiências públicas é admitida, podendo o relator ouvir as partes nos
processos que ensejaram a arguição, requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão
de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou ainda, fixar data para declarações, em
audiência pública, de pessoas com experiência e autoridade na matéria.

93 “O objeto da arguição de descumprimento de preceito fundamental há de ser “ato do Poder Público” federal, estadual, distrital ou
municipal, normativo ou não, sendo, também, cabível a medida judicial “quando for relevante o fundamento da controvérsia sobre lei ou
ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição” (ADPF 01).

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O relator também pode autorizar sustentação oral e juntada de memoriais, por
requerimento dos interessados no processo.

7.3.2.3.4. EFEITOS DA DECISÃO


Julgada a ação, far-se-á comunicação às autoridades ou órgãos responsáveis pela prática dos
atos questionados, fixando-se as condições e o modo de interpretação e aplicação do preceito
fundamental.

7.3.3. SÚMULAS VINCULANTES


De acordo com o art. 103-A da CF, o Supremo Tribunal Federal pode, de ofício ou por
provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre
matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá
efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta
e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou
cancelamento, na forma estabelecida em lei.

7.3.3.1. PROCEDIMENTO
O procedimento de edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula com efeito
vinculante é o constante da Lei n˚ 11.417/2006, cujo art. 10 autoriza a aplicação subsidiária das
disposições do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
Portanto, a ADI, a ADC, a ADO e a ADPF não constituem instrumentos adequados a viabilizar
revisão ou cancelamento de súmula vinculante.94
Não há falar em conversão automática, nem na revogação das súmulas então existentes, às
quais não se agregou o efeito vinculante. Para a revogação é necessária manifestação expressa do
STF; para a eventual conversão em súmula vinculante é necessário que se siga o procedimento da Lei
n˚ 11.417/2006.
A súmula pode ter por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas
determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a
administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de
processos sobre questão idêntica (CF, art. 103-A, § 1˚).
Importante destacar que caso seja revogada ou modificada a lei em que se fundou a edição de
enunciado de súmula vinculante, o Supremo Tribunal Federal, de ofício ou por provocação, deverá
proceder à sua revisão ou cancelamento, conforme o caso (Lei n˚ 11.417/2006, art. 5˚).
Além disso, a proposta de edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula
vinculante não autoriza a suspensão dos processos em que se discuta a mesma questão (Lei n˚
11.417/2006, art. 6˚).

7.3.3.2. LEGITIMIDADE ATIVA


Podem requerer da aprovação, revisão ou cancelamento de súmula vinculante: a) os
legitimados à propositura da ação direta de inconstitucionalidade (CF, art. 103-A, § 2˚); b) os
Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios, os
Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e
os Tribunais Militares (Lei n˚ 11.417/2006, art. 3˚, XI).

94 XI Concurso Público para provimento de cargos de Juiz Federal Substituto da Quinta Região.

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Além dessas entidades, o município tem legitimidade para propor edição, a revisão ou o
cancelamento de enunciado de súmula vinculante, desde que o faça de forma incidental no curso de
processo no qual seja parte, o que não autoriza a suspensão do processo (Lei n˚ 11.417/2006, art. 3˚,
§ 1˚).

7.3.2.3. RECLAMAÇÃO
Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que
indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a
procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que
outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso (CF, art. 103-A, § 3˚).
A Lei n˚ 11.417/2006, em seu art. 7˚, explicitou que o cabimento de reclamação é feito “sem
prejuízo dos recursos ou outros meios admissíveis de impugnação”. Além disso, condicionou o
cabimento da reclamação contra omissão ou ato da administração pública ao esgotamento das vias
administrativas.

7.3.2.4. OITIVA DO PGR E MANIFESTAÇÃO DE TERCEIROS


O Procurador-Geral da República, nas propostas que não houver formulado, deverá se
manifestar previamente à edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula vinculante (Lei
n˚ 11.417/2006, art. 1˚, § 2˚).
Ainda, o relator pode admitir, por decisão irrecorrível, a manifestação de terceiros na
questão, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (Lei n˚ 11.417/2006, art. 3˚,
§ 2˚).

7.3.2.5. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA SÚMULA VINCULANTE


A súmula com efeito vinculante tem eficácia imediata, mas o Supremo Tribunal Federal, por
decisão de 2/3 (dois terços) dos seus membros, poderá restringir os efeitos vinculantes ou decidir
que só tenha eficácia a partir de outro momento, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de
excepcional interesse público (Lei n˚ 11.417/2006, art. 4˚).

7.4. OBJETIVAÇÃO DO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIO-NALIDADE


O perfil do controle difuso de constitucionalidade brasileiro era determinado pela eficácia
inter partes das decisões, ainda que desafiadas por recurso extraordinário perante o STF. A atribuição
de maior abrangência às decisões do STF em controle difuso cabia somente ao Senado Federal (CF,
artigo 52, X).
A Emenda Constitucional 45/2004, também chamada de “A Reforma do Judiciário”,
proporcionou a alteração de vários dispositivos constitucionais e, dentre diversas outras importantes
previsões, inovou ao prever a possibilidade de o STF editar súmulas vinculantes.
As súmulas vinculantes, em última análise, são resultados de julgamentos reiterados
proferidos em matéria constitucional pelo STF em controle difuso. Com efeito, de acordo com o
artigo 103-A da CF, o STF pode, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos
seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir
de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder

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Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem
como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
A súmula vinculante tem por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas
determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a
administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos
sobre questão idêntica (§ 1º).
Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que
indevidamente a aplicar, cabe reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente,
anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja
proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso (§ 3º).95
Tais julgamentos, antes da reforma, poderiam apenas proporcionar efeitos entre as partes
envolvidas na demanda; com a previsão constitucional de súmulas vinculantes, os resultados de
julgamentos do STF no controle difuso podem apresentar características do controle concentrado:
eficácia erga omnes, vinculação dos demais juízes, tribunais e da própria administração pública, bem
como cabimento de reclamação.
A mencionada emenda constitucional, justamente por buscar conferir maior racionalidade,
celeridade e eficiência aos procedimentos judiciais, trouxe ao sistema brasileiro outra grande
inovação: a repercussão geral de questões constitucionais como requisito de admissibilidade para
todo e qualquer recurso extraordinário (CRFB, Artigo 102, §3º).

7.5. TRANSCENDÊNCIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES


A boa técnica, no controle difuso de constitucionalidade, demanda que a declaração
incidental (ou reconhecimento, como referem alguns) da inconstitucionalidade também integre a
parte dispositiva da sentença cabendo, inclusive, embargos de declaração acaso o magistrado não
faça constar, no dispositivo, a declaração incidental de inconstitucionalidade.
No controle concentrado, levando-se em consideração que o que se discute é uma tese
jurídica sobre a constitucionalidade de uma lei ou ato normativa, a parte dispositiva da decisão do
STF normalmente contém o resultado de toda a discussão: se o dispositivo impugnado é, ou não,
inconstitucional.
Assim, tanto no controle difuso, quanto no controle concentrado de constitucionalidade, a
parte dispositiva da decisão contempla, apenas, a declaração, que nada mais é do que o resultado da
fundamentação, da ponderação entre todos os motivos invocados como razões de decidir.
Ante tais características, costuma-se afirmar que, no controle difuso, transita em julgado
apenas o que consta no dispositivo da sentença e, no controle concentrado, somente o dispositivo
detém efeitos vinculantes.
Entretanto, respeitáveis vozes doutrinárias têm chamado atenção para a teoria dos motivos
determinantes, que postula, no âmbito do controle concentrado, a possibilidade de os motivos
subjacentes à decisão também serem dotados de efeito vinculante.
Sendo assim, acaso o STF decida, por exemplo, em ADI, no sentido da inconstitucionalidade
de uma lei do Estado de São Paulo que tenha aumentado o IPVA para 90% (em total desrespeito ao
artigo 150, IV da CF, que veda a utilização de tributo com efeito de confisco), não seria mais
necessário que se ajuizasse outra ADI para a discussão de lei com idêntico teor, eventualmente
editada por outro Estado da federação. Bastaria o ajuizamento de uma Reclamação, na qual o STF
simplesmente faria valer a decisão tomada na ADI em que se discutia a lei paulista, afinal os motivos

95 "Inexiste ofensa à autoridade de Súmula Vinculante quando o ato de que se reclama é anterior à decisão emanada da Corte Suprema"
(Rcl 6.449-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 25-11-2009, Plenário, DJE de 11-12-2009).

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para ambas as situações seriam os mesmos. Não aceita a teoria da transcendência dos motivos
determinantes no controle concentrado, seriam, então, necessárias tantas ADIs quantas fossem as
leis estaduais a respeito da mesma inconstitucionalidade.96
7.6. INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO
Havendo alguma interpretação possível que permita afirmar-se a compatibilidade da norma
com a Constituição, em meio a outras que levavam à inconstitucionalidade, deve o intérprete optar
pela compatibilidade, mantendo o preceito em vigor.
Trata-se de processo que se realiza mediante a observância dos seguintes passos: a) escolha
de uma interpretação da norma que a mantenha em harmonia com a Constituição; b) escolha da
interpretação mais coerente com a manutenção do texto legal e a consequente exclusão de outras
interpretações que pudessem acarretar incompatibilidade com a Constituição.
Como se percebe, a interpretação conforme a constituição não é um simples procedimento
de hermenêutica, mas um mecanismo de controle de constitucionalidade pelo qual se declara
ilegítima uma determinada leitura da norma legal. Importante destacar que, diferentemente de
outras técnicas de controle da constitucionalidade, no caso da interpretação conforme o texto legal
permanece íntegro, mas sua aplicação fica restrita. Vejamos alguns exemplos da utilização dessa
técnica pelo STF:

ADI 3684. Competência da Justiça do Trabalho e Matéria Penal: “O Tribunal atribui


interpretação conforme a Constituição Federal aos incisos I, IV e IX do seu art. 114 no
sentido de que neles a Constituição não atribuiu competência criminal genérica à
Justiça do Trabalho” (Informativo STF 454).
ADI 3510. Lei da Biossegurança:97 “O Tribunal, por maioria, julgou improcedente pedido
formulado em ADI proposta pelo PGR contra o art. 5º da Lei federal 11.105/2005. O Min.
Menezes Direito havia proposto o que segue: no caput do art. 5º, declarar parcialmente a
inconstitucionalidade, sem redução de texto, dando interpretação conforme a Constituição,
para que seja entendido que as células-tronco embrionárias sejam obtidas sem a
destruição do embrião” (Informativo STF 508).
HC 83868. Prisão Cautelar e Art. 3º da Lei 9.613/98: “O Tribunal deu interpretação
conforme ao art. 3º da Lei 9.613/98,98 a fim de conjugá-lo com o art. 312 do CPP — no
sentido de que o juiz decidirá, fundamentadamente, se o réu poderá, ou não, apelar em
liberdade, verificando se estão presentes os requisitos da prisão cautelar (Informativo STF
537).
ADI 3096. Crimes contra Idosos e Aplicação da Lei 9.099/95: 99 “O Tribunal julgou
parcialmente procedente para dar interpretação conforme, no sentido de que aos crimes
previstos nessa lei aplica-se a Lei 9.099/95 apenas nos aspectos estritamente
processuais, não se admitindo, em favor do autor do crime, a incidência de qualquer medida
despenalizadora. A lei impugnada seria inconstitucional, haja vista a possibilidade de, em
face de um único diferencial (idade da vítima) ter-se um agente respondendo perante o

96 “Não questiono a afirmação de que se revela possível, para efeito de reclamação, invocar-se a teoria da transcendência dos motivos
determinantes, em ordem a reconhecer que o alcance da eficácia vinculante pode estender-se, para além da parte dispositiva do acórdão,
também aos próprios fundamentos subjacentes à decisão.” Contudo, o efeito vinculante “tem, por únicos destinatários, os demais órgãos
do Poder Judiciário e todos aqueles estruturados no âmbito da Administração Pública, não se estendendo, em tema de produção
normativa, ao Poder Legislativo” (RCL 5442, Rel. Min. Celso de Mello)
97 Lei nº 11.105/2005. “Art. 5º É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões

humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: I – sejam
embriões inviáveis; ou II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na
data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento.”
98 “Os crimes disciplinados nesta Lei são insuscetíveis de fiança e liberdade provisória e, em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá

fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade.”


99 Lei 10.741/2003. “Art. 94. Aos crimes previstos nesta Lei, cuja pena máxima privativa de liberdade não ultrapasse 4 (quatro) anos, aplica-

se o procedimento previsto na Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.

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Sistema Judiciário Comum e outro com todos os benefícios da Lei dos Juizados Especiais,
não obstante a prática de crimes da mesma gravidade” (Informativo STF 591).

7.7. A QUESTÃO DA LEI “AINDA CONSTITUCIONAL”


Nos termos do artigo 63 do Código de Processo Penal, transitada em julgado a sentença
condenatória, podem promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o
ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros. O artigo 68 do CPP, por sua vez, dispõe que,
quando o titular do direito à reparação do dano for pobre, a execução da sentença condenatória será
promovida, a seu requerimento, pelo Ministério Público.
Ocorre que a CF não contempla, dentre as atribuições do Ministério Público (artigos 107 a
129), o encaminhamento da ação civil ex dellicto, mesmo em se tratando de pessoa pobre. Essa é
uma atribuição constitucionalmente direcionada à Defensoria Pública. Segundo a CF, cabe ao
Defensor Público a prestação de assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovem
insuficiência de recursos para a contratação de profissionais da esfera privada (art. 5º, LXXIV).
O RE 341717 foi interposto junto ao STF com base nesses argumentos e a questão foi
decidida com base na teoria da lei “ainda constitucional”, de modo que o artigo 68 do CPP só seria
considerado inconstitucional nos Estados-membros que já contassem com Defensorias Públicas.100

7.8. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DAS DECISÕES


Em regra os efeitos da decisão nesta espécie de controle de constitucionalidade são
retroativos, ex tunc. O artigo 27 da Lei nº 9.868/99 e o artigo 11 da Lei nº 9.882/99 admitem, no
controle concentrado de constitucionalidade, a chamada modulação dos efeitos da decisão.
De acordo com ambos os dispositivos, ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, o STF
pode, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou
decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que
venha a ser fixado.
O STF utilizou a previsão do artigo 27 da nº 9.868/99 para, no julgamento da ADI 2240,
atribuir efeitos apenas prospectivos à declaração de inconstitucionalidade:
“O Tribunal, à unanimidade, julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo
Partido dos Trabalhadores - PT para declarar a inconstitucionalidade da Lei 7.619/2000, do
Estado da Bahia - que criou o Município de Luís Eduardo Magalhães, decorrente do
desmembramento de área do Município de Barreiras - e, por maioria, sem pronunciar a nulidade
do ato impugnado, manteve sua vigência pelo prazo de 24 meses até que o legislador estadual
estabeleça novo regramento - v. Informativo 427. Considerou-se que, não obstante a inexistência
da lei complementar federal a que se refere o § 4º do art. 18 da CF, o aludido Município fora
efetivamente criado a partir de uma decisão política, assumindo existência de fato como ente
federativo dotado de autonomia há mais de 6 anos, o que produzira uma série de efeitos
jurídicos, não sendo possível ignorar essa realidade fática, em respeito ao princípio da segurança
jurídica. Ressaltou-se, entretanto, que a solução do problema não poderia advir da simples
decisão da improcedência do pedido formulado, haja vista o princípio da nulidade das leis
inconstitucionais, mas que seria possível primar pela otimização de ambos os princípios por meio
de técnica de ponderação” (Informativo STF 466).
Os argumentos que prevaleceram, em prol da declaração de inconstitucionalidade sem
pronúncia de nulidade, permitindo-se, assim, a prospecção dos efeitos da decisão em controle

100 “Estágio intermediário, de caráter transitório, entre a situação de constitucionalidade e o estado de inconstitucionalidade. A questão
das situações constitucionais imperfeitas. Subsistência, no Estado de São Paulo, do art. 68 do CPP, até que seja instituída e regularmente
organizada a Defensoria Pública local” (RE 341717, Rel. Min. Celso de Mello).

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DIREITO CONSTITUCIONAL
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concentrado, decorreram do Voto-vista do Min. Gilmar Mendes, no sentido de que deveria ser
efetuada, na situação daquela ADI, a otimização de princípios, ponderando-se entre segurança e
nulidade de lei inconstitucional. Essa ponderação, segundo o Min. Gilmar Mendes, viabiliza a
utilização de técnicas alternativas de decisão no controle de constitucionalidade, especialmente a da
declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade. O Min. apresentou estudo sobre a
doutrina da declaração prospectiva de inconstitucionalidade e afirmou a superação do dogma
Kelseniano do “legislador negativo”. Assim, o STF decidiu “declarar a inconstitucionalidade sem a
pronúncia de nulidade da lei, mantendo sua vigência pelo prazo de 24 meses”.
No controle difuso, a despeito da inexistência de previsão legal específica, o STF já decidiu
pela possibilidade, em casos extremos, de modulação dos efeitos da decisão.101Foi o que ocorreu no
julgamento do RE 197917, em que se discutia a questão do número correto de vereadores no
Município de Mira Estrela. Declarou-se a inconstitucionalidade do número de cargos de vereador
naquele município que ultrapassou o limite constitucional. Decidiu-se, na ocasião, tendo em vista
toda a problemática do exercício dos mandatos excedentes até então, que a decisão respeitaria “os
mandatos atuais”. Atribui-se, no controle difuso de constitucionalidade, efeitos prospectivos à
declaração de inconstitucionalidade.

7.8.1. INCONSTITUCIONALIDADE POR ARRASTAMENTO


A técnica da declaração de inconstitucionalidade por arrastamento é largamente utilizada
pelo STF para atingir, via declaração de inconstitucionalidade, dispositivos infraconstitucionais que,
embora não tenham sido objeto de pedido da parte interessada, mantenham, em relação à norma
objeto da demanda, relação de interdependência. Em outras palavras: “quando a declaração de
inconstitucionalidade de uma norma afeta um sistema normativo dela dependente, ou, em virtude
da declaração de inconstitucionalidade, normas subsequentes são afetadas pela declaração, a
declaração de inconstitucionalidade pode ser estendida a estas, porque ocorre o fenômeno da
inconstitucionalidade ‘por arrastamento’ ou ‘por atração’”.102
Segundo a Ministra Ellen Gracie:
“Constatada a ocorrência de vício formal suficiente a fulminar a Lei estadual ora contestada,
reconheço a necessidade da declaração de inconstitucionalidade conseqüencial ou por
arrastamento de sua respectiva regulamentação, materializada no Decreto 6.253, de
22.03.06. Esta decorrência, citada por CANOTILHO e minudenciada pelo eminente Ministro
Celso de Mello no julgamento da ADI 437-QO, DJ 19.02.93, ocorre quando há uma relação
de dependência de certos preceitos com os que foram especificamente impugnados, de
maneira que as normas declaradas inconstitucionais sirvam de fundamento de validade para
aquelas que não pertenciam ao objeto da ação. Trata-se exatamente do caso em discussão,
no qual "a eventual declaração de inconstitucionalidade da lei a que refere o decreto
executivo (...) implicará o reconhecimento, por derivação necessária e causal, de sua
ilegitimidade constitucional" (voto do Min. Celso de Mello na referida ADI 437-QO)”.103

DIREITOS FUNDAMENTAIS

101 “A orientação do Supremo Tribunal Federal admite, em situações extremas, o reconhecimento de efeitos meramente prospectivos à
declaração incidental de inconstitucionalidade” (RE 553223 AgR-ED, Rel Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, 19/08/2008).
102 Ministro Carlos Veloso, ADI nº 2.895-2
103 ADI 3645.

51
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8.1. INTRODUÇÃO
Trataremos, sob a denominação de Direitos Fundamentais, os que, além de se
caracterizarem filosoficamente como Direitos Humanos, foram reconhecidos e positivados na
Constituição Federal. Destacamos, desde logo, que as normas definidoras dos direitos e garantias
fundamentais têm aplicação imediata (CF, artigo 5º § 1º).

8.1.1. O ROL DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA


Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do
regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte (CF, artigo 5º § 1º).
Com base nessa disposição não há como negar que o rol de direitos fundamentais da CF/88
seja aberto, permeável, receptivo ao reconhecimento nacional e internacional de novos direitos,
bem como à possibilidade de diminuição de eventuais limites a direitos ou garantias fundamentais.

8.1.1.1 CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS


COM DEFICIÊNCIA
Assinada em Nova York no dia 30 de março de 2007, a Convenção Internacional sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência seguiu o trâmite do artigo 5º § 3º da CF (específico para
tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos), tendo sido aprovada, em cada Casa
do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros.
Com a aprovação, que ocorreu por intermédio do Decreto Legislativo nº 186/2008, a
Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência passou a ter a equivalência
de emenda à Constituição.
De importância ímpar para o constitucionalismo nacional, a Convenção Internacional sobre
os Direitos das Pessoas com Deficiência é o primeiro compromisso internacional assumido pela
República Federativa do Brasil, na esfera dos direitos humanos, ao qual se atribuiu oficialmente a
hierarquia normativa de emenda à Constituição, com a legitimidade de irradiar seus princípios a todo
o sistema jurídico, inclusive do seio da própria Constituição Federal.
Os efeitos práticos são os seguintes: a) normas constitucionais anteriores à Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência que não estavam protegidas por cláusula
de barreira (CF, artigo 60, § 4º) podem ter sido alteradas; b) normas constitucionais relativas a
direitos fundamentais, ainda que protegidas por cláusula de barreira (CF, artigo 60, § 4º, inciso IV)
podem ter sido alteradas - pois o que se veda é a emenda que tenda a abolir direitos e garantias
fundamentais e, além disso, o rol de direitos fundamentais, como se disse acima, é aberto ao
incremento dos direitos e das garantias, bem como à restrição de limites a esses direitos; c) normas
infraconstitucionais que não estejam de acordo com a Convenção Internacional sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência passaram a ser inconstitucionais.
Os princípios gerais da Convenção, previstos em seu artigo 3º, são: respeito pela dignidade
inerente, a autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a
independência das pessoas; não-discriminação; plena e efetiva participação e inclusão na sociedade;
respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade
humana e da humanidade; igualdade de oportunidades; acessibilidade; igualdade entre o homem e a
mulher; respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e pelo direito
das crianças com deficiência de preservar sua identidade.

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Após a exposição dos princípios gerais, a Convenção dispõe sobre os direitos das pessoas
com deficiência e indica quais as políticas públicas assumidas pelos Estados-parte para a
implementação desses direitos.

8.2. DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO PRINCÍPIOS


Quanto maior a abstração de um texto normativo, maior o espaço interpretativo. Textos com
alto teor de abstração chamam-se princípios. A única maneira de serem aplicados tais princípios é
mediante análise de cada caso concreto. Quando há colisão entre direitos fundamentais (imagem,
intimidade e honra x informação e liberdade de imprensa, por exemplo) e não existe previsão
constitucional expressa a respeito de possível solução, cabe ao intérprete a construção da norma a
ser aplicada no caso concreto. Primeiro ele deve buscar harmonização dos direitos fundamentais em
colisão e, somente nas hipóteses em que não alcance esse objetivo, pode passar a ponderar os
direitos, otimizando-os sem sacrificar totalmente um direito em prol do outro. A técnica da
proporcionalidade permite que um direito em conflito se sobreponha a outro, ainda que de idêntica
hierarquia, mantendo-se o núcleo essencial do direito cuja aplicabilidade é afastada. O âmbito de
proteção de um direito cede passo à maior amplitude de outro.
Para Ávila “Os princípios são regras cuja finalidade frontal é, justamente, a determinação da
realização de um fim juridicamente relevante, ao passo que característica dianteira das regras é a
previsão de comportamento”. Por todas essas razões os direitos fundamentais, quando veiculados
por preceitos de alto grau de abstração, devem ser pensados e aplicados como princípios.

8.3. COLISÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS


Um direito fundamental nem sempre está em colisão com outro ou com outros direitos
fundamentais. Portanto, num primeiro momento cabe ao intérprete tentar compreender o âmbito de
proteção de cada direito, a fim de analisar se está mesmo diante de uma colisão autêntica. Um dos
critérios a serem utilizados pode ser o da especialidade. A especialização não oferece dificuldades de
compreensão: a regra especial sempre prevalecerá sobre a geral, de acordo com o antigo postulado
lex especialis derogat generalis.
Nesse primeiro momento, pode-se estar diante de um “não direito”: o direito à propriedade
(CF, artigo 5˚, inciso XXII) somente pode ser assim considerado depois de alcançado o âmbito
normativo decorrente da imperiosa conformação com o texto do inciso XXIII (“a propriedade
atenderá a sua função social”). Não há propriamente colisão de direitos justamente porque o direito
à propriedade que não atenda à função social é juridicamente inexistente.
Vencida a primeira etapa e verificada a existência de colisão entre direitos fundamentais,
deve-se passar à análise de que espécies de direitos fundamentais em colisão se está diante. Há duas
hipóteses.
A primeira (direitos fundamentais não restringíveis com direitos fundamentais restringíveis)
resolve-se com grande facilidade até mesmo porque não há autêntica situação de colisão de direitos
fundamentais. É que o Constituinte atribuiu ao legislador ordinário a possibilidade de restringir
determinado direito fundamental.
O que acontece, na realidade, é que o legislador ordinário, nesses casos, já cuidou de
delimitar o âmbito normativo do direito fundamental restringível.

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DIREITO CONSTITUCIONAL
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A segunda (colisão entre direitos fundamentais não restringíveis) mostra-se como a autêntica
colisão, pois não houve previsão constitucional expressa a respeito de possível solução e cabe ao
intérprete a construção da norma a ser aplicada no caso concreto. Primeiro ele deve buscar
harmonização dos direitos fundamentais em colisão, e somente nas hipóteses em que não logre
êxito em tal objetivo, é que pode passar a ponderar os fatos sob análise, otimizando os direitos
fundamentais sem jamais sacrificar totalmente um direito em prol do outro.
Não é demais ressaltar que não há, propriamente, hierarquização em abstrato dos direitos
em conflito, mas sim análise dinâmica e fluida, construída com base nas peculiaridades do caso
concreto.
Diferentemente não poderia ser, pois, como adverte Robert Alexy, o conflito entre princípios
soluciona-se por meio do sopesamento (ou ponderação), no qual se verifica uma relação de
precedência condicionada, isto é, “... um dos princípios tem precedência em face do outro sob
determinadas condições. Sob outras condições a questão da precedência pode ser resolvida de
forma oposta”.104
Nos casos de colisão entre direitos fundamentais dotados de forte abstração, espera-se que
o Judiciário pondere os direitos em jogo, utilizando a ferramenta (ou o “postulado”, como prefere
Ávila105) da proporcionalidade.
A técnica da proporcionalidade permite que, em determinado caso concreto, um direito em
conflito se sobreponha a outro, ainda que de idêntica hierarquia, mantendo-se, na medida do
possível, o núcleo essencial do direito cuja aplicabilidade é afastada. O âmbito de proteção de um
direito cede passo à maior amplitude de outro direito.

8.4. ÂMBITO DE PROTEÇÃO NORMATIVA


Os direitos estão limitados a partir de seus exteriores. Somente o conflito com outro direito é
capaz de delimitar o âmbito de proteção normativa de um direito. Todos os direitos acabam tendo
vocação expansiva. Essa vocação é expansiva até o choque com outro direito.
Se os limites dos direitos surgem a partir do choque com outros direitos, não há critério
racional para definição a priori do âmbito de proteção normativa dos direitos, especialmente os
fundamentais por sua característica principiológica.
Então, para entender um direito, temos de analisar as normas, a natureza de tais direitos e as
circunstâncias do caso concreto. Por exemplo: temos direito aos bens indispensáveis ao
desenvolvimento da condição humana. O direito não muda, mas sua amplitude pode variar de
acordo com as circunstâncias – a final, a concepção do que está, ou não, inserido no critério de
indispensabilidade à condição humana pode ser bem diferente quando comparadas circunstâncias
vividas em países com diferentes cenários em termos de desenvolvimento.

8.4.1. A NÃO EXISTÊNCIA DE CARÁTER ABSOLUTO DOS DIREITOS


FUNDAMENTAIS
Para Norberto Bobbio, a coexistência humana na superfície finita do planeta Terra somente é
possibilitada pelo Direito “porque somente onde a liberdade é limitada, a liberdade de um não se
transforma numa não liberdade para os outros, e cada um pode usufruir da liberdade que lhe é
concedida pelo direito de todos os outros de usufruir uma liberdade igual à dele”.106
Por isso, o Ministro Celso de Mello afirma que:

104 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Maleiros, 2008, p. 93.
105 ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos Princípios. São Paulo: Maleiros, 2005.
106 BOBBIO, Norberto. Direito e estado no pensamento de Emmanuel Kant. Trad. Alfredo Fait. 3 ed. Brasília: UnB, 1995, p. 70.

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DIREITO CONSTITUCIONAL
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"Os direitos e garantias individuais não têm caráter absoluto. Não há, no sistema
constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo
porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de
convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos
órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que
respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição". 107
Contudo, tendo em vista que os direitos estão limitados a partir de seus exteriores e somente
o conflito com outro direito é capaz de delimitar seu âmbito de proteção normativa, entendemos
que nada justifica a limitação do direito de qualquer pessoa a não ser torturada e não ser submetida
a tratamentos desumanos ou degradantes.108 Não há direito de igual hierarquia que possa fazer
frente a ele, limitando sua vocação expansiva.

8.5. GERAÇÕES DE DIREITOS


Parte da doutrina adverte que o correto seria tratar-se a dinâmica dos direitos fundamentais
a partir do uso da expressão dimensões, forte no argumento de que, ao usar-se gerações, estar-se-ia
transmitindo o significado de sucessões de direitos, quando, na realidade, a chegada de novos
direitos apenas vem a agregar maior aplicabilidade àqueles outrora reconhecidos:
“Com efeito, não há como negar que o reconhecimento progressivo de novos direitos
fundamentais tem o caráter de um processo cumulativo, de complementaridade, e não de
alternância, de tal sorte que o uso da expressão ‘gerações’ pode ensejar a falsa impressão
da substituição gradativa de uma geração por outra”.109

8.5.1. DIREITOS FUNDAMENTAIS DE PRIMEIRA GERAÇÃO


Os direitos de primeira geração estão vinculados à ideia de Estado Liberal, com o modelo de
Estado que tem como pressuposto abster-se de interferir, ou interferir o mínimo possível, na vida
cidadã. Prestigia-se a vida, a liberdade, a igualdade e a propriedade em detrimento do poder estatal,
na medida em que tais direitos de primeira geração consistem em verdadeiras restrições à atuação
do Estado.110
Segundo Ingo Wolfgang Sartet, “Assumem particular relevo no rol desses direitos,
especialmente pela sua notória inspiração jusnaturalista, os direitos à vida, à liberdade, à
propriedade e à igualdade perante a lei”.111

8.5.2. DIREITOS FUNDAMENTAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO


Esta é a geração dos chamados direitos sociais. No início do século XX o Estado Liberal entrou
em crise e, a partir da Constituição Mexicana de 1917 e da Constituição de Weimar (1919),
inaugurou-se a ideia de Estado Social, garantidor dos direitos de segunda geração.
O Estado passa, então, a ser responsável não somente por se abster de interferir na vida
cidadã. O Estado Social tem de oferecer prestações positivas aos cidadãos, tais como educação,
saúde, previdência social, assistência aos desamparados, etc. – direitos de segunda geração –,

107
(MS 23.452, Rel. Min. Celso de Mello, Plenário, DJ de 12-5-2000)
108 CF, Art. 5º, III: “Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.
109 SARLET, Ingo Wolfgang, A eficácia dos direitos fundamentais. 4 ed. rev. atual. ampl. Porto Alegra: Livraria do Advogado, 2004, p. 53.

Registre-se que o autor opta por tratar do tema a partir do prisma das “dimensões” de direitos fundamentais.
110
“O Estado Liberal, também chamado por alguns de Estado Constitucional, é o que vai procurar com a maior eficiência até hoje
conhecida o atingimento da liberdade no sentido de não-constrangimento pessoal. É o coroamento de toda luta do indivíduo contra a
tirania do Estado (...) O seu pressuposto fundamental é que o máximo de bem-estar comum é atingido em todos os campos com a menor
presença possível do Estado. É uma concepção basicamente otimista. Não repudia a natureza humana no que ela tem de egoísta e
ambiciosa. Pelo contrário, parte dessa constatação para afirmar que o livre jogo dos diversos egoísmos produzirá o bem-estar coletivo.”
(BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Teoria do Estado e Ciência Política. 2. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 68).
111 SARLET, Ingo Wolfgang, A eficácia dos direitos fundamentais. 4 ed. rev. atual. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 55.

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passando de mero espectador a protagonista de inúmeros atos destinados a estabelecer padrões
ideais de existência aos respectivos habitantes.

8.5.3. DIREITOS FUNDAMENTAIS DE TERCEIRA GERAÇÃO


Os direitos da terceira geração têm por característica o fato de seus titulares e seus
destinatários não serem individualmente identificáveis. O plano de efetividade dos direitos da
terceira geração transcende a individualidade clássica. Por isso, seus destinatários e seus titulares são
difusos, ou seja, não há como definir a priori e com precisão quem são seus titulares.112
“Cuida-se, na verdade, do resultado de novas reivindicações fundamentais do ser humano,
geradas, dentre outros fatores, pelo impacto tecnológico, pelo estado crônico de beligerância,
bem como pelo processo de descolonização do segundo pós-guerra e suas contundentes
conseqüências, acarretando profundos reflexos na esfera dos direitos fundamentais”. 113
Paulo Bonavides indica, como pertencentes à terceira geração, o direito à paz, ao meio
ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade.114

8.5.4. DIREITOS FUNDAMENTAIS DE QUARTA GERAÇÃO


A universalização (ou universalidade) dos direitos humanos, que vem sendo propugnada nos
campos filosófico e político, é a base na qual se fundamenta a teorização dos direitos fundamentais
da quarta geração. Não são poucas as vozes que ecoam no sentido da prevalência dos direitos
humanos para além das fronteiras das nações soberanas.
Segundo Paulo Bonavides:
“São direitos da quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao
pluralismo”.115 Segundo o autor, “deles depende a concretização da sociedade aberta do
futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se
no plano de todas as relações de convivência”.116
Ingo Wolfgang Sarlet faz uma importante alusão à diferença da proposição de Paulo
Bonavides quando comparada com outros autores que preconizam o reconhecimento de direitos da
quarta geração:
“A proposta do Prof. Bonavides, comparada com as posições que arrolam os direitos contra a
manipulação genética, mudança de sexo, etc., como integrando a quarta geração, oferece a
nítida vantagem de construir, de fato, uma nova fase no reconhecimento dos direitos
fundamentais, qualitativamente diversa das anteriores, já que não se cuida apenas de vestir
com roupagem nova reivindicações deduzidas, em sua maior parte, dos clássicos direitos de
liberdade”.117

8.6. PROTEÇÃO AOS ESTRANGEIROS


112 “Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais –
realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identifica com as
liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de
titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um
momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto
valores fundamentais indisponíveis, nota de uma essencial inexauribilidade.” (MS 22.164, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 30-10-
1995, Plenário, DJ de 17-11-1995)
113
SARLET, Ingo Wolfgang, A eficácia dos direitos fundamentais. 4 ed. rev. atual. ampl. Porto Alegra: Livraria do Advogado, 2004, p. 57.
114 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 8 ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 523.
115 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 8 ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 525. No tocante à democracia,

enquanto direito fundamental de quarta geração, o autor ressalta que está a referir-se à democracia direta.
116 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 8 ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 525.
117 SARLET, Ingo Wolfgang, A eficácia dos direitos fundamentais. 4 ed. rev. atual. ampl. Porto Alegra: Livraria do Advogado, 2004, p. 59-60.

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DIREITO CONSTITUCIONAL
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O caput do artigo 5º da CF dispõe que todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza e garante aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade nos termos dispostos nos 78
incisos e 04 parágrafos que lhe seguem.
Numa perspectiva literal é possível argumentar-se que o âmbito de proteção normativa do
artigo 5º não abrangeria os estrangeiros não residentes no país (turistas, por exemplo). Contudo, a
Segunda Turma do STF já decidiu que “a interpretação do art. 5º, caput, da CF não deveria ser literal,
porque, de outra forma, os estrangeiros não residentes estariam alijados da titularidade de todos os
direitos fundamentais”.118
Existem dois fundamentos, decorrentes de interpretação sistemática da CF, que viabilizam
conclusão no sentido de que aos estrangeiros não residentes no país são assegurados os direitos do
art. 5º. Primeiro: os direitos fundamentais, por se consubstanciarem em decorrências do princípio da
dignidade da pessoa humana (CF, artigo 1º, inciso III), devem ser assegurados a todos
independentemente de sua nacionalidade. Segundo: o artigo 3º da CF, ao arrolar, dentre os
objetivos fundamentais de nossa república, o “promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (inciso IV), permite
concluir estar vedada a restrição a garantias, “negando-as àqueles que, por sua origem,
supostamente estariam alijados de defender direitos perante a Justiça do Brasil”.119

8.7. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES ENTRE


PARTICULARES
Os direitos fundamentais, especialmente os da primeira geração, foram originariamente
concebidos a partir de relações jurídicas travadas entre o Estado e o indivíduo. “É o que se pode
chamar de eficácia vertical dos direitos fundamentais, simbolizando uma relação (assimétrica) de
poder em que o Estado se coloca em uma posição superior em relação ao indivíduo”.120
Uma das mais instigantes questões no Direito Constitucional moderno é “a problemática da
vinculação dos particulares (pessoas físicas ou jurídicas aos direitos fundamentais. Em sua, cuida-se
de saber até que ponto pode o particular (independentemente da dimensão processual do
problema) recorrer aos direitos fundamentais nas relações com outros particulares”.121
Para J.J. Gomes Canotilho:
“Em termos tendenciais, o problema pode enunciar-se da seguinte forma: as normas
constitucionais consagradoras de direitos, liberdades e garantias (e direitos análogos) devem ou
não ser obrigatoriamente observadas e cumpridas pelas pessoas privadas (individuais ou
coletivas) quando estabelecem relações jurídicas com outros sujeitos jurídicos privados?”.122
Dentre as denominações atribuídas pela doutrina a esta problemática (eficácia privada dos
direitos fundamentais ou eficácia horizontal dos direitos fundamentais), acompanhamos Ingo
Wolfgang Sarlet em sua opção por eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre
particulares, justamente por concordarmos com suas ponderações no sentido de que a menção à

118 (HC 94.477, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 6-9-2011, Segunda Turma, Informativo 639). No mesmo sentido: “A condição
jurídica de não nacional do Brasil e a circunstância de o réu estrangeiro não possuir domicílio em nosso País não legitimam a adoção,
contra tal acusado, de qualquer tratamento arbitrário ou discriminatório. Precedentes. Impõe-se, ao Judiciário, o dever de assegurar,
mesmo ao réu estrangeiro sem domicílio no Brasil, os direitos básicos que resultam do postulado do devido processo legal, notadamente
as prerrogativas inerentes à garantia da ampla defesa, à garantia do contraditório, à igualdade entre as partes perante o juiz natural e à
garantia de imparcialidade do magistrado processante.” (HC 94.016, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJE de 27-2-2009).
119
DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova era do processo Civil. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 26-27.
120 MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2008, p. 334.
121 SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado: algumas considerações em torno da vinculação dos particulares aos

direitos fundamentais. In: INGO WOLFGANG SARLET. (org.). A Constituição Concretizada: construindo pontes com o público e o privado.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 112.
122 CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional. 5 ed. Coimbra: Almedina, 1991, p. 603.

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eficácia privada é muito abrangente e a temática não trata especificamente de horizontalidade, mas
de certa assimetria nas relações entre particulares.123

A eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares pressupõe duas
importantes premissas: a existência de um direito fundamental que possa ser oponível a um
particular, seja pessoa física ou jurídica (afinal, do rol de direitos fundamentais, infere-se que muitos
são oponíveis apenas ao Estado) e a aferição de situação de desigualdade entre particulares.
No tocante à segunda premissa, resta claro, desde o advento do Estado Social, que o poder
estatal deve ser exercido de maneira pró-ativa, auxiliando os cidadãos a se alçarem a condições mais
dignas de vida e, obviamente, com menor exposição aos efeitos da era liberal. No contexto da pró-
atividade estatal estão inseridas posturas que minimizem as mazelas decorrentes de notórias
desigualdades na esfera privada.
A doutrina subdivide a eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares em
mediata e imediata. A mediata seria exercida nos termos e nos limites impostos pelo legislador
ordinário, enquanto que a imediata teria sua “eficácia irradiando diretamente dos direitos
fundamentais”.124 Interessante notar que, ao adotar-se a corrente da eficácia imediata, acaba-se por
tratar o problema da eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares como
verdadeira colisão de direitos fundamentais e a necessária ponderação no caso concreto.
O STF já teve oportunidade de analisar o tema:
"Eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas. As violações a direitos
fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas
igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim,
os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os
poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos
poderes privados. Os princípios constitucionais como limites à autonomia privada das
associações. A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer associação
civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos
postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da República,
notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de
autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência
dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus
associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode
ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros,
especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não
confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou
de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força
normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em
tema de liberdades fundamentais." (RE 201.819, Rel. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, Segunda
Turma, DJ de 27-10-2006)
“Acolhendo a alegação de ofensa ao princípio da isonomia, a Turma conheceu e deu
provimento a recurso extraordinário interposto por empregado brasileiro da companhia aérea
Air France, ao qual foram negadas vantagens trabalhistas previstas no regulamento da
empresa, sob o argumento de que somente os empregados franceses teriam direito a tais
vantagens. Com o provimento do RE, determinou-se a aplicação do estatuto da empresa ao
recorrente. RE 161.243-DF, rel. Min. Carlos Velloso, 29.10.96” (STF, Informativo 51).

8.8. TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL

123 SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e direito privado: algumas considerações em torno da vinculação dos particulares aos
direitos fundamentais. In: INGO WOLFGANG SARLET. (org.). A Constituição Concretizada: construindo pontes com o público e o privado.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 113-114.
124 CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional. 5 ed. Coimbra: Almedina, 1991, p. 606.

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DIREITO CONSTITUCIONAL
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O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha
manifestado adesão (CF, artigo 5˚, § 4˚). Esta disposição foi acrescentada ao artigo 5˚ da CF pela
Emenda Constitucional 45/2004. Na época já havia tratado internacional assinado pelo Presidente da
República em Roma no dia 17 de julho de 1998, aprovado pelo Congresso Nacional em 06 de junho
de 2002 (Decreto Legislativo nº 112), ratificado no plano externo em 20 de junho de 2002, bem como
devidamente incorporado ao nosso ordenamento jurídico no dia 25 de setembro de 2002 por
intermédio do Decreto nº 4.388/2002. Trata-se do Estatuto de Roma.
O Estatuto de Roma é uma convenção internacional multilateral que instituiu o Tribunal
Penal Internacional. O seu artigo dispõe que a entrada em vigor internacional depende do depósito
mínimo de 60 instrumentos de ratificação pelos Estados-parte. Isso ocorreu no dia 1º de julho de
2002, após o depósito do sexagésimo instrumento de ratificação junto do Secretário-Geral da
Organização das Nações Unidas.
Assim, com a promulgação da EC nº 45, em 30 de dezembro de 2004, o Estatuto de Roma,
que já havia alcançado a vigência internacional perante os Estados-parte que haviam ratificado suas
intenções em aceitar a jurisdição supraestatal do Tribunal Penal Internacional, passou a ter validade
no território brasileiro.
No preâmbulo do Estatuto de Roma foram expostos os motivos para a criação e os objetivos
a serem alcançados com o Tribunal Penal Internacional.
Dentre os motivos: teve-se presente que, “no decurso deste século, milhões de crianças,
homens e mulheres têm sido vítimas de atrocidades inimagináveis que chocam profundamente a
consciência da humanidade”; reconheceu-se que “crimes de uma tal gravidade constituem uma
ameaça à paz, à segurança e ao bem-estar da humanidade”; afirmou-se que “os crimes de maior
gravidade, que afetam a comunidade internacional no seu conjunto, não devem ficar impunes e que
a sua repressão deve ser efetivamente assegurada através da adoção de medidas em nível nacional e
do reforço da cooperação internacional”.
Dentre os objetivos: decidiu-se “por fim à impunidade dos autores desses crimes e a
contribuir assim para a prevenção de tais crimes”, bem como “garantir o respeito duradouro pela
efetivação da justiça internacional”.

8.8.1 PRINCÍPIO DA COMPLEMENTARIDADE


De acordo com o artigo 1° do Estatuto de Roma, o Tribunal Penal Internacional é uma
instituição permanente, com jurisdição complementar às jurisdições penais nacionais sobre as
pessoas responsáveis pelos crimes de maior gravidade com alcance internacional (previstas no
próprio Estatuto).
Sendo assim, a jurisdição interna de cada Estado-parte continua sendo essencial, primária. A
jurisdição do Tribunal Penal Internacional é subsidiária. Segundo Flávia Piovesan:
“Surge o Tribunal Penal Internacional como aparato complementar às cortes nacionais, com
o objetivo de assegurar o fim da impunidade para os mais graves crimes internacionais,
considerando que, por vezes, na ocorrência de tais crimes, as instituições nacionais se
mostram falhas ou omissas na realização da justiça. Afirma-se, desse modo, a
responsabilidade primária do Estado com relação ao julgamento de violações de direitos
humanos, tendo a comunidade internacional a responsabilidade subsidiária. Vale dizer, a
jurisdição do Tribunal Internacional é adicional e complementar à do Estado, ficando, pois,
condicionada à incapacidade ou à omissão do sistema judicial interno. O Estado tem, assim,
o dever de exercer sua jurisdição penal contra os responsáveis por crimes internacionais,
tendo a comunidade internacional a responsabilidade subsidiária. Como enuncia o art. 1º do
Estatuto de Roma, a jurisdição do Tribunal é adicional e complementar à do Estado, ficando
condicionada à incapacidade ou à omissão do sistema judicial interno. Dessa forma, o

59
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
Estatuto busca equacionar a garantia do direito à justiça, o fim da impunidade e a soberania
do Estado, à luz do princípio da complementaridade e do princípio da cooperação”. 125

8.8.2. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL


A competência do Tribunal restringe-se aos crimes mais graves, que afetam a comunidade
internacional no seu conjunto: genocídio; crimes contra a humanidade; crimes de guerra; crime de
agressão (artigo 5°). O crime de agressão, ao que tudo indica a partir da leitura do item 2 do artigo
5°, consubstancia-se em verdadeira cláusula de abertura à competência do Tribunal Penal
Internacional, ma medida em que “o Tribunal poderá exercer a sua competência em relação ao crime
de agressão desde que, nos termos dos artigos 121 e 123, seja aprovada uma disposição em que se
defina o crime e se enunciem as condições em que o Tribunal terá competência relativamente a este
crime”.
Competência Ratione Temporis: o Tribunal Penal Internacional tem competência
relativamente aos crimes cometidos após a entrada em vigor do Estatuto de Roma. No caso de um
Estado tornar-se Parte no depois da entrada em vigor, o Tribunal só poderá exercer a sua
competência em relação a crimes cometidos depois da entrada em vigor do presente Estatuto
relativamente a esse Estado, a menos que este, não sendo Parte signatária, tenha feito declaração de
aceitação da competência do Tribunal (artigo 11).
Ne bis in idem: Salvo disposição contrária do próprio Estatuto de Roma: nenhuma pessoa
pode ser julgada pelo Tribunal Penal Internacional por atos constitutivos de crimes pelos quais este
já a tenha condenado ou absolvido; nenhuma pessoa pode ser julgada por outro tribunal por um
crime previsto no Estatuto, relativamente ao qual já tenha sido condenada ou absolvida pelo
Tribunal Penal Internacional (artigo 20). A exceção trata das hipóteses nas quais, no tribunal perante
o qual tenha havido o julgamento, o processo tenha tido por objetivo subtrair o acusado à sua
responsabilidade criminal por crimes da competência do Tribunal Penal Internacional ou não tenha
sido conduzido de forma independente ou imparcial, em conformidade com as garantias de um
processo equitativo reconhecidas pelo direito internacional, ou tenha sido conduzido de uma
maneira que, no caso concreto, se revele incompatível com a intenção de submeter a pessoa à ação
da justiça (artigo 20, item 3).
Irrelevância da Qualidade Oficial: o Estatuto de Roma é aplicável de forma igual a todas as
pessoas sem distinção alguma baseada na qualidade oficial. Em particular, a qualidade oficial de
Chefe de Estado ou de Governo, de membro de Governo ou do Parlamento, de representante eleito
ou de funcionário público, em caso algum eximirá a pessoa em causa de responsabilidade criminal
nos termos do presente Estatuto, nem constituirá de per se motivo de redução da pena. As
imunidades ou normas de procedimento especiais decorrentes da qualidade oficial de uma pessoa,
nos termos do direito interno ou do direito internacional, não deverão obstar a que o Tribunal
exerça a sua jurisdição sobre essa pessoa (artigo 27).

8.9. TRATADOS INTERNACIONAIS


Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em
cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos
membros, serão equivalentes às emendas constitucionais (CF, artigo 5º, § 3º).
O § 3º foi acrescentado ao artigo 5º pela Emenda Constitucional 45/2004. O entendimento
do Supremo Tribunal Federal, até a promulgação da Emenda, era o de que os tratados devidamente

125 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 223/224.

60
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
celebrados e incorporados ao ordenamento pátrio pertenciam ao mesmo nível hierárquico da
legislação ordinária, independentemente da temática veiculada.
A doutrina vinha criticando a tese da pura e simples recepção de tratados internacionais com
base na regra do artigo 105, inciso III, alínea “b” da CF.126 E o fazia com fundamento nas regras do
artigo 5˚, §§ 1˚ e 2˚, também da CF, segundo os quais as normas definidoras dos direitos e garantias
individuais têm aplicação imediata e os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em
que a República Federativa do Brasil seja parte.
Os §§ 1˚ e 2˚ do artigo 5˚ da CF eram, até 31 de dezembro de 2004, os fundamentos
constitucionais à tese do Bloco de Constitucionalidade127 e, consequentemente, à mencionada
crítica.
O raciocínio está fundamentado na cisão do gênero tratados internacionais em duas
espécies: tratados internacionais de direitos humanos e tratados internacionais comuns. Assim, o
entendimento do STF seria adequado apenas no tocante aos tratados internacionais comuns, pois
eles teriam, seguramente, características infraconstitucionais por não encontrarem fundamento nos
§§ 1˚ e 2˚ do artigo 5˚ da CF
Contudo, os tratados internacionais de direitos humanos, integrantes do chamado Bloco de
Constitucionalidade, teriam fundamento nas regras extensivas dos direitos fundamentais (CF, artigo
5˚, §§ 1˚ e 2˚).
O Constituinte Derivado, com a publicação da EC 45/2004, acrescentou o parágrafo 3˚ ao
artigo 5˚ da CF, segundo o qual “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que
forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos
dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.
Portanto, após a EC n˚ 45, os tratados internacionais que versem sobre direitos humanos,
desde que preenchidos os requisitos do artigo 5˚, § 3˚ da CF, podem alcançar a mesma hierarquia de
uma Emenda à Constituição.

O STF, por ocasião do julgamento do RE 466343, alterou substancialmente seu


entendimento no tocante à hierarquia dos tratados internacionais que versam sobre direitos
humanos:
"Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e
Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da
Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do
depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos
humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da
Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados
internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, dessa forma, torna inaplicável a
legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de
adesão. Assim ocorreu com o art. 1.287 do CC de 1916 e com o Decreto-Lei 911/1969,
assim como em relação ao art. 652 do Novo CC (Lei 10.406/2002)." (RE 466.343,

126
"Com efeito, é pacífico na jurisprudência desta Corte que os tratados internacionais ingressam em nosso ordenamento jurídico tão
somente com força de lei ordinária (o que ficou ainda mais evidente em face de o art. 105, III, da Constituição, que capitula, como caso de
recurso especial a ser julgado pelo Superior Tribunal de Justiça como ocorre com relação à lei infraconstitucional, a negativa de vigência de
tratado ou a contrariedade a ele), não se lhes aplicando, quando tendo eles integrado nossa ordem jurídica posteriormente à Constituição
de 1988, o disposto no art. 5º, § 2º, pela singela razão de que não se admite emenda constitucional realizada por meio de ratificação de
tratado" (HC 72.131, voto do Rel. p/ o ac. Min. Moreira Alves, Plenário, julgamento em 23-11-1995, Plenário, DJ de 1º-8-2003).
"Prevalência da Constituição, no Direito brasileiro, sobre quaisquer convenções internacionais, incluídas as de proteção aos direitos
humanos, que impede, no caso, a pretendida aplicação da norma do Pacto de São José. (...) mesmo em relação às convenções
internacionais de proteção de direitos fundamentais, preserva a jurisprudência que a todos equipara hierarquicamente às leis ordinárias"
(RHC 79.785, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 29-3-2000, Plenário, DJ de 22-11-2002).
127 PIOVESAN, Flávia, Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 5 ed. São Paulo: Max Limonad, 2002.

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DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
Rel. Min. Cezar Peluso, voto do Min. Gilmar Mendes, Plenário, DJE de 5-6-2009, com
repercussão geral)
Com base nesse precedente, no julgamento do HC 92.566, o STF declarou expressamente
revogada a Súmula 619/STF, que autorizava a decretação da prisão civil do depositário judicial no
próprio processo em que se constituiu o encargo, independentemente do prévio ajuizamento da
ação de depósito.

8.10. O ART. 5º DA CF
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
segurança e à propriedade. Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações (CF, artigo 5º,
caput e inciso I).
O direito à igualdade, presente em duas ocasiões no pórtico da declaração dos direitos e
garantias fundamentais, pode ser teoricamente analisado sob duas distintas perspectivas.
Vale dizer: não basta a mera proclamação da igualdade formal (todos são iguais perante a
lei); o que importa é reduzir as desigualdades com o objetivo de atribuir, tanto quanto possível,
igualdade material. Este é o aspecto positivo, ativo, do direito à igualdade.
Sob a perspectiva da igualdade material legitimam-se as políticas de apoio e, especialmente,
de promoção de grupos socialmente fragilizados. Tais políticas denominam-se ações afirmativas.
Note-se que toda e qualquer ação afirmativa demanda o reconhecimento de alguma desigualdade e,
a partir desse reconhecimento, atitudes estatais fundamentadas nas chamadas discriminações
positivas. Existem fortes fundamentos constitucionais que legitimam a discriminação positiva voltada
à diminuição de desigualdades. O artigo 3º arrola os objetivos fundamentais da República Federativa
do Brasil, ou seja, os caminhos a percorrer e os horizontes a alcançar. Dentre os objetivos
fundamentais estão a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (inciso I), a erradicação da
pobreza e da marginalização, bem como a redução das desigualdades sociais e regionais (inciso III) e
a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação (inciso IV). As ações afirmativas são políticas capazes de potencializar as
chances de atingirmos tais objetivos.
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
Trata-se do princípio da legalidade, que diz respeito à segurança do indivíduo em matéria
jurídica. Tal princípio visa o combate ao poder arbitrário do Estado, constituindo, assim, necessária
manifestação do Estado de Direito. Dessa forma, somente por meio das espécies normativas
elencadas no art. 59 da CRFB/88, elaboradas conforme o devido processo legislativo são hábeis a
criar obrigações ao indivíduo. O indivíduo é, portanto, livre para fazer ou deixar de fazer qualquer
coisa que não esteja prevista em lei.
III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
O referido dispositivo tutela o direito fundamental à vida e à integridade física, repelindo as
práticas incompatíveis com a vida e com a dignidade humana. A tortura constitui crime, e sua
tipificação legal encontra-se na Lei nº 9.455/97. O artigo 1º da referida lei define o crime de tortura,
nos seguintes termos
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
O pensamento, em si, é absolutamente livre. A liberdade de expressão, por sua vez, constitui
fundamento essencial de uma sociedade democrática.
A manifestação do pensamento, embora livre, não pode ser feita de forma abusiva ou
descontrolada. Os excessos porventura ocorridos no exercício indevido do direito à liberdade de

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DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
expressão são passíveis de apreciação pelo Judiciário. A Constituição Federal assegura, de um lado,
a livre manifestação do pensamento, e, por outro, determina a responsabilização por aquilo que é
manifestado. Assim, veda-se o anonimato, ou seja, as pessoas são obrigadas a assumir a
responsabilidade do que exteriorizam, não podendo esconder-se sob o anonimato.
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por
dano material, moral ou à imagem;
Essa norma pretende a reparabilidade da ordem jurídica lesada, seja através de reparação
econômica, seja através de outros meios, por exemplo, o direito de resposta.
Representa o exercício do direito de defesa por quem foi ofendido com a manifestação do
pensamento de outrem. A pessoa atingida tem o direito de apresentar a sua resposta ou retificação,
oferecendo a sua versão dos fatos, em dimensões iguais à do escrito ou transmissão que deu causa a
esse direito.
A Constituição assegurou, também, a indenização por danos materiais, morais e à imagem,
consagrando ao ofendido a total reparabilidade em virtude dos prejuízos sofridos. Os danos morais e
materiais são cumuláveis, segundo entendimento consagrado na jurisprudência (Súmula nº 37 do
STJ).
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício
dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas
liturgias;
A liberdade de consciência é de foro íntimo, interessando apenas ao indivíduo, e não está
sujeita a qualquer forma de controle pelo Estado. Essa forma de liberdade compreende a liberdade
de crença, que nada mais é que a liberdade de foro íntimo em questões de natureza religiosa.
Assegura-se, assim, a liberdade de professar ou não alguma religião, de acreditar ou não em alguma
divindade.
A Constituição assegura, na forma da lei, a exteriorização da liberdade de crença, qual seja, a
liberdade de culto.
VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis
e militares de internação coletiva;
Essa previsão constitucional encerra um direito subjetivo daquele que se encontra internado
em estabelecimento coletivo, cabendo ao Estado a materialização das condições para a prestação
dessa assistência religiosa.
Tendo em vista a total liberdade religiosa assegurada pela Constituição, ninguém que se
encontre nessa situação poderá ser obrigado a utilizar-se da assistência religiosa.
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção
filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e
recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
A objeção ou escusa de consciência consiste no direito de não prestar serviço militar
obrigatório ou qualquer outra obrigação legal a todos imposta por motivo de crença religiosa,
filosófica ou política. Atualmente, na hipótese de objeção de consciência, exige-se a prestação de
serviço social alternativo.
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,
independentemente de censura ou licença;
A fim de assegurar a ampla liberdade de manifestação do pensamento, a Constituição
Federal vetou a possibilidade de censura prévia (verificação da compatibilidade entre um
pensamento que se pretende exprimir e as normas legais vigentes) ou licença (exigência de
autorização de agente ou órgão para que um pensamento possa ser exteriorizado).

63
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS

A liberdade de expressão, em todos os seus aspectos, deve ser exercida com a necessária
responsabilidade que se exige em um Estado Democrático de Direito, de modo que o desvirtuamento
deste para o cometimento de fatos ilícitos possibilita aos prejudicados a indenização por danos
materiais e morais, além do efetivo direito de resposta.
O STF julgou a ADPF 187, que tinha por temática central a legitimidade da criminalização da
chamada “Marcha da Maconha”. À Unanimidade, e, sessão plenária, a Suprema Corte, "Julgou
procedente pedido formulado em ação de descumprimento de preceito fundamental para dar, ao
art. 287 do CP, com efeito vinculante, interpretação conforme a Constituição, de forma a excluir
qualquer exegese que possa ensejar a criminalização da defesa da legalização das drogas, ou de
qualquer substância entorpecente específica, inclusive através de manifestações e eventos
públicos" (Informativo STF 631).128
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
A inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem das pessoas forma a proteção
constitucional à vida privada, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões
ilícitas externas.
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem
consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar
socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;
Via de regra, ninguém pode entrar na casa sem o consentimento do morador, devendo-se
entender como casa o lugar onde uma pessoa vive ou trabalha, não aberto ao público, reservado a
sua intimidade e a sua vida privada.
A própria Constituição estabelece as exceções à inviolabilidade do domicílio. Nesse sentido, é
possível entrar na casa sem o consentimento do morador nas seguintes hipóteses: durante o dia, em
caso de flagrante delito ou desastre, para prestar socorro e, ainda, por determinação judicial;
durante a noite, somente em situações de flagrante delito ou desastre para prestar socorro. A
entrada no domicílio sem o consentimento do morador por determinação judicial somente poderá se
dar durante o dia.
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e
das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na
forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
O indivíduo precisa ter segurança de que todas as suas comunicações pessoais, tanto as
feitas por cartas como as realizadas por telegramas ou telefonemas, não serão interceptadas por
outras pessoas. Essa inviolabilidade tutela, ao mesmo tempo, a liberdade de manifestação do
pensamento e o direito à intimidade das pessoas.
São consideradas ilícitas as provas produzidas a partir da quebra dos sigilos fiscal, bancário e
telefônico, sem a devida fundamentação. Somente se justifica a mitigação do direito à privacidade
quando razões de interesse público, devidamente fundamentadas por ordem judicial,
demonstrassem a conveniência de sua violação para fins de promover a investigação criminal ou
instrução processual penal.
Contudo, o STF alterou o entendimento de que o acesso direito do fisco a informações
cobertas pelo sigilo bancário seria conflitante com o art. 5º, XII, da CF. A impossibilidade de acesso

128Utilizamos o caso da ADPF 187 para representar, com base na análise de disposição infraconstitucional pré-existente à CF/88, a
revolução paradigmática pela qual passou o Estado brasileiro e como os vetores interpretativos que emanam da CF/88 podem nortear a
postura do intérprete no contexto da liberdade de expressão e da censura. A polêmica em torno da temática da legalização das drogas
serve de pano de fundo à compreensão do alcance da liberdade de expressão em uma sociedade democrática e pluralista.

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DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
direito a dados bancários pelo fisco prevaleceu até 2016 (vide RE 389.808, Rel. Min. Marco Aurélio,
julgamento em 15 dez 2010, Plenário, DJE de 10 mai 2011). A partir do julgamento conjunto das ADIs
2386, 2390, 2397 e 2859, Rel. Ministro Dias Toffoli, a Corte passou a entender de forma diversa.
Segundo o constante do informativo STF 814, a maioria plenária, vencidos os Ministros Marco
Aurélio e Celso de Mello, a partir do pressuposto de que “O que ocorreria não seria propriamente a
quebra de sigilo, mas a ‘transferência de sigilo’ dos bancos ao Fisco", e desde que “comprovada a
instauração de processo administrativo”, entendeu que não se está a tratar propriamente de quebra
de sigilo bancário, mas sim de transferência de sigilo da órbita bancária para a fiscal, ambas
protegidas contra o acesso de terceiros, sem ofensa à CF.
Para o STF, não fere a privacidade a apreensão de computador em diligência de busca e
apreensão: "Proteção constitucional ao sigilo das comunicações de dados – art. 5º, XII, da CF:
ausência de violação, no caso. Impertinência à hipótese da invocação da AP 307 (Pleno, 13-12-1994,
Galvão, DJ 13-10-1995), em que a tese da inviolabilidade absoluta de dados de computador não pode
ser tomada como consagrada pelo Colegiado, dada a interferência, naquele caso, de outra razão
suficiente para a exclusão da prova questionada – o ter sido o microcomputador apreendido sem
ordem judicial e a consequente ofensa da garantia da inviolabilidade do domicílio da empresa – este
segundo fundamento bastante, sim, aceito por votação unânime, à luz do art. 5º, XI, da Lei
Fundamental. Na espécie, ao contrário, não se questiona que a apreensão dos computadores da
empresa do recorrente se fez regularmente, na conformidade e em cumprimento de mandado
judicial. Não há violação do art. 5º, XII, da Constituição, que, conforme se acentuou na sentença, não
se aplica ao caso, pois não houve ‘quebra de sigilo das comunicações de dados (interceptação das
comunicações), mas sim apreensão de base física na qual se encontravam os dados, mediante prévia
e fundamentada decisão judicial’" (RE 418.416, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 10-5-
2006, Plenário, DJ de 19-12-2006).
XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações
profissionais que a lei estabelecer;
A liberdade de ação profissional consiste na faculdade de escolha de trabalho que se
pretende exercer. É o direito de cada indivíduo exercer qualquer atividade profissional, de acordo
com as suas preferências e habilidades.
Consagrou-se o direito ao livre exercício de profissão como norma de eficácia contida, pois a
Constituição previu a possibilidade de edição de lei que estabeleça as qualificações necessárias para
o seu exercício. Ressalte-se que a legislação somente poderá estabelecer condicionamentos
capacitários que apresentem nexo lógico com as funções a serem exercidas, jamais qualquer
requisito discriminatório ou abusivo.
XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando
necessário ao exercício profissional;
É o direito constitucional de informar, de se informar e o de ser informado. O direito de
receber informações é um direito de liberdade e caracteriza-se essencialmente por estar dirigido a
todos os cidadãos, com a finalidade de fornecimento de subsídios para formação de convicções
relativas a assuntos públicos.
No que se refere ao sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional, a
Constituição apresenta a finalidade de garantir a toda a sociedade a ampla e total divulgação dos
fatos e notícias de interesse público. O sigilo da fonte é indispensável para o êxito de certas
investigações jornalísticas, e surge como corolário lógico da liberdade de informação.
Busca e apreensão em escritório de advocacia: “O sigilo profissional constitucionalmente
determinado não exclui a possibilidade de cumprimento de mandado de busca e apreensão em
escritório de advocacia. O local de trabalho do advogado, desde que este seja investigado, pode
ser alvo de busca e apreensão, observando-se os limites impostos pela autoridade judicial. Tratando-

65
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
se de local onde existem documentos que dizem respeito a outros sujeitos não investigados, é
indispensável a especificação do âmbito de abrangência da medida, que não poderá ser executada
sobre a esfera de direitos de não investigados” (HC 91.610, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em
8-6-2010, Segunda Turma, DJE de 22-10-2010).
XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa,
nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;
É o direito de ir, vir e permanecer. Apenas em tempo de guerra haverá possibilidades de
maior restrição legal que, visando à segurança nacional e à integridade do território nacional, poderá
prever requisitos menos flexíveis.
O remédio constitucional para tutelar o direito de locomoção é o habeas corpus.
XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público,
independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente
convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;
É o primeiro direito constitucional de manifestação coletiva. Não deixa de ser direito
individual, pois pertence ao indivíduo, mas é de expressão coletiva porque pressupõe uma
pluralidade de pessoas para que possa ser exercido.
Assim, o direito de reunião é uma manifestação coletiva da liberdade de expressão,
exercitada por meio de uma associação transitória de pessoas e tendo por finalidade o intercâmbio
de ideias, a defesa de interesses, a publicidade de problemas e de determinadas reivindicações.
XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;
XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de
autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;
XIX - as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades
suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado;
XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;
XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para
representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente;

Os incisos XVII a XXI regulam o direito de associação.


A liberdade de associação, assegurada pela Lei Maior, deve ser entendida como o
agrupamento de pessoas, organizado e permanente, para fins lícitos. Abrange o direito de associar-
se a outras pessoas para formação de uma entidade, o de aderir a uma associação já formada, o de
desligar-se da associação, bem como o de autodissolução das associações.
As associações podem ser criadas independentemente de autorização, sendo proibida a
interferência do Estado em seu funcionamento interno. Somente poderão ser compulsoriamente
dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o
trânsito em julgado.
As entidades associativas devidamente constituídas, quando expressamente autorizadas,
têm legitimidade para representar seus filiados, judicial ou extrajudicialmente, possuindo
legitimidade adcausam para, em substituição processual, defender em juízo direito de seus
associados.
Embora esteja assegurada a ampla liberdade de associação para fins lícitos, a Constituição
veda expressamente as associações de caráter paramilitar, que são aquelas que se organizam de
forma análoga às Forças Armadas. Isso porque o poder de coerção é restrito ao Estado, sendo que a
existência de organizações particulares organizadas de forma bélica não se coaduna com a
concepção de Estado Democrático de Direito.

66
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
XXII - é garantido o direito de propriedade;
Toda pessoa física ou jurídica tem direito à propriedade, podendo o ordenamento jurídico
estabelecer suas modalidades de aquisição, perda, uso e limites. O direito de propriedade,
constitucionalmente assegurado, garante que dela ninguém poderá ser privado arbitrariamente.
O direito constitucional adota uma concepção ampla de propriedade, a qual engloba
qualquer direito de conteúdo patrimonial, econômico, ou seja, tudo aquilo suscetível de ser
convertido em dinheiro.
São garantias do direito de propriedade: de conservação (ninguém será privado de seus bens
fora das hipóteses previstas na Constituição) e de compensação (caso privado de seus bens, o
proprietário deverá receber a devida indenização).
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;
A referência constitucional à função social como elemento estrutural de definição do direito
à propriedade privada e da limitação de seu conteúdo demonstra a substituição de uma concepção
abstrata de âmbito meramente subjetivo de livre domínio e disposição da propriedade por uma
concepção social de propriedade privada, reforçada pela existência de um conjunto de obrigações
para com os interesses da coletividade, visando também à finalidade ou utilidade social que cada
categoria de bens objeto de domínio deve cumprir.
A Constituição, dessa forma, adotou a moderna concepção do direito de propriedade, pois,
ao mesmo tempo em que o consagrou como direito fundamental, deixou de caracterizá-lo como
incondicional e absoluto.
Há diversas consequências, constitucionalmente estabelecidas, nos casos em que, à
propriedade, não se atribui a devida função social. O imóvel urbano que não atinja sua função social
pode ser objeto de edificação compulsória, IPTU progressivo e até desapropriação, sendo que, neste
caso, o pagamento é feito em títulos da dívida pública, com prazo de resgate de até dez anos, em
parcelas anuais, iguais e sucessivas (CF, artigo 182, § 4º). O imóvel rural que não atinja sua função
social também pode ser objeto de desapropriação, com pagamento de indenização em títulos da
dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a
partir do segundo ano de sua emissão (CF, artigo 184, caput).129
Além da edificação compulsória, do IPTU progressivo (desrespeito à função social da
propriedade urbana) e da desapropriação (desrespeito à função social da propriedade urbana ou da
propriedade rural), a CF/88, em seu artigo 243, prevê o instituto da expropriação, que difere da
desapropriação por não legitimar o proprietário a nenhuma forma de indenização, seja prévia ou
posterior, em dinheiro ou títulos da dívida pública/privada. Trata-se de severa penalidade ao
indivíduo em cuja propriedade imóvel forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a
exploração de trabalho escravo.
Com o mesmo rigor o parágrafo único do artigo 243 da CF trata a questão de todo e qualquer
bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas
afins ou da exploração de trabalho escravo: confisco sem indenização alguma.
XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade
pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro,
ressalvados os casos previstos nesta Constituição;

129 No caso de desapropriação para fins de reforma agrária, prevista no artigo 184, caput, as benfeitorias úteis e necessárias são
indenizadas em dinheiro (§ 1º). Atentar para a regra do artigo 185, segundo o qual são insuscetíveis de desapropriação para fins de
reforma agrária a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra e a propriedade
produtiva.

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DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
A transformação que a ideia de um Estado social introduz no conceito de direito à
propriedade privada, ao assinalar uma função social com efeitos delimitadores de seu conteúdo,
determina uma importante revisão do instituto da desapropriação, que se converteu em
instrumento posto à disposição do poder público para o cumprimento de suas finalidades de
ordenação da sociedade com justiça social.
Desapropriação é o ato pelo qual o Estado toma para si ou transfere para terceiros bens de
particulares, mediante o pagamento de justa e prévia indenização. Trata-se de forma originária de
aquisição da propriedade. Enquanto forma mais drástica de intervenção do Estado na economia,
somente é admissível nas hipóteses especialmente previstas na Constituição.
O inciso XXIV da Constituição estabelece as hipóteses de desapropriação, quais sejam:
a) por necessidade pública – a Administração defronta-se com problemas de emergência, sendo
a desapropriação indispensável para a realização de uma atividade essencial do Estado;
b) por utilidade pública – a desapropriação, embora não imprescindível, é conveniente para a
realização de uma atividade estatal.
c) por interesse social – hipótese em que a desapropriação é conveniente para o progresso
social, em razão da justa distribuição da propriedade ou da adequação a sua função social.

A desapropriação será realizada mediante indenização justa (de forma integral), prévia
(pagamento deve ser anterior ao ingresso na titularidade do bem) e em dinheiro (pagamento em
moeda corrente). Pagamentos em títulos públicos somente são admitidos em hipóteses excepcionais
previstas na própria Constituição.
XXV - no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de
propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano;
Trata-se do direito de requisição. O Poder Público, em hipóteses de iminente perigo público,
está autorizado a utilizar-se de propriedade alheia, sem necessidade de prévia indenização. Porém,
se de algum modo o uso da coisa gerar prejuízo ao proprietário, este tem garantido o direito à
indenização.
XXVI - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela
família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade
produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento;
O referido dispositivo representa a proteção constitucional à pequena propriedade rural.
Pretende-se, dessa forma, alavancar o desenvolvimento rural do País, assentando a família na terra.
Nesse sentido, a pequena propriedade rural não pode ser objeto de penhora para
pagamentos de débito decorrentes de sua atividade produtiva, bem como deverá receber recursos
previstos em lei que financiem o seu desenvolvimento.
XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de
suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar;
XXVIII - são assegurados, nos termos da lei:
a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e
voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;
b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que
participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e
associativas;
Trata-se da tutela constitucional de propriedade imaterial, qual seja, os direitos autorais.
Protege-se, assim, os direitos sobre a utilização, publicação ou reprodução de obras artísticas.

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DIREITO CONSTITUCIONAL
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Importante ressaltar que o autor da obra é titular de direitos morais, inalienáveis e
irrenunciáveis e patrimoniais, estes transmissíveis e renunciáveis. São direitos morais do autor, em
síntese, o reconhecimento de sua obra e o direito à sua integridade. São direitos patrimoniais a
possibilidade de exploração comercial da sua criação.
O inciso XXXVIII do art. 5º da Constituição tutela os chamados direitos conexos ao direito do
autor. Dessa forma, a Constituição assegura também direitos aos que contribuem para uma maior
divulgação de obras intelectuais. São os artistas, intérpretes, produtores e pessoas que participam da
elaboração de obras coletivas.
XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua
utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes
de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o
desenvolvimento tecnológico e econômico do País;
O dispositivo em questão representa uma norma constitucional de eficácia limitada que
prevê a edição de legislação ordinária garantindo aos autores de inventos industriais o privilégio
temporário para sua utilização, bem como a proteção às suas criações industriais, à propriedade das
marcas, aos nomes de empresas e outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o
desenvolvimento tecnológico e econômico do país. Atualmente, a propriedade intelectual está
regulamentada pela Lei nº 9.279/96.
XXX - é garantido o direito de herança;
XXXI - a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira
em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes seja mais favorável a
lei pessoal do de cujus;
Trata-se de dispositivo constitucional que consagrou o direito à herança e o direito à sucessão,
ambos decorrentes do direito de propriedade, uma vez que reafirma a propriedade privada mesmo após
a morte do titular dos bens, com a consequente transmissão aos seus herdeiros.
O inciso XXXI protege os herdeiros brasileiros, estabelecendo que na sucessão de bens
estrangeiros situados no País aplica-se a lei que for mais favorável ao cônjuge ou filhos brasileiros da
pessoa falecida.
XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;
A previsão constitucional de defesa do consumidor denota a preocupação do legislador
constituinte com as modernas relações de consumo, e com a necessidade de proteção do
hipossuficiente economicamente.
No contexto dessa preocupação, sobreveio o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº
8.078/1990), regulamentando as relações de consumo e os mecanismos de proteção e efetividade
dos direitos do consumidor.
XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse
particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena
de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da
sociedade e do Estado;
XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos poderes públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou
abuso de poder;
b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento
de situações de interesse pessoal;
Os incisos XXXIII e XXXIV do art. 5º da Constituição asseguram os chamados direito de
certidão e direito de petição.

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DIREITO CONSTITUCIONAL
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O direito de certidão foi consagrado como direito líquido e certo de qualquer pessoa à
obtenção de certidão para defesa de um direito, desde que demonstrado o seu legítimo interesse. A
esse direito corresponde a obrigatoriedade do Estado, salvo nas hipóteses constitucionais de sigilo,
em fornecer as informações solicitadas.
A alínea “a” do inciso XXXIV estabelece o direito de petição, assegurando a qualquer pessoa
física ou jurídica, nacional ou estrangeira, a possibilidade de formular pedidos para a Administração
Pública em defesa de direitos próprios ou alheios, bem como o de formular reclamações contra atos
ilegais e abusivos cometidos por agentes do Estado.
A finalidade do direito de petição, que é gratuito (independe do pagamento de taxas), é dar-
se notícia de fato ilegal ou abusivo ao Poder Público, para que providencie as medidas adequadas.
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
Consagração do princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário. Esse princípio garante a
todos o acesso ao Poder Judiciário e decorre do monopólio da atividade jurisdicional pelo Estado.
Decorrência do postulado em questão é a inexistência de obrigatoriedade de esgotamento
da instância administrativa para que a parte possa acessar o Judiciário. A Constituição afastou a
necessidade da chamada jurisdição contenciosa ou instância administrativa de curso forçado. Não se
exige, pois, o exaurimento das vias administrativas para obter-se provimento judicial.
Uma exceção ao amplo acesso ao Judiciário é estabelecida pela própria Constituição, no seu
art. 217, § 1º, e diz respeito à justiça desportiva. O artigo referido exige o prévio acesso às instâncias
da justiça desportiva, nos casos de ações relativas à disciplina e às competições desportivas, sem, no
entanto, condicionar o acesso ao Judiciário ao término do processo administrativo, pois a justiça
desportiva terá o prazo máximo de 60 dias, contados da instauração do processo, para proferir
decisão final (art. 217, § 2º). Outra exceção existente consiste no habeas data que igualmente requer
prévio acesso na esfera administrativa (art. 5.º, LXXII, e Lei nº 9.507/97).
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;
Tendo em vista a segurança das relações jurídicas enquanto condições que permitem às
pessoas o conhecimento antecipado das consequências jurídicas dos seus atos, a Lei Maior
estabelece que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção;
LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;
Os incisos XXXVII e LIII representam o chamado princípio do juiz natural, estabelecido para
assegurar a imparcialidade do Judiciário e a segurança do povo contra o arbítrio estatal. O referido
princípio constitui uma garantia fundamental na administração da Justiça de um Estado de Direito, e
deve ser interpretado de modo a proibir a criação de juízos ou tribunais de exceção (aqueles criados
após o fato, instituídos especialmente para julgar determinadas pessoas ou determinados crimes) e a
exigir o respeito absoluto às regras de determinação de competência. Assim, ninguém pode ser
processado por uma autoridade especialmente designada para o caso. Pelo contrário, há o direito
fundamental de ser julgado por juízo ou tribunal previamente instituído e competente.
XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei,
assegurados:
a) a plenitude de defesa;
b) o sigilo das votações;
c) a soberania dos veredictos;
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;

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A Constituição pátria reconhece o Tribunal do Júri como uma prerrogativa democrática do
cidadão, que deverá ser julgado por seus semelhantes, e não por juízo de critério eminentemente
técnico, prevendo, expressamente, quatro preceitos de observância obrigatória à legislação
infraconstitucional que organizará a instituição:
a) plenitude de defesa – corolário lógico do princípio da ampla defesa previsto no inciso LV do
art. 5º;
b) sigilo das votações – preserva a adoção de critérios de íntima convicção por parte dos
jurados;
c) soberania dos veredictos – a decisão dos jurados será mantida, somente podendo ser
modificada por meio de recurso previsto pelo diploma processual penal, sendo que a nova
decisão será dada por novo Tribunal do Júri;
d) competência para julgamento dos crimes dolosos contra a vida – como último preceito, a
Constituição prevê a regra mínima de competência do Tribunal do Júri, não impedindo que o
legislador infraconstitucional lhe atribua outras e diversas competências.

Cabe ressaltar, ainda, que a competência do Tribunal do Júri para julgar os crimes dolosos
contra a vida não é absoluta. A própria Constituição a afasta em hipóteses de prerrogativa de
função.
XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;
XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;
Consagração constitucional do princípio da reserva legal em matéria penal, o qual limita a
amplitude do exercício do poder punitivo (juspuniendi) do Estado. Os princípios da reserva legal e da
anterioridade no âmbito penal exigem, para a configuração de um crime, [1] a existência de lei formal
devidamente elaborada pelo Poder Legislativo, por meio das regras do processo legislativo
constitucional; [2] que a lei seja anterior ao fato sancionado; e [3] que a lei descreva especificamente
um fato determinado.
De acordo com esses preceitos constitucionais, não se admite a criação de figuras
penais ou cominação de penas por medida provisória e a retroatividade da lei penal mais severa.
Contrario sensu, admite-se a retroatividade da lei penal mais benigna (mais favorável ao réu). Por
essa razão, o artigo 2º do Código Penal estabelece que a lei penal, em regra, não retroagirá, salvo
para beneficiar o réu.
XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;
Trata-se de garantia constitucional de eficácia limitada, portanto não autoexecutável e
dependente de legislação ordinária, prevista como instrumento à proteção, basicamente, do
princípio da igualdade consagrado no caput do art. 5º.
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de
reclusão, nos termos da lei;
O texto constitucional repugna a prática do racismo, de modo a garantir a igualdade e a
vedação das discriminações. O crime de racismo restou definido por meio da Lei nº 7.716/89,
parcialmente alterada pela Lei nº 9.459/97.
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da
tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como
crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo
evitá-los, se omitirem;
O legislador constituinte previu tratamento severo aos condenados pelos crimes de tortura,
tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e por crimes hediondos.

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DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou
militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático;
Ao estabelecer mais um mecanismo protetivo da ordem constitucional e do Estado
Democrático de Direito, o legislador constituinte pretendeu solidificar a ideia de democracia na
República Federativa do Brasil, no intuito de afastar qualquer possibilidade de quebra da
normalidade. No entanto, o sentido imperativo do texto constitucional não exclui a necessidade de
edição de uma lei penal descritiva da conduta criminosa. A norma constitucional não definiu o tipo
penal, mas tão somente estabeleceu um instrumento de defesa da democracia e uma
obrigatoriedade ao Congresso correspondente à edição de lei penal descrevendo a conduta
delituosa.
XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o
dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos
sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;
Na ordem constitucional em vigor impera o princípio da pessoalidade da pena, segundo o
qual a pena não passará da pessoa do delinquente, não podendo suas consequências atingir
terceiros. Somente o autor da infração penal deve ser responsabilizado, sendo que a pena não deve
ser estendida a terceiros em geral. Também denominado postulado da intranscendência, impede
que sanções e restrições de ordem jurídica superem a dimensão estritamente pessoal do infrator
(STF, AC 1.033-AgR-QO).
XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:
a) privação ou restrição da liberdade;
b) perda de bens;
c) multa;
d) prestação social alternativa;
e) suspensão ou interdição de direitos;
O referido inciso compreende o princípio da individualização da pena e estabelece algumas
modalidades de sanção penal.
O princípio da individualização da pena exige uma estreita correspondência entre a
responsabilização da conduta do agente e a sanção a ser aplicada, de maneira que a pena atinja suas
finalidades de prevenção e repressão. Dessa maneira, a imposição da pena depende do juízo
individualizado da culpabilidade do agente. Em outras palavras, deve haver uma estreita ligação
entre a pena aplicada e o grau de censurabilidade da conduta do agente.
Observe-se que no julgamento do HC 82.959, o Plenário do STF decidiu pela possibilidade de
progressão do regime de cumprimento de pena nos crimes hediondos, julgando inconstitucional o
art. 2º, § 1º, da Lei nº8.072/90.
XLVII - não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;
b) de caráter perpétuo;
c) de trabalhos forçados;
d) de banimento;
e) cruéis;
A Constituição consagrou como garantia individual do sentenciado a impossibilidade de
aplicação de determinadas espécies de penas, quais sejam: a pena de morte, salvo em caso de guerra
declarada; as penas perpétuas e de trabalhos forçados; a pena de banimento (retirada forçada de um
nacional de seu país); e, por fim, as penas cruéis.

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DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
A vedação constitucional dessas penas assenta-se na imposição de respeito à dignidade da
pessoa humana (art. 1º, III).
XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do
delito, a idade e o sexo do apenado;
XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;
L - às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus
filhos durante o período de amamentação;
Essas disposições constitucionais representam princípios relativos à execução da pena
privativa de liberdade, demonstrando que o texto constitucional revela uma grande preocupação em
assegurar o respeito aos direitos do preso durante a execução da pena privativa de liberdade.
LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum,
praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, na forma da lei;
LII - não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião;
Os incisos LI e LII do artigo 5º compreendem o tratamento constitucional do instituto da
extradição, que é o ato pelo qual um Estado entrega a outro uma pessoa acusada ou condenada
pela prática de uma infração penal para que seja julgada ou para que cumpra pena em outro país.
A extradição pode ser ativa, que é aquela requerida pelo Brasil a outros Estados soberanos,
ou passiva, quando outros Estados requerem-na ao Brasil.
A Constituição, prevendo autênticos direitos fundamentais individuais, assevera que:
a) o brasileiro nato nunca será extraditado;
b) o brasileiro naturalizado somente será extraditado [1] por crime comum, praticado antes
da naturalização ou [2] pela participação comprovada em tráfico ilícito de entorpecentes ou
drogas afins, não importando aqui se a participação se deu antes ou depois da naturalização;
c) via de regra, o estrangeiro poderá ser extraditado, salvo nos casos de crime político ou de
opinião, ocasiões em que é vedada a sua extradição.
LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente.
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
Consagração constitucional do princípio do devido processo legal, o qual configura uma
garantia de proteção da liberdade e da propriedade do indivíduo. Segundo esse princípio, o indivíduo
somente poderá ser privado de sua liberdade ou de seus bens se obedecido um processo legalmente
estabelecido garantidor da possibilidade de defesa.
Busca-se, assim, tutelar o cidadão contra a atuação arbitrária do Estado.
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
O devido processo legal tem como corolários a ampla defesa e o contraditório, que deverão
ser assegurados aos litigantes em processos judiciais (cíveis ou criminais) bem como nos
procedimentos administrativos.
A garantia do contraditório e da ampla defesa significa que não deve ser tomada, pela
autoridade competente, nenhuma decisão sem a apreciação das razões de todas as partes
envolvidas, de forma a garantir a aplicação do princípio da igualdade também no plano processual.
LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;
A Constituição, estabelecendo uma importante garantia ao cidadão frente à ação
persecutória do Estado, estabeleceu que são inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios

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ilícitos, ou seja, aquelas provas colhidas em infringência às normas legais e aos direitos fundamentais
do cidadão. Com efeito, a inadmissibilidade das provas ilícitas deriva da supremacia dos direitos
fundamentais no ordenamento jurídico, tornando impossível a violação de uma liberdade pública
para obtenção de qualquer prova.
Nesse sentido, a prova ilicitamente obtida (p.ex., confissões feitas mediante tortura,
interceptações telefônicas sem autorização judicial) é absolutamente nula, não podendo gerar
qualquer efeito no convencimento do juiz.
Com relação às provas decorrentes da prova ilícita, o Supremo Tribunal Federal tem
entendido que a prova ilícita originária contamina as demais provas dela decorrentes, sendo nulas
tanto as provas produzidas de forma ilícita quanto aquelas surgidas em decorrência da prova ilícita,
ainda que obtidas de forma regular. Trata-se da aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada
(fruits of the poisonous tree).
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória;
Estabelecendo que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória”, a Constituição consigna o princípio da presunção da inocência,
segundo o qual antes da condenação definitiva em um processo criminal todos os cidadãos devem
ser considerados inocentes.
Dessa forma, há a necessidade de o Estado comprovar a culpabilidade do indivíduo, que é
constitucionalmente presumido inocente. Essa presunção somente poderá ser afastada com a
existência de um mínimo necessário de provas produzidas por meio de um devido processo legal e
com a garantia da ampla defesa.
LVIII - o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas
hipóteses previstas em lei;
O direito fundamental expresso no inciso LVIII do art. 5º consiste na impossibilidade de
identificar-se criminalmente (processo usado para se estabelecer a identidade de pessoas) a pessoa
que já se encontre identificada civilmente.
Porém, a própria Constituição expressa a relatividade dessa norma, possibilitando exceções
previstas em lei ordinária. Atualmente, é a Lei nº 10.054/2000, no seu art. 3º, que prevê de modo
taxativo as hipóteses em que se dará a identificação criminal do civilmente identificado.
LIX - será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no
prazo legal;
No sistema jurídico brasileiro, por força do artigo 129, inciso I, da Constituição, o processo
penal somente pode ser deflagrado por denúncia ou queixa, sendo a ação penal pública privativa do
Ministério Público.
No entanto, no inciso LIX se estabeleceu a ação penal subsidiária da pública, admitindo a
ação penal privada nos crimes de ação pública se o Ministério Público não oferecer denúncia no
prazo legal.
LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da
intimidade ou o interesse social o exigirem;
O Estado Democrático de Direito exige a publicidade dos atos processuais, sendo que essa
publicidade poderá ser restringida por norma legal nas hipóteses de defesa da intimidade ou do
interesse social.
LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de
autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime
propriamente militar, definidos em lei;

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DIREITO CONSTITUCIONAL
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LXII - a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados
imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada;
LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado,
sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;
LXIV - o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu
interrogatório policial;
LXV - a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária;
LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade
provisória, com ou sem fiança;
A regra constitucional geral é aquela que assegura a liberdade do indivíduo. A privação de
liberdade é considerada medida excepcional, somente admitida nas situações previstas pela própria
Carta Magna.
Sendo assim, o indivíduo somente poderá ser preso:
a) em caso de flagrante delito ou,
b) por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente (não mais se
admite o mandado de prisão expedido por autoridade policial).
O texto constitucional, além de prever as duas hipóteses em que se permite a prisão do
indivíduo, elencou diversos requisitos para a validade da prisão: [1] a prisão deve ser comunicada ao
juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada; [2] o preso deve ser informado de
seus direitos, inclusive o de permanecer calado (o silêncio do acusado não pode lhe causar nenhum
prejuízo) e o da assistência da família e de advogado; [3] ao preso devem ser identificados os
responsáveis pela sua prisão e pelo seu interrogatório; [4] a prisão ilegal deve ser imediatamente
relaxada; [5] será ilegal a prisão efetuada quando a lei admitir liberdade provisória.
LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento
voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;
A prisão civil é medida privativa de liberdade, sem caráter de pena, com a finalidade de
compelir o devedor a satisfazer uma obrigação. A Constituição veda a prisão civil por dívidas,
admitindo somente nos casos de inadimplemento (voluntário e inescusável) de obrigação alimentícia
e do depositário infiel.

GARANTIAS FUNDAMENTAIS

9.1. DIREITO À INFORMAÇÃO


Todos têm direito a receber dos órgãos públicos, informações de seu interesse particular, ou de interesse
coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo
seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (CF, artigo 5º, inciso XXXIII).
O direito à informação, no tocante a questões de interesse particular ou coletivo, é bastante amplo,
cedendo apenas quando for imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. Esta regra não pode ser
confundida com a que trata do habeas data (CF, artigo 5º, inciso LXXII), que será adiante analisada e que se restringe
à busca de informações relativas à pessoa do impetrante, ou seja, a informações de interesse individual.

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DIREITO CONSTITUCIONAL
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“É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de
prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com
competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa” (Súmula
Vinculante 14).
“Direito à informação de atos estatais, neles embutida a folha de pagamento de órgãos e
entidades públicas. (...) Caso em que a situação específica dos servidores públicos é regida
pela 1ª parte do inciso XXXIII do art. 5º da Constituição. Sua remuneração bruta, cargos e
funções por eles titularizados, órgãos de sua formal lotação, tudo é constitutivo de
informação de interesse coletivo ou geral. Expondo-se, portanto, a divulgação oficial. Sem
que a intimidade deles, vida privada e segurança pessoal e familiar se encaixem nas
exceções de que trata a parte derradeira do mesmo dispositivo constitucional (inciso XXXIII
do art. 5º), pois o fato é que não estão em jogo nem a segurança do Estado nem do conjunto
da sociedade. Não cabe, no caso, falar de intimidade ou de vida privada, pois os dados
objeto da divulgação em causa dizem respeito a agentes públicos enquanto agentes públicos
mesmos; ou, na linguagem da própria Constituição, agentes estatais agindo ‘nessa
qualidade’ (§ 6º do art. 37). E quanto à segurança física ou corporal dos servidores, seja
pessoal, seja familiarmente, claro que ela resultará um tanto ou quanto fragilizada com a
divulgação nominalizada dos dados em debate, mas é um tipo de risco pessoal e familiar que
se atenua com a proibição de se revelar o endereço residencial, o CPF e a CI de cada
servidor. No mais, é o preço que se paga pela opção por uma carreira pública no seio de um
Estado republicano. (...) A negativa de prevalência do princípio da publicidade administrativa
implicaria, no caso, inadmissível situação de grave lesão à ordem pública” (SS 3.902-AgR-
segundo, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 9-6-2011, Plenário, DJE de 3-10-2011).

9.2. DIREITO DE PETIÇÃO


São a todos assegurados, independentemente de pagamento de taxas: a) o direito de
130
petição aos poderes públicos em defesa de direito ou contra a ilegalidade ou abuso de poder; b) a
obtenção de certidões131 em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de
situações de interesse pessoal (CF, artigo 5º, inciso XXXIV).
Direito de petição e depósito prévio: “É inconstitucional a exigência de depósito ou
arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo” (Súmula
Vinculante 21).
"A exigência de depósito ou arrolamento prévio de bens e direitos como condição de
admissibilidade de recurso administrativo constitui obstáculo sério (e intransponível, para
consideráveis parcelas da população) ao exercício do direito de petição (CF, art. 5º, XXXIV),
além de caracterizar ofensa ao princípio do contraditório (CF, art. 5º, LV). A exigência de
depósito ou arrolamento prévio de bens e direitos pode converter-se, na prática, em
determinadas situações, em supressão do direito de recorrer, constituindo-se, assim, em
nítida violação ao princípio da proporcionalidade. Ação direta julgada procedente para
declarar a inconstitucionalidade do art. 32 da MP 1.699-41 – posteriormente convertida na
Lei 10.522/2002 –, que deu nova redação ao art. 33, § 2º, do Decreto 70.235/1972." (ADI
1.976, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 28-3-2007, Plenário, DJ de 18-5-2007.) No

130 “O direito de petição, presente em todas as Constituições brasileiras, qualifica-se como importante prerrogativa de caráter democrático.
Trata-se de instrumento jurídico-constitucional posto à disposição de qualquer interessado – mesmo daqueles destituídos de
personalidade jurídica –, com a explícita finalidade de viabilizar a defesa, perante as instituições estatais, de direitos ou valores revestidos
tanto de natureza pessoal quanto de significação coletiva” (ADI 1.247-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 17-8-1995, Plenário, DJ
de 8-9-1995).
131 “O direito à certidão traduz prerrogativa jurídica, de extração constitucional, destinada a viabilizar, em favor do indivíduo ou de uma

determinada coletividade (como a dos segurados do sistema de previdência social), a defesa (individual ou coletiva) de direitos ou o
esclarecimento de situações. A injusta recusa estatal em fornecer certidões, não obstante presentes os pressupostos legitimadores dessa
pretensão, autorizará a utilização de instrumentos processuais adequados, como o mandado de segurança ou a própria ação civil pública.
O Ministério Público tem legitimidade ativa para a defesa, em juízo, dos direitos e interesses individuais homogêneos, quando impregnados
de relevante natureza social, como sucede com o direito de petição e o direito de obtenção de certidão em repartições públicas.” (RE
472.489-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 29-4-2008, Segunda Turma, DJE de 29-8-2008.) No mesmo sentido: RE 167.118-AgR,
Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 20-4-2010, Segunda Turma, DJE de 28-5-2010.

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mesmo sentido: ADPF 156, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 18-8-
2011, Plenário, DJE de 28-10-2011.
Deve-se ter em mente também que a atuação do Poder Judiciário deve ser exercida em
tempo razoável, afinal, a tutela efetiva é a tutela dada em tempo adequado. Assim, reconhece o Min.
Ayres Britto que “de nada valeria a CF declarar com tanta pompa e circunstância o direito à razoável
duração do processo (e, no caso, o direito à brevidade e excepcionalidade da internação preventiva),
se a ele não correspondesse o direito estatal de julgar com presteza. Dever que é uma das vertentes
da altissonante regra constitucional de que a ‘lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão
ou ameaça a direito’ (inciso XXXV do art. 5º). Dever, enfim, que, do ângulo do indivíduo, é
constitutivo da tradicional garantia de acesso eficaz ao Poder Judiciário (‘universalização da Justiça’,
também se diz).” (HC 94.000, voto do Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 17-6-2008, Primeira
Turma, DJE de 13-3-2009.)

9.3. INAFASTABILIDADE DO PODER JUDICIÁRIO


A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito (CF, artigo 5º,
inciso XXXV). Esta é a garantia de livre acesso ao Judiciário e de inafastabilidade da jurisdição.132
Nesse sentido, o STF entende que é inconstitucional a exigência de depósito prévio como
requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade de crédito
tributário. (Súmula Vinculante 28).
Ainda referente às custas, mesmo em processos judiciais, em que pese seja necessário o
pagamento, o valor das custas não pode se mostrar abusivo. Esse entendimento é relevante nos
casos em que o valor da causa era demasiadamente elevado, gerando, assim, custas que
ultrapassavam os critérios de razoabilidade. Em razão disso, o STF editou a Súmula 667, que
reconhece que “Viola a garantia constitucional de acesso à jurisdição a taxa judiciária calculada sem
limite sobre o valor da causa.”
Também é pacífico o entendimento de que não é necessário o esgotamento da via
administrativa para recorrer ao judiciário, entendimento que se estende, inclusive, no que se refere
ao direito previdenciário. "No inciso XXXV do art. 5º, previu-se que ‘a lei não excluirá da apreciação
do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito’. Poder-se-ia partir para a distinção, colocando-se, em
planos diversos, a exclusão propriamente dita e a condição de esgotar-se, antes do ingresso em juízo,
uma determinada fase. Todavia, a interpretação sistemática da Lei Fundamental direciona a ter-se o
preceito com outro alcance, o que é reforçado pelo dado histórico, ante a disciplina pretérita. O
próprio legislador constituinte de 1988 limitou a condição de ter-se o exaurimento da fase
administrativa, para chegar-se à formalização de pleito no Judiciário. Fê-lo no tocante ao desporto,
(...) no § 1º do art. 217 (...). Vale dizer que, sob o ângulo constitucional, o livre acesso ao Judiciário
sofre uma mitigação e, aí, consubstanciando o preceito respectivo exceção, cabe tão só o
empréstimo de interpretação estrita. Destarte, a necessidade de esgotamento da fase administrativa
está jungida ao desporto e, mesmo assim, tratando-se de controvérsia a envolver disciplina e
competições, sendo que a chamada justiça desportiva há de atuar dentro do prazo máximo de
sessenta dias, contados da formalização do processo, proferindo, então, decisão final – § 2º do art.
217 da CF. Também tem-se aberta exceção ao princípio do livre acesso no campo das questões
trabalhistas. Entrementes, a norma que versa sobre o tema está limitada aos chamados dissídios
coletivos, às ações coletivas, no que se previu, no § 2º do art. 114 da CF (...)" (ADI 2.139-MC e ADI
2.160-MC, voto do Rel. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, julgamento em 13-5-2009, Plenário, DJE de 23-
10-2009).

132“Não há confundir negativa de prestação jurisdicional com decisão jurisdicional contrária à pretensão da parte" (AI 135.850-AgR, Rel.
Min. Carlos Velloso, julgamento em 23-4-1991, Segunda Turma, DJ de 24-5-1991). No mesmo sentido: AI 791.441-AgR, Rel. Min. Ellen
Gracie, julgamento em 3-8-2010, Segunda Turma, DJE de 20-8-2010.

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O livre acesso é, contudo, limitado pela capacidade postulatória. Já reconheceu o STF (AO
1.531-AgR, voto da Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 3-6-2009, Plenário, DJE de 1º-7-2009) que
"A CR estabeleceu que o acesso à justiça e o direito de petição são direitos fundamentais (art. 5º,
XXXIV, a, e XXXV), porém estes não garantem a quem não tenha capacidade postulatória litigar em
juízo, ou seja, é vedado o exercício do direito de ação sem a presença de um advogado, considerado
‘indispensável à administração da justiça’ (art. 133 da CF e art. 1º da Lei 8.906/1994), com as
ressalvas legais. (...) Incluem-se, ainda, no rol das exceções, as ações protocoladas nos juizados
especiais cíveis, nas causas de valor até vinte salários mínimos (art. 9º da Lei 9.099/1995) e as ações
trabalhistas (art. 791 da CLT), não fazendo parte dessa situação privilegiada a ação popular.”
Há, contudo, exceções, em que são dispensáveis a necessidade de advogado:
"Ação direta de inconstitucionalidade. Juizados especiais federais. Lei 10.259/2001, art. 10.
Dispensabilidade de advogado nas causas cíveis. Imprescindibilidade da presença de
advogado nas causas criminais. Aplicação subsidiária da Lei 9.099/1995. Interpretação
conforme a Constituição. É constitucional o art. 10 da Lei 10.259/2001, que faculta às partes
a designação de representantes para a causa, advogados ou não, no âmbito dos juizados
especiais federais. No que se refere aos processos de natureza cível, o STF já firmou o
entendimento de que a imprescindibilidade de advogado é relativa, podendo, portanto, ser
afastada pela lei em relação aos juizados especiais. Precedentes. Perante os juizados
especiais federais, em processos de natureza cível, as partes podem comparecer
pessoalmente em juízo ou designar representante, advogado ou não, desde que a causa não
ultrapasse o valor de sessenta salários mínimos (art. 3º da Lei 10.259/2001) e sem prejuízo
da aplicação subsidiária integral dos parágrafos do art. 9º da Lei 9.099/1995. Já quanto aos
processos de natureza criminal, em homenagem ao princípio da ampla defesa, é imperativo
que o réu compareça ao processo devidamente acompanhado de profissional habilitado a
oferecer-lhe defesa técnica de qualidade, ou seja, de advogado devidamente inscrito nos
quadros da OAB ou defensor público. Aplicação subsidiária do art. 68, III, da Lei 9.099/1995.
Interpretação conforme, para excluir do âmbito de incidência do art. 10 da Lei 10.259/2001 os
feitos de competência dos juizados especiais criminais da Justiça Federal" (ADI 3.168, Rel.
Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 8-6-2006, Plenário, DJ de 3-8-2007).
Por fim, deve ser destacado que, conforme entendimento do STF, não caracteriza violação à
inafastabilidade da jurisdição o arquivamento de execução fiscal por insignificância, a arbitragem e
a execução extrajudicial:
“Execução fiscal – Insignificância da dívida ativa em cobrança – Ausência do interesse de
agir – Extinção do processo (...). O STF firmou orientação no sentido de que as decisões,
que, em sede de execução fiscal, julgam extinto o respectivo processo, por ausência do
interesse de agir, revelada pela insignificância ou pela pequena expressão econômica do
valor da dívida ativa em cobrança, não transgridem os postulados da igualdade (...) e da
inafastabilidade do controle jurisdicional (...)” (AI 679.874-AgR, Rel. Min. Celso de Mello,
julgamento em 4-12-2007, Segunda Turma, DJE de 1º-2-2008). Em sentido contrário: RE
591.033, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 17-11-2010, Plenário, DJE de 25-2-2011,
com repercussão geral.
"Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996): constitucionalidade, em tese, do juízo arbitral; discussão
incidental da constitucionalidade de vários dos tópicos da nova lei, especialmente acerca da
compatibilidade, ou não, entre a execução judicial específica para a solução de futuros
conflitos da cláusula compromissória e a garantia constitucional da universalidade da
jurisdição do Poder Judiciário (CF, art. 5º, XXXV). Constitucionalidade declarada pelo
Plenário, considerando o Tribunal, por maioria de votos, que a manifestação de vontade da
parte na cláusula compromissória, quando da celebração do contrato, e a permissão legal
dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar o compromisso
não ofendem o art. 5º, XXXV, da CF" (SE 5.206-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence,
julgamento em 12-12-2001, Plenário, DJ de 30-4-2004).

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"Execução extrajudicial. Recepção, pela Constituição de 1988, do DL 70/1966. Esta Corte, em
vários precedentes (assim, a título exemplificativo, nos RE 148.872, RE 223.075 e RE 240.361),
tem-se orientado no sentido de que o DL 70/1966 é compatível com a atual Constituição, não se
chocando, inclusive, com o disposto nos incisos XXXV, LIV e LV do art. 5º desta, razão por que foi
por ela recebido" (RE 287.453, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 18-09-2001, Primeira
Turma, DJ de 26-10-2001). No mesmo sentido: AI 663.578-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento
em 4-8-2009, Segunda Turma, DJE de 28-8-2009.

9.4. DIREITO ADQUIRIDO, ATO JURÍDICO PERFEITO E COISA JULGADA


A lei não prejudicará do direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (CF, artigo
5º, inciso XXXVI). Direito adquirido é o direito já incorporado ao patrimônio do titular. Difere da
expectativa de direito (por exemplo: aposentadoria já concedida e aposentadoria a ser conseguida
daqui a alguns meses).
Ato jurídico perfeito é aquele que já se completou em todas as suas fases, segundo a lei
vigente da época, tornando-se apto para produzir os seus efeitos.
Já a coisa julgada é a prestação jurisdicional contra a qual não cabe mais recurso.133
Sobre essa matéria, o STF já editou diversas súmulas, entre elas:
-Súmula Vinculante 1: “Ofende a garantia constitucional do ato jurídico perfeito a
decisão que, sem ponderar as circunstâncias do caso concreto, desconsidera a
validez e a eficácia de acordo constante de termo de adesão instituído pela LC
110/2001.”
-Súmula 654: “A garantia da irretroatividade da lei, prevista no art 5º, XXXVI, da CF,
não é invocável pela entidade estatal que a tenha editado.”
-Súmula 524: "Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do
promotor de justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas."
-Súmula 239: “Decisão que declara indevida a cobrança do imposto em determinado
exercício não faz coisa julgada em relação aos posteriores.”
Não há direito adquirido com relação ao regime jurídico, reconhece o STF que “a supremacia
jurídica das normas inscritas na Carta Federal não permite, ressalvadas as eventuais exceções
proclamadas no próprio texto constitucional, que contra elas seja invocado o direito adquirido” (ADI
248, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 18-11-1993, Primeira Turma, DJ de 8-4-1994).
Também não há falar em direito adquirido com relação à interpretação da lei. “O que regula
os proventos da inatividade é a lei (e não sua interpretação) vigente ao tempo em que o servidor
preencheu os requisitos para a respectiva (Súmula 359/STF). Somente a lei pode conceder vantagens
a servidores públicos. Inexiste direito adquirido com fundamento em antiga e superada interpretação
da lei” (MS 26.196, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 18-11-2010, Plenário, DJE de 1º-2-2011).
Nos casos de benefícios fiscais concedidos em lei, não há falar em direito adquirido quando
os fatos gerados são anteriores à vigência da lei. Nesse sentido: "Imposto de renda. Dedução de
prejuízos fiscais. Limitações. Arts. 42 e 58 da Lei 8.981/1995. Constitucionalidade. Ausência de
violação do disposto nos arts. 150, III, a e b, e 5º, XXXVI, da CF. O direito ao abatimento dos
prejuízos fiscais acumulados em exercícios anteriores é expressivo de benefício fiscal em favor do
contribuinte. Instrumento de política tributária que pode ser revista pelo Estado. Ausência de direito
adquirido. A Lei 8.981/1995 não incide sobre fatos geradores ocorridos antes do início de sua

133“A coisa julgada a que se refere o art. 5º, XXXVI, da Carta Magna é, como conceitua o § 3º do art. 6º da Lei de Introdução do Código Civil,
a decisão judicial de que já não caiba recurso, e não a denominada coisa julgada administrativa” (RE 144.996, Rel. Min. Moreira Alves,
julgamento em 29-4-1997, Primeira Turma, DJ de 12-9-1997).

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vigência. Prejuízos ocorridos em exercícios anteriores não afetam fato gerador nenhum" (RE 344.994,
Rel. p/ o ac. Min. Eros Grau, julgamento em 25-3-2009, Plenário, DJE de 28-8-2009).
Há, contudo, direito adquirido com relação à direitos já incorporados ao patrimônio, ainda
que tais direitos venham a ser revogados por lei infraconstitucional posterior. “O STF fixou
entendimento no sentido de que a lei nova não pode revogar vantagem pessoal já incorporada ao
patrimônio do servidor sob pena de ofensa ao direito adquirido” (AI 762.863-AgR, Rel. Min. Eros
Grau, julgamento em 20-10-2009, Segunda Turma, DJE de 13-11-2009).
Como não há direito adquirido em face do regime jurídico, entende o STF que as condições
para a concessão de aposentadoria devem ser observadas com base no momento de sua
formalização. “Art. 2º e expressão '8º' do art. 10, ambos da EC 41/2003. Aposentadoria. Tempus
regit actum. Regime jurídico. Direito adquirido: não ocorrência. A aposentadoria é direito
constitucional que se adquire e se introduz no patrimônio jurídico do interessado no momento de
sua formalização pela entidade competente. Em questões previdenciárias, aplicam-se as normas
vigentes ao tempo da reunião dos requisitos de passagem para a inatividade. Somente os servidores
públicos que preenchiam os requisitos estabelecidos na EC 20/1998, durante a vigência das normas
por ela fixadas, poderiam reclamar a aplicação das normas nela contida, com fundamento no art. 3º
da EC 41/2003. Os servidores públicos, que não tinham completado os requisitos para a
aposentadoria quando do advento das novas normas constitucionais, passaram a ser regidos pelo
regime previdenciário estatuído na EC 41/2003, posteriormente alterada pela EC 47/2005. Ação
direta de inconstitucionalidade julgada improcedente" (ADI 3.104, Rel. Min. Cármen Lúcia,
julgamento em 26-9-2007, Plenário, DJ de 9-11-2007).
Tem-se admitido a relativização da coisa julgada em alguns, principalmente em razão do
avanço científico. Um bom exemplo disso é a possibilidade de vivisão de ação declaratória de
paternidade em razão da realização de exame de DNA: “(...) o Plenário, por maioria, proveu recurso
extraordinário em que discutida a possibilidade, ou não, de superação da coisa julgada em ação de
investigação de paternidade (...). Decretou-se a extinção do processo original sem julgamento do
mérito e permitiu-se o trâmite da atual ação de investigação de paternidade” (RE 363.889, Rel. Min.
Dias Toffoli, julgamento em 2-6-2011, Plenário, Informativo 629, com repercussão geral) “(...) Na
situação dos autos, a genitora do autor não possuía, à época, condições financeiras para custear
exame de DNA. Reconheceu-se a repercussão geral da questão discutida, haja vista o conflito entre o
princípio da segurança jurídica, consubstanciado na coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI), de um lado; e a
dignidade humana, concretizada no direito à assistência jurídica gratuita (CF, art. 5º, LXXIV) e no
dever de paternidade responsável (CF, art. 226, § 7º), de outro. (...) O Min. Dias Toffoli, Relator,
proveu o recurso para decretar a extinção do processo original sem julgamento do mérito e permitir
o trâmite da atual ação de investigação de paternidade. Inicialmente, discorreu sobre o retrospecto
histórico que culminara na norma contida no art. 226, § 7º, da CF (...), dispositivo que teria
consagrado a igualdade entre as diversas categorias de filhos, outrora existentes, de modo a vedar
qualquer designação discriminatória que fizesse menção à sua origem. A seguir, destacou a
paternidade responsável como elemento a pautar a tomada de decisões em matérias envolvendo
relações familiares. Nesse sentido, salientou o caráter personalíssimo, indisponível e imprescritível
do reconhecimento do estado de filiação, considerada a preeminência do direito geral da
personalidade. Aduziu existir um paralelo entre esse direito e o direito fundamental à informação
genética, garantido por meio do exame de DNA. No ponto, asseverou haver precedentes da Corte no
sentido de caber ao Estado providenciar aos necessitados acesso a esse meio de prova, em ações de
investigação de paternidade. Reputou necessária a superação da coisa julgada em casos tais, cuja
decisão (...) se dera por insuficiência de provas. Entendeu que, a rigor, a demanda deveria ter sido
extinta nos termos do art. 267, IV, do CPC (...), porque se teria mostrado impossível a formação de
um juízo de certeza sobre o fato. Aduziu, assim, que se deveria possibilitar a repropositura da ação,
de modo a concluir-se sobre a suposta relação de paternidade discutida. Afirmou que o princípio da
segurança jurídica não seria, portanto, absoluto, e que não poderia prevalecer em detrimento da

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dignidade da pessoa humana, sob o prisma do acesso à informação genética e da personalidade do
indivíduo. Assinalou não se poder mais tolerar a prevalência, em relações de vínculo paterno-filial, do
fictício critério da verdade legal, calcado em presunção absoluta, tampouco a negativa de respostas
acerca da origem biológica do ser humano, uma vez constatada a evolução nos meios de prova
voltados para esse fim” (RE 363.889, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento 7-4-2011, Plenário,
Informativo 622, com repercussão geral).
Também é admitido, em casos criminais, o desarquivamento por novas provas. “A decisão
que determina o arquivamento de inquérito policial, a pedido do Ministério Público e determinada
por juiz competente, que reconhece que o fato apurado está coberto por excludente de ilicitude, não
afasta a ocorrência de crime quando surgirem novas provas, suficientes para justificar o
desarquivamento do inquérito, como autoriza a Súmula 524 deste STF” (HC 95.211, Rel. Min. Cármen
Lúcia, julgamento em 10-3-2009, Primeira Turma, DJE de 22-8-2011).
A coisa julgada pode, ainda, ser afetada pela declaração de inconstitucionalidade da lei que
embase a argumentação da sentença. Assim, um título judicial lastreado em lei que venha ser
declarada inconstitucional pode ser desconstituído. Contudo, a desconstituição não ocorre
automaticamente, para isso é necessária a propositura de ação rescisória. “A sentença de mérito
transitada em julgado só pode ser desconstituída mediante ajuizamento de específica ação
autônoma de impugnação (ação rescisória) que haja sido proposta na fluência do prazo decadencial
previsto em lei, pois, com o exaurimento de referido lapso temporal, estar-se-á diante da coisa
soberanamente julgada, insuscetível de ulterior modificação, ainda que o ato sentencial encontre
fundamento em legislação que, em momento posterior, tenha sido declarada inconstitucional pelo
STF, quer em sede de controle abstrato, quer no âmbito de fiscalização incidental de
constitucionalidade. A decisão do STF que haja declarado inconstitucional determinado diploma
legislativo em que se apoie o título judicial, ainda que impregnada de eficácia ex tunc, como sucede
com os julgamentos proferidos em sede de fiscalização concentrada (RTJ 87/758 – RTJ 164/506-509 –
RTJ 201/765), detém-se ante a autoridade da coisa julgada, que traduz, nesse contexto, limite
insuperável à força retroativa resultante dos pronunciamentos que emanam, in abstracto, da
Suprema Corte” (RE 594.350, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 25-5-
2010, DJE de 11-6-2010).
São admissíveis no sistema jurídico brasileiro a aplicação de leis interpretativas, inclusive em
caráter retroativo, contudo, devem ser observados alguns requisitos, expressamente previstos pela
Constituição, em ordem a inibir a ação do poder público eventualmente configuradora de restrição
gravosa ao status libertatis da pessoa (CF, art. 5º, XL), ao status subjectionais do contribuinte em
matéria tributária (CF, art. 150, III, a) e (c) a ‘segurança’ jurídica no domínio das relações sociais (CF,
art. 5º, XXXVI). Ou seja, para a prescrição de atos normativos com efeitos retroativos, não podem
ocorrer nenhuma das situações referidas.
Sobre esse tema, já reconheceu o STF:
“Quando do advento da LC 118/2005, estava consolidada a orientação da Primeira Seção do
STJ no sentido de que, para os tributos sujeitos a lançamento por homologação, o prazo
para repetição ou compensação de indébito era de dez anos contados do seu fato gerador,
tendo em conta a aplicação combinada dos arts. 150, § 4º; 156, VII; e 168, I, do CTN. A LC
118/2005, embora tenha se autoproclamado interpretativa, implicou inovação normativa,
tendo reduzido o prazo de dez anos contados do fato gerador para cinco anos contados do
pagamento indevido. (...) A aplicação retroativa de novo e reduzido prazo para a repetição ou
compensação de indébito tributário estipulado por lei nova, fulminando, de imediato,
pretensões deduzidas tempestivamente à luz do prazo então aplicável, bem como a
aplicação imediata às pretensões pendentes de ajuizamento quando da publicação da lei,
sem resguardo de nenhuma regra de transição, implicam ofensa ao princípio da segurança
jurídica em seus conteúdos de proteção da confiança e de garantia do acesso à Justiça. (...)
Reconhecida a inconstitucionalidade art. 4º, segunda parte, da LC 118/2005, considerando-
se válida a aplicação do novo prazo de cinco anos tão somente às ações ajuizadas após o

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decurso da vacatio legis de 120 dias, ou seja, a partir de 9-6-2005” (RE 566.621, Rel. Min.
Ellen Gracie, julgamento em 4-8-2011, Plenário, DJE de 11-10-2011, com repercussão
geral).
No tema dos concursos, o fundamento do ato jurídico perfeito, é usado para justificar a
necessidade do poder público em respeitar as determinações impostas pelos editais publicados:
“Dentro do prazo de validade do concurso, a administração poderá escolher o momento no qual se
realizará a nomeação, mas não poderá dispor sobre a própria nomeação, a qual, de acordo com o
edital, passa a constituir um direito do concursando aprovado e, dessa forma, um dever imposto ao
Poder Público. Uma vez publicado o edital do concurso com número específico de vagas, o ato da
administração que declara os candidatos aprovados no certame cria um dever de nomeação para a
própria administração e, portanto, um direito à nomeação titularizado pelo candidato aprovado
dentro desse número de vagas. (...) O dever de boa-fé da administração pública exige o respeito
incondicional às regras do edital, inclusive quanto à previsão das vagas do concurso público. Isso
igualmente decorre de um necessário e incondicional respeito à segurança jurídica como princípio do
Estado de Direito. Tem-se, aqui, o princípio da segurança jurídica como princípio de proteção à
confiança. Quando a administração torna público um edital de concurso, convocando todos os
cidadãos a participarem de seleção para o preenchimento de determinadas vagas no serviço público,
ela impreterivelmente gera uma expectativa quanto ao seu comportamento segundo as regras
previstas nesse edital. Aqueles cidadãos que decidem se inscrever e participar do certame público
depositam sua confiança no Estado administrador, que deve atuar de forma responsável quanto às
normas do edital e observar o princípio da segurança jurídica como guia de comportamento. Isso
quer dizer, em outros termos, que o comportamento da administração pública no decorrer do
concurso público deve se pautar pela boa-fé, tanto no sentido objetivo quanto no aspecto subjetivo
de respeito à confiança nela depositada por todos os cidadãos” (RE 598.099, Rel. Min. Gilmar
Mendes, julgamento em 10-8-2011, Plenário, DJE de 3-10-2011, com repercussão geral).

9.5. VEDAÇÃO À CRIAÇÃO DE JUÍZO OU TRIBUNAL DE EXCEÇÃO E POSTULADO


DO JUIZ NATURAL
A segurança jurídica, enquanto direito fundamental (CF, artigo 5º, caput) e postulado à
própria configuração de um Estado democrático, demanda a estipulação de certas garantias que, em
conjunto, propiciem ao cidadão ambiente adequado para a prática de suas atividades quotidianas,
transitando pela legalidade e, acaso pratique alguma atitude considerada ilegal, tenha plenas
condições de mensurar as possíveis consequências de sua conduta. Com o respaldo do postulado da
segurança jurídica o indivíduo tem condições de antever, em termos jurídicos, as consequências que
incidem a partir da prática de qualquer conduta, agregando-se, com isso, forte legitimidade aos atos
praticados pelo Estado.
Uma das vertentes da plena incidência do postulado da segurança jurídica é a vedação à
existência de juízos ou tribunais de exceção (CF, artigo 5º, inciso XXXVII). Outra vertente
consubstancia-se na configuração do postulado do juiz natural,134 ou seja, do juiz equidistante dos
interesses das partes, investido de jurisdição antes do cometimento do delito submetido a seu
julgamento (CF, artigo 5º, inciso LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela
autoridade competente).135

134 "A definição constitucional das hipóteses de prerrogativa de foro ratione muneris representa elemento vinculante da atividade de
persecução criminal exercida pelo Poder Público. (...) O postulado do juiz natural, por encerrar uma expressiva garantia de ordem
constitucional, limita, de modo subordinante, os poderes do Estado – que fica, assim, impossibilitado de instituir juízos ad hoc ou de criar
tribunais de exceção –, ao mesmo tempo em que assegura ao acusado o direito ao processo perante autoridade competente
abstratamente designada na forma da lei anterior, vedados, em consequência, os juízos ex post facto" (AI 177.313-AgR, Rel. Min. Celso de
Mello, julgamento em 23-4-1996, Primeira Turma, DJ de 17-5-1996).
135 “(...) o postulado do juiz natural deriva de cláusula constitucional tipicamente bifronte, pois, dirigindo-se a dois destinatários distintos,

ora representa um direito do réu ou do indiciado/sindicado (eficácia positiva da garantia constitucional), ora traduz uma imposição ao
Estado (eficácia negativa dessa mesma garantia constitucional). O princípio da naturalidade do juízo, portanto, encerrando uma garantia

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"Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração
por continência ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos
denunciados" (Súmula 704).
Postulado do juiz natural não é ferido pela convocação de Juízes de 1º grau de jurisdição para
substituir Desembargadores: "Princípio do juiz natural. Relator substituído por Juiz convocado sem
observância de nova distribuição. Precedentes da Corte. O princípio do juiz natural não apenas veda
a instituição de tribunais e juízos de exceção, como também impõe que as causas sejam processadas
e julgadas pelo órgão jurisdicional previamente determinado a partir de critérios constitucionais de
repartição taxativa de competência, excluída qualquer alternativa à discricionariedade. A convocação
de Juízes de 1º grau de jurisdição para substituir Desembargadores não malfere o princípio
constitucional do juiz natural, autorizado no âmbito da Justiça Federal pela Lei 9.788/1999. O fato de
o processo ter sido relatado por um Juiz convocado para auxiliar o Tribunal no julgamento dos feitos
e não pelo Desembargador Federal a quem originariamente distribuído tampouco afronta o princípio
do juiz natural. Nos órgãos colegiados, a distribuição dos feitos entre relatores constitui, em favor do
jurisdicionado, imperativo de impessoalidade que, na hipótese vertente, foi alcançada com o
primeiro sorteio. Demais disso, não se vislumbra, no ato de designação do Juiz convocado, nenhum
traço de discricionariedade capaz de comprometer a imparcialidade da decisão que veio a ser
exarada pelo órgão colegiado competente" (HC 86.889, Rel. Min. Menezes Direito, julgamento em
20-11-2007, Primeira Turma, DJE de 15-2-2008). No mesmo sentido: RE 597.133, Rel. Min. Ricardo
Lewandowski, julgamento em 17-11-2010, Plenário, DJE de 6-4-2011, com repercussão geral.
Também não viola o princípio do juiz natural a redistribuição do processo para vara
especializada. Nesse sentido, já decidiu o STF:
"Provimento 275 do CJF da 3ª Região. Ilegalidade. Ofensa ao princípio do juiz natural.
Inocorrência. Premissa equivocada quanto à imputação feita aos pacientes. O provimento
apontado como inconstitucional especializou vara federal já criada, nos exatos limites da
atribuição que a Carta Magna confere aos Tribunais. A remessa para vara especializada
fundada em conexão não viola o princípio do juiz natural" (HC 91.253, Rel. Min. Ricardo
Lewandowski, julgamento em 16-10-2007, Primeira Turma, DJ de 14-11-2007). No mesmo
sentido: HC 96.104 Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 16-6-2010, Primeira
Turma, DJE de 6-8-2010.
"(...) Inquérito supervisionado pelo Juiz Federal da Subseção Judiciária de Foz do Iguaçu,
que deferiu medidas cautelares. Especialização, por Resolução do Tribunal Regional da
4ª Região, da Segunda Vara Federal de Curitiba/PR para o julgamento de crimes financeiros.
Remessa dos autos ao Juízo competente. Ofensa ao princípio do juiz natural (art. 5º, XXXVII
e LIII, da CF) e à reserva de lei. Inocorrência. Especializar varas e atribuir competência por
natureza de feitos não é matéria alcançada pela reserva da lei em sentido estrito, porém
apenas pelo princípio da legalidade afirmado no art. 5º, II, da CF, ou seja, pela reserva da
norma. (...) A legalidade da Resolução 20, do Presidente do TRF da 4ª Região, é evidente.
Não há delegação de competência legislativa na hipótese e, pois, inconstitucionalidade (...)”
(HC 85.060, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 23-9-2008, Primeira Turma, DJE de 13-2-
2009).
“Tráfico internacional de drogas e lavagem de dinheiro proveniente do tráfico. Competência
da Justiça Federal. Especialização de vara por resolução. Constitucionalidade: ausência de
ofensa do princípio do juiz natural (...) Especialização de Vara Federal por resolução
emanada do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Constitucionalidade afirmada pelo

constitucional, limita, de um lado, os poderes do Estado (impossibilitado, assim, de instituir juízos ad hoc ou de criar tribunais de exceção) e
assegura, ao acusado (ou ao sindicado/indiciado), de outro, o direito ao processo (judicial ou administrativo) perante autoridade
competente, abstratamente designada na forma de lei anterior (vedados, em consequência, os juízos ex post facto). (...) Vê-se (...) que a
cláusula do juiz natural, projetando-se para além de sua dimensão estritamente judicial, também compõe a garantia do due process, no
âmbito da administração pública, de tal modo que a observância do princípio da naturalidade do juízo representa, no plano da atividade
disciplinar do Estado, condição inafastável para a legítima imposição, a qualquer agente público, notadamente aos magistrados, de sanções
de caráter administrativo” (MS 28.712-MC, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 6-5-2010, DJE de 11-5-2010).

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Pleno desta Corte. Ausência de ofensa ao princípio do juiz natural” (HC 94.188, Rel. Min.
Eros Grau, julgamento em 26-8-2008, Primeira Turma, DJE de 17-10-2008).
"A remessa para vara especializada fundada em conexão não viola o princípio do juiz
natural" (HC 91.253, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 16-10-2007, Primeira
Turma, DJ de 14-11-2007).

O postulado do juiz natural não é violado quando há e delegação, a Juiz de 1º grau de


jurisdição, da prática de atos afetos à instrução de processo originário no Tribunal, como, por
exemplo, a interrogação dos réus: “Questão de ordem. Ação penal originária. Interrogatório. Juiz
natural. Ofensa. Inocorrência. Possibilidade de delegação. Constitucionalidade. A garantia do juiz
natural, prevista nos incisos LIII e XXXVII do art. 5º da CF, é plenamente atendida quando se delegam
o interrogatório dos réus e outros atos da instrução processual a juízes federais das respectivas
Seções Judiciárias, escolhidos mediante sorteio. Precedentes citados” (AP 470-QO, Rel. Min. Joaquim
Barbosa, julgamento em 6-12-2007, Plenário, DJE de 14-3-2008).
Postulado do juiz natural e desaforamento: “Juiz natural de processo por crimes dolosos
contra a vida é o Tribunal do Júri. Mas o local do julgamento pode variar, conforme as normas
processuais, ou seja, conforme ocorra alguma das hipóteses de desaforamento previstas no art. 424
do CPP, que não são incompatíveis com a Constituição anterior nem com a atual (de 1988) e também
não ensejam a formação de um 'tribunal de exceção'” (HC 67.851, Rel. Min. Sydney Sanches,
julgamento em 24-4-1990, Plenário, DJ de 18-5-1990) No mesmo sentido: HC 103.646, Rel. Min.
Ricardo Lewandowski, julgamento em 24-8-2010, Primeira Turma, DJE de 1º-10-2010.
Foro por prerrogativa de função e atos investigatórios: "A inobservância da prerrogativa de
foro conferida a Deputado Estadual, ainda que na fase pré-processual, torna ilícitos os atos
investigatórios praticados após sua diplomação" (HC 94.705, Rel. Min. Ricardo Lewandowski,
julgamento em 9-6-2009, Primeira Turma, DJE de 7-8-2009).
Foro por prerrogativa de função e desmembramento do processo: "A racionalidade dos
trabalhos do Judiciário direciona ao desmembramento do processo para remessa à primeira
instância, objetivando a sequência no tocante aos que não gozem de prerrogativa de foro,
preservando-se com isso o princípio constitucional do juiz natural" (AP 351, Rel. Min. Marco Aurélio,
julgamento em 12-8-2004, Plenário, DJ de 17-9-2004) No mesmo sentido: Inq 2.168-ED, Rel. Min.
Menezes Direito, julgamento em 15-4-2009, Plenário, DJE de 28-8-2009.

9.6. ANTERIORIDADE DA LEI PENAL


Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal (CF, artigo
5º, inciso XXXIX). Trata-se do princípio da legalidade em matéria penal. Saliente-se que engloba tanto
a previsão anterior da tipicidade (conduta penalmente relevante) quanto a anterior previsão de pena
a ser aplicada no caso de eventual prática da conduta proibida. Trata-se, também, de proibição ao
tratamento, via instrumentos normativos inferiores à lei ordinária (decretos, instruções normativas,
circulares, etc.), bem como via medida provisória (vedação esta que está especificamente explicitada
no artigo 62, § 1º, inciso I, “b” da CF).
Competência para fixação de regime prisional: “A incidência de duas circunstâncias
qualificadoras não determina, necessariamente, a fixação de regime de pena mais gravoso do que o
estabelecido na lei nem a vedação da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de
direitos. Somente o legislador penal pode estabelecer proibições para a fixação do regime aberto de
cumprimento da pena e para a substituição da pena” (RHC 100.810, Rel. Min. Joaquim Barbosa,
julgamento em 2-2-2010, Segunda Turma, DJE de 12-3-2010).

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Aplicação de sanção por analogia: “Não pode o julgador, por analogia, estabelecer sanção
sem previsão legal, ainda que para beneficiar o réu, ao argumento de que o legislador deveria ter
disciplinado a situação de outra forma. Em face do que dispõe o § 4º do art. 155 do CP, não se
mostra possível aplicar a majorante do crime de roubo ao furto qualificado” (HC 92.626, Rel. Min.
Ricardo Lewandowski, julgamento em 25-3-2008, Primeira Turma, DJE de 2-5-2008).
9.7. IRRETORATIVIDADE DA LEI PENAL
A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu (CF, artigo 5º, inciso XL). Trata-se do
princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa.136 Anote-se que a retroatividade da lei mais
benéfica alcança até mesmo as questões já julgadas.137
Sobre esta matéria, destacam as seguintes súmulas e jurisprudências:
“A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua
vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência” (STF, Súmula 711).
“Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções a
aplicação de lei mais benigna” (STF, Súmula 611).
Alteração do CPP e tempus regit actum: “A Lei 12.403/2011, na parte em que alterou o
quantum da pena máxima para concessão de fiança, é nitidamente processual e por isso se aplica o
princípio do tempus regit actum, não o da retroatividade da lei penal mais benéfica” (ARE 644.850-
ED, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 18-10-2011, Segunda Turma, DJE de 4-11-2011).
Tráfico de entorpecentes. Comercialização de ‘lança-perfume’. Abolitio criminis: “(...) A
edição, por autoridade competente e de acordo com as disposições regimentais, da Resolução
ANVISA 104, de 7/12/2000, retirou o cloreto de etila da lista de substâncias psicotrópicas de uso
proscrito durante a sua vigência, tornando atípicos o uso e tráfico da substância até a nova edição da
Resolução, e extinguindo a punibilidade dos fatos ocorridos antes da primeira portaria, nos termos
do art. 5º, XL, da CF” (HC 94.397, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 9-3-2010, Segunda Turma,
DJE de 23-4-2010).
Cumprimento de pena. Crimes hediondos: “A fixação do regime inicial fechado de
cumprimento de pena para os crimes hediondos decorre de expressa previsão legal. A Lei
11.464/2007, no que tange à alteração promovida na redação do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/1990,
deve ter aplicação retroativa por ser considerada mais benéfica ao sentenciado”(HC 97.984, Rel. Min.
Ricardo Lewandowski, julgamento em 17-11-2009, Primeira Turma, DJE de 18-12-2009).
Tráfico de drogas. Conversão de pena: “Advento da nova lei de drogas (Lei 11.343/2006),
cujo art. 44 veda, expressamente, quanto aos delitos nele referidos, a conversão, em penas
restritivas de direito, da pena privativa de liberdade. Inaplicabilidade, contudo, desse novo diploma
legislativo (lex gravio) a crimes cometidos em momento anterior, quando ainda vigente a
Lei 6.368/1976 (lex mitior)” (HC 95.662, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 14-4-2009, Segunda
Turma, DJE de 26-6-2009.) No mesmo sentido: HC 103.093, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em
14-9-2010, Segunda Turma, DJE de 1º-10-2010.
Crime continuado e advento de lei mais severa: “Direito intertemporal: ultra-atividade da lei
penal quando, após o início do crime continuado, sobrevém lei mais severa. Crime continuado (CP,
art. 71, caput): delitos praticados entre março de 1991 e dezembro de 1992, de forma que estas 22
(vinte e duas) condutas devem ser consideradas, por ficção do legislador, como um único crime,

136
"A cláusula constitucional inscrita no art. 5º, XL, da Carta Política – que consagra o princípio da irretroatividade da lex gravior – incide,
no âmbito de sua aplicabilidade, unicamente, sobre as normas de direito penal material, que, no plano da tipificação, ou no da definição
das penas aplicáveis, ou no da disciplinação do seu modo de execução, ou, ainda, no do reconhecimento das causas extintivas da
punibilidade, agravem a situação jurídico-penal do indiciado, do réu ou do condenado" (AI 177.313-AgR-ED, Rel. Min. Celso de Mello,
julgamento em 18-6-1996, Primeira Turma, DJ de 13-9-1996).
137 “Não retroatividade da lei mais benigna para alcançar pena já cumprida” (RE 395.269-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 10-

2-2004, Segunda Turma, DJ de 5-3-2004).

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iniciado, portanto, na vigência de lex mitior (art. 2º, II, da Lei 8.137, de 27-12-1990) e findo na
vigência de lex gravior (art. 95, d e § 1º, da Lei 8.212, de 24-7-1991). Conflito de leis no tempo que se
resolve mediante opção por uma de duas expectativas possíveis: retroatividade da lex gravior ou
ultra-atividade da lex mitior, vez que não se pode cogitar da aplicação de duas penas diferentes, uma
para cada período em que um mesmo e único crime foi praticado. Orientação jurisprudencial do
Tribunal no sentido da aplicação da lex gravior. Ressalva do ponto de vista do Relator, segundo o
qual, para o caso de crime praticado em continuidade delitiva, em cujo lapso temporal sobreveio lei
mais severa, deveria ser aplicada a lei anterior – lex mitior – reconhecendo-se a sua ultra-atividade
por uma singela razão: a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu (Constituição, art. 5º,
XL)” (HC 76.978, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 29-9-1998, Segunda Turma, DJ de 19-2-
1999).

9.8. DEVIDO PROCESSO LEGAL


Quer dizer que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo
legal (CF, artigo 5º, inciso LIV). O devido processo legal, na concepção clássica, contenta-se com a
legalidade externa, formal, dos atos praticados. Basta que o ato esteja de acordo com previsão legal
para que se afirme o pleno respeito ao devido processo legal procedimental. Atualmente a
perspectiva é outra: há possibilidade de se analisar a proporcionalidade e a razoabilidade dos atos. É
a análise do aspecto substancial do devido processo legal. Os postulados da proporcionalidade e da
razoabilidade são instrumentos aptos a possibilitar a verificação dos atos praticados pelo Poder
Público.138
A tradicional concepção do controle, pelo Judiciário, dos atos praticados pelo Executivo não
admitia a “intromissão” nas questões protegidas pelo manto da legalidade. Vale dizer: uma vez
verificada a legalidade do ato não caberia ao Judiciário analisar o aspecto substancial do ato. A
análise era puramente procedimental; externa; superficial.
Hoje em dia, entretanto, há forte tendência doutrinária e jurisprudencial que admite estar o
Judiciário apto à verificação da pertinência relativa entre o ato praticado e o fim almejado pelo
executor. A isso se tem denominado análise da razoabilidade e da proporcionalidade de um ato
administrativo que externamente até pode ser reputado legal. As perguntas passam a ser formuladas
pelo julgador. Inquire-se: ainda que (ou apesar de) legal, o ato praticado é razoável? É proporcional?
As premissas seriam as seguintes: a) adequação (se o meio utilizado foi a melhor opção dentre as
possíveis); b) necessidade (se a magnitude da intervenção era mesmo imperiosa); e c)
proporcionalidade em sentido estrito (exame da relação custo-benefício; verificação entre o fim
almejado e o meio empregado).
Sobre o tema:
“Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, I a IV, da
Lei 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo” (Súmula Vinculante 24).
"É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de
prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com
competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa” (Súmula
Vinculante 14).

138
"Abrindo o debate, deixo expresso que a Constituição de 1988 consagra o devido processo legal nos seus dois aspectos, substantivo e
processual, nos incisos LIV e LV do art. 5º, respectivamente. (...) Due process of law, com conteúdo substantivo – substantive due process –
constitui limite ao Legislativo, no sentido de que as leis devem ser elaboradas com justiça, devem ser dotadas de razoabilidade
(reasonableness) e de racionalidade (rationality), devem guardar, segundo W. Holmes, um real e substancial nexo com o objetivo que se
quer atingir. Paralelamente, due process of law, com caráter processual – procedural due process – garante às pessoas um procedimento
judicial justo, com direito de defesa" (ADI 1.511-MC, voto do Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 16-10-1996, Plenário, DJ de 6-6-
2003).

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“Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração
por continência ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função de um
dos denunciados” (STF, Súmula 704).
“É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de
tributos” (STF, Súmula 323).
“É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de
tributo” (STF, Súmula 70).

Devido processo legal no âmbito administrativo: "O entendimento desta Corte é no sentido
de que o princípio do devido processo legal, de acordo com o texto constitucional, também se aplica
aos procedimentos administrativos" (AI 592.340-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em
20-11-2007, Primeira Turma, DJ de 14-12-2007).
Devido processo legal e ordem de perguntas em audiência: “A magistrada que não observa o
procedimento legal referente à oitiva das testemunhas durante a audiência de instrução e
julgamento, fazendo suas perguntas em primeiro lugar para, somente depois, permitir que as partes
inquiram as testemunhas, incorre em vício sujeito à sanção de nulidade relativa, que deve ser
arguido oportunamente, ou seja, na fase das alegações finais, o que não ocorreu” (HC 103.525, Rel.
Min. Cármen Lúcia, julgamento em 3-8-2010, Primeira Turma, DJE de 27-8-2010).
Devido processo legal substancial. Tipicidade Penal. Proporcionalidade: “Receptação simples
(dolo direto) e receptação qualificada (dolo indireto eventual). Cominação de pena mais leve para o
crime mais grave (CP, art. 180, caput) e pena mais severa para o crime menos grave (CP, art. 180, §
1º). (...) O exame da adequação de determinado ato estatal ao princípio da proporcionalidade,
exatamente por viabilizar o controle de sua razoabilidade, com fundamento no art. 5º, LIV, da Carta
Política, inclui-se, por isso mesmo, no âmbito da própria fiscalização de constitucionalidade das
prescrições normativas emanadas do Poder Público. Esse entendimento é prestigiado pela
jurisprudência do STF, que, por mais de uma vez, já advertiu que o Legislativo não pode atuar de
maneira imoderada, nem formular regras legais cujo conteúdo revele deliberação absolutamente
divorciada dos padrões de razoabilidade. Entendo, por isso mesmo, que a tese exposta nesta
impetração revela-se juridicamente plausível, especialmente se se considerar a jurisprudência
constitucional do STF, que já assentou, a propósito do tema, a orientação de que transgride o
postulado do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV), analisado em sua dimensão material
(substantive due process of law), a regra legal que veicula, em seu conteúdo, prescrição normativa
qualificada pela nota da irrazoabilidade” (HC 102.094-MC, Rel. Min. Celso de Mello, decisão
monocrática, julgamento em 1º-7-2010, DJE de 2-8-2010).
Sobre o direito de apelar em liberdade:
"Violação aos princípios da igualdade e da ampla defesa. (...) O recolhimento do condenado
à prisão não pode ser exigido como requisito para o conhecimento do recurso de apelação,
sob pena de violação aos direitos de ampla defesa e à igualdade entre as partes no
processo. Não recepção do art. 594 do CPP da Constituição de 1988" (RHC 83.810, Rel.
Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 5-3-2009, Plenário, DJE de 23-10-2009).
“Art. 595 do CPP. Apelação julgada deserta em razão do não recolhimento do réu à prisão.
Violação aos direitos e garantias individuais e aos princípios do Direito. (...) O não
recolhimento do réu à prisão não pode ser motivo para a deserção do recurso de apelação
por ele imposto. O art. 595 do CPP instituiu pressuposto recursal draconiano, que viola o
devido processo legal, a ampla defesa, a proporcionalidade e a igualdade de tratamento
entre as partes no processo. (...)” (HC 84.469, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em
15-4-2008, Segunda Turma, DJE de 9-5-2008).
“Lei do crime organizado (art. 7º). Vedação legal apriorística de liberdade provisória. Convenção
de Parlermo (art. 11). Inadmissibilidade de sua invocação. (...) Cláusulas inscritas nos textos de
tratados internacionais que imponham a compulsória adoção, por autoridades judiciárias

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nacionais, de medidas de privação cautelar da liberdade individual, ou que vedem, em caráter
imperativo, a concessão de liberdade provisória, não podem prevalecer em nosso sistema de
direito positivo, sob pena de ofensa à presunção de inocência, dentre outros princípios
constitucionais que informam e compõem o estatuto jurídico daqueles que sofrem persecução
penal instaurada pelo Estado. A vedação apriorística de concessão de liberdade provisória é
repelida pela jurisprudência do STF, que a considera incompatível com a presunção de inocência
e com a garantia do due process, dentre outros princípios consagrados na Constituição da
República, independentemente da gravidade objetiva do delito. Precedente: ADI 3.112/DF. A
interdição legal in abstracto, vedatória da concessão de liberdade provisória, incide na mesma
censura que o Plenário do STF estendeu ao art. 21 do Estatuto do Desarmamento (ADI
3.112/DF), considerados os postulados da presunção de inocência, do due process of law, da
dignidade da pessoa humana e da proporcionalidade, analisado este na perspectiva da proibição
do excesso. O legislador não pode substituir-se ao juiz na aferição da existência de situação de
real necessidade capaz de viabilizar a utilização, em cada situação ocorrente, do instrumento de
tutela cautelar penal. Cabe, unicamente, ao Poder Judiciário, aferir a existência, ou não, em cada
caso, da necessidade concreta de se decretar a prisão cautelar” (HC 94.404, Rel. Min. Celso de
Mello, julgamento em 18-11-2008, Segunda Turma, DJE de 18-6-2010).
“Tráfico de entorpecentes. (...) Prisão em flagrante. Óbice ao apelo em liberdade.
Inconstitucionalidade: necessidade de adequação do preceito veiculado pelo art. 44 da Lei
11.343/2006 e do art. 5º, XLII, aos arts. 1º, III, e 5º, LIV e LVII, da constituição do Brasil. (...)
Apelação em liberdade negada sob o fundamento de que o art. 44 da Lei 11.343/2006 veda
a liberdade provisória ao preso em flagrante por tráfico de entorpecentes. Entendimento
respaldado na inafiançabilidade desse crime, estabelecida no art. 5º, XLIII, da Constituição
do Brasil. Afronta escancarada aos princípios da presunção de inocência, do devido
processo legal e da dignidade da pessoa humana. Inexistência de antinomias na
Constituição. Necessidade de adequação, a esses princípios, da norma infraconstitucional e
da veiculada no art. 5º, XLIII, da Constituição do Brasil. A regra estabelecida na
Constituição, bem assim na legislação infraconstitucional, é a liberdade. A prisão faz exceção
a essa regra, de modo que, a admitir-se que o art. 5º, XLIII, estabelece, além das restrições
nele contidas, vedação à liberdade provisória, o conflito entre normas estaria instalado. A
inafiançabilidade não pode e não deve – considerados os princípios da presunção de
inocência, da dignidade da pessoa humana, da ampla defesa e do devido processo legal –
constituir causa impeditiva da liberdade provisória. Não se nega a acentuada nocividade da
conduta do traficante de entorpecentes. Nocividade aferível pelos malefícios provocados no
que concerne à saúde pública, exposta a sociedade a danos concretos e a riscos iminentes.
Não obstante, a regra consagrada no ordenamento jurídico brasileiro é a liberdade; a prisão,
a exceção. A regra cede a ela em situações marcadas pela demonstração cabal da
necessidade da segregação ante tempus. Impõe-se porém ao Juiz, nesse caso o dever de
explicitar as razões pelas quais alguém deva ser preso cautelarmente, assim permanecendo"
(HC 101.505, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 15-12-2009, Segunda Turma, DJE de 12-
2-2010). Em sentido contrário: HC 108.652, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em
9-8-2011, Primeira Turma, DJE de 8-9-2011.
Notificação prévia nos casos de crimes praticados por agentes públicos (CPP, artigo 514).
Necessidade: "Necessidade de notificação prévia (CPP, art. 514). É da jurisprudência do Supremo
Tribunal (v.g. HC 73.099, Primeira Turma, 3-10-1995, Moreira, DJ de 17-5-1996) que o procedimento
previsto nos arts. 513 e seguintes do CPP se reserva aos casos em que a denúncia veicula tão
somente crimes funcionais típicos (CP, arts. 312 a 326). (...) Ao julgar o HC 85.779, Gilmar,
Informativo STF 457, o Plenário do Supremo Tribunal, abandonando entendimento anterior da
jurisprudência, assentou, como obter dictum, que o fato de a denúncia se ter respaldado em
elementos de informação colhidos no inquérito policial, não dispensa a obrigatoriedade da
notificação prévia (CPP, art. 514) do acusado" (HC 89.686, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento
em 12-6-2007, Primeira Turma, DJ de 17-8-2007). No mesmo sentido: HC 95.969, Rel. Min. Ricardo
Lewandowski, julgamento em 12-5-2009, Primeira Turma, DJE de 12-6-2009; HC 96.058, Rel. Min.
Eros Grau, julgamento em 17-3-2009, Segunda Turma, DJE de 14-8-2009.

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Notificação prévia nos casos de crimes praticados por agentes públicos (CPP, artigo 514).
Nulidade relativa: “A ausência da notificação prévia de que trata o art. 514 do CPP constitui vício que
gera nulidade relativa e deve ser arguida oportunamente, sob pena de preclusão. Precedentes. O
princípio do pas de nullité sans grief exige a demonstração de prejuízo concreto à parte que suscita o
vício, independentemente da sanção prevista para o ato, pois não se declara nulidade processual por
mera presunção. Precedentes. A jurisprudência deste STF assentou o entendimento de que o art. 514
do CPP tem por objetivo ‘dar ao réu-funcionário a possibilidade de evitar a instauração de processo
temerário, com base em acusação que já a defesa prévia ao recebimento da denúncia poderia, de
logo, demonstrar de todo infundada. Obviamente, após a sentença condenatória, não se há de
cogitar de consequência de perda dessa oportunidade de todo superada com a afirmação, no mérito,
da procedência da denúncia’ (HC 72.198, DJ de 26-5-1995)” (HC 97.033, Rel. Min. Cármen Lúcia,
julgamento em 12-5-2009, Primeira Turma, DJE de 12-6-2009).
Notificação prévia nos casos de crimes praticados por agentes públicos (CPP, artigo 514).
Nulidade absoluta: “Delito de concussão (...). Funcionário público. Oferecimento de denúncia. Falta
de notificação do acusado para resposta escrita. Art. 514 do CPP. Prejuízo. Nulidade. Ocorrência. (...)
O prejuízo pela supressão da chance de oferecimento de resposta preliminar ao recebimento da
denúncia é indissociável da abertura em si do processo penal. Processo que, no caso, resultou em
condenação, já confirmada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, no patamar de 3
(três) anos de reclusão. Na concreta situação dos autos, a ausência de oportunidade para o
oferecimento da resposta preliminar na ocasião legalmente assinalada revela-se incompatível com a
pureza do princípio constitucional da plenitude de defesa e do contraditório, mormente em matéria
penal. Noutros termos, a falta da defesa preliminar à decisão judicial quanto ao recebimento da
denúncia, em processo tão vincado pela garantia constitucional da ampla defesa e do contraditório,
como efetivamente é o processo penal, caracteriza vício insanável. A ampla defesa é transformada
em curta defesa, ainda que por um momento, e já não há como desconhecer o automático prejuízo
para a parte processual acusada, pois o fato é que a garantia da prévia defesa é instituída como
possibilidade concreta de a pessoa levar o julgador a não receber a denúncia ministerial pública.
Logo, sem a oportunidade de se contrapor ao Ministério Público quanto à necessidade de
instauração do processo penal – objetivo da denúncia do Ministério Público –, a pessoa acusada
deixa de usufruir da garantia da plenitude de defesa para escapar à pecha de réu em processo penal.
O que traduz, por modo automático, prejuízo processual irreparável, pois nunca se pode saber que
efeitos produziria na subjetividade do magistrado processante a contradita do acusado quanto ao
juízo do recebimento da denúncia” (HC 95.712, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 20-4-2010,
Primeira Turma, DJE de 21-5-2010).
Prescrição em perspectiva (ou virtual): "Esta Suprema Corte, em diversos precedentes, já
afastou a aplicação da prescrição em perspectiva da pretensão punitiva estatal por falta de previsão
legal” (Inq 2.728, Rel. Min. Menezes Direito, julgamento em 19-2-2009, Plenário, DJE de 27-3-2009).
No mesmo sentido: HC 97.599, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 9-3-2010, Primeira Turma, DJE
de 16-4-2010.
Ausência de alegações finais em processo penal. Necessidade de nomeação de defensor
dativo: “Processo. Defesa. Alegações finais. Não apresentação pelo patrono constituído. Intimação
prévia regular. Nomeação de defensor dativo ou público para suprir a falta. Medida não
providenciada pelo juízo. Julgamento subsequente da causa. Condenação do réu. Inadmissibilidade.
Cerceamento de defesa caracterizado. Violação do devido processo legal. Nulidade processual
absoluta. Pronúncia. (...) Padece de nulidade absoluta o processo penal em que, devidamente
intimado, o advogado constituído do réu deixa de apresentar alegações finais, sem que o juízo, antes
de proferir sentença condenatória, lhe haja designado defensor dativo ou público para suprir a falta”
(HC 92.680, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 11-3-2008, Primeira Turma, DJE de 25-4-
2008). No mesmo sentido: HC 95.667, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 16-6-2010,
Primeira Turma, DJE de 1º-7-2010.

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Interrogatório por videoconferência: "Ação penal. Ato processual. Interrogatório. Realização
mediante videoconferência. Inadmissibilidade. Forma singular não prevista no ordenamento jurídico.
Ofensa a cláusulas do justo processo da lei (due process of law). Limitação ao exercício da ampla
defesa, compreendidas a autodefesa e a defesa técnica. Insulto às regras ordinárias do local de
realização dos atos processuais penais e às garantias constitucionais da igualdade e da publicidade.
(...) Enquanto modalidade de ato processual não prevista no ordenamento jurídico vigente, é
absolutamente nulo o interrogatório penal realizado mediante videoconferência, sobretudo quando
tal forma é determinada sem motivação alguma, nem citação do réu" (HC 88.914, Rel. Min. Cezar
Peluso, julgamento em 14-8-2007, Segunda Turma, DJ de 5-10-2007).139
Interceptação telefônica. Transcrição integral das escutas. Desnecessidade: "Habeas corpus.
Medida cautelar. Processual penal. Pedido de liminar para garantir à defesa do paciente o acesso à
transcrição integral das escutas telefônicas realizadas no inquérito. Alegação de ofensa ao princípio
do devido processo legal (art. 5º, LV, da CF): inocorrência: liminar indeferida. É desnecessária a
juntada do conteúdo integral das degravações das escutas telefônicas realizadas nos autos do
inquérito no qual são investigados os ora pacientes, pois bastam que se tenham degravados os
excertos necessários ao embasamento da denúncia oferecida, não configurando, essa restrição,
ofensa ao princípio do devido processo legal (art. 5º, LV, da CF). Liminar indeferida” (HC 91.207-MC,
Rel. p/ o ac. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 11-6-2007, Plenário, DJ de 21-9-2007). No mesmo
sentido: Inq 2.774, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 28-4-2011, Plenário, DJE de 6-9-2011.
Crime societário. Denúncia. Necessidade de individualização das condutas: "Crimes contra o
Sistema Financeiro Nacional (Lei 7.492, de 1986). Crime societário. Alegada inépcia da denúncia, por
ausência de indicação da conduta individualizada dos acusados. Mudança de orientação
jurisprudencial, que, no caso de crimes societários, entendia ser apta a denúncia que não
individualizasse as condutas de cada indiciado, bastando a indicação de que os acusados fossem de
algum modo responsáveis pela condução da sociedade comercial sob a qual foram supostamente
praticados os delitos. (...) Necessidade de individualização das respectivas condutas dos indiciados.
Observância dos princípios do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV), da ampla defesa, contraditório
(CF, art. 5º, LV) e da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III)" (HC 86.879, Rel. p/ o ac. Min.
Gilmar Mendes, julgamento em 21-2-2006, Segunda Turma, DJ de 16-6-2006).
Denúncia anônima. Instauração de Inquérito Policial: "(...) (a) os escritos anônimos não podem
justificar, só por si, desde que isoladamente considerados, a imediata instauração da persecutio criminis,
eis que peças apócrifas não podem ser incorporadas, formalmente, ao processo, salvo quando tais
documentos forem produzidos pelo acusado, ou, ainda, quando constituírem, eles próprios, o corpo de
delito (como sucede com bilhetes de resgate no delito de extorsão mediante sequestro, ou como ocorre
com cartas que evidenciem a prática de crimes contra a honra, ou que corporifiquem o delito de ameaça
ou que materializem o crimen falsi, p. ex.); (b) nada impede, contudo, que o Poder Público provocado por
delação anônima (‘disque-denúncia’, p. ex.), adote medidas informais destinadas a apurar, previamente,
em averiguação sumária, ‘com prudência e discrição’, a possível ocorrência de eventual situação de
ilicitude penal, desde que o faça com o objetivo de conferir a verossimilhança dos fatos nela denunciados,
em ordem a promover, então, em caso positivo, a formal instauração da persecutio criminis, mantendo-
se, assim, completa desvinculação desse procedimento estatal em relação às peças apócrifas; e (c) o
Ministério Público, de outro lado, independentemente da prévia instauração de inquérito policial,
também pode formar a sua opinio delicti com apoio em outros elementos de convicção que evidenciem a
materialidade do fato delituoso e a existência de indícios suficientes de sua autoria, desde que os dados
informativos que dão suporte à acusação penal não tenham, como único fundamento causal,
documentos ou escritos anônimos" (Inq 1.957, Rel. Min. Carlos Velloso, voto do Min. Celso de Mello,

139Esta decisão foi tomada antes da alteração do Código de Processo Penal pela Lei nº 11.9000/2009. Com a alteração do CPP, o artigo 185,
2º passou a admitir a videoconferência: “Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes,
poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e
imagens em tempo real”.

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julgamento em 11-5-2005, Plenário, DJ de 11-11-2005). No mesmo sentido: HC 106.664-MC, Rel. Min.
Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 19-5-2011, DJE de 23-5-2011; HC 99.490, Rel. Min.
Joaquim Barbosa, julgamento em 23-11-2010, Segunda Turma, DJE de 1º-2-2011; HC 95.244, Rel. Min.
Dias Toffoli, julgamento em 23-3-2010, Primeira Turma, DJE de 30-4-2010.
O Supremo Tribunal Federal, quando do recente julgamento do Habeas Corpus 126292/SP,
Relator Ministro Teori Zavascki, alterou entendimento consolidado no tocante à impossibilidade de
execução provisória da pena privativa de liberdade na pendência de recursos especial ou
extraordinário. A partir do julgamento do referido HC 126292/SP, a Corte, por maioria, vencidos os
Ministros Marco Aurélio, Rosa Weber, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski (Presidente), passou a
admitir o cumprimento de pena privativa de liberdade após a condenação em segundo grau de
jurisdição, mesmo na pendência de recursos especial ou extraordinário. Segundo o noticiado no
Informativo STF 814: “A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em
julgamento de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o
princípio constitucional da presunção de inocência. (…) Para o sentenciante de primeiro grau, ficaria
superada a presunção de inocência por um juízo de culpa — pressuposto inafastável para
condenação —, embora não definitivo, já que sujeito, se houver recurso, à revisão por tribunal de
hierarquia imediatamente superior. Nesse juízo de apelação, de ordinário, ficaria definitivamente
exaurido o exame sobre os fatos e provas da causa, com a fixação, se fosse o caso, da
responsabilidade penal do acusado. Então, ali que se concretizaria, em seu sentido genuíno, o duplo
grau de jurisdição, destinado ao reexame de decisão judicial em sua inteireza, mediante ampla
devolutividade da matéria deduzida na ação penal, tivesse ela sido apreciada ou não pelo juízo “a
quo”. Ao réu ficaria assegurado o direito de acesso, em liberdade, a esse juízo de segundo grau,
respeitadas as prisões cautelares porventura decretadas. Desse modo, ressalvada a estreita via da
revisão criminal, seria, portanto, no âmbito das instâncias ordinárias que se exauriria a possibilidade
de exame de fatos e provas e, sob esse aspecto, a própria fixação da responsabilidade criminal do
acusado. Portanto, os recursos de natureza extraordinária não configurariam desdobramentos do
duplo grau de jurisdição, porquanto não seriam recursos de ampla devolutividade, já que não se
prestariam ao debate da matéria fática e probatória”.
9.9. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA
Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (CF, artigo 5º,
inciso LV).
Nesse sentido:
“É inconstitucional a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação
judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade de crédito tributário” (Súmula Vinculante
28).
“É inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para
admissibilidade de recurso administrativo” (Súmula Vinculante 21).
“É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de
prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com
competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa” (Súmula
Vinculante 14).
“A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a
Constituição” (Súmula Vinculante 5).
“Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a
ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo
que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão
inicial de aposentadoria, reforma e pensão” (Súmula Vinculante 3).

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“É nulo o julgamento da apelação se, após a manifestação nos autos da renúncia do único
defensor, o réu não foi previamente intimado para constituir outro” (STF, Súmula 708).
“Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a
atração por continência ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função
de um dos denunciados” (STF, Súmula 704).
“No mandado de segurança impetrado pelo Ministério Público contra decisão proferida em
processo penal, é obrigatória a citação do réu como litisconsorte passivo” (STF, Súmula 701).
“No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o
anulará se houver prova de prejuízo para o réu” (STF, Súmula 523).
Quanto à amplitude do contraditório e da ampla defesa, já reconheceu o STF: “(...) Afirmou-
se que, a partir da CF/1988, foi erigido à condição de garantia constitucional do cidadão, quer se
encontre na posição de litigante, em processo judicial, quer seja mero interessado, o direito ao
contraditório e à ampla defesa. Asseverou-se que, a partir de então, qualquer ato da administração
pública capaz de repercutir sobre a esfera de interesses do cidadão deveria ser precedido de
procedimento em que se assegurasse, ao interessado, o efetivo exercício dessas garantias” (RE
594.296, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 21-9-2011, Plenário, Informativo 641, com
repercussão geral).
O contraditório não é, contudo, necessário em inquéritos administrativos: “Descabe ter-se
como necessário o contraditório em inquérito administrativo. O instrumento consubstancia simples
sindicância visando a, se for o caso, instaurar processo administrativo no qual observado o direito de
defesa” (RE 304.857, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 24-11-2009, Primeira Turma, DJE de 5-
2-2010).
Deve-se levar em conta também que não é qualquer vício que causa a nulidade do
processo, é necessário que seja demonstrada o prejuízo do réu: “Não há, no processo penal,
nulidade ainda que absoluta, quando do vício alegado não haja decorrido prejuízo algum ao réu” (HC
82.899, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 2-6-2009, Segunda Turma, DJE de 26-6-2009) No
mesmo sentido: HC 104.767, Rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 14-6-2011, Primeira Turma, DJE de
17-8-2011.
Demissão de servidor público. Processo administrativo. Necessidade: “A jurisprudência
desta Corte tem-se fixado no sentido de que a ausência de processo administrativo ou a
inobservância aos princípios do contraditório e da ampla defesa tornam nulo o ato de demissão de
servidor público, seja ele civil ou militar, estável ou não” (RE 513.585-AgR, Rel. Min. Eros Grau,
julgamento em 17-6-2008, Segunda Turma, DJE de 1º-8-2008) No mesmo sentido: RE 594.040-AgR,
Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 6-4-2010, Primeira Turma, DJE de 23-4-2010.
Interrogatório policial. Prova pericial. Quesitos pela defesa. Desnecessidade: “A
determinação de elaboração de laudo pericial na fase do inquérito, sem prévio oferecimento de
quesitos pela defesa, não ofende o princípio da ampla defesa. Posterior juntada e oportunidade de
manifestação da defesa e oferecimento de quesitos” (AI 658.050-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa,
julgamento em 12-4-2011, Segunda Turma, DJE de 29-4-2011).
Indeferimento de diligências e liberdade do magistrado para apreciação das provas:
"Contraditório e ampla defesa: não ofende o art. 5º, LV, da Constituição acórdão que mantém o
indeferimento de diligência probatória tida por desnecessária. O mencionado dispositivo
constitucional também não impede que o julgador aprecie com total liberdade e valorize como bem
entender as alegações e as provas que lhe são submetidas. Precedentes" (AI 623.228-AgR, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence, julgamento em 14-8-2007, Primeira Turma, DJ de 14-9-2007). No mesmo
sentido: RE 660.254-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 6-4-2010, Primeira Turma, DJE de 14-
5-2010; RE 531.906-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em de 10-6-09, Segunda Turma, DJE de 26-
6-09.

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Oitiva de testemunhas. Presença do acusado: “Pacífica a jurisprudência deste STF de ser
relativa a nulidade decorrente do não comparecimento do acusado ao interrogatório das
testemunhas (cf. HC 75.225), inexistindo, por outro lado, indícios de prejuízo à defesa” (HC 84.442,
Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 30-11-2004, Primeira Turma, DJ de 25-2-2005). No mesmo
sentido: HC 95.654, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 28-9-2010, Segunda Turma, DJE de 15-
10-2010.
Precatória. Oitiva de testemunhas. Presença do réu: "Não é nula a audiência de oitiva de
testemunha realizada por carta precatória sem a presença do réu, se este, devidamente intimado da
expedição, não requer o comparecimento" (RE 602.543-QO-RG, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento
em 19-11-2009, Plenário, DJE de 26-2-2010, com repercussão geral).
Audiência. Deslocamento de réu preso. Conveniência da administração? “O acusado,
embora preso, tem o direito de comparecer, de assistir e de presenciar, sob pena de nulidade
absoluta, os atos processuais, notadamente aqueles que se produzem na fase de instrução do
processo penal, que se realiza, sempre, sob a égide do contraditório. São irrelevantes, para esse
efeito, as alegações do Poder Público concernentes à dificuldade ou inconveniência de proceder à
remoção de acusados presos a outros pontos do Estado ou do País, eis que razões de mera
conveniência administrativa não têm – nem podem ter – precedência sobre as inafastáveis
exigências de cumprimento e respeito ao que determina a Constituição (...)” (HC 86.634, Rel. Min.
Celso de Mello, julgamento em 18-12-2006, Segunda Turma, DJ de 23-2-2007). No mesmo sentido:
HC 94.216, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 12-5-2009, Primeira Turma, DJE de 19-6-2009.
Em sentido contrário: RE 602.543-QO-RG, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 19-11-2009,
Plenário, DJE 26-2-2010, com repercussão geral.
Ausência de defesa prévia. Advogado regularmente intimado: "A ausência de defesa prévia
pelo defensor constituído – que foi pessoalmente notificado a oferecê-la – não constitui, só por si,
causa ensejadora de qualquer nulidade processual. Respeita-se o princípio constitucional do direito
de defesa quando se enseja ao réu, permanentemente assistido por defensor técnico, seu exercício
em plenitude, sem a ocorrência de quaisquer restrições ou obstáculos, criados pelo Estado, que
possam afetar a cláusula inscrita na carta política, assecuratória do contraditório e de todos os
meios e consequências derivados do postulado do due process of law" (HC 67.923, Rel. Min. Celso
de Mello, julgamento em 5-6-1990, Primeira Turma, DJ de 10-8-1990) No mesmo sentido: RHC
105.242, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 19-10-2010, Segunda Turma, DJE de 24-11-2010.
Contraditório e ampla defesa: Inaplicabilidade ao Inquérito Policial: "Inaplicabilidade da
garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa ao inquérito policial, que não é processo,
porque não destinado a decidir litígio algum, ainda que na esfera administrativa; existência, não
obstante, de direitos fundamentais do indiciado no curso do inquérito, entre os quais o de fazer-se
assistir por advogado, o de não se incriminar e o de manter-se em silêncio" (HC 82.354, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence, julgamento em 10-8-2004, Primeira Turma, DJ de 24-9-2004). Vide: RE 481.955-
AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 10-5-2011, Primeira Turma, DJE de 26-5-2011.
Nomeação de defensor dativo para mais de um réu. Colisão entre as teses defensivas.
Necessidade de demonstração de prejuízo: “A colidência de teses defensivas é apenas invocável,
como causa nullitatis, nas hipóteses em que, comprovado o efetivo prejuízo aos direitos dos réus, a
defesa destes vem a ser confiada a um só defensor dativo (...)” (HC 70.600, Rel. Min. Celso de Mello,
julgamento em 19-4-1994, Primeira Turma, DJE de 21-8-2009).
Interrogatório após a sentença: “O interrogatório judicial, qualquer que seja a natureza
jurídica que lhe reconheça – meio de prova, meio de defesa ou meio de prova e de defesa – constitui
ato necessário do processo penal condenatório, impondo-se a sua realização, quando possível,
mesmo depois da sentença de condenação, desde que não se tenha consumado, ainda, o trânsito

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em julgado (...)” (HC 68.131, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 18-9-1990, Primeira Turma,
DJE de 8-3-1991).

9.10. INADMISSIBILIDADE DE PROVAS OBTIDAS POR MEIOS ILÍCITOS


São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos (CF, artigo 5º, inciso LVI).
Para ser lícita, a queda de sigilo deve ser devidamente fundamentada: “São consideradas ilícitas
as provas produzidas a partir da quebra dos sigilos fiscal, bancário e telefônico, sem a devida
fundamentação. Com esse entendimento, a Segunda Turma deferiu habeas corpus para reconhecer a
ilicitude das provas obtidas nesta condição e, por conseguinte, determinar o seu desentranhamento dos
autos de ação penal. (...) Ressaltou-se que a regra seria a inviolabilidade do sigilo das correspondências,
das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas (CF, art. 5º, XII), o que visa, em
última análise, a resguardar também direito constitucional à intimidade (art. 5º, X). E, somente se
justificaria a sua mitigação quando razões de interesse público, devidamente fundamentadas por ordem
judicial, demonstrassem a conveniência de sua violação para fins de promover a investigação criminal ou
instrução processual penal. No caso, o magistrado de primeiro grau não apontara fatos concretos que
justificassem a real necessidade da quebra desses sigilos, mas apenas se reportara aos argumentos
deduzidos pelo Ministério Público (...)” (HC 96.056, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 28-6-2011,
Segunda Turma, Informativo 633).
Essa fundamentação não se restringe, contudo, ao fato investigado, autorizando a utilização
das evidências colhidas para a investigação de outros delitos inicialmente desconhecidos: “Encontro
fortuito de prova da prática de crime punido com detenção. (...) O Supremo Tribunal Federal, como
intérprete maior da Constituição da República, considerou compatível com o art. 5º, XII e LVI, o uso
de prova obtida fortuitamente através de interceptação telefônica licitamente conduzida, ainda que
o crime descoberto, conexo ao que foi objeto da interceptação, seja punido com detenção” (AI
626.214-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 21-9-2010, Segunda Turma, DJE de 8-10-
2010).
Conversa telefônica gravada por um dos interlocutores não é considerada interceptação:
“Alegação de ofensa ao art. 5°, XII, LIV e LVI, da CF. Recurso extraordinário que afirma a existência
de interceptação telefônica ilícita porque efetivada por terceiros. Conversa gravada por um dos
interlocutores. Precedentes do STF. Agravo regimental improvido. Alegação de existência de prova
ilícita, porquanto a interceptação telefônica teria sido realizada sem autorização judicial. Não há
interceptação telefônica quando a conversa é gravada por um dos interlocutores, ainda que com a
ajuda de um repórter” (RE 453.562-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 23-9-
2008, Segunda Turma, DJE de 28-11-2008).
Indícios de prática criminosa. Sigilo de dados. Quebra. Possibilidade: "Sigilo de dados –
Quebra – Indícios. Embora a regra seja a privacidade, mostra-se possível o acesso a dados sigilosos,
para o efeito de inquérito ou persecução criminais e por ordem judicial, ante indícios de prática
criminosa” (HC 89.083, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 19-8-2008, Primeira Turma, DJE de
6-2-2009).
Prova ilícita por derivação. Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada: “(...) Inidoneidade jurídica
da prova resultante de transgressão estatal ao regime constitucional dos direitos e garantias individuais.
A ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se instaure, para
revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena
de ofensa à garantia constitucional do due process of law, que tem, no dogma da inadmissibilidade das
provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de
direito positivo. (...) A Constituição da República, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art. 5º,
LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados que regem uma sociedade fundada em bases

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democráticas (CF, art. 1º), qualquer prova cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a
cláusulas de ordem constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que
resultem de violação do direito material (ou, até mesmo, do direito processual), não prevalecendo, em
consequência, no ordenamento normativo brasileiro, em matéria de atividade probatória, a fórmula
autoritária do male captum, bene retentum. Doutrina. Precedentes. (...) A questão da doutrina dos
frutos da árvore envenenada (Fruits of the poisonous tree): A questão da ilicitude por derivação.
Ninguém pode ser investigado, denunciado ou condenado com base, unicamente, em provas ilícitas,
quer se trate de ilicitude originária, quer se cuide de ilicitude por derivação. Qualquer novo dado
probatório, ainda que produzido, de modo válido, em momento subsequente, não pode apoiar-se, não
pode ter fundamento causal nem derivar de prova comprometida pela mácula da ilicitude originária. (...)
A doutrina da ilicitude por derivação (teoria dos ‘frutos da árvore envenenada’) repudia, por
constitucionalmente inadmissíveis, os meios probatórios, que, não obstante produzidos, validamente,
em momento ulterior, acham-se afetados, no entanto, pelo vício (gravíssimo) da ilicitude originária, que
a eles se transmite, contaminando-os, por efeito de repercussão causal. (...) Se, no entanto, o órgão da
persecução penal demonstrar que obteve, legitimamente, novos elementos de informação a partir de
uma fonte autônoma de prova – que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da
prova originariamente ilícita, com esta não mantendo vinculação causal –, tais dados probatórios revelar-
se-ão plenamente admissíveis, porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária. A questão
da fonte autônoma de prova (an independent source) e a sua desvinculação causal da prova ilicitamente
obtida. Doutrina. Precedentes do STF (RHC 90.376/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, v.g.) – Jurisprudência
Comparada (A experiência da Suprema Corte americana): casos ‘Silverthorne Lumber co. v. United States
(1920); Segura v. United States (1984); Nix v. Willams (1984); Murray v. United States (1988)’, v.g.” (HC
93.050, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 10-6-2008, Segunda Turma, DJE de 1º-8-2008).

9.11. PRESUNÇÃO DE NÃO-CULPABILIDADE


Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória (CF, artigo 5º, inciso LVI). Com base nesse entendimento, foram editadas as seguintes
súmulas:
“Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de
perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a
excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do
agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem
prejuízo da responsabilidade civil do Estado” (Súmula Vinculante 11).
O Supremo Tribunal Federal, quando do recente julgamento do Habeas Corpus 126292/SP,
Relator Ministro Teori Zavascki, alterou entendimento consolidado no tocante à impossibilidade de
execução provisória da pena privativa de liberdade na pendência de recursos especial ou
extraordinário.
A partir do julgamento do referido HC 126292/SP, a Corte, por maioria, vencidos os Ministros
Marco Aurélio, Rosa Weber, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski (Presidente), passou a admitir o
cumprimento de pena privativa de liberdade após a condenação em segundo grau de jurisdição,
mesmo na pendência de recursos especial ou extraordinário:
Processo Penal. Execução Provisória da pena. Possibilidade. Segundo o noticiado no
Informativo STF 814: “A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em
julgamento de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o
princípio constitucional da presunção de inocência. (…) Nessa senda, a eventual condenação
representaria juízo de culpabilidade, que deveria decorrer da logicidade extraída dos elementos de
prova produzidos em regime de contraditório no curso da ação penal. Para o sentenciante de
primeiro grau, ficaria superada a presunção de inocência por um juízo de culpa — pressuposto
inafastável para condenação —, embora não definitivo, já que sujeito, se houver recurso, à revisão

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por tribunal de hierarquia imediatamente superior. Nesse juízo de apelação, de ordinário, ficaria
definitivamente exaurido o exame sobre os fatos e provas da causa, com a fixação, se fosse o caso,
da responsabilidade penal do acusado. Então, ali que se concretizaria, em seu sentido genuíno, o
duplo grau de jurisdição, destinado ao reexame de decisão judicial em sua inteireza, mediante ampla
devolutividade da matéria deduzida na ação penal, tivesse ela sido apreciada ou não pelo juízo “a
quo”. Ao réu ficaria assegurado o direito de acesso, em liberdade, a esse juízo de segundo grau,
respeitadas as prisões cautelares porventura decretadas. Desse modo, ressalvada a estreita via da
revisão criminal, seria, portanto, no âmbito das instâncias ordinárias que se exauriria a possibilidade
de exame de fatos e provas e, sob esse aspecto, a própria fixação da responsabilidade criminal do
acusado. Portanto, os recursos de natureza extraordinária não configurariam desdobramentos do
duplo grau de jurisdição, porquanto não seriam recursos de ampla devolutividade, já que não se
prestariam ao debate da matéria fática e probatória. Noutras palavras, com o julgamento
implementado pelo tribunal de apelação, ocorreria uma espécie de preclusão da matéria
envolvendo os fatos da causa. Os recursos ainda cabíveis para instâncias extraordinárias do STJ e do
STF — recurso especial e extraordinário — teriam âmbito de cognição estrito à matéria de direito.
Nessas circunstâncias, tendo havido, em segundo grau, juízo de incriminação do acusado, fundado
em fatos e provas insuscetíveis de reexame pela instância extraordinária, pareceria inteiramente
justificável a relativização e até mesmo a própria inversão, para a situação concreta, do princípio da
presunção de inocência até então observado. Faria sentido, portanto, negar efeito suspensivo aos
recursos extraordinários, como o fazem o art. 637 do CPP e o art. 27, § 2º, da Lei 8.038/1990. (…) A
Corte destacou, outrossim, que, com relação à previsão constitucional da presunção de não
culpabilidade, ter-se-ia de considerá-la a sinalização de um instituto jurídico, ou o desenho de
garantia institucional, sendo possível o estabelecimento de determinados limites. Assim, a execução
da pena na pendência de recursos de natureza extraordinária não comprometeria o núcleo essencial
do pressuposto da não culpabilidade, na medida em que o acusado tivesse sido tratado como
inocente no curso de todo o processo ordinário criminal, observados os direitos e as garantias a ele
inerentes, bem como respeitadas as regras probatórias e o modelo acusatório atual”.
Prisão preventiva. Requisitos na fundamentação: “A prisão preventiva em situações que
vigorosamente não a justifiquem equivale à antecipação da pena, sanção a ser no futuro
eventualmente imposta, a quem a mereça, mediante sentença transitada em julgado. A afronta ao
princípio da presunção de não culpabilidade, contemplado no plano constitucional (art. 5º, LVII, da
Constituição do Brasil), é, desde essa perspectiva, evidente. Antes do trânsito em julgado da
sentença condenatória, a regra é a liberdade; a prisão, a exceção. Aquela cede a esta em casos
excepcionais. É necessária a demonstração de situações efetivas que justifiquem o sacrifício da
liberdade individual em prol da viabilidade do processo” (HC 95.009, Rel. Min. Eros Grau, julgamento
em 6-11-2008, Plenário, DJE de 19-12-2008). No mesmo sentido: HC 96.577, Rel. Min. Celso de Mello,
julgamento em 10-2-2009, Segunda Turma, DJE de 19-3-2010. Vide: HC 97.028, Rel. Min. Eros Grau,
julgamento em 16-12-2008, Segunda Turma, DJE de 14-8-2009.
Concurso Público. Desclassificação de candidato que responde a inquérito ou ação penal sem
trânsito em julgado: “Viola o princípio constitucional da presunção da inocência, previsto no art. 5º,
LVII, da CF, a exclusão de candidato de concurso público que responde a inquérito ou ação penal sem
trânsito em julgado da sentença condenatória” (RE 559.135-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski,
julgamento em 20-5-2008, Primeira Turma, DJE de 13-6-2008) No mesmo sentido: RE 634.224, Rel.
Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 14-3-2011, DJE de 21-3-2011.
Prisão preventiva. Presunção de periculosidade. Inadmissibilidade: "Prisão preventiva.
Decreto fundado na periculosidade presumida do acusado. Inadmissibilidade. Razão que não autoriza
a prisão cautelar. Ofensa à presunção constitucional de inocência. Constrangimento ilegal
caracterizado. Aplicação do art. 5º, LVII, da CF. Precedentes. É ilegal o decreto de prisão preventiva
que se funda na periculosidade presumida do réu" (HC 90.471, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento

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em 7-8-2007, Primeira Turma, DJ de 14-9-2007). No mesmo sentido: HC 88.721, Rel. Min. Marco
Aurélio, julgamento em 28-4-2009, Primeira Turma, DJE de 29-5-2009.
Maus antecedentes. Inquérito ou ação penal em andamento. Não configuração: "A existência
de inquérito e de ações penais em andamento contra o Apelante não é suficiente, no caso concreto,
para configurar os maus antecedentes, tendo em vista que sequer é possível saber por quais crimes
ele está respondendo" (AO 1.046, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 23-4-2007, Plenário, DJ
de 22-6-2007).
Ação penal. Ônus da prova: "Nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete ao
réu demonstrar a sua inocência. Cabe ao Ministério Público comprovar, de forma inequívoca, a
culpabilidade do acusado. Já não mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que,
em dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a
falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria
inocência (Decreto-Lei 88, de 20-12-1937, art. 20, 5). (...)" (HC 73.338, Rel. Min. Celso de Mello,
julgamento em 13-8-1996, Primeira Turma DJ de 19-12-1996).

9.12. DIREITOS DOS PRESOS


O Supremo Tribunal Federal, em 2015, por ocasião do julgamento da Arguição de
Descumprimento a Preceito Fundamental - ADPF 347, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, provocou
verdadeira revolução paradigmática quanto ao agir institucional do Poder Judiciário em relação ao
sistema carcerário e os direitos dos presos.
Pela vez primeira a Corte mergulhou profundamente na análise da problemática, afirmando a
legitimidade do Poder Judiciário para determinações concernentes às políticas públicas
penitenciárias. Segundo o constante do Informativo STF 798:
“O Plenário concluiu o julgamento de medida cautelar em arguição de descumprimento de
preceito fundamental em que discutida a configuração do chamado “estado de coisas
inconstitucional” relativamente ao sistema penitenciário brasileiro. Nessa mesma ação
também se debate a adoção de providências estruturais com objetivo de sanar as lesões a
preceitos fundamentais sofridas pelos presos em decorrência de ações e omissões dos
Poderes da União, dos Estados-Membros e do Distrito Federal. No caso, alegava-se estar
configurado o denominado, pela Corte Constitucional da Colômbia, “estado de coisas
inconstitucional”, diante da seguinte situação: violação generalizada e sistêmica de direitos
fundamentais; inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em
modificar a conjuntura; transgressões a exigir a atuação não apenas de um órgão, mas sim
de uma pluralidade de autoridades. Postulava-se o deferimento de liminar para que fosse
determinado aos juízes e tribunais: a) que lançassem, em casos de decretação ou
manutenção de prisão provisória, a motivação expressa pela qual não se aplicam medidas
cautelares alternativas à privação de liberdade, estabelecidas no art. 319 do CPP; b) que,
observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção
Interamericana de Direitos Humanos, realizassem, em até 90 dias, audiências de custódia,
viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de
24 horas, contadas do momento da prisão; c) que considerassem, fundamentadamente, o
quadro dramático do sistema penitenciário brasileiro no momento de implemento de
cautelares penais, na aplicação da pena e durante o processo de execução penal; d) que
estabelecessem, quando possível, penas alternativas à prisão, ante a circunstância de a
reclusão ser sistematicamente cumprida em condições muito mais severas do que as
admitidas pelo arcabouço normativo; e) que viessem a abrandar os requisitos temporais para
a fruição de benefícios e direitos dos presos, como a progressão de regime, o livramento
condicional e a suspensão condicional da pena, quando reveladas as condições de
cumprimento da pena mais severas do que as previstas na ordem jurídica em razão do
quadro do sistema carcerário, preservando-se, assim, a proporcionalidade da sanção; e f)
que se abatesse da pena o tempo de prisão, se constatado que as condições de efetivo
cumprimento são significativamente mais severas do que as previstas na ordem jurídica, de
forma a compensar o ilícito estatal. Requeria-se, finalmente, que fosse determinado: g) ao

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CNJ que coordenasse mutirão carcerário a fim de revisar todos os processos de execução
penal, em curso no País, que envolvessem a aplicação de pena privativa de liberdade,
visando a adequá-los às medidas pleiteadas nas alíneas “e” e “f”; e h) à União que liberasse
as verbas do Fundo Penitenciário Nacional – Funpen, abstendo-se de realizar novos
contingenciamentos”.

9.12.1. RESPEITO À INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL


É assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral (CF, artigo 5º, inciso XLIX).
Uso de algemas: “Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de
fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros,
justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do
agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo
da responsabilidade civil do Estado.” (Súmula Vinculante 11).
Uso de algemas em audiência: “O uso de algemas durante audiência de instrução e
julgamento pode ser determinado pelo magistrado quando presentes, de maneira concreta, riscos a
segurança do acusado ou das pessoas ao ato presentes” (Rcl 9.468-AgR, Rel. Min. Ricardo
Lewandowski, julgamento em 24-3-2011, Plenário, DJE de 11-4-2011).
Habeas corpus. Amplas hipóteses de cabimento: “É cabível habeas corpus para apreciar toda
e qualquer medida que possa, em tese, acarretar constrangimento à liberdade de locomoção ou,
ainda, agravar as restrições a esse direito. Esse o entendimento da Segunda Turma ao deferir habeas
corpus para assegurar a detento em estabelecimento prisional o direito de receber visitas de seus
filhos e enteados. (...) De início, rememorou-se que a jurisprudência hodierna da Corte estabelece
sérias ressalvas ao cabimento do writ, no sentido de que supõe violação, de forma mais direta, ao
menos em exame superficial, à liberdade de ir e vir dos cidadãos. Afirmou-se que essa orientação,
entretanto, não inviabilizaria, por completo, o processo de ampliação progressiva que essa garantia
pudesse vir a desempenhar no sistema jurídico brasileiro, sobretudo para conferir força normativa
mais robusta à Constituição. A respeito, ponderou-se que o Supremo tem alargado o campo de
abrangência dessa ação constitucional, como no caso de impetrações contra instauração de inquérito
criminal para tomada de depoimento, indiciamento de determinada pessoa, recebimento de
denúncia, sentença de pronúncia no âmbito do processo do Júri e decisão condenatória, entre
outras. Enfatizou-se que a Constituição teria o princípio da humanidade como norte e asseguraria
aos presidiários o respeito à integridade física e moral [CF, art. 5º: ‘XLIX (...)’]. (...) Aludiu-se que a
visitação seria desdobramento do direito de ir e vir, na medida em que seu empece agravaria a
situação do apenado” (HC 107.701, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 13-9-2011, Segunda
Turma, Informativo 640).
Morte de detento. Responsabilidade do estado: "Morte de detento por colegas de
carceragem. Indenização por danos morais e materiais. Detento sob a custódia do Estado.
Responsabilidade objetiva. Teoria do Risco Administrativo. Configuração do nexo de causalidade em
função do dever constitucional de guarda (art. 5º, XLIX). Responsabilidade de reparar o dano que
prevalece ainda que demonstrada a ausência de culpa dos agentes públicos" (RE 272.839, Rel. Min.
Gilmar Mendes, julgamento em 1º-2-2005, Segunda Turma, DJ de 8-4-2005) No mesmo sentido: AI
299.125, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 5-10-2009, DJE de 20-10-
2009; AI 718.202-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 28-4-2009, Primeira Turma,
DJE de 22-5-2009.

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9.12.2. COMUNICAÇÃO DA PRISÃO
A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente
ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada (CF, artigo 5º, inciso LXII).
Uma das questões mais interessantes e atuais, diretamente relacionada com o dispositivo
constitucional sob análise e com o dispositivo comentado no item 12.5 infra (relaxamento da prisão
ilegal) envolve a chamada Audiência de Custódia, inaugurada em solo brasileiro a partir de pioneiro
projeto-piloto capitaneado pelo Conselho Nacional de Justiça na gestão do Presidente Ricardo
Lewandowski que, inclusive, proporcionou ambiente seguro para a edição da Resolução CNJ 213, de
15 de dezembro de 2015, que “Dispõe sobre a apresentação de toda pessoa presa à autoridade
judicial no prazo de 24 horas”.
O referido projeto-piloto foi levado a cabo no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
através do Provimento Conjunto 3/2015, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo Supremo
Tribunal Federal instado a se manifestar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.240/SP, Relator
Ministro Luiz Fux, proposta pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil - ADEPOL.
Segundo o constante do Informativo STF 795:
“A Corte afirmou que o art. 7º, item 5, da Convenção Americana de Direitos Humanos, ao
dispor que “toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença
de um juiz”, teria sustado os efeitos de toda a legislação ordinária conflitante com esse
preceito convencional. Isso em decorrência do caráter supralegal que os tratados sobre
direitos humanos possuiriam no ordenamento jurídico brasileiro, como ficara assentado pelo
STF, no julgamento do RE 349.703/RS (DJe de 5.6.2009). Ademais, a apresentação do
preso ao juiz no referido prazo estaria intimamente ligada à ideia da garantia fundamental de
liberdade, qual seja, o “habeas corpus”. A essência desse remédio constitucional, portanto,
estaria justamente no contato direto do juiz com o preso, para que o julgador pudesse, assim,
saber do próprio detido a razão pela qual fora preso e em que condições se encontra
encarcerado. Não seria por acaso, destarte, que o CPP consagraria regra de pouco uso na
prática forense, mas ainda assim fundamental, no seu art. 656, segundo o qual “recebida a
petição de ‘habeas corpus’, o juiz, se julgar necessário, e estiver preso o paciente, mandará
que este lhe seja imediatamente apresentado em dia e hora que designar”. Então, não teria
havido por parte da norma em comento nenhuma extrapolação daquilo que já constaria da
referida convenção internacional — ordem supralegal —, e do próprio CPP, numa
interpretação teleológica dos seus dispositivos. (…) O Provimento Conjunto 3/2015 não
inovaria na ordem jurídica, mas apenas explicitaria conteúdo normativo já existente em
diversas normas do CPP — recepcionado pela Constituição Federal de 1988 como lei federal
de conteúdo processual — e da Convenção Americana sobre Direitos do Homem —
reconhecida pela jurisprudência do STF como norma de “status” jurídico supralegal.
Outrossim, inexistiria violação ao princípio da separação dos poderes (CF, art. 2º). De fato,
não seria o ato normativo emanado do tribunal de justiça que criaria obrigações para os
delegados de polícia, mas sim a citada convenção e o CPP, os quais, por força dos artigos 3º
e 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, teriam efeito imediato e geral,
ninguém se escusando de cumpri-los”.

9.12.3. DIREITO AO SILÊNCIO


O preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe
assegurada a assistência da família e de advogado (CF, artigo 5º, inciso LXIII). Este dispositivo trata do
privilégio contra a auto-incriminação (“nemo tenetur se detegere”), bem como da garantia de que o
indivíduo preso seja assistido pela família e por defesa técnica.
“É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de
prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência
de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa” (Súmula Vinculante 14).

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Inquérito sigiloso. Acesso aos autos pela defesa: "Acesso dos acusados a procedimento
investigativo sigiloso. Possibilidade sob pena de ofensa aos princípios do contraditório, da ampla
defesa. Prerrogativa profissional dos advogados. Art. 7, XIV, da lei 8.906/1994 (...). O acesso aos
autos de ações penais ou inquéritos policiais, ainda que classificados como sigilosos, por meio de
seus defensores, configura direito dos investigados. A oponibilidade do sigilo ao defensor constituído
tornaria sem efeito a garantia do indiciado, abrigada no art. 5º, LXIII, da CF, que lhe assegura a
assistência técnica do advogado. Ademais, o art. 7º, XIV, do Estatuto da OAB estabelece que o
advogado tem, dentre outros, o direito de ‘examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem
procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à
autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos’. Caracterizada, no caso, a flagrante
ilegalidade, que autoriza a superação da Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal” (HC 94.387, Rel.
Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 18-11-2008, Primeira Turma, DJE de 6-2-2009).
Falsa identidade e autodefesa: “O princípio constitucional da autodefesa (art. 5º, LXIII, da
CF/1988) não alcança aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o intento
de ocultar maus antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo agente (art. 307 do
CP)” (RE 640.139-RG, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 22-9-2011, Plenário, DJE de 14-10-2011,
com repercussão geral).

9.12.4. IDENTIFICAÇÃO DOS RESPONSÁVEIS PELA PRISÃO OU PELO


INTERROGATÓRIO
O preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório
policial (cf, artigo 5º, inciso lxiv).

9.12.5. RELAXAMENTO DA PRISÃO ILEGAL


A prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária (CF, artigo 5º, inciso
LXV). Não se trata de faculdade e sim de obrigação do magistrado.
“A proibição de liberdade provisória nos processos por crimes hediondos não veda o
relaxamento da prisão processual por excesso de prazo” (STF, Súmula 697).

9.12.6. LIBERDADE PROVISÓRIA


Ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória,
com ou sem fiança (CF, artigo 5º, inciso LXVI).
Prisão decorrente de flagrante. Amplitude da medida: “Aquele que foi preso em flagrante,
embora formalmente perfeito o auto respectivo (CPP, arts. 304 a 306) e não obstante tecnicamente
caracterizada a situação de flagrância (CPP, art. 302), tem, mesmo assim, direito subjetivo à
obtenção da liberdade provisória (CPP, art. 310, parágrafo único), desde que não se registre, quanto
a ele, qualquer das hipóteses autorizadoras da prisão preventiva, a significar que a prisão em
flagrante somente deverá subsistir se se demonstrar que aquele que a sofreu deve permanecer sob a
custódia cautelar do Estado, em razão de se verificarem, quanto a ele, os requisitos objetivos e
subjetivos justificadores da prisão preventiva. (...) Constitui situação de injusto constrangimento ao
status libertatis do indiciado ou do réu a decisão judicial que, sem indicar fatos concretos que
demonstrem, objetivamente, a imprescindibilidade da manutenção da prisão em flagrante, denega
ao paciente a liberdade provisória que lhe assegura o parágrafo único do art. 310 do CPP” (HC
94.157, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 10-6-2008, Segunda Turma, DJE de 28-3-2011).

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9.13. EXTRADIÇÃO E CRIME POLÍTICO OU DE OPINIÃO


Extradição difere de expulsão porque aquela é a entrega de estrangeiro ou de brasileiro
naturalizado a país em face de delito praticado no exterior. Já a expulsão é a retirada forçada de
estrangeiro do território nacional que entrou ou permanece de maneira irregular ou praticou atos
atentatórios à ordem jurídica interna. Em poucas palavras: quando o motivo ocorre no exterior pode
ser caso de extradição; quando o motivo ocorre no Brasil pode ser uma questão de expulsão.
Cabe exclusivamente ao Presidente da República, fundado na conveniência e oportunidade,
decretar a extradição ou sua revogação. O decreto de expulsão tem a natureza jurídica de ato
administrativo discricionário fundado na soberania do Estado.
Isso não quer dizer que o procedimento de extradição esteja fora do controle de legalidade a
cargo do Judiciário. Na verdade, a discricionariedade do Presidente da República sempre estará
atrelada à anterior verificação da legalidade do ato por parte do Supremo Tribunal Federal: se o STF
concluir que a extradição é legalmente viável, o Presidente da República pode optar se acolhe ou não
o pedido de extradição. Contudo, se o STF decidir que a extradição não é legal ou não é
constitucional, o Presidente da República tem de se submeter à decisão do STF, não persistindo,
nesta hipótese, âmbito de discricionariedade.
“Não impede a extradição a circunstância de ser o extraditando casado com brasileira ou ter
filho brasileiro” (STF, Súmula 421).140
De acordo com o artigo 5º, inciso LI da CF nenhum brasileiro será extraditado, salvo o
naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado
envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei.
Como se percebe, não há falar em extradição de brasileiros natos. Quanto aos naturalizados,
somente por crimes comuns praticados antes da naturalização e, nos casos de envolvimento em
tráfico ilícito de entorpecentes, o crime pode ter sido praticado mesmo após a naturalização. Para a
concessão de extradição há necessidade de comutação, no país requerente, da pena de morte.
Entretanto, o STF vem reiteradamente decidindo que não se exige a comutação em se tratando de
prisão perpétua ou pena de trabalhos forçados.
O artigo 5º, inciso LII da CF, por sua vez, dispõe que não será concedida extradição de
estrangeiro por crime político ou de opinião. Por crime político ninguém pode ser extraditado, nem
mesmo o estrangeiro.
Asilo político e extradição: "A inextraditabilidade de estrangeiros por delitos políticos ou de
opinião reflete, em nosso sistema jurídico, uma tradição constitucional republicana. Dela emerge, em
favor dos súditos estrangeiros, um direito público subjetivo, oponível ao próprio Estado e de
cogência inquestionável. Há, no preceito normativo que consagra esse favor constitutionis, uma
insuperável limitação jurídica ao poder de extraditar do Estado brasileiro. Não há incompatibilidade
absoluta entre o instituto do asilo político e o da extradição passiva, na exata medida em que o STF
não está vinculado ao juízo formulado pelo Poder Executivo na concessão administrativa daquele
benefício regido pelo Direito das Gentes. Disso decorre que a condição jurídica de asilado político
não suprime, só por si, a possibilidade de o Estado brasileiro conceder, presentes e satisfeitas as
condições constitucionais e legais que a autorizam, a extradição que lhe haja sido requerida. O
estrangeiro asilado no Brasil só não será passível de extradição quando o fato ensejador do pedido

140
“A existência de relações familiares, a comprovação de vínculo conjugal e/ou a convivência more uxorio do extraditando com pessoa de
nacionalidade brasileira constituem fatos destituídos de relevância jurídica para efeitos extradicionais, não impedindo, em consequência, a
efetivação da extradição. (...) Não obsta a extradição o fato de o súdito estrangeiro ser casado ou viver em união estável com pessoa de
nacionalidade brasileira, ainda que, com esta, possua filho brasileiro. A Súmula 421/STF revela-se compatível com a vigente Constituição da
República, pois, em tema de cooperação internacional na repressão a atos de criminalidade comum, a existência de vínculos conjugais e/ou
familiares com pessoas de nacionalidade brasileira não se qualifica como causa obstativa da extradição” (Ext 1.201, Rel. Min. Celso de
Mello, julgamento em 17-2-2011, Plenário, DJE de 15-3-2011).

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DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
assumir a qualificação de crime político ou de opinião ou as circunstâncias subjacentes à ação do
Estado requerente demonstrarem a configuração de inaceitável extradição política disfarçada" (Ext
524, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 31-10-1989, Plenário, DJ de 8-3-1991).
Caso Cesare Battisti: "Não configura crime político, para fim de obstar o acolhimento de
pedido de extradição, homicídio praticado por membro de organização revolucionária clandestina,
em plena normalidade institucional de Estado Democrático de Direito, sem nenhum propósito
político imediato ou conotação de reação legítima a regime opressivo. (...) Não caracteriza a hipótese
legal de concessão de refúgio, consistente em fundado receio de perseguição política, o pedido de
extradição para regular execução de sentenças definitivas de condenação por crimes comuns,
proferidas com observância do devido processo legal, quando não há prova de nenhum fato capaz de
justificar receio atual de desrespeito às garantias constitucionais do condenado" (Ext 1.085, Rel. Min.
Cezar Peluso, julgamento em 16-12-2009, Plenário, DJE de 16-4-2010).

REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS

10.1. HABEAS CORPUS


Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer
violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder (CF, artigo
5º, inciso LXVII).141
Este dispositivo deve ser analisado em conjunto com a regra do inciso XV, também do artigo
5˚ da CF: “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos
termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”. Sendo assim, a lei pode limitar,
na excepcionalíssima circunstância de guerra, o direito de locomoção.
Importante destacar a regra do artigo 142, § 2˚ da CF: “não caberá habeas corpus em relação
a punições disciplinares militares”. Esta regra deve interpretada no sentido da inviabilidade de
discussão, via habeas corpus, do mérito das punições disciplinares militares. Não haveria, assim,
óbice ao habeas corpus nas hipóteses de desrespeito ao devido processo legal, seja na aplicação da
penalidade militar ou no procedimento do qual ela resultou.
O habeas corpus consubstancia-se em procedimento previsto no rol dos direitos e garantias
fundamentais. Logo, protegido por cláusula de barreira (CF, artigo 60, § 4˚), de modo que é
constitucionalmente vedada sua supressão via emenda constitucional. Isso não significa, porém, que
o próprio Constituinte Originário não pudesse restringir o cabimento do habeas corpus em
determinadas situações como efetivamente o fez ao arrolar a medida excepcional do Estado de Sítio
(CF, artigo 139) e a vedação, mencionada no parágrafo anterior, no tocante ao mérito de punições
disciplinares militares.

141
“A ação de habeas corpus não se revela cabível, quando inexistente situação de dano efetivo ou de risco potencial ao jus manendi,
ambulandi, eundi ultro citroque do paciente. Esse entendimento decorre da circunstância histórica de a Reforma Constitucional de 1926 –
que importou na cessação da doutrina brasileira do habeas corpus – haver restaurado a função clássica desse extraordinário remédio
processual, destinando-o, quanto à sua finalidade, à específica tutela jurisdicional da imediata liberdade de locomoção física das pessoas”
(HC 102.041, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 20-4-2010, Segunda Turma, DJE de 20-8-2010). No mesmo sentido: HC 103.642, Rel.
Min. Ellen Gracie, julgamento em 1º-3-2011, Segunda Turma, DJE de 25-3-2011.

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DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
10.1.1. LEGITIMIDADE
O paciente, no habeas corpus, é sempre a pessoa física. Pessoa jurídica não, a despeito de
possuir legitimidade ativa, ou seja, ser detentora da possibilidade de impetrar habeas corpus em
favor de pessoa física. Estrangeiros podem ser pacientes ou impetrantes, em defesa de próprio
direito, de habeas corpus.142
Ainda no tocante à legitimidade ativa, além do próprio paciente e da pessoa jurídica em favor
dele, é possível a impetração pelo Ministério Público.143 Não há possibilidade de impetração apócrifa,
ou seja, despida de assinatura por parte do impetrante, embora seja plenamente viável a impetração
por pessoa sem habilitação junto à Ordem dos Advogados do Brasil.144
A autoridade judiciária competente para a análise da impetração não está adstrita ao pedido
ou à causa de pedir, donde se conclui que, em sede de habeas corpus, não há falar em sentenças ou
decisões com características ultra ou extra petita.145
Quanto à legitimidade passiva, esta pode ser preenchida tanto por autoridade pública (como
um Delegado de Polícia Federal, por exemplo), quanto por particular (internações em hospitais e
clínicas de custódia psiquiátrica). Note-se que a autoridade pública comete tanto ilegalidade quanto
abuso de poder, enquanto o particular somente pode cometer ilegalidade.

10.1.2. PROCEDIMENTO
O rito sumaríssimo do habeas corpus não admite dilação probatória.146 Assim, se, por
exemplo, buscar-se a anulação de sentença sob o argumento de que a decisão seria contrária à prova
dos autos, o meio correto seria a revisão criminal ou a apelação e não o remédio constitucional.
Habeas corpus não é recurso. É ação constitucional isenta do pagamento de custas. É
possível a concessão de liminar em habeas corpus. O impetrante pode desistir da anterior
impetração de habeas corpus, que é sempre gratuita (CF, artigo 5º, inciso LXXVII). Além disso, no
habeas corpus não há falar em prescrição ou em decadência.147

142
"O súdito estrangeiro, mesmo o não domiciliado no Brasil, tem plena legitimidade para impetrar o remédio constitucional do habeas
corpus, em ordem a tornar efetivo, nas hipóteses de persecução penal, o direito subjetivo, de que também é titular, à observância e ao
integral respeito, por parte do Estado, das prerrogativas que compõem e dão significado à cláusula do devido processo legal. A condição
jurídica de não nacional do Brasil e a circunstância de o réu estrangeiro não possuir domicílio em nosso País não legitimam a adoção,
contra tal acusado, de qualquer tratamento arbitrário ou discriminatório. Precedentes. (HC 94.016, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento
em 16-9-2008, Segunda Turma, DJE de 27-2-2009.) No mesmo sentido: HC 94.404, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 18-11-2008,
Segunda Turma, DJE de 18-6-2010. Vide: HC 102.041-ED, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 15-2-2011, Segunda Turma, Informativo
616.
143 "Habeas corpus. Legitimidade ad causam do Ministério Público. Ação que pretende o reconhecimento da incompetência absoluta do

juízo processante. O pedido de reconhecimento de incompetência absoluta do Juízo processante afeta diretamente a defesa de um direito
individual indisponível do paciente: o de ser julgado por um juiz competente, nos exatos termos do que dispõe o inciso LIII do art. 5º da CF.
O Ministério Público, órgão de defesa de toda a Ordem Jurídica, é parte legítima para impetrar habeas corpus que vise ao reconhecimento
da incompetência absoluta do juiz processante de ação penal" (HC 90.305, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 20-3-2007, Primeira
Turma, DJ de 25-5-2007).
144 "O CPP, em consonância com o texto constitucional de 1988, prestigia o caráter popular do habeas corpus, ao admitir a impetração por

qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem. Assim, não é de se exigir habilitação legal para impetração originária do writ ou para
interposição do respectivo recurso ordinário. Precedente (HC 73.455)" (HC 86.307, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 17-11-
2005, Primeira Turma, DJ de 26-5-2006).
145 "Na apreciação de habeas corpus, o órgão investido do ofício judicante não está vinculado à causa de pedir e ao pedido formulados.

Exsurgindo das peças dos autos a convicção sobre a existência de ato ilegal não veiculado pelo impetrante, cumpre-lhe afastá-lo, ainda que
isto implique concessão de ordem em sentido diverso do pleiteado. (...)" (HC 69.421, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 30-6-
1992, Segunda Turma, DJ de 28-8-1992).
146 “O habeas corpus é garantia constitucional que pressupõe, para o seu adequado manejo, uma ilegalidade ou um abuso de poder tão

flagrante que se revele de plano (inciso LXVIII do art. 5º da Magna Carta de 1988). Tal qual o mandado de segurança, a ação constitucional
de habeas corpus é via processual de verdadeiro atalho. Isso no pressuposto do seu adequado ajuizamento, a se dar quando a petição
inicial já vem aparelhada com material probatório que se revele, ao menos num primeiro exame, induvidoso quanto à sua faticidade
mesma e como fundamento jurídico da pretensão” (HC 96.787, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 31-5-2011, Segunda Turma, DJE de
21-11-2011).
147 “Habeas corpus. Alcance. O habeas corpus não sofre qualquer peia, sendo-lhe estranhos os institutos da prescrição, da decadência e da

preclusão ante o fator tempo” (HC 91.570, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 19-8-2008, Primeira Turma, DJE de 24-10-2008).

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Situação corriqueira no âmbito dos tribunais, em que as decisões finais nos habeas corpus
são tomadas em por intermédio de deliberações colegiadas, é o empate no julgamento. Nesse casos
o empate é considerado como sendo decisão favorável ao paciente.148
São duas as espécies de habeas corpus: liberatório (ou repressivo) e preventivo (salvo-
conduto). Esta segunda espécie afigura-se presente quando alguém se achar na iminência de sofrer
violência ou coação na sua liberdade de locomoção. A Jurisprudência, especialmente do STF, tem
atribuído enorme abrangência às hipóteses de cabimento do habeas corpus na modalidade
preventiva.149
O STF chegou a admitir a assistência no procedimento do habeas corpus. No leading case a
Suprema Corte admitiu a intervenção do credor fiduciário autor de ação civil de depósito, inclusive
para fazer sustentação oral.
Segue abaixo seleção de jurisprudência do STF a respeito do habeas corpus.
"Não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado, se a soma da
pena mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de um sexto for superior a um
ano" (Súmula 723).
"Não cabe habeas corpus quando já extinta a pena privativa de liberdade" (Súmula 695).
“Não cabe habeas corpus contra a imposição da pena de exclusão de militar ou de perda de
patente ou de função pública" (Súmula 694).
“Não cabe habeas corpus contra decisão condenatória a pena de multa, ou relativo a
processo em curso por infração penal a que a pena pecuniária seja a única cominada"
(Súmula 693).
“Não se conhece de habeas corpus contra omissão de relator de extradição, se fundado em
fato ou direito estrangeiro cuja prova não constava dos autos, nem foi ele provocado a
respeito" (Súmula 692).
“É nulo julgamento de recurso criminal na segunda instância sem prévia intimação ou
publicação da pauta, salvo em habeas corpus” (Súmula 431).
“Não se conhece de recurso de habeas corpus cujo objeto seja resolver sobre o ônus das
custas, por não estar mais em causa a liberdade de locomoção" (Súmula 395).
Habeas corpus. Não cabimento: "A ação de habeas corpus constitui remédio processual
inadequado, quando ajuizada com objetivo (a) de promover a análise da prova penal, (b) de efetuar o
reexame do conjunto probatório regularmente produzido, (c) de provocar a reapreciação da matéria
de fato e (d) de proceder à revalorização dos elementos instrutórios coligidos no processo penal de
conhecimento" (HC 69.780, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 1º-12-1992, Primeira Turma, DJ
de 17-6-2005). No mesmo sentido: HC 94.817, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 3-8-2010,
Segunda Turma, DJE de 3-9-2010.

148 “O empate na votação de habeas corpus, ausente um dos integrantes do Colegiado, deságua na imediata proclamação do resultado
mais favorável ao paciente” (HC 94.701, Rel. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, julgamento em 5-8-2008, Primeira Turma, DJE de 24-10-2008).
149 “É cabível habeas corpus para apreciar toda e qualquer medida que possa, em tese, acarretar constrangimento à liberdade de

locomoção ou, ainda, agravar as restrições a esse direito. Esse o entendimento da Segunda Turma ao deferir habeas corpus para assegurar
a detento em estabelecimento prisional o direito de receber visitas de seus filhos e enteados. (...) De início, rememorou-se que a
jurisprudência hodierna da Corte estabelece sérias ressalvas ao cabimento do writ, no sentido de que supõe violação, de forma mais direta,
ao menos em exame superficial, à liberdade de ir e vir dos cidadãos. Afirmou-se que essa orientação, entretanto, não inviabilizaria, por
completo, o processo de ampliação progressiva que essa garantia pudesse vir a desempenhar no sistema jurídico brasileiro, sobretudo para
conferir força normativa mais robusta à Constituição. A respeito, ponderou-se que o Supremo tem alargado o campo de abrangência dessa
ação constitucional, como no caso de impetrações contra instauração de inquérito criminal para tomada de depoimento, indiciamento de
determinada pessoa, recebimento de denúncia, sentença de pronúncia no âmbito do processo do Júri e decisão condenatória, entre
outras. Enfatizou-se que a Constituição teria o princípio da humanidade como norte e asseguraria aos presidiários o respeito à integridade
física e moral [CF, art. 5º: ‘XLIX (...)’]. (...) Aludiu-se que a visitação seria desdobramento do direito de ir e vir, na medida em que seu
empece agravaria a situação do apenado” (HC 107.701, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 13-9-2011, Segunda Turma, Informativo
640).

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Habeas corpus. Tipicidade penal objetiva. Discussão. Possibilidade: "É possível a concessão
de habeas corpus para a extinção de ação penal sempre que se constatar ou imputação de fato
atípico, ou inexistência de qualquer elemento que demonstre a autoria do delito, ou extinção da
punibilidade. (...) Nas palavras de Reale Júnior, tipicidade é a ‘congruência entre a ação concreta e o
paradigma legal ou a configuração típica do injusto’. Não preenchidos esses requisitos, inexiste justa
causa para a instauração da persecução penal pelo Parquet" (HC 102.422, Rel. Min. Dias Toffoli,
julgamento em 10-6-2010, Plenário, DJE de 14-9-2011).
Habeas corpus. Tipicidade penal subjetiva. Discussão. Impossibilidade: “A via estreita do
habeas corpus não é adequada à discussão relativa ao dolo do paciente, seja no tocante ao crime
falimentar ou à gestão temerária, aferição esta adequada às instâncias inferiores, no momento
oportuno e com o apoio de todo o conjunto fático-probatório” (HC 93.917, Rel. Min. Joaquim
Barbosa, julgamento em 2-6-2009, Segunda Turma, DJE de 1º-7-2009).
Habeas corpus. Atipicidade penal. Insignificância. Crime de Descaminho: “Habeas corpus.
Descaminho. Montante dos impostos não pagos. Dispensa legal de cobrança em autos de execução
fiscal. Lei 10.522/2002, art. 20. Irrelevância administrativa da conduta. Inobservância aos princípios
que regem o Direito Penal. Ausência de justa causa. Ordem concedida. De acordo com o art. 20 da
Lei 10.522/2002, na redação dada pela Lei 11.033/2004, os autos das execuções fiscais de débitos
inferiores a dez mil reais serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do
Procurador da Fazenda Nacional, em ato administrativo vinculado, regido pelo princípio da
legalidade. O montante de impostos supostamente devido pelo paciente é inferior ao mínimo
legalmente estabelecido para a execução fiscal, não constando da denúncia a referência a outros
débitos em seu desfavor, em possível continuidade delitiva. Ausência, na hipótese, de justa causa
para a ação penal, pois uma conduta administrativamente irrelevante não pode ter relevância
criminal. Princípios da subsidiariedade, da fragmentariedade, da necessidade e da intervenção
mínima que regem o Direito Penal. Inexistência de lesão ao bem jurídico penalmente tutelado” (HC
92.438, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 19-8-2008, Segunda Turma, DJE de 19-12-2008).
Em sentido contrário:HC 100.986, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 31-5-2011, Primeira
Turma, DJE de 1º-8-2011.
Habeas corpus. Atipicidade penal. Insignificância. Crime de Moeda Falsa: “Moeda falsa. Art.
289, § 1º, do CP. Dez notas de pequeno valor. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade. Desvalor
da ação e do resultado. Impossibilidade de quantificação econômica da fé pública efetivamente
lesionada. Desnecessidade de dano efetivo ao bem supraindividual. Ordem denegada. A aplicação do
princípio da insignificância de modo a tornar a conduta atípica depende de que esta seja a tal ponto
despicienda que não seja razoável a imposição da sanção. Mostra-se, todavia, cabível, na espécie, a
aplicação do disposto no art. 289, § 1º, do CP, pois a fé pública a que o Título X da Parte Especial do
CP se refere foi vulnerada. Em relação à credibilidade da moeda e do sistema financeiro, o tipo exige
apenas que estes bens sejam colocados em risco, para a imposição da reprimenda. Os limites da
culpabilidade e a proporcionalidade na aplicação da pena foram observados pelo julgador
monocrático, que substituiu a privação da liberdade pela restrição de direitos, em grau mínimo” (HC
93.251, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 5-8-2008, Primeira Turma, DJE 22-8-2008).
Habeas corpus. Discussão sobre prisão preventiva. Superveniência de sentença condenatória:
“Esta Suprema Corte possui precedentes no sentido de que ‘a superveniência da sentença
condenatória prejudica o habeas corpus quando esse tenha por objeto o decreto de prisão
preventiva, dado que passa a sentença a constituir novo título para a prisão. ’ O prosseguimento do
feito após a superveniência da sentença condenatória implicaria em inadmissível supressão de
instância, uma vez que o novo título prisional não foi submetido à análise das instâncias inferiores”
(HC 97.649-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 15-9-2009, Segunda Turma, DJE de 9-10-
2009).

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Habeas corpus. Trancamento de ação penal. Excepcionalidade da medida: “O trancamento
da ação penal, em habeas corpus, constitui medida excepcional que só deve ser aplicada quando
indiscutível a ausência de justa causa ou quando há flagrante ilegalidade demonstrada em inequívoca
prova pré-constituída” (RHC 95.958, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 18-8-
2009, Primeira Turma, DJE 4-9-2009).
Habeas corpus. Substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos: “Habeas
corpus. Substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. (...) A via de habeas
corpus é incompatível com o exame dos requisitos de ordem subjetiva do art. 44, III, do CP, sob pena
do revolvimento de matéria fático-probatória, sem prejuízo de a matéria ser submetida ao juízo das
execuções criminais” (HC 94.936, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 31-3-2009,
Primeira Turma, DJE de 24-4-2009).
Habeas corpus. Análise da pena-base fixada em sentença criminal (CP, artigo 59).
Impossibilidade: “O habeas corpus não é a via adequada para a análise da pena-base quando sua
exasperação tiver apoio nas circunstâncias judiciais constantes do art. 59 do CP” (HC 95.056, Rel.
Min. Menezes Direito, julgamento em 3-2-2009, Primeira Turma, DJE de 13-3-2009).
Habeas corpus. Impetração sucessiva: “É pacífica a jurisprudência deste STF no sentido da
inadmissibilidade de impetração sucessiva de habeas corpus, sem o julgamento definitivo do writ
anteriormente impetrado. Tal jurisprudência comporta relativização, quando de logo avulta que o
cerceio à liberdade de locomoção dos pacientes decorre de ilegalidade ou de abuso de poder (inciso
LXVIII do art. 5º da CF/88)” (HC 94.000, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 17-6-2008, Primeira
Turma, DJE de 13-3-2009).
Habeas corpus. Nulidade absoluta no processo. Sentença transitada em julgado: “Habeas
corpus. Sentença condenatória. Nulidade processual absoluta. Coisa julgada. Irrelevância.
Conhecimento e concessão. Prevalência da tutela constitucional do direito individual da liberdade.
Precedentes. O habeas corpus constitui remédio hábil para arguição e pronúncia de nulidade do
processo, ainda que já tenha transitado em julgado a sentença penal condenatória. (HC 93.942, Rel.
Min. Cezar Peluso, julgamento em 6-5-2008, Segunda Turma, DJE de 1º-8-2008.)
Habeas corpus. Trancamento de inquérito policial ou de ação penal: "O trancamento de
inquéritos e ações penais em curso – o que não se vislumbra na hipótese dos autos – só é admissível
quando verificadas a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a ausência de elementos
indiciários demonstrativos de autoria e prova da materialidade" (HC 89.398, Rel. Min. Cármen Lúcia,
julgamento em 20-9-2007, Plenário, DJ de 26-10-2007).
Habeas corpus. Trancamento de ação penal por falta de justa causa. Superveniência de
condenação: “A superveniência de sentença penal condenatória torna prejudicada a impetração que
visava ao trancamento da ação penal, por falta de justa (precedentes)" (HC 88.292, Rel. Min. Eros
Grau, julgamento em 13-6-2006, Segunda Turma, DJE de 4-8-2006). No mesmo sentido: HC 97.725,
Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 9-3-2010, Primeira Turma, DJE de 26-3-2010.
Habeas corpus. Trancamento de sindicância administrativa. Impossibilidade: "Agravo
regimental no recurso ordinário em habeas corpus. Sindicância administrativa. Trancamento. Via
processual imprópria. (...) Ampliar o raio de incidência do writ para trancar sindicância administrativa
significa desbordar da destinação constitucional desse precioso instrumento de proteção do direito
de ir e vir" (RHC 85.105-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 28-6-2005, Primeira Turma, DJ de
16-9-2005).
Habeas corpus. Condenação à pena pecuniária. Cabimento: "Habeas corpus: cabimento
quanto à condenação à pena de prestação pecuniária, dado que esta, diversamente da pena de
multa, se descumprida injustificadamente, converte-se em pena privativa de liberdade (CP, art. 44, §
4º)" (HC 86.619, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 27-9-2005, Primeira Turma, DJ de 14-
10-2005).

106
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DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS

10.2. MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL


Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado
por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for
autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público (CF,
artigo 5º, inciso LXIX).
Mediante simples leitura do dispositivo constitucional podemos perceber que se trata de
uma ação constitucional subsidiária. Isto porque o direito a ser amparado por intermédio de
mandado de segurança deve ser aquele que o pretenso impetrante não tem ao alcance duas outras
ações constitucionais, quais sejam: habeas corpus e habeas data.
10.2.1. PRESSUPOSTOS
São pressupostos à impetração de mandado de segurança: a) ato de autoridade; b) abuso de
poder; c) lesão ou ameaça de lesão; e d) direito líquido e certo (não amparado por habeas corpus ou
habeas data).
Ato de autoridade é todo aquele praticado por pessoa investida de parcela de poder público.
Evidentemente o preceito abrange tanto a administração direta (chefia do Poder Executivo e
Ministérios) quanto a administração indireta (autarquias, agências reguladoras, fundações, empresas
públicas, sociedades de economia mista, concessionárias e permissionárias de serviços públicos).150
Alcança também atos praticados por particulares que ajam por delegação do Poder Público, uma vez
que, segundo a própria norma contida no inciso sob análise, o mandado de segurança é cabível
“quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de
pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”.
A Lei nº 12.016/2009, em seu artigo 2º, dispõe ser considerada federal a autoridade coatora
se as consequências de ordem patrimonial do ato contra o qual se requer o mandado houverem de
ser suportadas pela União ou entidade por ela controlada.
Agentes públicos que são meros executores de atos administrativos em obediência
hierárquica não podem ser apontados como autoridades coatoras Nos termos do artigo 6º, § 3º da
Lei nº 12.016/2009: considera-se autoridade coatora aquela que tenha praticado o ato impugnado
ou da qual emane a ordem para a sua prática.151
No tocante ao mandado de segurança impetrado em decorrência de omissão da autoridade a
lesão ou a ameaça de lesão decorrem justamente da inércia da autoridade competente para a
prática do ato.152 No caso de omissão na prática de algum ato administrativo o polo passivo deve ser
preenchido pela autoridade com atribuições para a prática de tal ato.
E em caso de abuso de poder praticado por autoridade incompetente? Nesta hipótese é ela
quem deve figurar como autoridade impetrada, afinal de contas foi ela a responsável pela
ilegalidade.

150 A Lei nº 12.016/2009 dispõe não caber mandado de segurança contra os atos de gestão comercial praticados pelos administradores de
empresas públicas, de sociedade de economia mista e de concessionárias de serviço público (1º, § 2º).
151
“(...)A própria Lei 12.016, no intuito de se amoldar ao entendimento desta Corte, estipulou, no seu art. 6º, §3º, que não apenas a
autoridade que edita o ato mas também aquela que ordena a sua execução deverão figurar no polo passivo do writ (...)” (MS 27.851, voto
do Rel. p/ o ac. Min. Luiz Fux, julgamento em 27-9-2011, Primeira Turma, DJE de 23-11-2011). “Mesmo após a edição da Lei 12.016/2009,
Lei do Mandado de Segurança, aquele que, na condição de superior hierárquico, não pratica ou ordena concreta e especificamente a
execução ou inexecução de um ato não poderá figurar como autoridade coatora. Caso contrário, o presidente da República seria
autoridade coatora em todos os mandados de segurança impetrados contra ações ou omissões danosas verificadas no âmbito federal”
(RMS 26.211, voto do Rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 27-9-2011, Primeira Turma, DJE de 11-10-2011).
152 "Mandado de segurança. Recurso administrativo. Inércia da autoridade coatora. Ausência de justificativa razoável. (...) A inércia da

autoridade coatora em apreciar recurso administrativo regularmente apresentado, sem justificativa razoável, configura omissão
impugnável pela via do mandado de segurança. Ordem parcialmente concedida, para que seja fixado o prazo de 30 dias para a apreciação
do recurso administrativo" (MS 24.167, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 5-10-2006, Plenário, DJ de 2-2-2007).

107
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
A autoridade ocupa o polo passivo do mandado de segurança, Segundo o artigo 6º da Lei nº
12.016/2009 na petição inicial deve estar indicada, além da autoridade impetrada, a pessoa jurídica
que esta integra, à qual se acha vinculada ou da qual exerce atribuições.
O mandado de segurança pode ser impetrado tanto de forma repressiva como preventiva,
quando houver lesão ou ameaça de lesão.
E o interesse de agir, quando se configura? Neste aspecto, além de direito líquido e certo, há
imperiosa necessidade de demonstração, por parte do impetrante, de que há efetiva lesão ou
ameaça de lesão ao alegado direito líquido e certo. Portanto, é lógico que um mero projeto de lei em
tramitação numa das Casas Legislativas, por exemplo, ainda não tem o condão de acarretar a
mencionada lesão ou possibilidade de lesão, a não ser que seja o caso de algum dos parlamentares
que tenha direito seu, enquanto parlamentar, desrespeitado durante esse procedimento de
tramitação do projeto de lei.153
O direito líquido e certo. A liquidez e a certeza relacionam-se a fatos, que devem ser
comprovados de plano por ocasião da impetração. É que, no procedimento especial do mandado de
segurança, não existe a fase de instrução e, portanto, não se admite a chamada dilação probatória.154
A inicial é ajuizada, o juiz concede ou não a liminar, a autoridade apontada como coatora é notificada
para prestar informações em dez dias, o Ministério Público emite parecer em cinco dias e o processo
é encaminhado para sentença.
Não raras vezes o impetrante relata que não teve acesso prévio aos documentos
indispensáveis ao ajuizamento da inicial. A Lei nº 12.016/2009 trata de duas possibilidades: quando é
a própria autoridade que está de posse dos documentos ela deverá providenciar a apresentação no
prazo que lhe é concedido para a prestação das informações (6º, § 2º); quando se tratar de
documentos sob os cuidados de autoridade alheia à demanda, o juiz deve ordenar, a exibição desse
documento em 10 dias (artigo 6º, § 1º).
Além da certeza quanto aos fatos, o direito líquido e certo somente se verifica quando tratar-
se de direito subjetivo próprio do impetrante. Esta afirmação deve ser compreendida com as
conformações decorrentes da regra veiculada pelo artigo 5º, inciso XXI da CF, pois este dispositivo
permite que “as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para
representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente”.

10.2.2. LEGITIMIDADE ATIVA


Quanto à legitimidade ativa, qualquer pessoa física ou jurídica que tiver direito líquido e
certo ameaçado ou violado pode impetrar mandado de segurança, inclusive o estrangeiro residente
no exterior.155 Quando o direito ameaçado ou violado couber a várias pessoas, qualquer delas poderá
requerer o mandado de segurança (Lei nº 12.016/2009, artigo 1º, § 3º). Além disso, é possível que “o
titular de direito líquido e certo decorrente de direito, em condições idênticas, de terceiro poderá
impetrar mandado de segurança a favor do direito originário, se o seu titular não o fizer, no prazo de
30 (trinta) dias, quando notificado judicialmente” (Lei nº 12.016/2009, artigo 3º).

153
"O parlamentar tem legitimidade ativa para impetrar mandado de segurança com a finalidade de coibir atos praticados no processo de
aprovação de leis e emendas constitucionais que não se compatibilizam com o processo legislativo constitucional. Legitimidade ativa do
parlamentar, apenas. Precedentes do STF: MS 20.257/DF, Min. Moreira Alves (leading case), RTJ 99/1031; MS 21.642/DF, Min. Celso de
Mello, RDA 191/200; MS 21.303-AgR/DF, Min. Octavio Gallotti, RTJ 139/783; MS 24.356/DF, Min. Carlos Velloso, DJ 12-9-2003" (MS 24.642,
Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 18-2-2004, Plenário, DJ de 18-6-2004).
154
“O mandado de segurança não abre margem a dilação probatória. Os fatos articulados na inicial devem vir demonstrados mediante os
documentos próprios, viabilizando-se requisição quando se encontrarem em setor público” (RMS 26.744, Rel. Min. Marco Aurélio,
julgamento em 13-10-2009, Primeira Turma, DJE de 13-11-2009).
155 "Ao estrangeiro, residente no exterior, também é assegurado o direito de impetrar mandado de segurança, como decorre da

interpretação sistemática dos arts. 153, caput, da Emenda Constitucional de 1969 e do 5º, LXIX, da Constituição atual. Recurso
extraordinário não conhecido" (RE 215.267, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 24-4-2001, Primeira Turma, DJ de 25-5-2001).

108
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
Não cabe mandado de segurança quanto se tratar de: a) ato do qual caiba recurso
administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução; b) decisão judicial da qual
caiba recurso com efeito suspensivo; c) de decisão judicial transitada em julgado (Lei nº 12.016/2009,
artigo 5º).

10.2.3. DECADÊNCIA
Decadência: o direito de requerer mandado de segurança extinguir-se depois de decorridos
120 dias, contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado (Lei nº 12.016/2009, artigo 23). O
decurso do prazo decadencial para o mandado de segurança não obsta que a parte interessada,
acaso respeitados os pressupostos processuais e as condições da ação, demande a questão nas vias
ordinárias.156

10.2.4. PROCEDIMENTO
Ao despachar a inicial, o juiz deve ordenar que se dê ciência do feito ao órgão de
representação judicial da pessoa jurídica interessada, enviando-lhe cópia da inicial sem documentos,
para que, querendo, ingresse no feito (Lei nº 12.016/2009, artigo 7º).
A concessão de liminar é cabível quando houver fundamento relevante e do ato impugnado
puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do
impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa
jurídica (Lei nº 12.016/2009, artigo 7º, inciso III). Deferida a medida liminar, o processo tem
prioridade para julgamento. Os efeitos da medida liminar, salvo se revogada ou cassada, persistem
até a prolação da sentença (Lei nº 12.016/2009, artigo 7º, § 3º).
Vedações à concessão de liminar: quando tiver por objeto a compensação de créditos
tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou
equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou
pagamento de qualquer natureza (Lei nº 12.016/2009, artigo 7º, § 2º).
A autoridade impetrada não recebe citação, mas uma notificação para prestar informações
no prazo de 10 dias. Não há previsão legal para que a autoridade impetrada apresente contestação.
A sentença ou o acórdão que denegar mandado de segurança, sem decidir o mérito, não
impede que o requerente, por ação própria, pleiteie os seus direitos e os respectivos efeitos
patrimoniais (Lei nº 12.016/2009, artigo 19). Além disso, o pedido de mandado de segurança pode
ser renovado dentro do prazo decadencial, se a decisão denegatória não lhe houver apreciado o
mérito (Lei nº 12.016/2009, artigo 6º, § 6º).
Nos casos de concessão da segurança a sentença estará sujeita obrigatoriamente ao duplo
grau de jurisdição (Lei nº 12.016/2009, artigo 14º, § 1º), embora seja admitida, em regra, a execução
provisória da segurança (§ 3º).

156 “Com o decurso, ‘in albis’, do prazo decadencial de 120 dias, a que se refere o art. 23 da Lei 12.016/2009, extingue-se, de pleno direito,
a prerrogativa de impetrar mandado de segurança. (...) O termo inicial do prazo decadencial de 120 dias começa a fluir, para efeito de
impetração do mandado de segurança, a partir da data em que o ato do Poder Público, formalmente divulgado no Diário Oficial, revela-se
apto a gerar efeitos lesivos na esfera jurídica do interessado. (...) O ato estatal eivado de ilegalidade ou de abuso de poder não se convalida
nem adquire consistência jurídica pelo simples decurso, ‘in albis’, do prazo decadencial a que se refere o art. 23 da Lei 12.016/2009. A
extinção do direito de impetrar mandado de segurança, resultante da consumação do prazo decadencial, embora impeça a utilização
processual desse instrumento constitucional, não importa em correspondente perda do direito material, ameaçado ou violado, de que seja
titular a parte interessada, que, sempre, poderá – respeitados os demais prazos estipulados em lei – questionar, em juízo, a validade
jurídica dos atos emanados do Poder Público que lhe sejam lesivos” (MS 29.108-ED, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 11-5-2011,
Plenário, DJE de 22-6-2011).

109
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
O procedimento do mandado de segurança não gera efeitos patrimoniais pretéritos.157Assim,
não se pode cogitar em almejar eventual restituição de valores indevidamente pagos. É por isso que,
em matéria tributária, por exemplo, não se admite a pretensão da repetição do indébito via
mandado de segurança.

10.2.5. JURISPRUDÊNCIA
Segue abaixo seleção de jurisprudência do STF a respeito do mandado de segurança
individual.
"É constitucional lei que fixa prazo de decadência para impetração de mandado de
segurança" (Súmula 632).
"Controvérsia sobre matéria de direito não impede concessão de mandado de segurança"
(Súmula 625).
“Não cabe condenação em honorários de advogado na ação de mandado de segurança”
(Súmula 512).
“Praticado o ato por autoridade, no exercício de competência delegada, contra ela cabe o
mandado de segurança ou a medida judicial” (Súmula 510).
“Pedido de reconsideração na via administrativa não interrompe o prazo para o mandado de
segurança” (Súmula 430).
“Concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais em relação a período
pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria”
(Súmula 271).
“Não cabe mandado de segurança para impugnar enquadramento da Lei 3.780, de 12-7-
1960, que envolva exame de prova ou de situação funcional complexa” (Súmula 270).
“O mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança” (Súmula 269).
“Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial com trânsito em julgado” (Súmula
268).
“Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição”
(Súmula 267)
“Não cabe mandado de segurança contra lei em tese” (Súmula 266)
“O mandado de segurança não substitui a ação popular” (Súmula 101).
Mandado de segurança. Polo passivo. Correção: “Mostra-se válido o redirecionamento
subjetivo do mandado de segurança quando a inicial é aditada dentro do prazo de 120 dias da prática
do ato impugnado” (MS 26.391, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 13-4-2011, Plenário, DJE de
6-6-2011). Em sentido contrário: “O mandado de segurança há de ser tomado conforme os
parâmetros subjetivos e objetivos retratados na inicial, não cabendo redirecionamento” (MS 25.563-
AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 9-12-2010, Plenário, DJE de 10-2-2011).
Mandado de segurança contra ato jurisdicional: “É inadmissível a impetração de mandado de
segurança para desconstituir ato revestido de conteúdo jurisdicional” (RMS 27.241, Rel. Min. Cármen
Lúcia, julgamento em 22-6-2010, Primeira Turma, DJE de 13-8-2010).
Mandado de segurança e tempus regit actum: "Mandado de segurança. Lei superveniente.
Não aplicação. Em mandado de segurança não se aplica preceito de lei superveniente à impetração.
O ato impugnado tem como parâmetro obrigatório a legislação em vigor ao tempo de sua expedição.

157“O art. 14, § 4º, da Lei 12.016/2009 dispõe que o pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias assegurados em sentença
concessiva de mandado de segurança somente será efetuado relativamente às prestações que se vencerem a contar da data do
ajuizamento da inicial do writ. Dessa forma, restabelecidos os proventos da embargante, pois considerado ilegal o ato da Corte de Contas,
o termo inicial para o pagamento é o ajuizamento do mandado de segurança” (MS 26.053-ED, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento
em 14-4-2011, Plenário, DJE de 23-5-2011).

110
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
Agravo regimental a que se nega provimento" (RE 457.508-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em
14-8-2007, Segunda Turma, DJ de 21-9-2007).
Mandado de segurança. Desistência: “Não pode o impetrante, sem assentimento da parte
contrária, desistir de processo de mandado de segurança, quando já tenha sobrevindo sentença de
mérito a ele desfavorável" (AI 221.462-AgR-AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 7-8-2007,
Primeira Turma, DJ de 24-8-2007).
Mandado de segurança e decreto de efeitos concretos. Cabimento: "Se o decreto é,
materialmente, ato administrativo, assim de efeitos concretos, cabe contra ele mandado de
segurança. Todavia, se o decreto tem efeito normativo, genérico, por isso mesmo sem operatividade
imediata, necessitando, para a sua individualização, da expedição de ato administrativo, contra ele
não cabe mandado de segurança. (Súmula 266)" (MS 21.274, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em
10-2-1994, Plenário, DJ de 8-4-1994) No mesmo sentido: AI 271.528-AgR, Rel. Min. Sepúlveda
Pertence, julgamento em 14-11-2006, Primeira Turma, DJ de 7-12-2006.

10.3. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO


O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido político com
representação no Congresso Nacional ou por organização sindical, entidade de classe ou
associação legalmente constituída e em funcionamento há apelo menos um ano, em defesa dos
interesses de seus membros ou associados (CF, artigo 5º, inciso LXX).
A legitimação dos partidos políticos cinge-se àqueles que têm representação no Congresso
Nacional. Basta um Senador ou um Deputado Federal. Note-se que não há falar legitimidade
decorrente de representação de partido político perante Assembleias Legislativas ou Câmaras
Distritais ou Municipais. Assim, partidos que têm como representantes apenas Vereadores,
Deputados Estaduais ou Deputados Distritais não detêm legitimidade ativa em sede de mandado de
segurança coletivo.
Em que pese a importância das questões a serem amparadas pelos partidos políticos,158
existe interpretação extremamente restritiva no tocante à legitimidade a legitimidade neste aspecto,
concluindo que cabe aos partidos políticos somente a defesa de interesses políticos e eleitorais de
seus membros. Interessante notar que o artigo 21 da Lei nº 12.016/2009 dispõe de forma mais
ampla, conferindo aos partidos políticos a possibilidade de, por intermédio do mandado de
segurança coletivo, atuar na defesa de interesses relativos a seus integrantes ou à finalidade
partidária.
Quanto às organizações sindicais, entidades de classe ou associações legalmente
constituídas, imprescindível que estejam em funcionamento há apelo menos um ano e atuem na
exclusiva defesa dos interesses de seus membros ou associados. Aqui um lembrete é muito
importante: a lei que rege a ação civil pública (Lei n˚ 7.347/85), em seu artigo 5˚, § 4˚, dispensa o
requisito da pré-constituição há pelo menos um anos quando “haja manifesto interesse social
evidenciado pela dimensão ou característica do dano ou pela relevância do bem jurídico a ser
protegido”. Isso não quer dizer que, em se tratado de mandado de segurança coletivo (que tem sede
constitucional), a pré-constituição seja dispensada.
A legitimação ativa no mandado de segurança coletivo é extraordinária. Vale dizer: a lei
atribui a alguém a defesa, em nome próprio, de direito alheio.159 Por isso é que não há falar na

158
“O partido político, pessoa jurídica de direito privado, destina-se a assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do
sistema representativo e a defender os direitos humanos fundamentais, definidos na Constituição Federal” (Lei n˚ 9.096/95 , artigo 1˚).
159 “O inciso LXX do art. 5º da CF encerra o instituto da substituição processual, distanciando-se da hipótese do inciso XXI, no que surge no

âmbito da representação. As entidades e pessoas jurídicas nele mencionadas atuam, em nome próprio, na defesa de interesses que se
irradiam, encontrando-se no patrimônio de pessoas diversas. Descabe a exigência de demonstração do credenciamento” (RMS 21.514, Rel.
Min. Marco Aurélio, julgamento em 27-4-1993, Segunda Turma, DJ de 18-6-1993).

111
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
necessidade de autorização expressa por parte daqueles que terão os direitos buscados pelas vias
deste remédio constitucional. O artigo 21 da Lei nº 12.016/2009 dispensa, expressamente, a
necessidade de autorização.160
É perfeitamente possível a utilização do mandado de segurança, pelas entidades detentoras
da legitimação extraordinária, para a defesa de interesse da totalidade ou de apenas uma parte de
seus membros ou associados (artigo 21 da Lei nº 12.016/2009).
Há dispositivo legal que exige a indicação do nome e endereço dos associados(artigo 2º-A,
parágrafo único, da Lei nº 9.494/97, incluído pela MP 2.180-35).161 O STF já havia decidido no sentido
da não aplicabilidade dessa disposição ao mandado de segurança coletivo.162 A Lei nº 12.016/2009
regulamentou integralmente tanto o mandado de segurança individual quanto o mandado de
segurança coletivo. Trata-se de instrumento legislativo posterior e especial em relação à Lei nº
9.494/97 que não contempla a exigência da indicação do nome e endereço dos associados, de modo
que, atualmente, não há falar em tal requisito.
A Primeira Turma do STF, salientando que a exigência visa restringir a eficácia da sentença ao
âmbito territorial de competência do órgão que a prolata — conforme caput do referido artigo 2º: “A
sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo... abrangerá apenas os substituídos que tenham,
na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator” —
, entendeu que tal exigência não se aplica com relação aos órgãos da justiça que, como o Superior
Tribunal de Justiça, têm jurisdição nacional, porquanto abrangem todos os substituídos onde quer
que tenham domicílio no território nacional (RMS 23.566-DF, rel. Min. Moreira Alves, 19-2-2002).

10.3.1. ABRANGÊNCIA
Quanto à abrangência do mandado de segurança coletivo, a Lei nº 12.016/2009, os direitos
protegidos pelo mandado de segurança coletivo podem ser: a) coletivos, assim entendidos, para
efeito desta Lei, os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo ou categoria de
pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica; e b) individuais
homogêneos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os decorrentes de origem comum e da
atividade ou situação específica da totalidade ou de parte dos associados ou membros do
impetrante.163
No mandado de segurança coletivo, a sentença faz coisa julgada limitadamente aos membros
do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante (Lei nº 12.016/2009, artigo 22, caput).
O mandado de segurança coletivo não induz litispendência para as ações individuais, mas os
efeitos da coisa julgada não beneficiarão o impetrante a título individual se não requerer a
desistência de seu mandado de segurança no prazo de 30 dias a contar da ciência comprovada da
impetração da segurança coletiva (Lei nº 12.016/2009, artigo 22, § 1º).
No mandado de segurança coletivo, a liminar só poderá ser concedida após a audiência do
representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de 72
horas (Lei nº 12.016/2009, artigo 22, § 2º).

160 “A impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe da autorização destes”
(STF, Súmula 629).
161
“Nas ações coletivas propostas contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas autarquias e fundações, a petição
inicial deverá obrigatoriamente estar instruída com a ata da assembléia da entidade associativa que a autorizou, acompanhada da relação
nominal dos seus associados e indicação dos respectivos endereços.”.
162 “Não aplicação, ao mandado de segurança coletivo, da exigência inscrita no art. 2º-A da Lei 9.494/1997, de instrução da petição inicial

com a relação nominal dos associados da impetrante e da indicação dos seus respectivos endereços” (RMS 23.769, Rel. Min. Ellen Gracie,
julgamento em 3-4-2002, Plenário, DJ de 30-4-2004).
163 Note-se que não há previsão para o cabimento de mandado de segurança coletivo para a defesa de interesses difusos.

112
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
À exceção destas características, que identificam o mandado de segurança coletivo, aplicam-
se, no que couber, as características do mandado de segurança individual.164

10.3.2. JURISPRUDÊNCIA
Segue abaixo seleção de súmulas do STF a respeito do mandado de segurança coletivo.
"A entidade de classe tem legitimação para o mandado de segurança ainda quando a
pretensão veiculada interesse apenas a uma parte da respectiva categoria" (Súmula 630).
“A impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor dos
associados independe da autorização destes” (Súmula 629).

10.4. MANDADO DE INJUNÇÃO


Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne
inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à
nacionalidade, à soberania e à cidadania (CF, artigo 5º, inciso LXXI).

10.4.1. PRESSUPOSTOS
São pressupostos à impetração do mandado de injunção: a) a existência de um direito
previsto por norma constitucional despida de aplicabilidade imediata;165 e b) a falta de norma
regulamentadora que viabilize o exercício do direito previsto na Constituição (é justamente o caso de
omissão, seja por parte do Legislativo ou do Executivo, de medidas hábeis a tornar efetivo um direito
constitucionalmente previsto).
Identifica-se, a partir da análise de implementação desses pressupostos, o sujeito ativo do
mandado de injunção: quem não puder usufruir de um direito constitucionalmente assegurado por
norma despida de aplicabilidade imediata, no contexto das prerrogativas inerentes à nacionalidade,
à soberania e à cidadania, pela falta de norma que regulamente o dispositivo constitucional. A
capacidade postulatória, contudo, não deixa de ser exigível.
O mandado de injunção serve como instrumento de controle concreto de
inconstitucionalidade por omissão. Por isso devemos nos atentar à distinção entre o mandado de
injunção e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, cuja competência para julgamento é
exclusiva do Supremo Tribunal Federal, em controle abstrato.

10.4.2. LEGITIMIDADE
A ADIn por omissão pode ser impetrada pelos legitimados do artigo 103 da CF e a decisão
proferida gera efeitos erga omnes. Já o mandado de injunção, individual ou coletivo, deve ser

164“Os princípios básicos que regem o mandado de segurança individual informam e condicionam, no plano jurídico-processual, a utilização
do writ mandamental coletivo. Atos em tese acham-se pré-excluídos do âmbito de atuação e incidência do mandado de segurança,
aplicando-se, em consequência, às ações mandamentais de caráter coletivo, a Súmula 266/STF" (MS 21.615, Rel. p/ o ac. Min. Celso de
Mello, julgamento em 10-2-1994, Plenário, DJ de 13-3-1998).
165 "Os agravantes objetivam a regulamentação da atividade de jogos de bingo, mas não indicam o dispositivo constitucional que

expressamente enuncie esse suposto direito. Para o cabimento do mandado de injunção, é imprescindível a existência de um direito
previsto na Constituição que não esteja sendo exercido por ausência de norma regulamentadora. O mandado de injunção não é remédio
destinado a fazer suprir lacuna ou ausência de regulamentação de direito previsto em norma infraconstitucional, e muito menos de
legislação que se refere a eventuais prerrogativas a serem estabelecidas discricionariamente pela União. No presente caso, não existe
norma constitucional que confira o direito que, segundo os impetrantes, estaria à espera de regulamentação. Como ressaltou o
Procurador-Geral da República, a União não está obrigada a legislar sobre a matéria, porque não existe, na CF, qualquer preceito
consubstanciador de determinação constitucional para se que legisle, especificamente, sobre exploração de jogos de bingo" (MI 766-AgR,
Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 21-10-2009, Plenário, DJE de 13-11-2009).

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DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
impetrado por aqueles que, no caso concreto, são titulares do direito lesado pela omissão legislativa
ou administrativa. A decisão, neste caso, produz efeitos apenas inter partes.

10.4.3. PROCEDIMENTO
A competência para o julgamento do mandado de injunção, diferentemente da relativa à
análise de Adin por omissão, que é exclusiva do STF, é firmada em razão da natureza do cargo do
qual deveriam emanar os atos que por ventura estão sendo omitidos. A CF previu casos de
competência do STF (artigo 102, inciso I, alínea “q”) e do STJ (artigo 105, inciso I, alínea “h”). Nada
impede, porém, que, com base no princípio da simetria haja previsão, nas Constituições Estaduais, de
órgãos com competência para o processamento e julgamento de mandados de injunção em face de
omissões relativas a regras nelas previstas e despidas de aplicação imediata.
Quanto ao sujeito passivo o STF já pacificou o entendimento de que deve figurar como
impetrado somente aquele órgão detentor da legitimidade para a edição da norma
regulamentadora.166
Há possibilidade de impetração de mandado de injunção coletivo.167 Uma das primeiras
decisões neste sentido foi proferida no julgamento do MI n˚ 361, em que o STF admitiu como
legitimado ativo um sindicato de pequenas e médias empresas.
Nesse MI o STF deve de apresentar entendimento daquele a respeito da limitação de juros
em 12% ao ano, então constantes no hoje revogado artigo 192, § 3˚ da CF. De acordo com Luis
Roberto Barroso, “em decisão dividida, de cunho muito mais político do que técnico, considerou não
ser auto-aplicável a regra inscrita no § 3˚ do art. 192 da Constituição...”.168 Na ocasião do julgamento
o STF apenas fixou a mora do Congresso.169
Uma questão que é muito debatida na doutrina relaciona-se aos efeitos a serem produzidos
por uma decisão em mandado de injunção. As mais diversas linhas argumentativas podem ser assim
resumidas:
a) Corrente não concretista: o órgão prolator da decisão deveria tão somente dar ciência à
autoridade impetrada a respeito da omissão verificada;
b) Corrente concretista individual intermediária: o órgão prolator da decisão deveria fixar um
prazo razoável para que a autoridade impetrada providenciasse a edição da norma
regulamentadora;
c) Corrente concretista individual direta: o órgão prolator da decisão deveria simplesmente
resolver o caso concreto posto a sua apreciação independentemente da edição da norma
regulamentadora;

166 “(...) o mandado de injunção há de dirigir-se contra o poder, o órgão, a entidade ou a autoridade que tem o dever de regulamentar a
norma constitucional, não se legitimando ad causam, passivamente, em princípio, quem não estiver obrigado a editar a regulamentação
respectiva” (MI 352-QO, Rel. Min. Néri da Silveira, julgamento em 4-9-1991, Plenário, DJ de 12-12-1997) No mesmo sentido: MI 1.231-AgR,
Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 16-11-2011, Plenário, DJE de 1º-12-2011.
167 “Entidades sindicais dispõem de legitimidade ativa para a impetração do mandado de injunção coletivo, que constitui instrumento de

atuação processual destinado a viabilizar, em favor dos integrantes das categorias que essas instituições representam, o exercício de
liberdades, prerrogativas e direitos assegurados pelo ordenamento constitucional” (MI 472, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 6-9-
2005, Plenário, DJ de 2-3-2001).
168 BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Integração da Constituição. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 270.
169
“Esta Corte, ao julgar a ADI 4, entendeu, por maioria de votos, que o disposto no § 3º do art. 192 da CF não era autoaplicável, razão por
que necessita de regulamentação. Passados mais de doze anos da promulgação da Constituição, sem que o Congresso Nacional haja
regulamentado o referido dispositivo constitucional, e sendo certo que a simples tramitação de projetos nesse sentido não é capaz de elidir
a mora legislativa, não há dúvida de que esta, no caso, ocorre. Mandado de injunção deferido em parte, para que se comunique ao Poder
Legislativo a mora em que se encontra, a fim de que adote as providências necessárias para suprir a omissão, deixando-se de fixar prazo
para o suprimento dessa omissão constitucional em face da orientação firmada por esta Corte (MI 361)” (MI 584, Rel. Min. Moreira Alves,
julgamento em 29-11-2001, Plenário, DJ de 22-2-2002).

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d) Corrente concretista geral: o órgão prolator da decisão deveria resolver a questão
exercendo o poder regulamentar e suprindo a norma no caso concreto.

Todas as correntes acima resumidas têm como ponto de partida a preocupação com a
possibilidade de haver interferência indevida de um Poder noutro.
Corrente não concretista. Inicialmente o STF firmou o entendimento de que os efeitos da
decisão consistiriam apenas em dar ciência da omissão ao órgão responsável pela necessária edição
da norma regulamentadora.170
Luís Roberto Barroso, defensor da tese da aplicação da decisão diretamente pelo Judiciário
no caso concreto, independentemente da edição da norma regulamentadora, cita alguns trechos de
descontentamento manifestado por José Carlos Barbosa Moreira:
“Conceber o mandado de injunção como simples meio de apurar a inexistência da ‘norma
regulamentadora’ e comunicá-la ao órgão competente para a edição (o qual, diga-se entre
parênteses, presumivelmente conhece mais do que ninguém suas próprias omissões...) é
reduzir a inovação a um sino sem badalo. Afinal, para dar ciência de algo a quem quer que
seja, servia – e bastava – a boa e velha notificação”.171
Este posicionamento perdurou durante longo período. No MI 534-4 e no MI 586-5 afirmou-se
que: “O Supremo Tribunal Federal não pode obrigar o legislativo a legislar, mas apontar a mora e
recomendar que a supra. Também não pode assegurar ao impetrante o exercício do direito de greve,
porquanto esse exercício está a depender de Lei Complementar que lhe estabeleça os termos e
limites”.
Corrente concretista individual intermediária. Em nova visão o STF passou a adotar o
posicionamento de que caberia sim ao Judiciário estabelecer prazo para que a autoridade
providenciasse a edição da norma e, caso subsistisse a omissão, surgiria ao impetrante o direito de
pleitear em juízo indenização por perdas e danos. E, mais: no caso de eventual condenação, por
exemplo, da União em perdas e danos, posterior edição da norma regulamentadora não teria o
condão de prejudicar os efeitos da coisa julgada no tocante à indenização. O leading case deste novo
entendimento foi o MI n˚ 283-5172 e tinha como fundamento o artigo 8˚, § 3˚ do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias.173
A mudança de orientação da Suprema Corte consolidou-se no julgamento do MI n˚ 232-1,174
em que se discutia o alcance das disposições do artigo 195, § 7˚ da CF.175 O Supremo fixou prazo para

170 “O mandado de injunção nem autoriza o Judiciário a suprir a omissão legislativa ou regulamentar, editando o ato normativo omitido,
nem, menos ainda, lhe permite ordenar, de imediato, ato concreto de satisfação do direito reclamado: mas, no pedido, posto que de
atendimento impossível, para que o Tribunal o faça, se contém o pedido de atendimento possível para a declaração de
inconstitucionalidade da omissão normativa, com ciência ao órgão competente para que a supra” (MI 168, Rel. Min. Sepúlveda Pertence,
julgamento em 21-3-1990, Plenário, DJ de 20-4-1990).
171 BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Integração da Constituição. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 263.
172 “Reconhecido o estado de mora inconstitucional do Congresso Nacional – único destinatário do comando para satisfazer, no caso, a

prestação legislativa reclamada – e considerando que, embora previamente cientificado no MI 283, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, absteve-
se de adimplir a obrigação que lhe foi constitucionalmente imposta, torna-se prescindível nova comunicação à instituição parlamentar,
assegurando-se aos impetrantes, desde logo, a possibilidade de ajuizarem, imediatamente, nos termos do direito comum ou ordinário, a
ação de reparação de natureza econômica instituída em seu favor pelo preceito transitório” (MI 284, Rel. p/ o ac. Min. Celso de Mello,
julgamento em 22-11-1991, Plenário, DJ de 26-6-1992).
173 “Aos cidadãos que foram impedidos de exercer, na vida civil, atividade profissional específica, em decorrência das Portarias Reservadas

do Ministério da Aeronáutica nº S-50-GM5, de 19 de junho de 1964, e nº S-285-GM5 será concedida reparação de natureza econômica, na
forma que dispuser lei de iniciativa do Congresso Nacional e a entrar em vigor no prazo de doze meses a contar da promulgação da
Constituição.”
174
“Ocorrência, no caso, em face do disposto no art. 59 do ADCT, de mora, por parte do Congresso, na regulamentação daquele preceito
constitucional. Mandado de injunção conhecido, em parte, e, nessa parte, deferido para declarar-se o estado de mora em que se encontra
o Congresso Nacional, a fim de que, no prazo de seis meses, adote ele as providências legislativas que se impõem para o cumprimento da
obrigação de legislar decorrente do art. 195, § 7º, da Constituição, sob pena de, vencido esse prazo sem que essa obrigação se cumpra,
passar o requerente a gozar da imunidade requerida” (MI 232, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 2-8-1991, Plenário, DJ de 27-3-
1992).

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a edição da norma e, caso persistisse a omissão, o impetrante passaria a gozar automaticamente da
imunidade de que trata o mencionado dispositivo constitucional. O STF atribuiu ao mandado de
injunção, nesses casos, o efeito de transformar uma norma constitucional de eficácia limitada
(porque dependente da edição de uma norma regulamentar) em norma constitucional de eficácia
plena. Importante destacar que, no tocante a eventual fixação de multa pelo descumprimento do
prazo estabelecido, o STF firmou entendimento de que tal fixação seria incabível.176
Corrente concretista individual direta. A implementação do direito do autor ocorre
diretamente pelo Judiciário, sem comunicação ao Poder competente para legislar. Segundo o
Ministro Marco Aurélio: “sob a minha ótica, o mandado de injunção tem, no tocante ao provimento
judicial, efeitos concretos, beneficiando apenas a parte envolvida, a impetrante” (MI 431-5).
Em 2007 foi julgado MI 721, no qual o impetrante, servidor público, pretendia fosse suprida a
lacuna legislativa em face da omissão na regulamentação do artigo 40, § 4º da CF, para que lhe fosse
garantido o direito à aposentadoria especial. O artigo 40 § 4º da CF determina a adoção, via leis
complementares, de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos
servidores públicos que sejam portadores de algum tipo de deficiência, que exerçam atividades de
risco ou cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a
integridade física.
Neste julgado a jurisprudência do STF evoluiu ao conceder o direito ao impetrante
diretamente. Prestigiou-se o conteúdo mandamental e não meramente declaratório do MI.
Em voto-vista o Ministro Eros Grau, corroborando os argumentos lançados pelo Ministro
Marco Aurélio, indagou: “presta-se, esta Corte, quando se trata de apreciação de mandados de
injunção, a emitir decisões desnutridas de eficácia?” Acompanhando esta linha de pensamento
manifestou-se o Ministro Carlos Britto: “sendo assim, não faz sentido proferir uma decisão judicial
também de eficácia limitada. É uma contradição nos termos. A decisão judicial há de ser
plenoperante, marcada pela sua carga de concretude, ou seja, tem de ser mandamental, como é da
natureza da ação constitucional agora sob julgamento”.
Sob estes argumentos, em 30/08/2007, por unanimidade, foi conferido pelo pleno do STF o
direito ao impetrante à aposentadoria especial, nos termos fixados no art. 57 da Lei 8.213/91, que
dispõe sobre os planos de beneficio da Previdência Social.177
Interessante notar que, neste MI, o STF resolveu o caso concreto mediante a aplicação, à
situação do impetrante, de dispositivo legal que havia regulamentado a aposentadoria especial para
o Regime Geral da Previdência Social, do qual os servidores públicos efetivos - como era o caso do
impetrante - estão excluídos. Corrente concretista geral. O STF criaria a norma para o caso in
concreto, solucionando o caso e impondo efeitos erga omnes à decisão. Em março de 2007 assim se
manifestou o Ministro Sepúlveda Pertence, Relator do MI 695, ao julgar omissão da regulamentação
do aviso prévio (art. 7º, XXI da CF/88): “seria talvez a oportunidade de reexaminar a posição do

175 “São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências
estabelecidas em lei.”
176
"O mandado de injunção é ação constitutiva; não é ação condenatória, não se presta a condenar o Congresso ao cumprimento de
obrigação de fazer. Não cabe a cominação de pena pecuniária pela continuidade da omissão legislativa" (MI 689, Rel. Min. Eros Grau,
julgamento em 7-6-2006, Plenário, DJ de 18-8-2006).
177 “Mandado de injunção. Natureza. Conforme disposto no inciso LXXI do art. 5º da CF, conceder-se-á mandado de injunção quando

necessário ao exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.
Há ação mandamental e não simplesmente declaratória de omissão. A carga de declaração não é objeto da impetração, mas premissa da
ordem a ser formalizada. Mandado de injunção. Decisão. Balizas. Tratando-se de processo subjetivo, a decisão possui eficácia considerada
a relação jurídica nele revelada. Aposentadoria. Trabalho em condições especiais. Prejuízo à saúde do servidor. Inexistência de lei
complementar. Art. 40, § 4º, da CF. Inexistente a disciplina específica da aposentadoria especial do servidor, impõe-se a adoção, via
pronunciamento judicial, daquela própria aos trabalhadores em geral – art. 57, § 1º, da Lei 8.213/1991” (MI 721, Rel. Min. Marco Aurélio,
julgamento em 30-8-2007, Plenário, DJ de 30-11-2007).

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DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
Supremo quanto à natureza e eficácia do mandado de injunção, nos moldes do que se desenhou no
MI 670, se não fora o pedido”.178
Contudo, por ocasião do julgamento simultâneo do MI 670, do MI 708 e do MI 712, O STF, ao
analisar a ausência de legislação específica que regulamentasse o direito constitucional de greve de
servidores públicos, julgou procedentes pretensões coletivas impetradas, respectivamente, pelo
Sindicato dos Servidores da Polícia Civil no Estado do Espírito Santo - SINDIPOL, pelo Sindicato dos
Trabalhadores em Educação do Município de João Pessoa - SINTEM, e pelo Sindicato dos
Trabalhadores do Poder Judiciário do Estado do Pará - SINJEP e determinou a aplicação das Leis
7.701/1988 e 7.783/1989 aos conflitos e às ações judiciais que envolvam a interpretação do direito
constitucional de greve dos servidores públicos civis,179 atribuindo, com isso, efeitos erga omnes à
decisão:
"Mandado de injunção. Garantia fundamental (CF, art. 5º, inciso LXXI). Direito de greve dos
servidores públicos civis (CF, art. 37, inciso VII). Evolução do tema na jurisprudência do STF.
Definição dos parâmetros de competência constitucional para apreciação no âmbito da
Justiça Federal e da Justiça estadual até a edição da legislação específica pertinente, nos
termos do art. 37, VII, da CF. Em observância aos ditames da segurança jurídica e à
evolução jurisprudencial na interpretação da omissão legislativa sobre o direito de greve dos
servidores públicos civis, fixação do prazo de 60 (sessenta) dias para que o Congresso
Nacional legisle sobre a matéria. Mandado de injunção deferido para determinar a aplicação
das Leis 7.701/1988 e 7.783/1989. Sinais de evolução da garantia fundamental do mandado
de injunção na jurisprudência do STF. (...) Em razão da evolução jurisprudencial sobre o
tema da interpretação da omissão legislativa do direito de greve dos servidores públicos civis
e em respeito aos ditames de segurança jurídica, fixa-se o prazo de 60 (sessenta) dias para
que o Congresso Nacional legisle sobre a matéria. Mandado de injunção conhecido e, no
mérito, deferido para, nos termos acima especificados, determinar a aplicação das Leis
7.701/1988 e 7.783/1989 aos conflitos e às ações judiciais que envolvam a interpretação do
direito de greve dos servidores públicos civis" ( MI 708, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento
em 25-10-2007, Plenário, DJE de 31-10-2008). No mesmo sentido: MI 670, Rel. p/ o ac. Min.
Gilmar Mendes, e MI 712, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 25-10-2007, Plenário, DJE de
31-10-2008.

10.5. HABEAS DATA


Conceder-se-á habeas data: a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à
pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou
de caráter político; b) para retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso,
judicial ou administrativo (CF, artigo 5º, inciso LXXII).180
O habeas data está regulamentado pela Lei nº 9.507/97 e tem procedimento similar ao do
mandado de segurança. O habeas data é gratuito e tem prioridade no quanto comporta a tramitação
em juízo, exceto em relação a habeas corpus e mandados de segurança.
Além do conhecimento de informações e da retificação de dados, previstas pela própria CF, a
Lei nº 9.507/97 criou outra hipótese de cabimento para o habeas data: para a anotação nos
assentamentos do interessado, de contestação ou explicação sobre dado verdadeiro, mas justificável
e que esteja sob pendência judicial ou amigável” (artigo 7º, inciso III da Lei n˚ 9.507/97).

178
Note-se o pedido: “Requer, assim, dessa Augusta Corte, que seja comunicado o Órgão competente para a imediata regulamentação da
Norma Constitucional, garantido-se dessa forma o direito do Impetrante, que pela evidente omissão do Poder responsável, pela
elaboração da lei o Autor se encontra totalmente prejudicado”.
179 CF, artigo 37, inciso VII. “O direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica”.
180 "A ação de habeas data visa à proteção da privacidade do indivíduo contra abuso no registro e/ou revelação de dados pessoais falsos ou

equivocados. O habeas data não se revela meio idôneo para se obter vista de processo administrativo." (HD 90-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie,
julgamento em 18-2-2010, Plenário, DJE de 19-3-2010).

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O habeas data difere da garantia à informação do inciso XXXIII, porquanto não está restrito
às hipóteses de sigilo imprescindível à segurança nacional. A justificativa para a ausência de restrição:
o interesse tutelado pelo habeas data é sempre relativo à pessoa do impetrante.181
Para que se tenha acesso ao Judiciário, via habeas data, é imprescindível que tenha havido
recusa à pretensão por parte da autoridade administrativa.182 Este entendimento está, inclusive,
sumulado pelo STJ (Súmula 02).

10.6. AÇÃO POPULAR


Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao
patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio
ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má fé, isento de
custas judiciais e do ônus da sucumbência (CF, artigo 5º, inciso LXXIII).
Antes do advento da Constituição de 1988 a ação popular somente era cabível para proteção
ao patrimônio público. Agora, como se pode perceber mediante simples leitura do dispositivo
constitucional, as hipóteses de cabimento são bem mais amplas, abrangendo interesses difusos,
como é o caso do meio ambiente, por exemplo.183
Tradicionalmente se sustenta que a ação popular admite, na qualidade de sujeito ativo,
somente o cidadão, assim entendido aquele que está em pleno gozo dos direitos políticos.
Considera-se em pleno gozo dos direitos políticos aquele que detém a capacidade eleitoral ativa
(efetiva possibilidade de votar). Dessa forma, seriam legitimados ativos os brasileiros natos e
naturalizados, maiores de 18 anos (ou 16 anos, dependendo de prévia inscrição como eleitor) que
estivessem em dia com as obrigações eleitorais.184
Celso Antonio Pacheco Fiorillo chama atenção a algumas curiosidades decorrentes da
admissão somente daqueles em gozo de direitos políticos como legitimados ativos em ações
populares. Segundo sustenta, uma conclusão como essa era perfeitamente admissível quando o bem
tutelável pela ação popular era somente o patrimônio público, pois haveria relação pertinência entre
a condição de cidadão e o eventual interesse pela defesa do erário.185
Entretanto, segundo o autor, com o advento da CF/88 e o consequente incremento das
hipóteses de cabimento da ação popular, a legitimidade ativa passou a ser bem mais abrangente.
Fixa como premissa, por exemplo, a tutela do meio ambiente, bem de interesse difuso como
podemos facilmente perceber depois de uma rápida passada de olhos pela regra do artigo 225,

181 “O habeas data não se presta para solicitar informações relativas a terceiros, pois, nos termos do inciso LXXII do art. 5º da CF, sua
impetração deve ter por objetivo ‘assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante’” (HD 87-AgR, Rel. Min.
Cármen Lúcia, julgamento em 25-11-2009, Plenário, DJE de 5-2-2010).
182 “O habeas data configura remédio jurídico-processual, de natureza constitucional, que se destina a garantir, em favor da pessoa

interessada, o exercício de pretensão jurídica discernível em seu tríplice aspecto: (a) direito de acesso aos registros; (b) direito de
retificação dos registros; e (c) direito de complementação dos registros. Trata-se de relevante instrumento de ativação da jurisdição
constitucional das liberdades, a qual representa, no plano institucional, a mais expressiva reação jurídica do Estado às situações que lesem,
efetiva ou potencialmente, os direitos fundamentais da pessoa, quaisquer que sejam as dimensões em que estes se projetem. O acesso ao
habeas data pressupõe, entre outras condições de admissibilidade, a existência do interesse de agir. Ausente o interesse legitimador da
ação, torna-se inviável o exercício desse remédio constitucional. A prova do anterior indeferimento do pedido de informação de dados
pessoais, ou da omissão em atendê-lo, constitui requisito indispensável para que se concretize o interesse de agir no habeas data. Sem que
se configure situação prévia de pretensão resistida, há carência da ação constitucional do habeas data” (RHD 22, Rel. p/ o ac. Min. Celso de
Mello, julgamento em 19-9-1991, Plenário, DJ de 1º-9-1995). No mesmo sentido: HD 87-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 25-
11-2009, Plenário, DJE de 5-2-2010.
183
“Legitimidade dos cidadãos para a propositura de ação popular na defesa de interesses difusos (art. 5º, LXXIII, CF/1988), na qual o autor
não visa à proteção de direito próprio, mas de toda a comunidade (...)” (MS 25.743-ED, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 4-10-2011,
Primeira Turma, DJE de 20-10-2011).
184 Teoricamente também é possível afirmar a possibilidade de o português equiparado, que tem disciplina constitucional específica (CF,

artigo 12, § 1º) atribuindo-lhe direitos inerentes ao brasileiro, ocupar o polo ativo de ação popular.
185 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 2 Ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 265.

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DIREITO CONSTITUCIONAL
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caput, da CF.186 Depois argumenta que em duas outras oportunidades o Constituinte usou o termo
cidadão: no artigo 58, § 2˚, inciso V187 e no artigo 64 do ADTC.188
Pois bem. Se “cidadão” fosse somente aquele em gozo dos direitos políticos uma pessoa que
tivesse com tais direitos políticos suspensos (um condenado por improbidade administrativa, por
exemplo – artigo 37, § 4˚ e artigo 15, inciso V, ambos da CF) jamais poderia ser chamada para depor
numa Comissão Parlamentar de Inquérito. E, mais: a um menor de 16 anos não seria jamais
assegurado o direito a receber de forma gratuita um exemplar da Constituição da República.
É claro que a legitimidade ao ajuizamento de ação popular, segundo Fiorillo, estaria limitada
às questões envolvendo direitos difusos.189 Discute-se se bastaria a imoralidade para justificar o
ajuizamento, a despeito de não ficar comprovada eventual ilegalidade. A resposta só pode ser
afirmativa, afinal de contas a moralidade é um dos princípios da Administração Pública, insculpido no
artigo 37, caput, da CF.
Seria cabível ação popular preventiva? Sim, pois o moderno processo civil, fundado nos
aspectos negativos (o processo não é um fim em si mesmo, mas um meio à tutela de bens jurídicos) e
positivos (do processo deve ser extraída a máxima eficácia à tutela de bens jurídicos) da jurisdição,
não pode permanecer mais alheio a pressões axiológicas externas.190 Vale dizer: é muito mais eficaz
um processo capaz de evitar danos e ilícitos do que aquele voltado exclusivamente à tutela
ressarcitória de danos, muitas vezes despida de efeitos práticos.191

10.6.1. OBJETO
A anulação do ato lesivo, condenação dos responsáveis ao ressarcimento ao erário. É claro
que em se tratando de tutela preventiva (e aqui não podemos esquecer da inibitória, que prescinde
da comprovação de possíveis danos, contentando-se com a demonstração de possíveis ilícitos) não
há falar em anulação de ato lesivo ou condenação de alguém a ressarcir os danos.

10.6.2. LEGITIMIDADE
Qualquer cidadão ou o Ministério Público.192 O Ministério Público, contudo, não tem
legitimidade par ao ajuizamento de ação popular. É possível também a habilitação de qualquer
cidadão na qualidade de litisconsorte ou assistente do autor da ação popular (Lei nº 4.717/65, artigo
6º, § 5º).

186 “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade
de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
187 “Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições

previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação. (...) § 2º - às comissões, em razão da matéria de sua competência,
cabe: (...) V - solicitar depoimento de qualquer autoridade ou cidadão.”
188 “Art. 64. A Imprensa Nacional e demais gráficas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta ou

indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, promoverão edição popular do texto integral da Constituição, que
será posta à disposição das escolas e dos cartórios, dos sindicatos, dos quartéis, das igrejas e de outras instituições representativas da
comunidade, gratuitamente, de modo que cada cidadão brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituição do Brasil.”
189 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 2 Ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 265.
190 “A instrumentalidade do processo é vista pelo aspecto negativo e pelo positivo. O negativo corresponde à negação do processo como

valor em si mesmo e repúdio aos exageros processualísticos”. “O aspecto positivo é caracterizado pela preocupação em extrair do
processo, como instrumento, o máximo de proveito quanto à obtenção dos resultados propostos” (DINAMARCO, Cândido Rangel. A
instrumentalidade do Processo. São Paulo: Malheiros, 1987, p. 390).
191 "(...) Mas não é preciso esperar que os atos lesivos ocorram e produzam todos os seus efeitos, para que, só então, ela seja proposta. No

caso presente, a ação popular, como proposta, tem índole preventiva e repressiva ou corretiva, ao mesmo tempo. Com ela se pretende a
sustação dos pagamentos futuros (caráter preventivo) e a restituição das quantias que tiverem sido pagas, nos últimos cinco anos, em face
do prazo prescricional previsto no art. 21 da Lei da Ação Popular (caráter repressivo)" (AO 506-QO, Rel. Min. Sydney Sanches, julgamento
em 6-5-1998, Plenário, DJ de 4-12-1998).
192 Lei nº 4.717/65, artigo 6º, § 4º: “O Ministério Público acompanhará a ação, cabendo-lhe apressar a produção da prova e promover a

responsabilidade, civil ou criminal, dos que nela incidirem, sendo-lhe vedado, em qualquer hipótese, assumir a defesa do ato impugnado
ou dos seus autores”.

119
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
Vale lembrar que o Ministério Público deve acompanhar a ação, cabendo-lhe apressar a
produção da prova e promover a responsabilidade, civil ou criminal, dos que nela incidirem, sendo-
lhe vedado, em qualquer hipótese, assumir a defesa do ato impugnado ou dos seus autores (Lei nº
4.717/65, artigo 6º, § 4º).
Prevenção: de acordo com o artigo 5º, § 3º, da Lei nº 4.717/65 "a propositura da ação
prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações, que forem posteriormente intentadas contra as
mesmas partes e sob os mesmos fundamentos."
A partir da literalidade desse dispositivo legal pode-se chegar às seguintes conclusões: a) é
viável a propositura de mais de uma ação popular contra as mesmas partes; b) é viável a propositura
de mais de uma ação popular contra as mesmas partes, ainda que sejam utilizados os mesmos
fundamentos.
A razão é simples: a Lei nº 4.717/65 está em plena consonância com o que dispõe o artigo 5º,
LXXIII da CF, segundo o qual "qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a
anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade
administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural."
Ora, se a cada cidadão brasileiro restou constitucionalmente outorgada a prerrogativa de
valer-se da ação popular para a defesa de interesses coletivos (moralidade pública, patrimônio
público ou patrimônio de entidade de que o Estado participe) e de interesses difusos (meio ambiente
e patrimônio histórico e popular), não haveria coerência sistemática acaso a proposição de uma
demanda por cidadão ou grupo de cidadãos obstasse a proposição de demandas posteriores por
parte de outros cidadãos.
Partindo-se das premissas acima aventadas (autorização legal para a veiculação de mais de
uma ação popular contras as mesmas partes e com base nos mesmos fundamentos, bem como a
legitimidade ativa de qualquer cidadão), percebe-se que a análise conjunta do art. 5º, LXXIII da CF e
do art. 5º, § 3º da Lei nº 4.717/65, acarreta uma inegável conclusão: não há falar em litispendência
entre ação popular posteriormente ajuizada por cidadão ou grupo de cidadãos que não integraram o
polo ativo de ação popular anteriormente ajuizada contra partes idênticas e com base em idênticos
fundamentos.
Também há fortes motivos de ordem lógica: a) não seria condizente com um mecanismo de
exercício direto de democracia, constitucional, literal e expressamente voltado a qualquer cidadão,
um sistema jurisdicional acessível apenas àqueles que primeiro ajuizassem sua demanda; b)
aceitando-se somente uma (a primeira) demanda, correr-se-ia o sério risco de estar-se chancelando
o ajuizamento de ação popular com aparência cidadã, mas mal instruída e maliciosamente voltada a
servir como obstáculo intransponível a legítimas demandas posteriores.
O fato de o § 3º do art. 5º da Lei nº 4.717/65 expressamente mencionar a prevenção do juízo
ao qual foi distribuída a primeira demanda para todas as ações posteriores é de extrema valia, em
decorrência da conexão.
A competência territorial para o processo e julgamento de ação popular é fixada a partir da
origem do ato impugnado (art. 5º da Lei nº 4.717/65). Afastadas estão as hipóteses de fixação da
competência em razão de foro por prerrogativa de função.193

193"(...) Tratando-se de ação popular, o STF – com as únicas ressalvas da incidência da alínea n do art. 102, I, da Constituição ou de a lide
substantivar conflito entre a União e Estado-membro –, jamais admitiu a própria competência originária: ao contrário, a incompetência do
Tribunal para processar e julgar a ação popular tem sido invariavelmente reafirmada, ainda quando se irrogue a responsabilidade pelo ato
questionado a dignitário individual – a exemplo do Presidente da República – ou a membro ou membros de órgão colegiado de qualquer
dos poderes do Estado cujos atos, na esfera cível – como sucede no mandado de segurança – ou na esfera penal – como ocorre na ação
penal originária ou no habeas corpus – estejam sujeitos diretamente à sua jurisdição. Essa não é a hipótese dos integrantes do CNJ ou do
Conselho Nacional do Ministério Público: o que a Constituição, com a EC 45/2004, inseriu na competência originária do Supremo Tribunal
foram as ações contra os respectivos colegiado, e não, aquelas em que se questione a responsabilidade pessoal de um ou mais dos
conselheiros, como seria de dar-se na ação popular" (Pet 3.674-QO, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 4-10-2006, Plenário, DJ
de 19-12-2006). No mesmo sentido: Rcl 2.769-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 23-9-2009, Plenário, DJE de 16-10-2009.

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DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
Assim, a regra é a fixação da competência para processo e julgamento da ação popular no
primeiro grau de jurisdição, respeitadas, obviamente, as questões referentes às delimitações de
competência absoluta, por exemplo, entre a Justiça Estadual e a Justiça Federal.194

10.6.3. SUJEITOS PASSIVOS


A ação popular pode ser proposta em face de pessoas públicas ou privadas que tenham
praticado ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade
administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, inclusive contra as
autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou
praticado o ato impugnado, ou que, por omissas, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os
beneficiários diretos de tal ato (CF, artigo 5º, inciso LXXIII e Lei nº 4.717/67, artigo 6º).
O § 3º do artigo 6º da Lei nº 4.717/65 traz uma importante disposição a respeito da sujeição
passiva: a pessoa jurídica de direito público ou de direito privado, cujo ato seja objeto de
impugnação, poderá abster-se de contestar o pedido, ou poderá atuar ao lado do autor, desde que
isso se afigure útil ao interesse público, a juízo do respectivo representante legal ou dirigente.

1.6.4. JURISPRUDÊNCIA
Segue abaixo seleção de jurisprudência do STF a respeito do mandado de segurança coletivo.
“Pessoa jurídica não tem legitimidade para propor ação popular” (Súmula 365).
“O mandado de segurança não substitui a ação popular” (Súmula 101).
Ação Popular. Capacidade Postulatória. Necessidade: "A Constituição da República
estabeleceu que o acesso à justiça e o direito de petição são direitos fundamentais (art. 5º, XXXIV, a,
e XXXV), porém estes não garantem a quem não tenha capacidade postulatória litigar em juízo, ou
seja, é vedado o exercício do direito de ação sem a presença de um advogado, considerado
‘indispensável à administração da justiça’ (art. 133 da Constituição da República e art. 1º da Lei
8.906/1994), com as ressalvas legais. (...) Incluem-se, ainda, no rol das exceções, as ações
protocoladas nos juizados especiais cíveis, nas causas de valor até vinte salários mínimos (art. 9º da
Lei 9.099/1995) e as ações trabalhistas (art. 791 da Consolidação das Leis do Trabalho), não fazendo
parte dessa situação privilegiada a ação popular” (AO 1.531-AgR, voto da Rel. Min. Cármen Lúcia,
julgamento em 3-6-2009, Plenário, DJE de 1º-7-2009).
Ação popular e atos de conteúdo jurisdicional. Não cabimento: "(...) Os atos de conteúdo
jurisdicional – precisamente por não se revestirem de caráter administrativo – estão excluídos do
âmbito de incidência da ação popular, notadamente porque se acham sujeitos a um sistema
específico de impugnação, quer por via recursal, quer mediante utilização de ação rescisória. (...)
Tratando-se de ato de índole jurisdicional, cumpre considerar que este, ou ainda não se tornou
definitivo – podendo, em tal situação, ser contestado mediante utilização dos recursos previstos na
legislação processual –, ou, então, já transitou em julgado, hipótese em que, havendo decisão sobre
o mérito da causa, expor-se-á à possibilidade de rescisão" (Pet 2.018-AgR, Rel. Min. Celso de Mello,
julgamento em 22-8-2000, Segunda Turma, DJ de 16-2-2001). No mesmo sentido: Rcl 2.769-AgR, Rel.
Min. Cármen Lúcia, julgamento em 23-9-2009, Plenário, DJE de 16-10-2009.

194 "A competência para julgar ação popular contra ato de qualquer autoridade, até mesmo do Presidente da República, é, via de regra, do
juízo competente de primeiro grau. Precedentes. Julgado o feito na primeira instância, se ficar configurado o impedimento de mais da
metade dos desembargadores para apreciar o recurso voluntário ou a remessa obrigatória, ocorrerá a competência do STF, com base na
letra n do inciso I, segunda parte, do art. 102 da CF" (AO 859-QO, Rel. p/ o ac. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 11-10-2001, Plenário,
DJ de 1º-8-2003).

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NACIONALIDADE

Nacionalidade é o vínculo jurídico que se estabelece entre o indivíduo e determinado Estado,


fazendo deste indivíduo um componente do povo, capacitando-o a exigir sua proteção e sujeitando-o
ao cumprimento dos deveres impostos.
Cada Estado diz livremente quem são os seus nacionais. Compete, pois, ao direito interno de cada
Estado definir quem são seus nacionais. O conceito de estrangeiro, portanto, fica por exclusão: quem não
for considerado nacional de um país é considerado estrangeiro.
No direito constitucional vigente, nacionalidade e cidadania apresentam significados
distintos. Nacional é o brasileiro nato ou naturalizado, ou seja, aquele que se vincula, por nascimento
ou naturalização, ao Estado brasileiro. O termo cidadão, por sua vez, representa o nacional no gozo
dos direitos políticos e os participantes da vida do Estado. Por isso é que se afirma que a
nacionalidade é pressuposto da cidadania.
Há duas formas de adquirir nacionalidade, a primária (também chamada de originária) e a
secundária (também chamada de adquirida). A primária é aquela que resulta do nascimento. Pelo
modo primário, a pessoa, ao nascer, já possui a nacionalidade de determinado país. A secundária é
aquela que se adquire por vontade própria, após o nascimento, e, em regra, pela naturalização.
Resulta, portanto, de um ato de vontade em que a pessoa vem a adquirir, durante sua existência, a
nacionalidade de determinado país.

11.1. CRITÉRIOS PARA AQUISIÇÃO DE NACIONALIDADE


A aquisição de nacionalidade primária é involuntária e decorre da ligação do fato natural do
nascimento com um critério estabelecido pelo Estado.
Tradicionalmente, os critérios utilizados para determinar a aquisição de nacionalidade pelo
modo originário são dois:
a) jus soli ou critério da territorialidade – por esse critério será nacional o nascido no
território do Estado, independentemente da nacionalidade de sua ascendência;
b) jus sanguinis ou critério da consanguinidade – determina-se a nacionalidade de uma
pessoa pela origem de seus ascendentes, sendo considerados nacionais todos que possuem
ascendentes da mesma nacionalidade, até um determinado grau.

11.1.1. AQUISIÇÃO DE NACIONALIDADE SECUNDÁRIA


Ao contrário da aquisição da nacionalidade primária (que é involuntária), a aquisição da
nacionalidade secundária é voluntária, podendo depender da vontade:
a) do indivíduo – casos em que se lhe dá o direito de escolher determinada nacionalidade, à
vista de alternativas que se lhe oferecem;
b) do Estado – mediante outorga da nacionalidade ao nacional de outro país,
espontaneamente ou a pedido do interessado, havendo aqui uma combinação da vontade do
indivíduo com a do Estado.

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DIREITO CONSTITUCIONAL
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11.1.2. POLIPÁTRIDAS E APÁTRIDAS (HEIMATLOS)


Na medida em que compete ao direito interno de cada país fixar os critérios para aquisição
da nacionalidade, podem ocorrer situações em que determinado indivíduo possui diversas
nacionalidades, ou nenhuma.
Assim, polipátrida é o que tem mais de uma nacionalidade, o que acontece quando sua
situação de nascimento vincula-se aos dois critérios de determinação da nacionalidade primária (jus
soli e jus sanguinis). É o caso de filhos de oriundo de Estado que adota o critério do jus sanguinis,
quando nasce num Estado que acolhe o jus soli (p. ex., filhos de italianos nascidos no Brasil). Nessa
situação, o indivíduo será considerado nacional dos dois Estados.
apátridas ou heimatlos são pessoas que, dada a circunstância do nascimento, não se
vinculam a nenhum dos critérios que lhe determinam uma nacionalidade. A pessoa não adquire
nacionalidade alguma.

11.1.3. DIREITO DE NACIONALIDADE BRASILEIRA


Os modos de aquisição da nacionalidade brasileira estão previstos no art. 12 da Constituição
Federal, o qual define os brasileiros natos (nacionalidade primária ou originária) e os naturalizados
(nacionalidade secundária ou adquirida).

11.1.3.1. BRASILEIROS NATOS


São considerados brasileiros natos os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que
de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país;
Brasileiro nato é quem nasce na República Federativa do Brasil. A nossa Constituição adota,
via de regra, o critério do jus soli para determinar o modo de aquisição originário da nacionalidade.
Assim, são brasileiros aqueles que nascem no Brasil, quer sejam filhos de pais brasileiros,
quer de estrangeiros, pois a origem do sangue aqui não importa.
Excetua-se, porém, aqueles que nascem no Brasil, mas são filhos de pais estrangeiros que
estejam no Brasil a serviço de seu país. Estes, em exceção ao critério territorial, não são considerados
brasileiros natos.
Além disso, são considerados brasileiros natos os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro
ou de mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;
Nesta hipótese há uma concessão ao jus sanguinis, pois a nacionalidade brasileira é
reconhecida em função da nacionalidade do pai ou da mãe. Porém, para que incida este critério é
preciso ainda que qualquer um dos pais esteja a serviço do Brasil.
Se o brasileiro estiver no estrangeiro servindo qualquer órgão público do Brasil, a que título
for, seu filho nascido fora do território nacional será considerado brasileiro nato, independente de
qualquer outra providência.
Ainda, são reconhecidos como brasileiros natos os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro
ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a
residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a
maioridade, pela nacionalidade brasileira; (redação da EC 54/07)
O dispositivo, resgatando regra anterior, estabelece a possibilidade de aquisição da
nacionalidade brasileira originária através do ato de registro em repartição brasileira competente.

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DIREITO CONSTITUCIONAL
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Na segunda parte, o filho de pai brasileiro ou mãe brasileira, que não estejam a serviço do
Brasil, e vier a residir no Brasil e optar, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela
nacionalidade brasileira. É a denominada nacionalidade potestativa, porquanto decorre da exclusiva
vontade (opção) do filho.

11.1.3.2. BRASILEIROS NATURALIZADOS


São considerados brasileiros naturalizados os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade
brasileira, exigidos aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano
ininterrupto e idoneidade moral;
A Constituição Federal de 1988 prevê apenas um modo de aquisição da nacionalidade de
forma secundária: pela naturalização, que é, por definição, o ato pelo qual uma pessoa adquire a
nacionalidade de outro país.
O sistema constitucional pátrio reconhece apenas a naturalização expressa, ou seja, aquela
em que a pessoa interessada em adquirir a nacionalidade brasileira deve expressamente requerê-la.
Não se admite a naturalização tácita.
A naturalização expressa no art. 12, inciso II, alínea “a” da Constituição é a dita naturalização
ordinária. É aquela que se concede ao estrangeiro residente no país que preencha os requisitos
previstos na lei de naturalização (Estatuto dos Estrangeiros, Lei nº 6.815/80), exigindo-se das pessoas
originárias de países de língua portuguesa somente a residência por um ano ininterrupto e
idoneidade moral.
Há, ainda, a possibilidade de naturalização de estrangeiros de qualquer nacionalidade,
residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação
penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira.

11.1.3.3. TRATADO DE RECIPROCIDADE COM PORTUGAL


Constitui um tratamento diferenciado estabelecido em relação aos portugueses, em razão
dos vínculos históricos que ligam Brasil e Portugal. Nesse caso, o português conserva sua
nacionalidade de origem, não adquire a brasileira, mas tem assegurados todos os direitos
garantidos aos brasileiros naturalizados, desde que não haja vedação

11.2. CONDIÇÃO JURÍDICA DO BRASILEIRO NATO E DO BRASILEIRO


NATURALIZADO
As condições de brasileiro nato e naturalizado implicam algumas distinções com relação ao
exercício de determinados direitos. A regra geral é a igualdade entre brasileiros natos e naturalizados
(assim, quando se fala apenas em “brasileiro” significa o nato ou o naturalizado), mas a Constituição,
e somente ela, pode estabelecer algumas diferenciações.
Assim, a Constituição de 1988, em virtude de interesses nacionais, reservou cargos
estratégicos aos brasileiros natos.
CRFB/88, art. 12, § 2º - a lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e
naturalizados, salvo nos casos previstos nesta Constituição, contudo, o § 3º reconhece que são
privativos de brasileiro nato os cargos:
I - de Presidente e Vice-Presidente da República;
II - de Presidente da Câmara dos Deputados;
III - de Presidente do Senado Federal;

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DIREITO CONSTITUCIONAL
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IV - de Ministro do Supremo Tribunal Federal;
V - da carreira diplomática;
VI - de oficial das Forças Armadas;
VII – de Ministro de Estado de Defesa.
Os quatro primeiros cargos privativos de brasileiro nato (art. 12, § 3º, I-IV) dizem respeito à
linha sucessória do Presidente. Os três últimos (art. 12, § 3º, V-VII), à segurança nacional, em virtude
de suas posições estratégicas nos negócios do Estado.
Outras distinções entre brasileiros natos e naturalizados foram estabelecidas no corpo
constitucional. Por exemplo, o art. 5º, LI, que determina que nenhum brasileiro será extraditado,
salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado
envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei;
Ou seja, o brasileiro nato em hipótese alguma será extraditado; já o naturalizado poderá ser,
caso tenha praticado crime comum antes da naturalização, ou se tiver comprovadamente
envolvimento com o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins.
Alem desse, deve-se citar o art. 89 e o art. 222. O primeiro reconhece que o Conselho da
República é o órgão superior de consulta do Presidente da República, e dele participam, entre outras
pessoas com cargos privativos para brasileiros natos, seis cidadãos brasileiros natos, com mais de
trinta e cinco anos de idade, sendo dois nomeados pelo Presidente da República, dois eleitos pelo
Senado Federal e dois eleitos pela Câmara dos Deputados, todos com mandato de três anos, vedada
a recondução.
Já o segundo limita a propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons
e imagens, a qual é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de 10 (dez) anos, ou de
pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País.

11.3. PERDA DE NACIONALIDADE BRASILEIRA


Há duas possibilidades de perda de nacionalidade pelo brasileiro. Será declarada a perda da
nacionalidade do brasileiro que tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude
de atividade nociva ao interesse nacional;
Hipótese de perda necessária da nacionalidade brasileira. Não se aplica ao brasileiro nato.
Aquele que tiver cancelada sua naturalização por sentença judicial poderá readquiri-la por ação
rescisória.
Poderá, ainda, perder a nacionalidade o brasileiro que adquirir outra nacionalidade, salvo nos
casos de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira ou de imposição de
naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em Estado estrangeiro, como condição
para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis.
Assim, a pessoa que adquire, voluntariamente, a nacionalidade de outro país evidencia a
falta de consistência de seu vínculo com o Brasil. A decisão, nesse caso, compete ao Presidente da
República.
A ressalva da primeira situação justifica-se pelo fato de que, nesse caso, a aquisição de
nacionalidade de outro país não foi voluntária. É a situação jurídica do polipátrida.
A ressalva da segunda situação, por sua vez, justifica-se tendo em vista a necessidade da
naturalização para que o brasileiro permaneça em outro país ou exercite seus direitos civis.

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DIREITO CONSTITUCIONAL
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11.4. SITUAÇÃO DO ESTRANGEIRO NO PAÍS


Estrangeiro é aquele que nasceu fora do território nacional e que não adquiriu a
nacionalidade brasileira. Os estrangeiros residentes no país integram a população brasileira e
convivem com os nacionais sob o domínio da ordenação jurídico-política pátria. Gozam, em regra,
dos mesmos direitos e deveres. A eles são assegurados direitos fundamentais individuais e sociais.
No entanto, não adquirem direitos políticos.

11.5. SÍMBOLOS DO ESTADO BRASILEIRO


A CF reconhece em seu art. 13 que a língua portuguesa é o idioma oficial da República
Federativa do Brasil. Ainda, reconhece como símbolos da República Federativa do Brasil a bandeira, o
hino, as armas e o selo nacionais, permitindo que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
tenham símbolos próprios.

DIREITOS POLÍTICOS

12.1. SOBERANIA POPULAR


Os direitos políticos constituem um desdobramento do princípio democrático inscrito no artigo
1º, parágrafo único da CF, que afirma todo o poder emanar do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente.
Assim, os direitos políticos constituem-se num conjunto de regras disciplinadoras da atuação
da soberania popular, permitindo ao cidadão o exercício concreto da liberdade de participação nos
negócios políticos do Estado, de maneira a conferir os atributos da cidadania.

De acordo com o artigo 14 da CF, a soberania popular é exercida pelo sufrágio universal e pelo
voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante plebiscito,
referendo e iniciativa popular.

12.1.1. SUFRÁGIO
O direito de sufrágio é a essência do direito político, expressando-se pela capacidade de eleger
e de ser eleito. Dessa forma, o direito de sufrágio se apresenta em duas grandes dimensões: o direito
de votar e o direito de ser votado.

As palavras sufrágio e voto têm sido, ao longo do tempo, utilizadas como sinônimas, quando,
na verdade, não o são. A própria redação do artigo 14 da CF, ao dizer que o sufrágio é universal e o
voto é direto, secreto e tem valor igual, confere-lhes significados diferentes.

Sufrágio é direito público subjetivo de natureza política, que tem o cidadão de eleger, de ser
eleito e de participar da organização e da atividade do poder estatal.

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DIREITO CONSTITUCIONAL
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No Brasil, por imposição da própria CF, o sufrágio é universal. Vale dizer: o direito de votar e
ser votado é concedido a todos os nacionais, independentemente de fixação de condições de
nascimento, econômicas, culturais ou outras características especiais.
A existência, no direito brasileiro, de requisitos de forma, como necessidade de alistamento
eleitoral e de fundo, como nacionalidade e idade mínima, não retiram a universalidade do sufrágio.

Na democracia, o povo, com mais ou com menos requinte, governa-se a si mesmo e decide o
seu destino. Faz-se representar, sendo o voto o instrumento da representação. O voto é, o
instrumento da democracia formal, procedimental.

O povo é a fonte de todo o poder, mas não é o poder. O povo vota em representantes, que são
seus delegados e que agem em seu nome. Nas democracias o povo é a única fonte de poder, que o
transmite, em eleições periódicas, aos seus representantes.

O direito de sufrágio, no tocante ao direito de eleger, ou seja, a capacidade eleitoral ativa, é


exercido por meio do direito do voto, que é o instrumento de exercício do direito de sufrágio.

O voto é direito público subjetivo, sem, contudo, deixar de ser uma função política e social de
soberania popular na democracia representativa, mesmo porque, no Brasil, ele é obrigatório para
maiores de 18 e menores de 70 anos de idade.

Por disposição do artigo 7º da Lei n˚ 6.091/74, o eleitor que deixar de votar e não se justificar
perante o Juiz Eleitoral até sessenta dias após a realização da eleição incorre na multa de três a dez
por cento sobre o salário mínimo da região, imposta pelo Juiz Eleitoral e cobrada na forma prevista
no artigo 367 da Lei n˚ 4.737, de 15 de julho de 1965.

Pelo artigo 16 daquela mesma lei, o eleitor que deixar de votar por se encontrar ausente de
seu domicílio eleitoral deverá justificar a falta, no prazo de 60 (sessenta) dias, por meio de
requerimento dirigido ao Juiz Eleitoral de sua Zona de inscrição, que mandará anotar o fato na
respectiva folha individual de votação. Estando no Exterior no dia em que se realizarem eleições, o
eleitor terá o prazo de 30 (trinta) dias, a contar de sua volta ao País, para a justificação.

No Brasil, entre 1891 e 1930 e de 1946 a 1964, a prática foi a da eleição direta, ou seja, a
eleição de representantes pelo voto direto de cada eleitor. Depois de 1964, com o regime autoritário
estabelecido, adotou-se a eleição indireta: somente por meio do voto dos membros do Poder
Legislativo eram eleitos o Presidente da República o Vice-Presidente da República, os Governadores
de Estados Federados e os respectivos Vice-Governadores.

Foi com o advento da Emenda constitucional nº 15/1980 que se restabeleceu a eleição direta
para Governadores e Vice-Governadores. Mais tarde, com a promulgação da Emenda Constitucional
nº 25, já em 1985, restou novamente implantada a eleição direta para Presidente e Vice-Presidente
da República.

A eleição direta, assim como a indireta, convive bem em qualquer regime democrático, desde
que, à toda evidência, assegure-se a liberdade do voto sem intimidação ou coação, sem a edição de
um regime de exceção, que é a mutilação do Estado de Direito.
O artigo 14, ora em comento, contém a expressão “voto direto e secreto”. Com isso, não
houve recepção de parte do artigo 2.º do Código Eleitoral que, por ter sido editado em 1965, em
pleno regime autoritário, permitia a eleição indireta.

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12.1.2. PLEBISCITO, REFERENDO E INICIATIVA POPULAR


Além do voto direto e secreto, os incisos do artigo 14 da CF estatuem que a soberania popular
também é também exercida por meio de plebiscito, de referendo e de iniciativa popular.

Essa disposição constitucional é repetida pelo artigo 1º da Lei n˚ 9.709/98, que é a lei
reguladora destas três dimensões do exercício da soberania popular no Brasil.

Plebiscito e referendo são consultas formuladas ao povo para que delibere sobre matéria de
acentuada relevância, de natureza constitucional, legislativa ou administrativa.

O plebiscito é convocado com anterioridade a ato legislativo ou administrativo, cabendo ao


povo, pelo voto, aprovar ou não o que lhe tenha sido submetido.

Convocado o plebiscito em relação a projeto legislativo ou medida administrativa,


evidentemente ainda não efetivados, têm suas tramitações suspensas até a proclamação do
resultado das urnas.
O referendo é convocado em momento posterior a ato legislativo ou administrativo,
cumprindo ao povo a respectiva ratificação ou rejeição.
O referendo pode ser convocado no prazo de trinta dias, a contar da promulgação de lei ou
adoção de medida administrativa que se relacione de maneira direta com a consulta popular (Lei n˚
9.709/98).

Nas questões de relevância nacional, de competência do Poder Legislativo ou do Poder


Executivo, o plebiscito e o referendo são convocados mediante decreto legislativo, por proposta de,
no mínimo, um terço dos membros que compõem qualquer uma das Casas do Congresso Nacional
(artigo 3º da Lei n˚ 9.709/98).

Qualquer assunto, desde que relevante e de interesse nacional, pode ser levado à consulta
direta do povo, quer anteriormente ao ato, mediante plebiscito, quer posteriormente, por meio de
referendo. Com respeito ao plebiscito, ele é obrigatório para decidir a respeito dos assuntos
previstos nos §§ 3º e 4˚ do artigo 18 da CF.195

Não nos esqueçamos, também, da regra do artigo 2˚ do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias.196

A iniciativa popular consiste na apresentação de projeto de lei à Câmara dos Deputados,


subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco
Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles (CF, artigo 61, §
2˚).

195 CF, Art. 18. “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal
e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição. § 3º - Os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou
desmembrar-se para se anexarem a outros, ou formarem novos Estados ou Territórios Federais, mediante aprovação da população
diretamente interessada, através de plebiscito, e do Congresso Nacional, por lei complementar. § 4º A criação, a incorporação, a fusão e o
desmembramento de Municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por Lei Complementar Federal, e dependerão
de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal,
apresentados e publicados na forma da lei.”
196 Art. 2˚. “No dia 7 de setembro de 1993 o eleitorado definirá, através de plebiscito, a forma (república ou monarquia constitucional) e o

sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que devem vigorar no país.”

128
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS

Tendo em vista tratar-se de projeto de lei elaborado por pessoas do povo, o artigo 13, § 2º da
Lei n˚ 9.709/98 veda a rejeição de projeto de lei de iniciativa popular por vício de forma, cabendo à
Câmara dos Deputados, por seu órgão competente, providenciar a correção de eventuais
impropriedades de técnica legislativa ou de redação.

12.2. PROCESSO ELEITORAL


12.2.1. ALISTAMENTO ELEITORAL
O alistamento antecede o voto, como um processo eleitoral afim ou secundário. O alistamento
é realizado com a qualificação e a inscrição do eleitor. Por qualificação entende-se a prova de que o
cidadão satisfaz às exigências legais para exercer o direito de voto. Por inscrição entende-se a
inclusão do nome do eleitor qualificado no rol dos eleitores.

Assim, o alistamento é um processo eleitoral que consiste na composição da identidade, da


idade, da filiação, da nacionalidade, do estado civil, da profissão e da residência do eleitor,
habilitando-o à inclusão na lista de eleitores para fins de voto, de elegibilidade e de filiação
partidária, após a expedição do respectivo título eleitoral.

O alistamento eleitoral e o voto são obrigatórios para os maiores de 18 anos e facultativos


para os analfabetos, os maiores de 70 anos e os maiores de 16 anos e menores de 18 anos (CF,
artigo 14, § 1º).

Não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o período do serviço militar
obrigatório, os conscritos (CF, artigo 14, § 2º).

Os §§ 1º e 2º do artigo 14 da CF tratam da chamada capacidade eleitoral ativa, ou seja, da


possibilidade de votar. É o exercício do direito de sufrágio.

A partir do advento da Constituição de 1988 o exercício da capacidade eleitoral ativa se opera


pelas disposições nela previstas. Assim, como o Constituinte Originário ampliou o universo daqueles
que votam – pois incluídos, como facultativamente alistáveis e detentores do direito de voto, os
analfabetos e aqueles que têm idades entre dezesseis e dezoito anos – não há falar em recepção dos
artigos 4º a 6º do Código Eleitoral.

Aqui uma observação é muito importante: os estrangeiros não detêm capacidade eleitoral
ativa, motivo pelo qual não podem votar nas eleições brasileiras. Assim, a primeira conclusão é a de
que somente os brasileiros natos e naturalizados podem eleger os representantes no Brasil (CF,
artigo 14, § 2˚). Contudo, conforme mencionado no capítulo em que tratamos da nacionalidade,
existe ainda o caso do português equiparado, ao qual, se houver reciprocidade em favor de
brasileiros, são atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro naturalizado (civis e, inclusive, políticos).
Portanto, cabe-nos ressaltar que o português equiparado, enquanto houver reciprocidade por parte
de Portugal com relação aos brasileiros lá residentes, tem capacidade eleitoral ativa.

12.2.2. CONDIÇÕES DE ELEGIBILIDADE


São condições de elegibilidade: nacionalidade brasileira; pleno exercício dos direitos
políticos; alistamento eleitoral; domicílio eleitoral na circunscrição; filiação partidária; e idade
mínima (CF, artigo 14, § 3º).

O artigo 14, § 3º, ao dispor sobre as condições de elegibilidade, trata da chamada capacidade
eleitoral passiva, ou seja, da possibilidade de ser votado.

129
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS

12.2.2.1. NACIONALIDADE BRASILEIRA


A condição da nacionalidade brasileira apresenta-se em relação a todos os cargos eletivos.

12.2.2.2. PLENO EXERCÍCIO DOS DIREITOS POLÍTICOS


Este requisito deve ser analisado em conjunto com as regras do artigo 15 da CF, segundo o
qual é vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:
cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado; incapacidade civil absoluta;
condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos; recusa de cumprir
obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do artigo 5º, inciso VIII da CF;197
improbidade administrativa, nos termos do artigo 37, § 4º da CF.198

Preliminarmente, lembremos que é expressamente vedada a cassação de direitos políticos.

Somente os brasileiros natos, naturalizados e os portugueses equiparados que possuem


capacidade eleitoral ativa. Portanto, o brasileiro naturalizado que tiver cancelada a respectiva
naturalização, por sentença transitada em julgado, perde os direitos políticos no Brasil.

A incapacidade civil absoluta: não acarreta perda, mas suspensão de direitos políticos.

Outra hipótese de suspensão – e não de perda – de direitos políticos decorre de condenação


criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos. Os efeitos da condenação
perduram enquanto não extinta a pretensão executória estatal, seja pelo cumprimento da pena ou
pela prescrição.

Já a recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do


artigo 5º, inciso VIII da CF ocasiona a perda dos direitos políticos.

Por fim a improbidade administrativa, nos termos do artigo 37, § 4º: a CF prevê a suspensão
dos direitos políticos.

12.2.2.3. ALISTAMENTO ELEITORAL


Conforme mencionado acima, o alistamento antecede o voto, como um processo eleitoral
afim ou secundário. O alistamento é um processo eleitoral que consiste na composição da
identidade, da idade, da filiação, da nacionalidade, do estado civil, da profissão e da residência do
eleitor, habilitando-o à inclusão na lista de eleitores para fins de voto, de elegibilidade e de filiação
partidária, após a expedição do respectivo título eleitoral.

12.2.2.4. DOMICÍLIO ELEITORAL NA CIRCUNSCRIÇÃO


Domicílio, residência e habitação são coisas diferentes, pela sua graduação e importância. Uma
pessoa pode habitar em um local sem nele residir, pois pode estar apenas de passagem; pode, ainda,
ter a residência em um local, sem nela fixar domicílio porque este decorre da fixação de residência
com ânimo definitivo.

197 Art. 5º. “VIII - Ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar
para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”.
198 Art. 37. “§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a

indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.”

130
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
O Código Eleitoral é expresso quanto à determinação do domicílio eleitoral. Este é importante
não somente para o efeito da inscrição, a fim de se obter o título eleitoral, mas ainda como condição
de elegibilidade.
Código Eleitoral, em seu artigo 42, parágrafo único, dispõe que, para o efeito da inscrição, é
domicílio eleitoral o lugar de residência ou moradia do requerente e, verificando-se ter o alistado
mais de uma, considerar-se-á domicílio qualquer delas.
Percebe-se, assim, que o Código Eleitoral não fez coincidir o domicílio eleitoral com o domicílio
civil. Justifica-se: o domicílio eleitoral prescinde da análise do ânimo de fixação em determinado
lugar de forma definitiva.

12.2.2.5. FILIAÇÃO PARTIDÁRIA


A filiação partidária é precedida do alistamento eleitoral. Depois de expedido o título eleitoral
o interessado poderá buscar sua filiação a partido político que consinta com seu ingresso na
qualidade de membro. O eleitor para poder filiar-se a partido político deve estar em pleno gozo de
seus direitos políticos. Considera-se deferida a filiação partidária com o atendimento das regras
estatutárias do partido.

O eleitor só pode estar filiado a um único partido político. Se desejar filiar-se a outro, não
necessita fazer comunicação prévia, mas após a segunda filiação no dia imediato à ocorrência, deve
fazer comunicação ao partido e ao Juiz de sua respectiva Zona Eleitoral, para cancelar sua filiação; se
não o fizer nesse prazo, fica configurada dupla filiação, sendo ambas consideradas nulas.

Partido político não pode ser coagido a admitir o ingresso de pretenso membro, afinal, aos
partidos políticos é constitucionalmente assegurada autonomia para definir sua estrutura interna,
organização e funcionamento, devendo seus estatutos estabelecer normas de fidelidade e disciplina
partidárias (CF, artigo 17, § 1º).

Assim, desde que a negativa seja feita com base em previsões estatutárias, não há falar em
ilegalidade nas hipóteses em que o partido rejeita o ingresso de alguém à agremiação.

12.2.2.6. IDADE MÍNIMA


A idade mínima depende do cargo almejado pelo pretenso candidato: 35 anos para
Presidente e Vice-Presidente da República e Senador; 30 anos para Governador e Vice-Governador
de Estado e do Distrito Federal; 21 anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital,
Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz; 18 anos para Vereador.

A idade mínima constitucionalmente estabelecida como condição de elegibilidade é verificada


tendo por referência a data da posse, salvo quando fixada em dezoito anos, hipótese em que será
aferida na data-limite para o pedido de registro. (Lei n˚ 9.504/97, artigo 11, § 2º, com redação dada
pela Lei nº 13.165, de 2015).

12.2.3. INELEGIBILIDADES
Obviamente, quem não pode se alistar como eleitor (e, a partir do alistamento, exercer
capacidade eleitoral ativa) não pode se candidatar (capacidade eleitoral passiva). Esta é a razão de o
§ 4º do artigo 14 da CF mencionar que são inelegíveis os inalistáveis.

As inelegibilidades são também conhecidas por direitos políticos negativos.

131
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS

Somente podem ser eleitos os alistáveis, isto é, os que possuem capacidade eleitoral ativa.
Dessa forma os conscritos (durante o período de serviço militar obrigatório) e os estrangeiros
também não podem se alistar como candidatos.

Os analfabetos, embora possam exercer de forma facultativa o direito de alistamento eleitoral


e o direito de voto não possuem capacidade eleitoral passiva (CF, art. 14 § 4º).

As inelegibilidades, por se consubstanciarem em impedimentos ao exercício da capacidade


eleitoral passiva, classificam-se, quanto à abrangência, em inelegibilidades absolutas e
inelegibilidades relativas.

12.2.3.1. INELEGIBILIDADES ABSOLUTAS


Inelegibilidades absolutas são as que impedem aos que nelas se enquadrarem de se
candidatar a quaisquer cargos eletivos. Quem se encontrar em tal situação não pode ser candidato
e, portanto, está proibido de concorrer a qualquer eleição, para qualquer mandato.

São inelegibilidades absolutas as relacionadas aos inalistáveis, aos estrangeiros, aos que
estejam privados de seus direitos políticos em face de declaração de perda e aos que não possuam
filiação partidária.

Convém ressaltar que as inelegibilidades previstas na CF não são as únicas, pois o próprio
constituinte propugnou que lei complementar “estabelecerá outros casos e os prazos de cessação, a
fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada
a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do
poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta e
indireta” (artigo 14, § 9º).

Editou-se, então, a Lei Complementar n˚ 64/90, que arrolou vários outros casos de
inelegibilidades absolutas. Adveio, então, a chamada Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº
135/2010), que alterou profundamente as disposições da LC 64/90, em especial no tocante às
inelegibilidades absolutas. Nos termos das atuais disposições, previstas na LC nº 135/2010, dentre as
várias hipóteses de inelegibilidades absolutas destacam-se as seguintes:

- Dos que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão
judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o
cumprimento da pena, por crimes: contra a economia popular, a fé pública, a administração pública
e o patrimônio público; contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e
os previstos na lei que regula a falência; contra o meio ambiente e a saúde pública; eleitorais, para
os quais a lei comine pena privativa de liberdade; de abuso de autoridade, nos casos em que houver
condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública; de lavagem ou
ocultação de bens, direitos e valores; de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura,
terrorismo e hediondos; de redução à condição análoga à de escravo; contra a vida e a dignidade
sexual; e praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando (LC 135/2010, art. 1º, I, “e”).199

A alínea “e” do artigo 1º, inciso I da LC 64/90 foi o dispositivo que sofreu as maiores e mais
importantes alterações com o advento da Lei da Ficha Limpa (LC 35/2010). Com efeito, a redação
original previa a inelegibilidade por apenas 03 anos após o cumprimento da pena e as hipóteses de

199Estas inelegibilidades não se aplicam aos crimes culposos e àqueles definidos em lei como de menor potencial ofensivo, nem aos crimes
de ação penal privada (LC 64/90, artigo 1º, § 4º).

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DIREITO CONSTITUCIONAL
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subsunção eram bem mais escassas (crime contra a economia popular, a fé pública, a administração
pública, o patrimônio público, o mercado financeiro, tráfico de entorpecentes e crimes eleitorais).

Além disso, a mais interessante alteração é a possibilidade de a inelegibilidade ser decorrente


não só de decisão criminal transitada em julgado (como constava da redação original da LC 64/90),
mas também de decisão proferida por órgão judicial colegiado.

Assim, com base na redação atual deste dispositivo, é possível o reconhecimento de


inelegibilidade absoluta em relação aos crimes nele mencionados, mesmo sem o trânsito em julgado
de decisão criminal, bastando, para tanto, que a decisão tenha sido proferida por órgão judicial
colegiado, o que permite-nos afirmar: quando a ação penal tiver iniciado no primeiro grau de
jurisdição (Justiças Estadual e Federal de primeira instância), a partir do momento em que o tribunal
correspondente (Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal) julgar eventual apelação da qual
advenha provimento condenatório, estaremos diante da inelegibilidade em comento; nos casos de
competências criminais originárias dos tribunais200 bastará a decisão colegiada, mesmo pendente de
recurso, para a aplicação da inelegibilidade sob análise.

A condenação por qualquer crime acarreta a suspensão dos direitos políticos e a consequente
inelegibilidade (artigo 15, inciso III da CF). Porém, essa inelegibilidade, em se tratando de crimes não
listados pelo artigo 1º, inciso I, “e” da LC nº 64/90, durará apenas enquanto durarem os efeitos da
condenação.

- Dos que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas
por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por
decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder
Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da
decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do artigo 71 da CF,201 a todos os ordenadores de
despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição (redação da LC nº
135/2010).

Embora a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92) contenha a previsão de atos


ímprobos nas modalidades dolosa e culposa (artigo 10), somente a hipótese dolosa pode acarretar a
inelegibilidade de que trata esta alínea.

- Dos detentores de cargo na administração pública direta, indireta ou fundacional, que


beneficiarem a si ou a terceiros, pelo abuso do poder econômico ou político, que forem condenados
em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, para a eleição na qual
concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos
seguintes (redação da LC nº 135/2010).

Este dispositivo teve a mesma alteração da alínea “e”, acima comentada, no tocante à
possibilidade de declarar-se inelegível o candidato em face de sentença transitada em julgado ou
proferida por órgão judicial colegiado. Ressalte-se que a previsão em comento destinação aos casos
de abuso do poder econômico ou político.

200 Citem-se, como exemplos: o julgamento do Prefeito perante o Tribunal de Justiça (CF, artigo 29, inciso X); o julgamento pelo STF, por
crimes comuns, do Presidente da República, do Vice-Presidente, dos membros do Congresso Nacional, de seus próprios Ministros e do
Procurador-Geral da República (CF, artigo 102, inciso I, “b”); o julgamento dos Juízes Federais perante o TRF respectivo (CF, artigo 108, I,
“a”); etc.
201 Art. 71. “O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual

compete: II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e
indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a
perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público.”

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DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
- Dos que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em
julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa
que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito
em julgado até o transcurso do prazo de 08 anos após o cumprimento da pena (incluído pela LC nº
135/2010).

Este dispositivo teve a mesma alteração da alínea “e”, acima comentada, no tocante à
possibilidade de declarar-se inelegível o candidato em face de sentença transitada em julgado ou
proferida por órgão judicial colegiado. Ressalte-se que a previsão em comento destinação aos casos
de ato doloso de improbidade administrativa que acarrete lesão ao patrimônio público e
enriquecimento ilícito.
12.2.3.2. INELEGIBILIDADES RELATIVAS
Inelegibilidades relativas constituem-se em impedimentos temporários ao direito da pessoa
de se candidatar a um cargo eletivo. O relativamente inelegível está subordinado a determinadas
restrições constitucionais ou legais, sendo-lhe vedado o direito de concorrer a pleito eletivo,
enquanto durarem os efeitos das restrições.
As inelegibilidades relativas compreendem três modalidades.
A primeira diz respeito ao exercício de certas funções. É a inelegibilidade funcional. A segunda
concerne ao parentesco (inelegibilidade por parentesco); e a terceira abrange certos requisitos que
a lei inclui como indispensáveis para que o cidadão possa concorrer a pleito eletivo, como a
obrigatoriedade de domicílio eleitoral no Estado ou no Município, a filiação partidária e a
compatibilidade de idade.

De acordo com a CF, o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito


Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos podem ser
reeleitos para um único período subsequente. Para concorrerem a outros cargos, o Presidente da
República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem renunciar aos
respectivos mandatos até seis meses antes do pleito (CF, artigo 14, §§ 5º e 6º).
Os §§ 5º e 6º do artigo 14 tratam de inelegibilidades relativas funcionais para fins de
reeleição (que é a possibilidade de se reeleger num mesmo cargo para mandato subsequente).
Pressupõem a desincompatibilização, que significa deixar, sair da situação de incompatibilidade com
o pleito de mandato eletivo (o que normalmente ocorre pelo afastamento do cargo que o postulante
está ocupando em razão da iminente candidatura para outros cargos).
Reeleição. A disposição constitucional do artigo 14, § 5˚ envolve um direito e uma restrição:
direito de os chefes dos executivos federal, estaduais e municipais serem reeleitos para um segundo
mandato e restrição à reeleição para mandatos subsequentes, desde que contínuos.
Alternadamente, nada impede que o candidato seja eleito várias vezes para o mesmo cargo.
Atenção: essa regra só atinge aqueles que exerceram o cargo de chefe do Poder Executivo em
qualquer nível de poder, não se aplicando aos cargos do Legislativo, cujos titulares poderão se
reeleger para quantas legislaturas almejarem.
Desincompatibilização. O exercício dos cargos de Presidente da República, Governador e
Prefeito (mais uma vez somente com relação aos chefes do Poder Executivo) é incompatível com a
candidatura a outros cargos eletivos na eleição subsequente e, por isso, exige-se que haja renúncia
aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito. Essa desincompatibilização só é exigida se o
candidato pleitear outro cargo, não se aplicando à reeleição para o mesmo cargo, quando permitida
constitucionalmente.

134
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
Além desta previsão constitucional, a LC nº 64/90 (artigo 1º, inciso II) prevê outros casos em
que se exige a desincompatibilização, com prazos variáveis de acordo com o cargo que o postulante
esteja exercendo. Todos esses casos geram, por conseguinte, inelegibilidades relativas funcionais
que podem ser afastadas pela desincompatibilização.
São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consanguíneos
ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou
Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses
anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição (CF, artigo 14, §
7º).
O § 7˚ do artigo 14 dispõe a respeito das inelegibilidades relativas (ou reflexas) por motivo de
parentesco.
Ao exemplo das anteriores, previu-se a inelegibilidade por motivo de parentesco, visando
impedir a formação de oligarquias vinculadas ao parentesco, ao sangue e à afinidade.

A restrição atinge os parentes dos chefes do Poder Executivo e de todos aqueles que os
substituíram, desde que essa substituição tenha se processado nos seis meses anteriores ao pleito.
Não há aplicação dessa regra ao Legislativo.

A inelegibilidade é só para o cargo da jurisdição do titular do cargo. Assim, nada impede que o
parente do prefeito seja candidato em outro município, os do governador em outro Estado ou
mesmo para Presidente da República. Porém os do Presidente não poderão se candidatar a nenhum
cargo, já que a jurisdição atinge a todo o território nacional.

Quanto à inelegibilidade por motivo de idade, conforme mencionado linhas acima, a idade
mínima depende do cargo almejado pelo pretenso candidato (35 anos para Presidente e Vice-
Presidente da República e Senador; 30 anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do
Distrito Federal; 21 anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-
Prefeito e juiz de paz; 18 anos para Vereador) e deve ser verificada tendo-se por referência a data da
posse, salvo quando fixada em dezoito anos, hipótese em que será aferida na data-limite para o
pedido de registro. (Lei n˚ 9.504/97, artigo 11, § 2º, redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015).

Inelegibilidades por motivo de domicílio eleitoral e filiação partidária. A Lei nº 9.504/97, no


art, 9º com redação dada pela lei nº 13.165/2013, Para concorrer às eleições, o candidato deverá
possuir domicílio eleitoral na respectiva circunscrição pelo prazo de, pelo menos, um ano antes do
pleito, e estar com a filiação deferida pelo partido no mínimo seis meses antes da data da eleição. No
caso de ter havido fusão ou incorporação de partidos nesse lapso temporal, considera-se, para efeito
de filiação partidária, a data de filiação do candidato ao partido de origem.

Por outro lado, a Lei nº 9.096/95 – Lei dos Partidos Políticos –, dispõe202 que na segunda
semana dos meses de abril e outubro de cada ano o partido, por seus órgãos de direção municipal,
regional ou nacional, deve remeter aos Juízes Eleitorais a relação dos nomes de todos os seus
filiados, da qual constará a data de filiação, o número dos títulos eleitorais e das Seções em que
estão inscritos (essa disposição consta também no artigo 103 da Lei nº 9.504/97).

A Lei dos Partidos Políticos, embora faculte ao partido político o estabelecimento, em seu
estatuto, de prazos de filiação partidária superiores aos nela previstos no tocante à candidatura a
cargos eletivos, proíbe a alteração dos prazos estatutários no ano da eleição.

202 Artigo 19 e seguintes.

135
DIREITO CONSTITUCIONAL
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12.2.3.3. A LEI DA FICHA LIMPA
A Lei da Ficha Limpa originou-se da iniciativa popular203. O Projeto de Lei Popular nº 519/2009
contou com a simpatia e a aprovação de mais de 2 milhões de eleitores que aderiram à Campanha da
Ficha Limpa e, juntos, atingiram os requisitos constitucionalmente estabelecidos204 para o envio, à
Câmara dos Deputados. Depois de aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo Presidente
da República, o projeto converteu-se na Lei Complementar nº 135/2010.

A LC nº 135/2010 alterou profundamente as disposições da LC 64/90, em especial no tocante


às inelegibilidades absolutas.

Vários dispositivos foram alterados e outros tantos foram incluídos dentre as hipóteses de
inelegibilidades absolutas. Era chegada a hora de elevar os padrões de moralidade em grande parte
do contexto eleitoral brasileiro. Na comparação das redações (original e atual) percebe-se,
claramente, o objetivo moralizador da LC 135/2010.

Basta que nos atentemos às atuais previsões de inelegibilidades em razão: de atos dolosos de
improbidade administrativa; da prática de uma extensa lista de crimes; de abuso do poder
econômico ou político; de corrupção eleitoral, captação ilícita de sufrágio, captação ou gastos ilícitos
de recursos de campanha; da prática de conduta vedada aos agentes públicos em campanhas
eleitorais; da renúncia a mandato em razão do oferecimento de representação ou petição capaz de
autorizar a abertura de processo eleitoral; da exclusão do exercício da profissão, em decorrência de
infração ético-profissional; do desfazimento de vínculo conjugal ou de união estável para evitar
caracterização de inelegibilidade; de demissão do serviço; de, enquanto pessoa física ou dirigente de
pessoa jurídica, fazer doações eleitorais tidas por ilegais nos contextos eleitorais, de aposentadorias
compulsórias ou perda de cargos.

O Plenário do STF, ao julgar o RE 633703, decidiu, por apertada maioria (06 contra 05 votos)205,
que a LC 135, que havia entrado em vigor no dia 07/06/2010, não era aplicável às eleições daquele
ano em razão do disposto no artigo 16 da CF: “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor
na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua
vigência”.

Conforme mencionado no Informativo nº 620 do STF: “No mérito, prevaleceu o voto do Min.
Gilmar Mendes, relator. Após fazer breve retrospecto histórico sobre o princípio da anterioridade
eleitoral na jurisprudência do STF, reafirmou que tal postulado constituiria uma garantia
fundamental do cidadão-eleitor, do cidadão-candidato e dos partidos políticos e, qualificada como
cláusula pétrea, seria oponível, inclusive, em relação ao exercício do poder constituinte derivado. (...)
ressaltou que o princípio da anterioridade eleitoral funcionaria como garantia constitucional do
devido processo legal eleitoral. Registrou, ainda, que esse mesmo princípio também teria um viés de
proteção das minorias, uma vez que a inclusão de novas causas de inelegibilidades diversas das
originalmente previstas na legislação, além de afetar a segurança jurídica e a isonomia inerentes ao
devido processo eleitoral, influenciaria a possibilidade de que as minorias partidárias exercessem
suas estratégias de articulação política em conformidade com as balizas inicialmente instituídas. No
ponto, assinalou que o art. 16 da CF seria uma barreira objetiva contra abusos e desvios da maioria e,
nesse contexto, destacou o papel da jurisdição constitucional que, em situações como a presente,

203
“A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei,
mediante: I - plebiscito; II - referendo; III - iniciativa popular” (CF, artigo 14).
204 “A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por

cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada
um deles” (CF, artigo 61, § 2º).
205 Vencidos os Ministros Carmen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Ayres Britto e Ellen Gracie.

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estaria em estado de tensão com a democracia, haja vista a expectativa da “opinião pública” quanto
ao pronunciamento do Supremo sobre a incidência imediata da “Lei da Ficha Limpa”, como solução
para todas as mazelas da vida política. Ponderou que a missão desta Corte seria aplicar a
Constituição, mesmo que contra a opinião majoritária”.

Estão sob a análise do STF duas ações declaratórias de constitucionalidade e uma ação direta
de inconstitucionalidade, todas tendo por objeto a LC nº 135/2010. A ADC 29 e a ADC 30 foram
ajuizadas, respectivamente, pelo Partido Popular Socialista e pelo Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil. Em ambas o que se pretende a é integral chancela em prol da
constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa. A ADIn 4578 foi proposta pela Confederação Nacional das
Profissões Liberais com o objetivo de se obter a declaração da inconstitucionalidade do artigo 1º,
inciso I, “m” da LC 135/2010206. Após o voto do Min. Luiz Fux (Relator), os autos passaram ao Min.
Joaquim Barbosa, que deles pediu vista. O Min. Luiz Fux abordou a LC nº 135/2010 sob os aspectos
da irretroatividade, da presunção constitucional de inocência, da proporcionalidade e da proibição
de excesso (Informativo nº 647 do STF):

Irretroatividade. “Afirmou que a consideração de fatos anteriores, para fins de aplicação da LC


135/2010, não transgrediria o princípio constitucional da irretroatividade das leis. Distinguiu
retroatividade mínima de retrospectividade, ao definir que, nesta, a lei atribuiria novos efeitos
jurídicos, a partir de sua edição, a fatos ocorridos anteriormente, ao passo que, naquela, seriam
alteradas, por lei, as conseqüências jurídicas desses fatos. No ponto, assinalou que a norma
adversada configuraria caso de retrospectividade, já admitido na jurisprudência do Supremo.
Mencionou que a adequação ao estatuto jurídico eleitoral caracterizaria relação continuativa — que
operaria sob a cláusula rebus sic stantibus — e não integrante de patrimônio jurídico individual
(direito adquirido), de modo a permitir a extensão, para 8 anos, dos prazos de inelegibilidade
originariamente previstos. Aduziu que a imposição de novo requisito negativo (inelegibilidade) não
se confundiria com agravamento de pena e tampouco com bis in idem. Assim, em virtude da
exigência constitucional de moralidade, realçou ser razoável entender-se que um cidadão que se
enquadrasse nas situações dispostas na lei questionada não estaria, a priori, apto a exercer mandato
eletivo”.

Presunção de inocência. “De igual modo, repeliu a alegação de que a norma em comento
ofenderia a presunção constitucional de inocência. Destacou que o exame desse princípio não
deveria ser feito sob enfoque penal e processual penal, mas sim no âmbito eleitoral, em que poderia
ser relativizado. Dessa maneira, propôs a superação de precedentes sobre a matéria, para que se
reconhecesse a legitimidade da previsão legal de inelegibilidades decorrentes de condenações não
definitivas. Ao frisar que o legislador fora cuidadoso ao definir os requisitos de inelegibilidade, para
que fossem evitadas perseguições políticas, e que a sociedade civil cobraria ética no manejo da coisa
pública, sinalizou descompasso entre a jurisprudência e a opinião popular sobre o tema “ficha
limpa”. Nesse contexto, considerou que se conceber o art. 5º, LVII, da CF como impeditivo à
imposição de inelegibilidade a indivíduos condenados criminalmente por decisões não transitadas
em julgado esvaziaria o art. 14, § 9º, da CF, a frustrar o propósito do constituinte reformador de
exigir idoneidade moral para o exercício de mandato eletivo. Afastou eventual invocação ao princípio
da vedação do retrocesso, uma vez que inexistiria pressuposto indispensável à sua aplicação, qual
seja, sedimentação na consciência jurídica geral a demonstrar que a presunção de inocência
estender-se-ia para além da esfera criminal. Ademais, não haveria que se falar em arbitrariedade na
restrição legislativa”.

206São inelegíveis, para qualquer cargo, “os que forem excluídos do exercício da profissão, por decisão sancionatória do órgão profissional
competente, em decorrência de infração ético-profissional, pelo prazo de 8 (oito) anos, salvo se o ato houver sido anulado ou suspenso
pelo Poder Judiciário”.

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Proporcionalidade. “Vislumbrou, também, proporcionalidade nas hipóteses legais de
inelegibilidade. Reconheceu tanto a adequação da norma (à consecução dos fins consagrados nos
princípios relacionados no art. 14, § 9º, da CF) quanto a necessidade ou a exigibilidade (pois impostos
requisitos qualificados de inelegibilidade a ser declarada por órgão colegiado, não obstante a
desnecessidade de decisão judicial com trânsito em julgado). No que concerne ao sub-princípio da
proporcionalidade em sentido estrito, consignou que o sacrifício exigido à liberdade individual de se
candidatar a cargo público eletivo não superaria os benefícios socialmente desejados em termos de
moralidade e de probidade para o exercício de cargos públicos. Aludiu que deveriam ser sopesados
moralidade e democracia, de um lado, e direitos políticos passivos, de outro. Evidenciou não haver
lesão ao núcleo essencial dos direitos políticos, haja vista que apenas o direito passivo seria
restringido, porquanto o cidadão permaneceria em pleno gozo dos seus direitos ativos de
participação política. Reiterou tratar-se de mera validação de ponderação efetuada pelo próprio
legislador que, ante a indeterminação jurídica da expressão “vida pregressa”, densificaria seu
conceito. Nesse aspecto, correto concluir-se por interpretação da Constituição conforme a lei, de
modo a prestigiar a solução legislativa para o preenchimento da conceituação de vida pregressa do
candidato”.
Proibição de excesso. “Por fim, relativamente à alínea k do mesmo diploma, observou que a
renúncia caracterizaria abuso de direito e que o Direito Eleitoral também deveria instituir norma que
o impedisse. Ressurtiu que, no preceito em tela, haveria afronta ao sub-princípio da proibição de
excesso, porque não se exigiria a instauração de processo de perda ou de cassação de mandato,
porém mera representação. Motivo pelo qual assentou a inconstitucionalidade da expressão “o
oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar”, de modo a que fossem inelegíveis o
Presidente da República, o governador de Estado e do Distrito Federal, o prefeito, os membros do
Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas, da Câmara Legislativa, das Câmaras Municipais,
que renunciassem a seus mandatos desde a abertura de processo por infringência a dispositivo da
Constituição Federal, da Constituição estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da lei orgânica
do município, para as eleições que se realizassem durante o período remanescente do mandato para
o qual fossem eleitos e nos 8 anos subseqüentes ao término da legislatura”.

12.3. IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO


O mandato eletivo pode ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias
contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou
fraude. A ação de impugnação de mandato deve tramitar em segredo de justiça, respondendo o
autor, na forma da lei, se temerária ou de manifesta má-fé (CF, artigo 14, §§ 10 e 11).

12.4. ALTERAÇÃO DO PROCESSO ELEITORAL


A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se
aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência (CF, artigo 16). Este é o Princípio
da Anterioridade Eleitoral. Foi com base no artigo 16 da CF que o STF, ao julgar o RE 633703, concluiu
que a Lei da Ficha Limpa, por ter entrado em vigor no dia 07/06/2010, não poderia ser aplicada ás
eleições daquele ano.

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PARTIDOS POLÍTICOS

É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a


soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa
humana e observados os seguintes preceitos: caráter nacional; proibição de recebimento de recursos
financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes; prestação de contas à
Justiça Eleitoral; funcionamento parlamentar de acordo com a lei (CF, artigo 17).
Como se percebe, existe uma grande preocupação com a garantia de que, com o
funcionamento dos partidos – e suas inter-relações – estejam protegidos a soberania nacional e o
regime democrático enquanto elementos essenciais da República Federativa do Brasil (CF, artigo
1º, caput), além do pluripartidarismo político enquanto fundamento da República (CF, artigo 1º,
inciso e V) e dos direitos fundamentais da pessoa humana enquanto princípio regente das relações
internacionais brasileiras (CF, artigo 4º, inciso II).
Em total consonância com tal preocupação, o artigo 17, § 4º veda a utilização, pelos partidos
políticos, de organização paramilitar.
Só é admitido o registro do estatuto de partido político que tenha caráter nacional,
considerando-se como tal aquele que comprove o apoio de eleitores correspondente a, pelo menos,
meio por cento dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, não
computados os votos em branco e os nulos, distribuídos por um terço, ou mais, dos Estados, com um
mínimo de um décimo por cento do eleitorado que haja votado em cada um deles.
O partido político, pessoa jurídica de direito privado, destina-se a assegurar, no interesse do
regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos
fundamentais definidos na Constituição Federal (artigo 1º da Lei nº 9.096/95). Ante sua importância
para a manutenção do regime democrático, para o debate plural de ideologias e para o controle das
atividades do estado, os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso
gratuito ao rádio e à televisão (CF, artigo 17, § 3º).
Os partidos políticos não podem receber subvenções, doações, contribuições ou quaisquer
outros tipos de interferências advindas de entidades ou governos estrangeiros. Contudo, podem
receber doações de pessoas físicas e jurídicas que não se enquadrem nas situações ora mencionadas.
Daí a necessidade de os partidos políticos prestarem contas à Justiça Eleitoral.
O partido político funciona, nas Casas Legislativas, por intermédio de uma bancada, que deve
constituir suas lideranças de acordo com o seu estatuto, as disposições regimentais das respectivas
Casas e as normas da Lei 9.096/90. Tem direito a funcionamento parlamentar, em todas as Casas
Legislativas para as quais tenha elegido representante, o partido que, em cada eleição para a Câmara
dos Deputados obtenha o apoio de, no mínimo, cinco por cento dos votos apurados, não
computados os brancos e os nulos, distribuídos em, pelo menos, um terço dos Estados, com um
mínimo de dois por cento do total de cada um deles.

13.1. AUTONOMIA E PERSONALIDADE JURÍDICA


É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna,
organização e funcionamento, devendo seus estatutos estabelecer normas de fidelidade e disciplina
partidárias (CF, artigo 17, § 1º).

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DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
Os partidos políticos adquirem personalidade jurídica na forma da lei civil. Sendo pessoa
jurídica de direito privado, essa personalidade é adquirida após o registro de seus estatutos, nos
moldes das demais pessoas jurídicas.
O requerimento do registro de partido político deve ser dirigido ao Cartório competente do
Registro Civil das Pessoas Jurídicas, da Capital Federal. No requerimento devem estar indicados os
nomes e as funções dos dirigentes provisórios, bem como o endereço da sede do partido na Capital
Federal. Se todas essas exigências estiverem satisfeitas, o Oficial do Registro Civil efetua o registro no
livro correspondente.
Adquirida a personalidade jurídica, na forma da lei civil (CF, artigo 17, § 2º), os dirigentes
nacionais do partido devem promover o registro do estatuto do partido junto ao Tribunal Superior
Eleitoral (CF, artigo 17, § 2º). Assim como o registro inicial, todas as alterações programáticas ou
estatutárias, depois de registradas no Ofício Civil competente, devem ser encaminhadas, para o
mesmo fim, ao Tribunal Superior Eleitoral.

13.2. DIREITOS DOS PARTIDOS POLÍTICOS


Os partidos políticos legalmente organizados têm direito aos recursos do fundo partidário, e
acesso gratuito ao rádio e a televisão. A Lei nº 9.096/95 assegura aos partidos políticos exclusividade
da sua denominação, sigla ou símbolos.
Somente os partidos que tenham registrado seus estatutos no TSE podem participar do
processo eleitoral, receber recursos do Fundo Partidário, ter acesso gratuito ao rádio e à televisão e
credenciar delegados perante a Justiça Eleitoral.

13.3. FIDELIDADE E DISCIPLINA PARTIDÁRIAS


Por imposição constitucional (artigo 17, § 1º), todo partido político deve estabelecer, em seu
estatuto, normas de fidelidade e disciplina partidárias.
Uma vez inseridas no estatuto do partido, essas normas vinculam todos os filiados, sendo
que a responsabilidade por violação dos deveres partidários deve ser apurada e punida pelo
competente órgão, na conformidade do que disponha o estatuto de cada partido, assegurada ampla
defesa ao acusado.
Filiado algum pode sofrer medida disciplinar ou punição por conduta que não esteja
tipificada no estatuto do partido político.
Em atividade parlamentar, na Casa Legislativa, o integrante da bancada de partido deve
subordinar sua ação parlamentar aos princípios doutrinários e programáticos e às diretrizes
estabelecidas pelos órgãos de direção partidários, na forma do estatuto.
Além das medidas disciplinares básicas de caráter partidário, o estatuto do partido pode
estabelecer normas sobre penalidades, inclusive com desligamento temporário da bancada,
suspensão do direito de voto nas reuniões internas ou perda de todas as prerrogativas, cargos e
funções que exerça em decorrência da representação e da proporção partidária, na respectiva Casa
Legislativa, ao parlamentar que se opuser, pela atitude ou pelo voto, às diretrizes legitimamente
estabelecidas pelos órgãos partidários (artigo 25 da Lei nº 9.096/95).
O parlamentar que deixar o partido sob cuja legenda tenha sido eleito perde
automaticamente a função ou cargo que exerça, na respectiva Casa Legislativa, em virtude da
proporção partidária (artigo 26 da Lei nº 9.096/95).

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DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS

13.4. RENDAS DOS PARTIDOS POLÍTICOS


As receitas dos Partidos Políticos são oriundas de doações e das transferências recebidas do
fundo Partidário.

O partido político pode receber doações de pessoas físicas e jurídicas para constituição de
seus fundos. Essas doações podem ser feitas diretamente aos órgãos de direção nacional, estadual e
municipal, estando tais órgãos obrigados a remeter, à Justiça Eleitoral e aos órgãos hierarquicamente
superiores do partido, o demonstrativo de seu recebimento e respectiva destinação, juntamente
com o balanço contábil.

Os partidos não estão proibidos de receber doações, mas são obrigados a lançá-las em suas
contabilidades. Entretanto, não podem receber subvenções, doações, contribuições ou quaisquer
outros tipos de interferências advindas de:
a) entidades ou governos estrangeiros;
b) autoridade ou órgãos públicos (ressalvado o Fundo Partidário);
c) autarquias, empresas públicas ou concessionárias de serviços públicos, sociedades de
economia mista e fundações instituídas em virtude de lei e para cujos recursos concorram
órgãos ou entidades governamentais;
d) entidade de classe ou sindical.

Os depósitos e movimentações dos recursos oriundos do Fundo Partidário devem ser feitos
em estabelecimentos bancários controlados pelo Poder Público Federal, pelo Poder Público Estadual
ou, inexistindo estes, no banco escolhido pelo órgão diretivo do partido. Em caso de cancelamento
ou caducidade do órgão de direção nacional do partido, reverterá ao Fundo Partidário a quota que a
este caberia (artigo 42 da Lei nº 9.096/95).

ORGANIZAÇÃO DO ESTADO

14.1. ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA


A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União,
os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição (CF,
art. 18, caput).
Os Territórios Federais integram a União, e sua criação, transformação em Estado ou
reintegração ao Estado de origem devem ser reguladas em lei complementar (CF, art. 18, § 2º).
Os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se para se anexarem
a outros, ou formarem novos Estados ou Territórios Federais, mediante aprovação da população
diretamente interessada, através de plebiscito, e do Congresso Nacional, por lei complementar (CF,
art. 18, § 3º).

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DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-se-ão por lei
estadual, dentro do período determinado por Lei Complementar Federal, e dependerão de consulta
prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos
de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei (CF, art. 18, § 4º).
É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios (CF, art. 19): a)
estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter
com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a
colaboração de interesse público; b) recusar fé aos documentos públicos; c) criar distinções entre
brasileiros ou preferências entre si.

14.2. DA UNIÃO
14.2.1. BENS DA UNIÃO
São bens da União (CF, art. 20):
a) os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos;
b) as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções
militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei;
c) os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem
mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território
estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais;
d) as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as
ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios,
exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as
referidas no art. 26, II;
e) os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva;
f) o mar territorial;
g) os terrenos de marinha e seus acrescidos;
h) os potenciais de energia hidráulica;
i) os recursos minerais, inclusive os do subsolo;
j) as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos;
k) as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.

Nem todas as terras devolutas pertencem à União, mas apenas aquelas indispensáveis à
defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à
preservação ambiental, definidas em lei. O art. 26 dispõe que são bens dos Estados as terras
devolutas não compreendidas entre as da União.
Note-se que pertence à União a propriedade das terras tradicionalmente ocupadas pelos
índios, pois a estes a CF, no art. 231, § 2º assegurou a posse permanente, cabendo-lhes o usufruto
exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
A referência feita ao art. 26, II é relativa às áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que
estiverem no domínio dos Estados-membros (excluídas aquelas sob domínio da União, Municípios ou
terceiros).

142
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como
a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou
gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos
minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica
exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração (CF, art. 20, § 1º).
Ressalte-se que quando o dispositivo constitucional abrange a administração direta a
referência é feita apenas no tocante à administração direta da União.
A faixa de até cento e cinquenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres,
designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do território nacional, e
sua ocupação e utilização serão reguladas em lei (CF, art. 20, § 2º).
A faixa de fronteira não precisa corresponder sempre a 150 metros, mas deve ser modulada
em espaços de até 150 metros.
14.2.2 COMPETÊNCIA ADMINISTRATIVA DA UNIÃO
A competência da União, no quanto comporta às atribuições dispostas no art. 21 da CF,
concerne à competência administrativa. A competência administrativa da União não oferece maiores
dificuldades além do conhecimento das hipóteses previstas no art. 21 da CF, cuja leitura atenta é, de
todo, recomendada.

14.2.3. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA DA UNIÃO


A competência legislativa da União pode ser privativa (CF, art. 22), comum (CF, art. 23) ou
concorrente (CF, art. 24). As competências privativa e comum não oferecem maiores dificuldades
além do conhecimento das hipóteses previstas na CF, cuja leitura atenta é, de todo, recomendada. Já
no tocante à competência concorrente existem algumas peculiaridades, dispostas nos §§ 1° a 4° do
art. 24:
a) No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se a estabelecer
normas gerais;
b) A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência
suplementar dos Estados;
c) Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercem a competência legislativa
plena, para atender a suas peculiaridades.
d) A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no
que lhe for contrário.

14.3. DOS ESTADOS FEDERADOS


Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os
princípios da Constituição Federal. São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam
vedadas pela Constituição Federal (CF, artigo 25, caput e § 1°).
Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás
canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para a sua regulamentação (CF,
art. 25, § 2º).
Os Estados podem, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas,
aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para
integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum (CF,
art. 25, § 3º).

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DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS

14.3.1. BENS DOS ESTADOS


Incluem-se entre os bens dos Estados (CF, art. 26):
a) as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas,
neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União;
b) as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, excluídas aquelas
sob domínio da União, Municípios ou terceiros;
c) as ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à União;
d) as terras devolutas não compreendidas entre as da União.

14.3.2. SIMETRIA CONSTITUCIONAL


Como dito linhas acima, os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que
adotarem, observados os princípios da Constituição Federal, sendo reservadas aos Estados as
competências que não lhes sejam vedadas pela Constituição Federal.
Além dessas disposições, a CF contém diversas outras regras a serem seguidas pelas
Constituições Estaduais com base no que a doutrina chama de Princípio da Simetria Constitucional,
que nada mais é do que a obrigação de os Estados Federados seguirem o modelo federal em
assuntos relacionados especialmente com a formatação dos poderes e de suas inter-relações.
O art. 27, por exemplo, dispõe que o número de Deputados à Assembleia Legislativa deve
corresponder ao triplo da representação do Estado na Câmara dos Deputados e, atingido o número
de trinta e seis, deverá ser acrescido de tantos quantos forem os Deputados Federais acima de doze.
Dispõe também que é de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, sendo-lhes aplicáveis as
regras da CF sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato,
licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas (§ 1º).
O art. 28, por sua vez, dispõe que a eleição do Governador e do Vice-Governador de Estado,
para mandato de quatro anos, deve ser realizada noventa dias antes do término do mandato de seus
antecessores, e a posse ocorrerá no dia 1º de janeiro do ano subsequente, observado, quanto ao mais,
o disposto no art. 77 (que trata da eleição para Presidente e Vice-Presidente da República).

14.4. DOS MUNICÍPIOS


O Município rege-se por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez
dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal e por esta promulgada, desde
que atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e na Constituição do respectivo
Estado-membro (CF, artigo 29, caput). Anote-se que não há previsão de sanção por parte do Prefeito
Municipal.

14.4.1. SIMETRIA CONSTITUCIONAL


Levando-se em consideração as disposições do art. 29, caput, o Princípio da Simetria também é
aplicável aos municípios, com a peculiaridade de que suas leis orgânicas devem atentar tanto ao
modelo da CF quanto ao modelo da constituição do estado-membro no qual estão inseridos.
Por esta razão: a) deve ser realizada a eleição do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Vereadores,
para mandato de quatro anos, mediante pleito direto e simultâneo realizado em todo o País; b) a
eleição do Prefeito e do Vice-Prefeito deve ser realizada no primeiro domingo de outubro do ano
anterior ao término do mandato dos que devam suceder, aplicadas as regras do art. 77, no caso de

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DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
Municípios com mais de duzentos mil eleitores; e c) posse do Prefeito e do Vice-Prefeito deve
ocorrer no dia 1º de janeiro do ano subsequente ao da eleição (CF, art. 29, incisos I a III).
Aos vereadores aplicam-se as proibições e incompatibilidades, no exercício da vereança,
similares, no que couber, ao disposto na CF para os membros do Congresso Nacional e na
Constituição do respectivo Estado para os membros da Assembleia Legislativa (CF, art. 29, IX).
A simetria é aplicada com temperamentos no tocante à imunidade dos vereadores, na
medida em que a inviolabilidade dos vereadores por suas opiniões, palavras e votos no exercício do
mandato e na circunscrição do Município (CF, art. 29, VIII). Os prefeitos também gozam de foro por
prerrogativa de função, devendo ser julgados perante o respectivo Tribunal de Justiça (CF, art. 29, X).
Admite-se a iniciativa popular de projetos de lei de interesse específico do Município, da
cidade ou de bairros, através de manifestação de, pelo menos, cinco por cento do eleitorado (CF,
art. 29, XIII).

14.4.2. NÚMERO DE VEREADORES


O art. 29, IV da CF contempla uma lista com os limites relativos ao número de vereadores,
considerado o número de habitantes de cada município. Exemplos: municípios com até 15.000
habitantes podem ter, no máximo, 9 vereadores, enquanto que municípios com mais de 8.000.000
de habitantes podem ter, no máximo, 55 vereadores.

14.4.3. COMPETÊNCIA DOS MUNICÍPIOS


Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a
legislação federal e a estadual no que couber (CF, artigo 30, incisos I e II). O art. 30, nos incisos III a
IX, traz as competências administrativas dos municípios. As competências administrativas dos
municípios não oferecem maiores dificuldades além do conhecimento das hipóteses previstas no art.
30, incisos III a IX, cuja leitura atenta é, de todo, recomendada.

14.4.4. FISCALIZAÇÃO
A fiscalização do Município é exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle
externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei (CF,
art. 31). O controle externo da Câmara Municipal É exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas
dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde
houver (§ 1º). O parecer prévio, emitido pelo órgão competente sobre as contas que o Prefeito deve
anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara
Municipal (§ 2º). As contas dos Municípios devem ficar, durante sessenta dias, anualmente, à
disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhes a
legitimidade, nos termos da lei (§ 3º). É vedada a criação de Tribunais, Conselhos ou órgãos de
Contas Municipais (§ 4º).

14.5. DO DISTRITO FEDERAL


O Distrito Federal, vedada sua divisão em Municípios, rege-se por lei orgânica, votada em
dois turnos com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços da Câmara Legislativa,
que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição.
Ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e
Municípios (CF, art. 32, § 1º).

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DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
A eleição do Governador e do Vice-Governador, observadas as regras do art. 77, e dos
Deputados Distritais coincidirá com a dos Governadores e Deputados Estaduais, para mandato de
igual duração (CF, art. 32, § 2º).

14.6. DA INTERVENÇÃO
A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para (CF, art. 34):
I - manter a integridade nacional;
II - repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra;
III - pôr termo a grave comprometimento da ordem pública;
IV - garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação;
V - reorganizar as finanças da unidade da Federação que: a) suspender o pagamento da
dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior; b) deixar de
entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição, dentro dos prazos
estabelecidos em lei;
VI - prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;
VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais: a) forma republicana,
sistema representativo e regime democrático; b) direitos da pessoa humana; c) autonomia
municipal; d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta; e) aplicação do
mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de
transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos
de saúde.
O inciso IV trata dos chamados Princípios Constitucionais Sensíveis.
O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos Municípios localizados em
Território Federal, exceto quando (CF, art. 35):
I - deixar de ser paga, sem motivo de força maior, por dois anos consecutivos, a dívida
fundada;
II - não forem prestadas contas devidas, na forma da lei;
III - não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e
desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde;
IV - o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a observância de
princípios indicados na Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem
ou de decisão judicial.

A intervenção, tanto da União nos Estados e no Distrito Federal, quanto a estadual nos
municípios justifica-se, em linhas gerais, por se tratar, assim como o Estado de Defesa e o Estado de
Sítio, de um dos instrumentos de estabilização constitucional.
14.6.1. REQUISITOS
Além do preenchimento das hipóteses de cabimento, acima apresentadas, a decretação da
intervenção depende (CF, art. 36):
a) para garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação: de
solicitação do Poder Legislativo ou do Poder Executivo coacto ou impedido, ou de requisição
do Supremo Tribunal Federal, se a coação for exercida contra o Poder Judiciário;

146
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
b) no caso de desobediência a ordem ou decisão judiciária, de requisição do Supremo
Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do Tribunal Superior Eleitoral;
c) de provimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de representação do Procurador-Geral da
República, no caso de desrespeito aos princípios constitucionais sensíveis, e no caso de
recusa à execução de lei federal.

14.6.2. PROCEDIMENTO
O decreto de intervenção, que especificará a amplitude, o prazo e as condições de execução
e que, se couber, nomeará o interventor, será submetido à apreciação do Congresso Nacional ou da
Assembleia Legislativa do Estado, no prazo de vinte e quatro horas (CF, art. 36, § 1º).
Se não estiver funcionando o Congresso Nacional ou a Assembleia Legislativa, far-se-á
convocação extraordinária, no mesmo prazo de vinte e quatro horas (CF, art. 36, § 2º).
Está dispensada a apreciação pelo Congresso Nacional ou pela Assembleia Legislativa nas
seguintes hipóteses: a) intervenção para prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;
b) intervenção para assegurar a observância dos princípios constitucionais sensíveis; c) intervenção
para assegurar a observância de princípios indicados na Constituição Estadual, ou para prover a
execução de lei, de ordem ou de decisão judicial. Nestes casos o decreto limitar-se-á a suspender a
execução do ato impugnado, se essa medida bastar ao restabelecimento da normalidade (CF, art.
36, § 3º).
Cessados os motivos da intervenção, as autoridades afastadas de seus cargos a estes
voltarão, salvo impedimento legal (CF, art. 36, § 4º).

ORGANIZAÇÃO DOS PODERES

No tema separação dos poderes, cumpre enfatizar alguns aspectos. Nos termos do art. 2º da
Constituição Federal, “São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o
Executivo e o Judiciário”. Contemporaneamente, não vinga mais a ideia de separação de poderes
como em sua concepção originária. Não são mais três esferas estanques e impenetráveis umas em
relação às outras, mas sim três esferas interpenetradas. Há, portanto, divisão das funções.
Esses poderes são independentes entre si e vige entre eles o princípio da indelegabilidade de
atribuições (ou funções). Essa é a regra.
A exceção se dá em duas hipóteses:
1ª) exercício atípico de função;
2ª) quando houver expressa delegação do constituinte originário para tanto (p. ex., leis
delegadas, art. 68 da CF).
O chamado exercício atípico das funções estatais consiste na circunstância em que um órgão
desempenha função que constitucionalmente não corresponda àquela que tipicamente lhe é
conferida.

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DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
Desse modo, na linha do Direito Constitucional contemporâneo, é importante se
compreender a teoria da “Tripartição de Poderes” como sendo separação de funções estatais
destinadas à realização dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3º).
Essa estrutura de separação de funções estatais tem como objetivo também o
estabelecimento de controles recíprocos, denominado de sistema de freios e contrapesos (checks
and balances). Ao passo em que se assegura autonomia e independência aos três “Poderes” (Órgãos)
e, simultaneamente, estabelece condições de fiscalização e controle de um sobre os outros, a
Constituição Federal atribuiu à Instituição do Ministério Público o dever de zelar pelo equilíbrio entre
os “Poderes”, fiscalizando-os pelo respeito aos direitos fundamentais.
Assim, a previsão dos direitos fundamentais e a estrutura de separação de funções estatais,
consideradas a partir de sua autonomia e independência, bem como de seu sistema de freios e
contrapesos, podem ser consideradas como premissas básicas à realização do Estado Democrático de
Direito. Feita essa análise inicial, passa-se à análise intrínseca dos “Poderes” do Estado.

PODER LEGISLATIVO

Poder Legislativo da União é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe de duas casas
legislativas: a Câmara dos Deputados e o Senado Federal.207 É o sistema bicameral, adotado tão somente
em relação ao Poder Legislativo da União: nos Estados Federados e nos Municípios há o sistema
unicameral (Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais).
Notemos que os Deputados Federais são representantes do povo eleitos, em cada Estado,
em cada Território e no Distrito Federal, pelo sistema proporcional (de acordo com o número de
votos obtido pelo respectivo partido).208 E, mais: os Territórios, acaso existentes, também elegem
Deputados Federais. Já os Senadores são representantes dos Estados e do Distrito Federal209 eleitos
pelo princípio majoritário.
Nos termos do Art. 45, § 1º da CF, o número total de Deputados, bem como a representação por
Estado e pelo Distrito Federal, deve ser estabelecido por lei complementar, proporcionalmente à
população, procedendo-se aos ajustes necessários, no ano anterior às eleições, para que nenhuma
daquelas unidades da Federação tenha menos de oito ou mais de setenta Deputados. O § 2º, por sua vez,
estipula que cada Território elege quatro Deputados. Há críticas doutrinárias no tocante à distribuição
equitativa da representação eleitoral com base nestas disposições constitucionais.
Cada Estado e o Distrito Federal elegem três Senadores, com mandato de oito anos, sendo
que a representação de cada Estado e do Distrito Federal é renovada de quatro em quatro anos,
alternadamente, por um e dois terços (CF, Art. 46). Além disso, cada Senador elege-se com dois
suplentes (CF, Art. 46).
Uma legislatura corresponde ao mandato dos Deputados Federais (quatro anos).210 Cada
Legislatura é dividida em quatro sessões legislativas ordinárias (um ano) que, por sua vez, são
divididas em dois períodos legislativos (seis meses). As sessões legislativas (períodos de um ano) são
divididas também em sessões ordinárias, extraordinárias e preparatórias. As preparatórias são
convocadas, por exemplo, para a posse dos membros do próprio Legislativo; as ordinárias

207 CF, Art. 44, caput.


208 CF, Art. 45, caput.
209 Atentar para o fato de que, neste aspecto, a CF silencia no tocante aos Territórios.
210 CF, Art. 44, Parágrafo único.

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DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
correspondem ao dia-a-dia dos Deputados Federais; as convocações para sessões extraordinárias
podem ocorrer nos casos de grave comoção interna (Estado de Defesa e Estado de Sítio, por
exemplo).
Há casos de previsão de sessões conjuntas (Deputados Federais e Senadores): inauguração
da sessão legislativa; elaboração do regimento comum e regular a criação de serviços comuns às
duas Casas; tomada do compromisso do Presidente e do Vice-Presidente da República;
conhecimento e deliberação a respeito do veto presidencial relativo ao processo legislativo ordinário
(CF, Art. 57, § 3º).
16.1. ATRIBUIÇÕES
16.1.1. DO CONGRESSO NACIONAL
Cabe ao Congresso Nacional dispor sobre todas as matérias de competência da União. O Art.
48 da CF arrola as atribuições do Congresso Nacional que dependem de sanção do Presidente da
República. O Art. 49 trata da competência exclusiva do Congresso Nacional (que não depende de
sanção presidencial).

16.1.1.1. MATÉRIAS QUE DEPENDEM DE SANÇÃO PRESIDENCIAL


Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República dispor sobre todas as
matérias de competência da União, especialmente sobre:
a) sistema tributário, arrecadação e distribuição de rendas;
b) plano plurianual, diretrizes orçamentárias, orçamento anual, operações de crédito, dívida
pública e emissões de curso forçado;
c) fixação e modificação do efetivo das Forças Armadas;
d) planos e programas nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento;
e) limites do território nacional, espaço aéreo e marítimo e bens do domínio da União;
f) incorporação, subdivisão ou desmembramento de áreas de Territórios ou Estados, ouvidas
as respectivas Assembleias Legislativas;
g) transferência temporária da sede do Governo Federal;
h) concessão de anistia;
IX - organização administrativa, judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública da
União e dos Territórios e organização judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública
do Distrito Federal;
X – criação, transformação e extinção de cargos, empregos e funções públicas, observado o
que estabelece o art. 84, VI, b;
XI – criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública;
XII - telecomunicações e radiodifusão;
XIII - matéria financeira, cambial e monetária, instituições financeiras e suas operações;
XIV - moeda, seus limites de emissão, e montante da dívida mobiliária federal.
XV – fixação do subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, por lei de iniciativa
conjunta dos Presidentes da República, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do
Supremo Tribunal Federal, observado o que dispõem os arts. 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, §
2º, I.

149
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
16.1.1.2. COMPETÊNCIA EXCLUSIVA
Quando a competência é exclusiva, significa que só o Congresso Nacional pode dispor sobre a
matéria e do processo legislativo. Ninguém mais participa. Em razão disso, inexiste a sanção
presidencial e a manifestação do Congresso Nacional é feita por meio de decreto legislativo.
É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
a) resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem
encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;
b) autorizar o Presidente da República a declarar guerra, a celebrar a paz, a permitir que
forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam
temporariamente, ressalvados os casos previstos em lei complementar;
c) autorizar o Presidente e o Vice-Presidente da República a se ausentarem do País, quando a
ausência exceder a quinze dias;
d) aprovar o estado de defesa e a intervenção federal, autorizar o estado de sítio, ou
suspender qualquer uma dessas medidas;
d) sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou
dos limites de delegação legislativa;
e) mudar temporariamente sua sede;
f) fixar idêntico subsídio para os Deputados Federais e os Senadores, observado o que
dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I;
g) fixar os subsídios do Presidente e do Vice-Presidente da República e dos Ministros de
Estado, observado o que dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I;
h) julgar anualmente as contas prestadas pelo Presidente da República e apreciar os
relatórios sobre a execução dos planos de governo;
i) fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder
Executivo, incluídos os da administração indireta;
j) zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos
outros Poderes;
k) apreciar os atos de concessão e renovação de concessão de emissoras de rádio e televisão;
l) escolher dois terços dos membros do Tribunal de Contas da União;
m) aprovar iniciativas do Poder Executivo referentes a atividades nucleares;
n) autorizar referendo e convocar plebiscito;
o) autorizar, em terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a
pesquisa e lavra de riquezas minerais;
p) aprovar, previamente, a alienação ou concessão de terras públicas com área superior a
dois mil e quinhentos hectares.
16.1.2. DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
O Art. 51 da CF menciona que compete privativamente à Câmara dos Deputados:
a) autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o Presidente
e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado;
b) proceder à tomada de contas do Presidente da República, quando não apresentadas ao
Congresso Nacional dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa;

150
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
c) elaborar seu regimento interno;
d) dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção
dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativa de lei para fixação da
respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes
orçamentárias;
e) eleger membros do Conselho da República, nos termos do art. 89, VII.211

Os assuntos arrolados no Art. 51, por serem da competência privativa da Câmara dos
Deputados, não dependem de sanção presidencial
Anote-se que, no tocante à admissão de processo em face do Presidente, do Vice-Presidente
da República ou dos Ministros de Estado, podem surgir duas situações: processo por crimes de
responsabilidade (cuja competência para julgamento é do Senado Federal, nos termos do Art. 52, I)
ou processo em face de infrações penais comuns (cuja competência para julgamento é do Supremo
Tribunal Federal, nos termos do Art. 102, I, “b”).

16.1.3. DO SENADO FEDERAL


O Art. 52 da CF menciona que compete privativamente ao Senado Federal:
a) processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de
responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do
Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles;
b) processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho
Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da
República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade;
c) aprovar previamente, por voto secreto, após arguição pública, a escolha de: Magistrados, nos
casos estabelecidos na Constituição; Ministros do Tribunal de Contas da União indicados pelo
Presidente da República; Governador de Território; Presidente e diretores do Banco Central;
Procurador-Geral da República; e titulares de outros cargos que a lei determinar;
d) aprovar previamente, por voto secreto, após arguição em sessão secreta, a escolha dos
chefes de missão diplomática de caráter permanente;
e) autorizar operações externas de natureza financeira, de interesse da União, dos Estados,
do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios;
f) fixar, por proposta do Presidente da República, limites globais para o montante da dívida
consolidada da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
g) dispor sobre limites globais e condições para as operações de crédito externo e interno da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de suas autarquias e demais
entidades controladas pelo Poder Público federal;
h) dispor sobre limites e condições para a concessão de garantia da União em operações de
crédito externo e interno;
i) estabelecer limites globais e condições para o montante da dívida mobiliária dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios;

211O Conselho da República é composto pelas pessoas enumeradas no artigo 89 da CF. Integram-no, nos termos do inciso VII, seis cidadãos
brasileiros natos, com mais de 35 anos, sendo dois nomeados pelo Presidente da República, dois eleitos pelo Senado Federal e dois eleitos
pela Câmara dos Deputados, todos com mandato de três anos, sendo vedada recondução.

151
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
j) suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão
definitiva do Supremo Tribunal Federal;
k) aprovar, por maioria absoluta e por voto secreto, a exoneração, de ofício, do Procurador-
Geral da República antes do término de seu mandato;
l) elaborar seu regimento interno;
m) dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção
dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativa de lei para fixação da
respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes
orçamentárias;
n) eleger membros do Conselho da República, nos termos do art. 89, VII.212
o) avaliar periodicamente a funcionalidade do Sistema Tributário Nacional, em sua estrutura
e seus componentes, e o desempenho das administrações tributárias da União, dos Estados e
do Distrito Federal e dos Municípios.

Os assuntos arrolados no Art. 52, por serem da competência privativa da Câmara dos
Deputados, não dependem de sanção presidencial
Nos casos de julgamentos por crimes de responsabilidade (itens “a” e “b”, acima), funcionará
como Presidente do julgamento o do Supremo Tribunal Federal.
A condenação por crimes de responsabilidade em relação às autoridades mencionadas nos
itens “a” e “b” deve ser proferida por dois terços dos votos do Senado Federal e limita-se à perda do
cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais
sanções judiciais cabíveis.

16.1.4. COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO


As comissões parlamentares de inquérito tem poderes de investigação próprios das
autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casa. Podem ser
criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente,
mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por
prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público para fins de
responsabilidade civil ou criminal dos infratores (CF, art. 58, § 3º).

16.1.4.1. LIMITES À INVESTIGAÇÃO


A CF é clara ao dispor que as Comissões Parlamentares de Inquérito são destinadas à
investigação de fato determinado213 e têm prazo certo214 para seu encerramento.

212 O Conselho da República é composto pelas pessoas enumeradas no artigo 89 da CF. Integram-no, nos termos do inciso VII, seis cidadãos
brasileiros natos, com mais de 35 anos, sendo dois nomeados pelo Presidente da República, dois eleitos pelo Senado Federal e dois eleitos
pela Câmara dos Deputados, todos com mandato de três anos, sendo vedada recondução.
213 Contudo, o STF já decidiu pela possibilidade de ampliação do objeto de investigação de CPI no curso dos trabalhos. (Inq 2.245, Rel. Min.

Joaquim Barbosa, julgamento em 28-8-2007, Plenário, DJ de 9-11-2007.)


214
“A duração do inquérito parlamentar – com o poder coercitivo sobre particulares, inerentes à sua atividade instrutória e à exposição da
honra e da imagem das pessoas a desconfianças e conjecturas injuriosas – e um dos pontos de tensão dialética entre a CPI e os direitos
individuais, cuja solução, pela limitação temporal do funcionamento do órgão, antes se deve entender matéria apropriada à lei do que aos
regimentos: donde, a recepção do art. 5º, § 2º, da Lei. 1.579/1952, que situa, no termo final de legislatura em que constituída, o limite
intransponível de duração, ao qual, com ou sem prorrogação do prazo inicialmente fixado, se há de restringir a atividade de qualquer
comissão parlamentar de inquérito” (HC 71.261, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 11-5-1994, Plenário, DJ de 24-6-1994). No
mesmo sentido: RE 194.346-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 14-9-2010, Segunda Turma, DJEde 8-10-2010.

152
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
A presença de advogado, em defesa dos interesses de quem estiver sendo investigado ou
simplesmente prestando depoimento na qualidade de testemunha, é tema recorrente na
jurisprudência. Segundo o Ministro Celso de Mello: “(...) as CPIs, no desempenho de seus poderes de
investigação, estão sujeitas às mesmas normas e limitações que incidem sobre os magistrados,
quando no exercício de igual prerrogativa. Vale dizer: as CPIs somente podem exercer as atribuições
investigatórias que lhes são inerentes, desde que o façam nos mesmos termos e segundo as mesmas
exigências que a Constituição e as leis da República impõem aos juízes, especialmente no que
concerne ao necessário respeito às prerrogativas que o ordenamento positivo do Estado confere aos
advogados” (MS 30.906-MC, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 5-10-
2011, DJE de 10-10-2011).
Princípio da Reserva de Jurisdição: quando os poderes de instrução de uma Comissão
Parlamentar de Inquérito (CF, art. 48, § 3º) colidem com regras da própria CF que, além de tratarem
de direitos fundamentais, condicionam a limitação a direito fundamental à análise judicial, diz-se que
se está diante do Princípio Constitucional da Reserva de Jurisdição. Assim, somente a autoridade
judiciária detém poder nas hipóteses de busca domiciliar (CF, art. 5º, XI), interceptação telefônica
(CF, art. 5º, XII) e decretação da prisão – ressalvada, neste último caso, a situação de prisão em
flagrante (CF, art. 5º, LXI). Nada obstante, esse princípio não é aplicável à quebra do sigilo “pois, em
tal matéria, e por efeito de expressa autorização dada pela própria Constituição da República (CF, art.
58, § 3º), assiste competência à Comissão Parlamentar de Inquérito, para decretar, sempre em ato
necessariamente motivado, a excepcional ruptura dessa esfera de privacidade das pessoas" (MS
23.652, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 22-11-2000, Plenário, DJ de 16-2-2001). No mesmo
sentido: HC 100.341, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 4-11-2010, Plenário, DJE de 2-12-
2010.
Quebra de sigilo bancário, telefônico e fiscal: a decretação da quebra de sigilo, desde que
devidamente fundamentada, pode ser determinada por CPI.215 Contudo, "A fundamentação exigida
das Comissões Parlamentares de Inquérito quanto à quebra de sigilo bancário, fiscal, telefônico e
telemático não ganha contornos exaustivos equiparáveis à dos atos dos órgãos investidos do ofício
judicante. Requer-se que constem da deliberação as razões pelas quais veio a ser determinada a
medida" (MS 24.749, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 29-9-2004, Plenário, DJ de 5-11-2004).
Interessante notar que, quando o sigilo for decretado por autoridade judicial (segredo de
justiça), não se deve admitir a quebra ao alvedrio da Comissão Parlamentar de Inquérito (MS 27.483-
MC-REF, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 14-8-2008, Plenário, DJE de 10-10-2008). Mas, a
utilização de documentos oriundos de inquérito sigiloso já foi admitida pelo STF (HC 100.341, Rel.
Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 4-11-2010, Plenário, DJE de 2-12-2010).
A decretação de indisponibilidade de bens, por não estar revestida do caráter de
investigação, mas pura e simplesmente de medida com índole cautelar, está fora do alcance das
atribuições das CPIs.216
Direito de permanecer em silêncio: "O privilégio contra a autoincriminação – que é
plenamente invocável perante as Comissões Parlamentares de Inquérito – traduz direito público
subjetivo assegurado a qualquer pessoa, que, na condição de testemunha, de indiciado ou de réu,
deva prestar depoimento perante órgãos do Poder Legislativo, do Poder Executivo ou do Poder
Judiciário. O exercício do direito de permanecer em silêncio não autoriza os órgãos estatais a
dispensarem qualquer tratamento que implique restrição à esfera jurídica daquele que regularmente
invocou essa prerrogativa fundamental. Precedentes. O direito ao silêncio – enquanto poder jurídico
reconhecido a qualquer pessoa relativamente a perguntas cujas respostas possam incriminá-la (nemo
tenetur se detegere) – impede, quando concretamente exercido, que aquele que o invocou venha,

215 (MS 23.466, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 4-5-2000, Plenário, DJ de 6-4-2001).
216 (MS 23.480, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 4-5-2000, Plenário, DJ de 15-9-2000).

153
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
por tal específica razão, a ser preso, ou ameaçado de prisão, pelos agentes ou pelas autoridades do
Estado" (HC 79.812, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 8-11-2000, Plenário, DJ de 16-2-2001).
HC 100.200, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 8-4-2010, Plenário, DJE de 27-8-2010.
Neste aspecto, o STF já teve a oportunidade de analisar situação na qual o requerente
pretendia obter o reconhecimento de seu direito a, na qualidade de indiciado, ser dispensado do
compromisso legal inerente às testemunhas. Decidiu-se que, em tais casos, a dispensa do
compromisso é imperiosa, sob pena de ofensa ao direito ao silencio e ao privilégio contra a
autoincriminação (HC 100.200, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 8-4-2010, Plenário, DJEde
27-8-2010.)

16.2. ESTATUTO DOS CONGRESSISTAS


16.2.1. PRERROGATIVAS E VEDAÇÕES PARLAMENTARES
16.2.1.1. IMUNIDADES
As imunidades217 de Deputados ou Senadores subsistem durante o estado de sítio, só
podendo ser suspensas mediante o voto de dois terços dos membros da Casa respectiva, nos casos
de atos praticados fora do recinto do Congresso Nacional, que sejam incompatíveis com a execução
da medida (CF, Art. 53, § 9º).
Questão interessante e importante: o parlamentar que assume outro cargo perde a
imunidade, que passa automaticamente ao suplente.218

16.2.1.1.1. IMUNIDADE MATERIAL


Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas
opiniões, palavras e votos (CF, Art. 53, caput). O Supremo tem reiteradamente decidido que, em que
pese a alteração do texto constitucional pela EC nº 35/2001, a expressão quaisquer, por ela incluída,
deve ser compreendida tendo em conta a relação com o exercício da função.
Declarações à imprensa: “A cláusula de inviolabilidade constitucional, que impede a
responsabilização penal e/ou civil do membro do Congresso Nacional, por suas palavras, opiniões e
votos, também abrange, sob seu manto protetor, as entrevistas jornalísticas, a transmissão, para a
imprensa, do conteúdo de pronunciamentos ou de relatórios produzidos nas Casas Legislativas e as
declarações feitas aos meios de comunicação social, eis que tais manifestações – desde que
vinculadas ao desempenho do mandato – qualificam-se como natural projeção do exercício das
atividades parlamentares” (Inq 2.332-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 10-2-2011,
Plenário, DJE de 1º-3-2011).
Ofensa em plenário e conexão com o mandato: "Imunidade parlamentar material: ofensa
irrogada em plenário, independente de conexão com o mandato, elide a responsabilidade civil por
dano moral. Precedente: RE 210.917, 12-8-1992, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, RTJ 177/1375" (RE
463.671-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 19-6-2007, Primeira Turma, DJ de 3-8-
2007). No mesmo sentido: RE 577.785-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 1º-2-
2011, Primeira Turma, DJE de 21-2-2011; AI 681.629-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em
19-10-2010, Segunda Turma, DJE de 12-11-2010.

217
“A imunidade parlamentar não se estende ao corréu sem essa prerrogativa.” (STF: Súmula 245).
218
“Inquérito criminal. Suplente de senador. Retorno do titular. Competência. Supremo Tribunal Federal. A prerrogativa de foro conferida
aos membros do Congresso Nacional, vinculada à liberdade máxima necessária ao bom desempenho do ofício legislativo, estende-se ao
suplente respectivo apenas durante o período em que este permanecer no efetivo exercício da atividade parlamentar. Assim, o retorno do
deputado ou do senador titular às funções normais implica a perda, pelo suplente, do direito de ser investigado, processado e julgado no
STF”. (Inq 2.421-AgR, Rel. Min. Menezes Direito, julgamento em 14-2-2008, Plenário, DJE de 4-4-2008.) No mesmo sentido: AP 511, Rel.
Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 25-11-2009, DJE de 3-12-2009.

154
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
16.2.1.1.2. IMUNIDADES FORMAIS
Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos,
salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e
quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a
prisão (CF, Art. 53, § 2º).
Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido após a diplomação,
o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela
representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o
andamento da ação (CF, Art. 53, § 3º). Antes do advento da Emenda Constitucional 35/2001 a regra
era de que os deputados federais somente poderiam ser processados criminalmente após licença da
respectiva Casa legislativa.
O pedido de sustação é apreciado pela Casa respectiva no prazo improrrogável de quarenta e
cinco dias do seu recebimento pela Mesa Diretora. A sustação do processo suspende a prescrição,
enquanto durar o mandato (CF, Art. 53, §§ 4º e 5º)
Deputados e Senadores não são obrigados a testemunhar sobre informações recebidas ou
prestadas em razão do exercício do mandato, nem sobre as pessoas que lhes confiaram ou deles
receberam informações (CF, Art. 53, § 7º).
A incorporação às Forças Armadas de Deputados e Senadores, embora militares e ainda que
em tempo de guerra, depende de prévia licença da Casa respectiva (CF, Art. 53, § 8º).

16.2.2. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO


Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, devem ser submetidos a
julgamento perante o Supremo Tribunal Federal (CF, Art. 53, § 1º). Esta é uma das opções
constituintes pelo foro por prerrogativa de função.

16.2.3. VEDAÇÕES
Os Deputados e Senadores não podem, desde a edição do diploma, firmar ou manter
contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia
mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas
uniformes; aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado, inclusive os de que sejam
demissíveis ad nutum, em tais entidades.
Os Deputados e Senadores não podem, desde a posse, ser proprietários, controladores ou
diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito
público, ou nela exercer função remunerada; ocupar cargo ou função de que sejam demissíveis ad
nutum, nas entidades acima referidas; patrocinar causa em que seja interessada qualquer das
entidades acima referidas; ser titulares de mais de um cargo ou mandato público eletivo.

16.2.4. PERDA DE MANDATO


Segundo o Art. 55 da CF, perderá o mandato o Deputado ou Senador:
a) que infringir qualquer das vedações constitucionalmente impostas;
b) cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;
c) que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias
da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada;

155
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
d) que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;
e) quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição;
f) que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.

O § 1º elucida o que se deve entender por procedimento incompatível com o decoro


parlamentar: “É incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento
interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de
vantagens indevidas”.
Quando houver infração de qualquer das vedações constitucionalmente impostas, a prática
de procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar ou condenação criminal em
sentença transitada em julgado a perda do mandato é decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo
Senado Federal, por voto secreto, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político
representado no Congresso Nacional (CF, artigo 53, § 2º). Antes da Emenda Constitucional 76, de 28
de novembro de 2013, a perda do mandato era decidida através de voto secreto.
Quando o parlamentar deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das
sessões ordinárias da Casa a que pertencer (salvo licença ou missão por esta autorizada), perder ou
tiver suspensos os direitos políticos ou quando houver decretação por parte da Justiça Eleitoral, a
perda será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer
de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional (CF, Art. 53, § 3º).

16.2.4.1. RENÚNCIA E PERDA DO MANDATO


A renúncia de parlamentar submetido a processo que vise ou possa levar à perda do
mandato terá seus efeitos suspensos até as deliberações finais por parte da Câmara dos Deputados
ou do Senado Federal (nos casos do Art. 53, § 2º) ou da Mesa da Casa respectiva (nos casos do Art.
53, § 3º).

16.2.4.2. EXCEÇÃO
Não perde o mandato o Deputado ou Senador investido no cargo de Ministro de Estado,
Governador de Território, Secretário de Estado, do Distrito Federal, de Território, de Prefeitura de
Capital ou chefe de missão diplomática temporária (CF, art. 56, I). Nesta hipótese o Deputado ou o
Senador pode optar pela remuneração do mandato (CF, art. 56, § 3º). Todavia, as prerrogativas
inerentes aos congressistas não o acompanham na nova atividade.
Também não perde o mandato o Deputado ou Senador licenciado pela respectiva Casa por
motivo de doença, ou para tratar, sem remuneração, de interesse particular, desde que, neste caso,
o afastamento não ultrapasse cento e vinte dias por sessão legislativa.

16.3. FISCALIZAÇÃO CONTÁBIL, FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA


A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das
entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade,
aplicação das subvenções e renúncia de receitas, é exercida pelo Congresso Nacional, mediante
controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder (CF, Art. 70, caput).

156
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
Deve prestar contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize,
arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União
responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária (CF, artigo 70,
Parágrafo único).219

PROCESSO LEGISLATIVO

Há duas espécies de análises possíveis quando do juízo de compatibilidade da legislação


infraconstitucional com a Constituição Federal: a da constitucionalidade formal e a da
constitucionalidade material.
A constitucionalidade material decorre da compatibilidade vertical de uma norma
infraconstitucional com o parâmetro constitucional. A constitucionalidade formal, por sua vez, é
reconhecível quando a norma infraconstitucional foi editada, promulgada e publicada de acordo com
as regras do processo legislativo constitucionalmente previsto.
Vale dizer, então, que uma vez desrespeitado o processo legislativo na elaboração de um
diploma legislativo infraconstitucional está-se diante de uma inconstitucionalidade formal.
Parece bastante claro que eventual inconstitucionalidade formal possa ser invocada tanto no
controle abstrato e concentrado quanto como causa de pedir numa controvérsia eventualmente
submetida ao crivo do Judiciário via controle difuso.

17.1. TIPOS DE PROCEDIMENTOS LEGISLATIVOS


17.1.1. AUTOCRÁTICO
Espécie ligada de forma bastante íntima a regimes de governos autoritários, pois o
governante é quem dita as regras, quem edita as leis, em detrimento da vontade da população.

17.1.2. DIRETO
O próprio povo, além da legitimidade que lhe é conferida em qualquer regime democrático,
discute, vota e aprova as normas às quais pretende se submeter. É a expressão mais pura da
democracia, do governo do povo, pelo povo e para o povo.

219 "Advogado de empresa estatal que, chamado a opinar, oferece parecer sugerindo contratação direta, sem licitação, mediante
interpretação da lei das licitações. Pretensão do Tribunal de Contas da União em responsabilizar o advogado solidariamente com o
administrador que decidiu pela contratação direta: impossibilidade, dado que o parecer não é ato administrativo, sendo, quando muito,
ato de administração consultiva, que visa a informar, elucidar, sugerir providências administrativas a serem estabelecidas nos atos de
administração ativa. Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, Malheiros, 13. ed., p. 377. O advogado somente
será civilmente responsável pelos danos causados a seus clientes ou a terceiros, se decorrentes de erro grave, inescusável, ou de ato ou
omissão praticado com culpa, em sentido largo: Código Civil, art. 159; Lei 8.906/1994, art. 32" (MS 24.073, Rel. Min. Carlos Velloso,
julgamento em 6-11-2002, Plenário, DJ de 31-10-2003). No mesmo sentido: "É lícito concluir que é abusiva a responsabilização do
parecerista à luz de uma alargada relação de causalidade entre seu parecer e o ato administrativo do qual tenha resultado dano ao erário.
Salvo demonstração de culpa ou erro grosseiro, submetida às instâncias administrativo-disciplinares ou jurisdicionais próprias, não cabe a
responsabilização do advogado público pelo conteúdo de seu parecer de natureza meramente opinativa" (MS 24.631, Rel. Min. Joaquim
Barbosa, julgamento em 9-8-2007, Plenário, DJ de 1º-2-2008).

157
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS

17.1.3. SEMI-DIRETO
Sistema legislativo bastante complexo e de difícil aplicação. Nesta espécie uma norma
discutida e editada pelo Legislativo (representantes eleitos pelo povo) somente encontraria suporte
de validade depois de aprovada pela população mediante referendo.

17.1.4. INDIRETO
Também conhecido por processo legislativo representativo é o adotado como regra no
Brasil. Como sabemos, neste sistema aqueles eleitos pelo povo mediante voto secreto, direto,
universal e periódico detêm, justamente por terem sido eleitos, a possibilidade de representar a
vontade popular na elaboração das leis. Tudo o que será exposto adiante é relacionado com esta
espécie de processo legislativo.
17.2. PROCESSO ORDINÁRIO
A edição de leis ordinárias é – ou, ao menos, deveria ser – o mecanismo mais utilizado para a
produção normativa e a consequente inovação na ordem jurídica brasileira. O processo ordinário
refere-se às regras de discussão, edição, promulgação e publicação de leis ordinárias.
As outras espécies normativas (emendas à Constituição, leis complementares, leis
delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos, resoluções) serão analisadas com as
respectivas peculiaridades, ora com pouca diferenciação a partir do procedimento ordinário (leis
complementares), ora dele bastante distantes (medidas provisórias).

17.2.1. LEI ORDINÁRIA


Lei ordinária é aquela que, depois de votada uma vez em cada Casa legislativa (Câmara dos
Deputados e Senado Federal), alcançado em ambas as votações maioria simples dos respectivos
membros (Deputados Federais na Câmara dos Deputados e Senadores no Senado Federal) e
sancionada pelo Presidente da República, é por este promulgada e publicada no Diário Oficial da
União.
Há um quorum mínimo de presenças para que as Casas Legislativas possam deliberar e esse
quorum está previsto no artigo 47 da CF, segundo o qual salvo disposição constitucional em
contrário, as deliberações de cada Casa e suas Comissões são tomadas por maioria dos votos,
presente a maioria absoluta de seus membros.
Assim, se, por exemplo, a Câmara dos Deputados fosse composta por 100 integrantes, a
votação de um projeto de lei ordinária somente poderia ser iniciada quando presentes, pelo menos,
51 Deputados Federais. Essa é a necessária maioria absoluta (50% + 1 do total de membros de Casa)
para início da votação, o que é bem diferente de maioria absoluta de votos favoráveis à edição da
norma, condição à aprovação de leis complementares, como veremos adiante.
Presente a maioria absoluta dos membros da Casa, inicia-se a deliberação e o projeto de lei
nela é aprovado desde que encontre a maioria simples de votos favoráveis dentre os membros
presentes. Dessa forma, na hipótese acima aventada uma lei ordinária precisaria da maioria dos
votos daqueles cinquenta e um Deputados Federais presentes (ou seja, para a hipótese, uma vez
aberta a votação com 51 membros, bastaria que 26 votassem pela aprovação do projeto de lei
ordinária).
Depois de aprovado numa das Casas o projeto é encaminhado à outra, que passa a ser
chamada de Casa Revisora. O procedimento de deliberação e aprovação é o mesmo.

158
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
Com certa frequência ouvimos que determinada Comissão da Câmara ou do Senado aprovou
ou rejeitou algum projeto. Correto, mas o que é uma Comissão? Nada mais é do que um grupo de
Deputados Federais ou de Senadores especificamente destinado a analisar a constitucionalidade
(Comissões de Constituição e Justiça), a oportunidade e a conveniência (Comissões Temáticas) na
possível aprovação de projetos de lei.220
Na constituição das Mesas e de cada Comissão, deve ser assegurada, tanto quanto possível, a
representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que participam da respectiva
Casa (CF, artigo 58, § 1º). Durante o recesso, deve haver uma Comissão representativa do Congresso
Nacional, eleita por suas Casas na última sessão ordinária do período legislativo, com atribuições
definidas no regimento comum, cuja composição tem de reproduzir, quanto possível, a
proporcionalidade da representação partidária (CF, artigo 58, § 4º).
As comissões analisam e aprovam (ou rejeitam) um projeto de lei antes de ele ser submetido
ao plenário; aprovado o projeto é submetido à votação no plenário; rejeitado, das duas uma, ou ele é
devolvido à Casa em que eventualmente tenha sido aprovado, ou é simplesmente arquivado.
Pensemos na seguinte hipótese: um projeto de lei é aprovado pela Comissão de Constituição
e Justiça e por determinada Comissão Temática da Câmara dos Deputados; é submetido à votação no
Plenário naquela Casa numa oportunidade em que presente maioria absoluta dos Deputados
Federais; depois de obter maioria simples dos votos é encaminhado ao Senado, que, neste caso, é a
Casa revisora; as respectivas comissões do Senado também aprovam o projeto que, em votação
plenária, acaba sendo rejeitado pelo Senado.
Aplica-se com certa facilidade a regra do artigo 65 da CF: “O projeto de lei aprovado por uma
casa será revisto pela outra, em um só turno de discussão e votação, e enviado à sanção ou
promulgação, se a Casa revisora o aprovar, ou arquivado, se o rejeitar”. Trata-se de caso de simples
arquivamento.
Mas, e se a Casa revisora aprovar o referido projeto de lei? De acordo com o artigo acima
transcrito, ele é encaminhado ao Presidente da República para sanção ou veto, com as
peculiaridades que adiante estudaremos.
Há, ainda, a possibilidade de a Casa revisora emendar o projeto hipotético acima
mencionado. A propósito, vale lembrar das espécies de emendas aos projetos de lei:
a) supressivas (exclui-se parte do texto do projeto enviado pela Casa iniciadora);
b) aditivas (acrescenta-se algo ao projeto já aprovado na Casa iniciadora);
c) aglutinativas (providencia-se à fusão de partes do texto originalmente aprovado na Casa
iniciadora);
d) modificativas (acarretam alterações superficiais sem acarretar grandes mudanças no texto
enviado);
e) substitutivas;
f) de simples revisão (relacionadas a eventuais incorreções ortográficas).
Se houver emenda por parte da Casa revisora há necessidade de o projeto ser devolvido à
Casa iniciadora para novos debates, afinal de contas o texto final a ser convertido em lei quando da
sanção do Presidente da República deve, obrigatoriamente, ser analisado por ambas as Casas. É o
que diz o artigo 65, Parágrafo único da CF: “Sendo o projeto emendado, voltará à Casa iniciadora”.

220CF, Art. 58: “O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições
previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação”.

159
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
O STF, ao interpretar a regra do artigo 65, parágrafo único, admite a possibilidade de a Casa
revisora efetuar emendas de mera redação ao teor da proposta da Casa de origem, sem necessidade
de retorno à origem.221

17.2.2. INICIATIVA DE PROJETOS DE LEI


Quando falamos de iniciativa de projetos de lei logo nos vem à mente a figura dos Deputados
Federais e dos Senadores. Essa é a chamada iniciativa parlamentar. Entretanto, não são apenas eles
os detentores de legitimidade para submeter ao Legislativo a análise de projetos de lei.
De acordo com o artigo 61 da CF, a iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a
qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso
nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao
Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos na Constituição.
Afora os membros do Poder Legislativo, a legitimidade é extraparlamentar. Uma vez
exercida a competência extraparlamentar, a Casa iniciadora é, obrigatoriamente, a Câmara dos
Deputados (CF, artigo 61, § 2˚ e artigo 64).
São casos relacionados à iniciativa extraparlamentar:
a) iniciativa privativa do Presidente da República (CF, artigo 61, § 1˚ e artigo 165);
b) iniciativa popular (CF, artigo 14, inciso III e artigo 61, § 2˚);
c) iniciativa do Supremo Tribunal Federal (CF, artigo 93);
d) iniciativa dos Tribunais de Justiça (CF, artigo 125, § 1º);
e) iniciativa dos Ministérios Públicos (CF, artigo 128, § 5˚);
f) iniciativa das Defensorias Públicas (CF, artigo 134, § 2º)
Importante destacar o fato de o artigo 61 fazer referência à legitimidade para a propositura
de projetos de leis complementares e ordinárias. Afinal, as emendas à constituição, as leis
delegadas, os decretos legislativos, as resoluções e os decretos regulamentares serem regramentos
específicos.
Vale também mencionar que os titulares de legitimidade extraparlamentar para a
propositura de projetos de lei não detêm legitimidade para propor emendas a projetos.

17.2.2.1. INICIATIVA POPULAR


A soberania popular é exercida, no Brasil, pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto,
com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante plebiscito referendo e iniciativa popular
(CF, artigo 14).

221 “O retorno do projeto emendado à Casa iniciadora não decorre do fato de ter sido simplesmente emendado. Só retornará se, e
somente se, a emenda tenha produzido modificação de sentido na proposição jurídica. Ou seja, se a emenda produzir proposição jurídica
diversa da proposição emendada. Tal ocorrerá quando a modificação produzir alterações em qualquer um dos âmbitos de aplicação do
texto emendado: material, pessoal, temporal ou espacial” (ADC nº 3, rel. Min. Nelson Jobim); “Proposta de emenda que, votada e
aprovada na Câmara dos Deputados, sofreu alteração no Senado Federal, tendo sido promulgada sem que tivesse retornado à Casa
iniciadora para nova votação quanto à parte objeto de modificação. Inexistência de ofensa ao art. 60, § 2º da Constituição Federal no
tocante à supressão, no Senado Federal, da expressão “observado o disposto no § 6º do art. 195 da Constituição Federal”, que constava do
texto aprovado pela Câmara dos Deputados em 2 (dois) turnos de votação, tendo em vista que essa alteração não importou em mudança
substancial do sentido do texto” (ADIn 2666, 3.10.02, Ellen Gracie).

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DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação, à Câmara dos Deputados, de
projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo
menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles
(CF, artigo 61 § 2º).’
No âmbito do processo legislativo estadual, o artigo 27, § 4º da CF dispõe que “a lei disporá
sobre a iniciativa popular”.
Nas esferas municipais, segundo o artigo 29, XIII, um dos preceitos a serem observados
quando da elaboração das Leis Orgânicas Municipais refere-se à iniciativa popular de projetos de lei
de interesse específico do Município, da cidade ou de bairros, através de manifestação de, pelo
menos, cinco por cento do eleitorado.

17.2.3. SANÇÃO E VETO


Depois de votado e aprovado nas duas Casas legislativas o projeto de lei deve ser
encaminhado ao Presidente da República para sanção ou veto.
A sanção nada mais é do que a aprovação, pelo Chefe do Executivo, do projeto de lei. As
consequências lógicas são a promulgação e a publicação, efetuadas pelo próprio Presidente da
República.
Interessante notar, neste aspecto, que:
a) com a promulgação o projeto transforma-se numa lei ordinária, motivo pelo qual
podemos concluir que no plano da existência passa a haver norma jurídica;
b) com a publicação da lei no Diário Oficial da União ela – a lei ordinária – passa a ter
validade/vigência;
c) com o decurso do prazo estipulado na própria lei (vacatio legis) ela passa a ter eficácia –
no silêncio, vale a regra dos 45 dias prevista na Lei de Introdução ao Código Civil.

Depois de enviado o projeto de lei ao Presidente da República, este deverá se manifestar


antes de decorridos 15 dias (CF, artigo 66, § 3˚). Caso concorde, haverá sanção expressa (CF, artigo
66, caput); caso considere o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse
público, fará o veto (total ou parcial), e comunicará, dentro de 48 horas, o Presidente do Senado as
razões do veto (é o veto expresso, conforme disposto no artigo 66, § 1˚ da CF); caso o Chefe do
Executivo não se manifestar no prazo de 15 dias, o silêncio importará em sanção tácita (CF, artigo 66,
§ 3˚).
Assim, não há falar, em nosso sistema jurídico, no veto tácito.
De acordo com § 2˚ do artigo 66 o veto parcial somente pode abranger texto integral de
artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea. Fixada esta premissa, uma vez vetado o caput de um
artigo a consequência deveria ser a imprestabilidade de eventuais parágrafos, incisos e alíneas
correspondentes ao dispositivo vetado. Entretanto, no universo legislativo atual são inúmeros os
casos em que, vetado o caput, permaneceram hígidos parágrafos, incisos e alíneas.
Como tais figuras existem, passou-se a admitir na seara doutrinária o que chamamos de
dispositivos com eficácia normativa autônoma. Assim, dispositivos que detenham certa carga de
independência em relação ao caput de artigo eventualmente vetado passaram a ser admitidos em
nossa legislação.
O mecanismo de pesos e contrapesos foi previsto de forma harmoniosa pelo Constituinte
Originário. Uma prova disto é a possibilidade de o Legislativo, em sessão conjunta e mediante o voto
favorável da maioria absoluta dos Deputados Federais e Senadores, rejeitar o veto presidencial (CF,

161
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
artigo 66, § 4˚). Lembre-se de que, até o advento da Emenda Constitucional 76, de 28 de novembro
de 2013, a rejeição ao veto operava-se pelo voto secreto.

Assim, caso a maioria absoluta dos Deputados Federais e Senadores vote no sentido da
rejeição do veto (ou, em outras palavras, na não manutenção do veto), o projeto é novamente
encaminhado ao Presidente da República. Só que, desta vez o Chefe do Executivo dispõe de 48 horas
para promulgar a lei; caso não a promulgue o Presidente ou o Vice-Presidente do Senado o fará (CF,
Art. 66, § 7˚).
Por fim, ao menos com relação ao mecanismo de veto e sanção, o artigo 67 da CF: “A matéria
constante de projeto de lei rejeitado somente poderá constituir objeto de novo projeto, na mesma
sessão legislativa, mediante proposta da maioria absoluta dos membros de qualquer das Casas do
Congresso Nacional”.
Uma última observação importante: nos casos em que a iniciativa de projetos de lei é
privativa da chefia do Executivo, o Supremo Tribunal Federal entende que, se houver vício na
iniciativa, a posterior sanção presidencial não tem o condão de convalidar a inconstitucionalidade
formal já verificada no começo do procedimento legislativo.222

17.3. PROCESSO SUMÁRIO


Tudo o que foi dito até agora a respeito do processo legislativo ordinário é aplicável ao
sumário, acrescido das peculiaridades seguintes.
Como sabemos o Presidente da República é um dos legitimados à iniciativa de projetos de lei.
Há a competência privativa (CF, artigo 61, § 1˚) e a competência concorrente nos demais casos.
De acordo com a regra do artigo 64, § 1˚ da CF o Presidente da República pode solicitar
urgência para apreciação de projetos de sua iniciativa, seja privativa ou concorrente.
Solicitada o regime de urgência cada uma das Casas legislativas dispõe de 45 dias para
votação do projeto de lei e, em caso de emenda pela Casa revisora a análise pela Casa iniciadora não
pode ultrapassar o período de 10 dias. Dessa forma, podemos concluir que em regime de urgência o
projeto de lei deve ser analisado pelo Legislativo no prazo máximo de 100 dias e essa é a diferença
principal em relação ao processo legislativo ordinário, no qual não há previsão constitucional de
prazos para deliberação e votação por parte dos parlamentares.
O § 2˚ do artigo 64 contém a regra de que se não houver manifestação nos prazos
determinados o projeto deve ser incluído na ordem do dia, acarretando o sobrestamento das
demais deliberações até que se termine a votação.
Há duas ressalvas à possibilidade de se imprimir o regime de urgência (CF, artigo 64, § 4˚): a)
os prazos do não correm nos períodos de recesso do Congresso Nacional; b) os prazos não se aplicam
aos projetos de código.

222 “O desrespeito à prerrogativa de iniciar o processo legislativo, mediante usurpação do poder sujeito à cláusula de reserva, traduz vício
jurídico de gravidade inquestionável, cuja ocorrência reflete típica hipótese de inconstitucionalidade formal, apta a infirmar, de modo
irremissível, a própria integridade do ato legislativo assim editado, que não se convalida, juridicamente, nem mesmo com a sanção
manifestada pelo Chefe do Poder Executivo. A matéria versada nos diplomas legislativos questionados em sede recursal extraordinária
subsume-se, claramente, ao conceito de regime jurídico dos servidores públicos” (AI 348800-SP, Rel. Min. Celso de Mello).

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17.4. PROCEDIMENTOS ESPECIAIS


17.4.1. EMENDAS À CONSTITUIÇÃO
17.4.1.1. LIMITES
A Constituição de um Estado pode ser classificada como flexível, semirrígida ou rígida, tudo
dependendo do processo passível de acarretar-lhe modificações. Há, ainda, as chamadas
constituições imutáveis, quais sejam, aquelas que não podem ter seus textos alterados em momento
algum e sob qualquer pretexto.
Flexível é aquela Constituição que pode ser submetida a alterações oriundas de simples
procedimento legislativo ordinário, sequer exigindo eventual quorum qualificado para deliberação e
votação.
As Constituições semirrígidas, por sua vez, podem ter seus textos reformados, ou até mesmo
revogados, mediante a observância de um processo legislativo qualificado, ao menos em relação ao
ordinário. Neste caso, bastaria um quorum diversificado para votação, a exemplo do procedimento a
ser observado por ocasião das leis complementares.
Já as constituições rígidas, além de não prescindirem de procedimento qualificado e
excepcional de deliberação e votação na seara legislativa, exigem outros requisitos à possibilidade de
alteração de seu texto, como, por exemplo, limites circunstanciais e parca legitimidade a possíveis
proponentes de reformas. Ademais, as Constituições rígidas podem conter aquilo que a doutrina
alemã chama de núcleo duro, consistente em dispositivos imutáveis, intangíveis. Este é o caso da
CF/88, conforme se depreende da regra veiculada pelo Art. 60, § 4º.
Fixada a premissa de que a CF/88 é uma Constituição rígida,223 cumpre ressaltar o texto
constitucional jamais sobreviveria (ou teria eficácia normativa, para usarmos a expressão de Konrad
Hesse) 224 sem um instrumento capaz de protegê-la. Este instrumento é o controle de
constitucionalidade, seja o preventivo ou o repressivo.
Sob esse aspecto – o do controle de constitucionalidade – é que devem ser analisados os
limites ao poder de reforma constitucional.
O poder de reforma constitucional é exercido pelo Poder Constituinte Derivado, responsável
pela edição de Emendas à Constituição, conforme previsto no artigo 60 da CF.
A doutrina nacional é uníssona em afirmar a sujeição das emendas à Constituição ao crivo do
controle de constitucionalidade. E não é outro o entendimento do Supremo Tribunal Federal desde o
julgamento da ADI 939-DF.
Não é demais ressaltar, neste aspecto, que parte da doutrina alemã, principalmente no
período subsequente à Segunda Guerra Mundial, sustentou a possibilidade da existência de normas
constitucionais primitivas inconstitucionais.225
A doutrina brasileira e a portuguesa não chegam a tanto. Embora mestres da envergadura de
Jorge Miranda aceitem a possibilidade da existência de um direito suprapositivo que, uma vez
violado, acarretaria a ilegitimidade da norma constitucional, coube, entre nós, a Paulo Bonavides e
ao Ministro Moreira Alves a demonstração de que é impossível – ou ao menos subversivo – um
Poder constituído (o Judiciário) chamar para si o “dever” de apontar a ilegitimidade do Poder

223 Sobre este aspecto, já apresentamos, quando da análise das espécies de Constituição, entendimento doutrinário no sentido de que a
CF/88 deveria ser classificada como super-rígida.
224 Hesse, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1991.
225 BACHOF, Otto. Normas constitucionais inconstitucionais? Trad. José Manuel M. Cardoso da Costa. Coimbra: Almedina, 1994.

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Constituinte Originário. Bonavides foi mais longe: para ele essa ideia não passaria de um devaneio
jusnaturalista de Otto Bachof que, caso aceito, configurar-se-ia em golpe de estado jurisdicional.226
Esta breve menção à teoria das normas constitucionais inconstitucionais – ou seja, a
discussão teórica a respeito de o próprio Constituinte Originário incorrer em inconstitucionalidade227
– justifica-se como forma de deixar fora do alcance de eventuais dúvidas a submissão das emendas
ao controle de constitucionalidade.
O Poder Constituinte Derivado tem de se submeter às normas veiculadas pelo artigo 60 da
CF.
Com efeito, naquele dispositivo são encontradas vedações explícitas e implícitas à
possibilidade de reforma do texto constitucional. Dentre as expressa temos: a) legitimidade
específica e limitada no tocante ao envio de propostas de emenda;228 b) limite circunstancial
consistente na impossibilidade de emendas na vigência de Intervenção Federal, de Estado de Defesa
e de Estado de Sítio; e c) limitações materiais relativas à impossibilidade sequer de deliberação a
respeito de propostas tendentes a abolir a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto,
universal e periódico, a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais.
Note-se também que o § 5º do artigo 60 retrata outra hipótese de limitação circunstancial.
Ainda em relação às limitações explícitas, há um antecedente histórico previsto na
Constituição de 1824. Tratava-se de limitação temporal, consistente na impossibilidade de alteração
daquele texto constitucional durante certo intervalo de tempo.
A doutrina preconiza a existência de uma vedação implícita ao Poder Constituinte
Reformador, salientando “ser implicitamente irreformável a norma constitucional que prevê as
limitações expressas (CF, artigo 60), pois, se diferente fosse, a proibição expressa poderia
desaparecer, para, só posteriormente, desaparecer, por exemplo, as cláusulas pétreas”.229

17.4.1.2. DIFERENÇAS ENTRE PROCEDIMENTO DAS EMENDAS E O


ORDINÁRIO
Além das características ínsitas às emendas à Constituição, acima mencionadas, podem ser
apontadas as seguintes.
Os projetos de leis ordinárias são aprovados em razão da obtenção da maioria simples dos
votos dos membros de cada Casa legislativa, enquanto que os relacionados a propostas de emendas
à Constituição somente se consideram aprovados depois do voto favorável de três quintos dos
membros de cada Casa legislativa.
Os projetos de leis ordinárias são votados, em regra uma única vez em cada Casa legislativa.
Já nas propostas de emenda à Constituição são imprescindíveis a dupla votação na Câmara dos
Deputados e a dupla votação no Senado.
Os projetos de leis ordinárias, depois de aprovados no Legislativo, são encaminhados ao
Presidente da República para sanção ou veto, ao passo que as propostas de emendas à Constituição
são diretamente promulgadas pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o
respectivo número de ordem, depois de aprovadas.

226
VELOSO, Zeno. Controle jurisdicional de constitucionalidade. 3 ed. Belo Horizonte, Del Rey, 2003, p. 209-220.
227 Para maiores informações, consultar o Capítulo em que se aborda com mais profundidade o Poder Constituinte.
228 Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados

ou do Senado Federal; II - do Presidente da República III - de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação,
manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.
229 MORAES, Alexandre. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 1015.

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17.4.2. LEIS COMPLEMENTARES


As leis complementares nada mais são do que instrumentos normativos aos quais o
constituinte reservou a possibilidade de regularem determinadas matérias previstas na Constituição
como, por exemplo, no artigo 14, § 9˚230, no artigo 146231, no artigo 146-A232, no artigo 153233, no
artigo 163234 e no artigo 192235.
O que as difere das leis ordinárias, além da reserva constitucionalmente prevista, é a
aprovação somente pela maioria absoluta dos membros de cada Casa legislativa (CF, artigo 69).
Questão interessante é a voltada à análise de eventual hierarquia entre leis ordinárias e
complementares. Os argumentos em prol da existência de hierarquia decorre da circunstância de as
leis complementares serem aprovadas por maioria absoluta.
Contudo, tem prevalecido a tese da inexistência de hierarquia entre essas duas espécies
normativas:
“Entendemos que a posição da inexistência de hierarquia é a mais adequada. Como tratam
de campos materiais determinados (a lei complementar só existe quando expressamente
requisitada a sua edição), não apresentam hierarquia, mas campos próprios de incidência,
estando todas no mesmo patamar hierárquico”. 236
Isto porque, caso haja publicação de alguma lei ordinária em questão não reservada, haverá
uma lei complementar formal que, materialmente, não passará de uma lei ordinária (passível,
inclusive, de ser revogada por posterior lei ordinária).

17.4.3. MEDIDAS PROVISÓRIAS


O texto do artigo 62 da CF foi baseado no artigo 77 da Constituição italiana de 1947. Os
textos são bem parecidos. Nada obstante, há diferenças importantíssimas e relacionadas ao sistema
de governo adotado em cada país.
O nosso sistema de governo é o presidencialista, no qual não há responsabilização política
do Presidente da República. Já no sistema parlamentarista adotado na Itália, a função executiva é
exercida por um órgão colegiado denominado Gabinete, que é presidido pelo Primeiro Ministro. No

230 Art. 14, § 9º: “Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade
administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das
eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou
indireta”.
231 Art. 146: “Cabe à lei complementar: I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o

Distrito Federal e os Municípios; II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; III - estabelecer normas gerais em matéria de
legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados
nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e
decadência tributários; c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas. d) definição de
tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou
simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se
refere o art. 239”.
232 Art. 146-A: “Lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da

concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo”.
233 Art. 153: “Compete à União instituir impostos sobre: VII - grandes fortunas, nos termos de lei complementar”.
234 Art. 163: “Lei complementar disporá sobre: I - finanças públicas; II - dívida pública externa e interna, incluída a das autarquias, fundações

e demais entidades controladas pelo Poder Público; III - concessão de garantias pelas entidades públicas; IV - emissão e resgate de títulos
da dívida pública; V - fiscalização financeira da administração pública direta e indireta; VI - operações de câmbio realizadas por órgãos e
entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; VII - compatibilização das funções das instituições oficiais de crédito
da União, resguardadas as características e condições operacionais plenas das voltadas ao desenvolvimento regional”.
235 Art. 192: “O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos

interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis
complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram”.
236 ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 397.

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sistema parlamentar, o Gabinete governa sempre sujeito à responsabilização política. Segundo
Michel Temer:
“A Constituição italiana foi o modelo inspirador do constituinte brasileiro. Ocorre,
entretanto, que entre as ‘medidas provisórias’ da Itália e as do Brasil há grande diferença. Lá o
sistema de governo é parlamentar e a Constituição prescreve que o ‘Governo’ (no caso, o Gabinete,
por meio do Primeiro-Ministro) editará a ‘medida provisória’ sob ‘sua responsabilidade’. O que é
‘responsabilidade’ no sistema parlamentar? É aquela de natureza ‘política’. Portanto, o que ocorre se
a medida provisória não for aprovada pelo Parlamento italiano? O gabinete (Governo) cai”.237
É o que basta para perceber-se a ampla liberdade que detém o Chefe do Executivo brasileiro
para a edição de medidas provisórias.

17.4.3.1. DIFERENÇAS ENTRE MEDIDAS PROVISÓRIAS E DECRETOS-LEIS


Nas Constituições de 1967 e 1969, respectivamente nos artigos 58 e 55, havia a previsão dos
malfadados decretos-lei. Eles tinham a força de lei ordinária e eram cabíveis em casos de urgência ou
relevante interesse público. Havia grande limitação das matérias passíveis de serem veiculadas por
aquelas espécies normativas, pois o Chefe do Executivo somente os podia editar em questões
concernentes à segurança nacional, a finanças públicas e, a partir de 1969, a normas tributárias.
A grande problemática era a aprovação tácita dos decretos-lei cuja aprovação ou rejeição
não tivesse sido deliberada pelo Congresso Nacional no prazo de sessenta dias.
As medidas provisórias, instituídas pelo Constituinte de 1988, ao que tudo indicava diante de
simples leitura da redação original do parágrafo único do art. 62 (“As medidas provisórias perderão a
eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de trinta dias, a partir de sua
publicação, devendo o Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes”), não
poderiam ser aprovadas de forma tácita, o que era extremamente salutar em comparação à antiga e
nefasta aprovação tácita dos decretos-lei.
Assim, de um lado o Presidente da República passou a poder editar medidas provisórias a
respeito de uma gama muito maior de matérias, pois não havia mais o rol constitucional das
questões passíveis de serem tratadas por ato exclusivo do Chefe do Executivo. Por outro, a
“promessa” Constituinte era a de que não haveria a possibilidade de aprovação tácita de medidas
provisórias.

17.4.3.2. A REDAÇÃO ORIGINAL DO ARTIGO 62 DA CF E A INTERPRETAÇÃO


JURISPRUDENCIAL
Dispunha o artigo 62 da Constituição da República, em sua redação original:
Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas
provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional que,
estando em recesso, será convocado extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco
dias.
Parágrafo único. As medidas provisórias perderão a eficácia, desde a edição, se não
forem convertidas em lei no prazo de trinta dias, a partir de sua publicação, devendo o
Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes.
O texto era claro. A perda de eficácia de uma medida provisória editada e não convertida em
lei no prazo improrrogável de trinta dias deveria ser, a toda evidência, retroativa, ex tunc.

237 TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 8 ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991.

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Entretanto, não foi essa a linha de raciocínio adotada pelo Supremo Tribunal Federal quando
passou a admitir a pura e simples reedição de medidas provisórias.
O mecanismo da reedição passou a ser admitido da seguinte forma: o Chefe do Executivo de
plantão editava uma medida provisória que, diante da mora do Legislativo por vários fatores que não
merecem ser mencionados, não seria apreciada no prazo de trinta dias; então o Presidente da
República, no vigésimo nono dia de vigência da primeira medida provisória, editava outra com igual
redação, mas com a peculiaridade de ser batizada com um número a mais (Por exemplo: Medida
Provisória 1000/2000 e Media Provisória 1000-1/2000); e assim por diante, ad infinitum. Há
inúmeros exemplos, tendo-se chegado a ponto de existirem medidas provisórias reeditadas mais de
trinta vezes como foi o caso da Medida Provisória 2.180-35, de 24 de agosto de 2001. O efeito lógico
decorrente da admissão da reedição de medidas provisórias foi notória burla à Constituição. Neste
aspecto Luciano Amaro foi bastante claro:
“Ademais, o prazo-limite de vigência das disposições provisórias é de trinta dias (art. 62,
parágrafo único) e não múltiplos de trinta. Caso a Constituição admitisse a vigência
provisória da medida por três, quatro, seis meses, um ano, ela teria dito que a medida
vigoraria até que o Congresso a apreciasse...”. 238
E Paulo Bonavides:
“Por elas, e com elas, o País trilha a via do absolutismo, visto que, desvirtuadas e apartadas
da respectiva finalidade constitucional, têm sido para os liberticidas o meio mais simples,
mais fácil, mais cômodo e mais rápido de instalar, sem reação social e sem estorvo, um
regime de exceção; o que aliás já se observa em face da ordem jurídica espedaçada”.239
Com relação às matérias que poderiam receber tratamento por intermédio de medidas
provisórias, em que pese ausência de vedação explícita no art. 62, a doutrina encontrou um certo
consenso que acarretou, inclusive, a alteração do texto constitucional por ocasião da Emenda n˚
32/2001.

17.4.3.3. A EMENDA CONSTITUCIONAL 32/2001 E NO NOVO ARTIGO 62 DA


CF
Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas
provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.
§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:
I – relativa a:
a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral;
b) direito penal, processual penal e processual civil;
c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de
seus membros;
d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e
suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º;
II – que vise a detenção ou sequestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro
ativo financeiro;
III – reservada a lei complementar;
IV – já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de
sanção ou veto do Presidente da República.
Grifo nosso

238AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 168.
239 BONAVIDES, Paulo. Do país constitucional ao país neocolonial: a derrubada da Constituição e a recolonização pelo golpe de Estado
institucional. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 106.

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As matérias hoje expressamente impassíveis de ser veiculadas por meio de medidas
provisórias já assim eram consideradas por grande parte da doutrina antes da promulgação da
Emenda Constitucional n˚ 32/2001.
§ 2º Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os
previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro
seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada.
De plano pode-se perceber que em matéria tributária o Presidente da República pode editar
medidas provisórias. Notemos, entretanto, que a redação do texto se refere única e exclusivamente
a impostos, e, não, ao gênero tributos.
Questão interessante é decorrente de medida provisória que implique a instituição ou
majoração de imposto que não seja nenhum daqueles arrolados nos artigos 153, incisos I, II, IV, V e
artigo 154, inciso II ( II, IE, IPI, IOF e impostos extraordinários, respectivamente): na majoração da
alíquota do IPTU, por exemplo e de acordo com o § 2˚ ora sob análise, a medida provisória que tratar
da matéria somente produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida
em lei até o último dia daquele em que foi editada.
§ 3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde
a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos
termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por
decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes.
A vigência das medidas provisórias hoje é de sessenta dias e não mais trinta, conforme
constava no texto original.
Anote-se: cabe ao Congresso Nacional, por meio de decreto legislativo, regular as relações
decorrentes de medidas provisórias que eventualmente percam a eficácia por não terem sido
convertidas em lei ou sejam expressamente rejeitadas.
§ 4º O prazo a que se refere o § 3º contar-se-á da publicação da medida provisória,
suspendendo-se durante os períodos de recesso do Congresso Nacional.
§ 5º A deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das
medidas provisórias dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos
constitucionais.
§ 6º Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua
publicação, entrará em regime de urgência, subsequentemente, em cada uma das Casas do
Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais
deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando.
§ 7º Prorrogar-se-á uma única vez por igual período a vigência de medida provisória que, no
prazo de sessenta dias, contado de sua publicação, não tiver a sua votação encerrada nas
duas Casas do Congresso Nacional.
Extremamente salutar a alteração no tocante à expressa impossibilidade de reedição da
medida provisória não apreciada pelo Congresso.
§ 8º As medidas provisórias terão sua votação iniciada na Câmara dos Deputados.
§ 9º Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as medidas provisórias e
sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de
cada uma das Casas do Congresso Nacional.
§ 10. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha
sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo.
§ 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a
rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e
decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas.

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Antigamente as medidas provisórias deveriam perder a eficácia desde a edição se não
fossem convertidas em lei no prazo de trinta dias. Isso evidentemente abrangia as situações de
expressa rejeição, pelo Congresso Nacional, de medidas provisórias. Cabia, então, ao Congresso
Nacional regular as relações jurídicas delas decorrentes.
Acontece que, seja por mora do Congresso ou até mesmo por impossibilidade empírica de o
Legislativo editar decretos legislativos com o objetivo regular todas as relações jurídicas decorrentes
de incontáveis medidas provisórias editadas pelo Chefe do Executivo, o que se verificada era o
império da segurança jurídica.
Mesmo que uma medida provisória seja rejeitada ou que perca a eficácia desde a edição, não
se pode negar que, ao menos nos dias em que ela gerou efeitos depois de editada, foram criadas,
extintas ou modificadas diversas relações jurídicas. Isto porque medida provisória editada tem
efeitos de lei desde a publicação.
Então, uma coisa, singela, é o discurso perderão a eficácia desde a edição e outra, bem diferente,
relaciona-se com as relações jurídicas ocorridas enquanto a medida provisória esteve em vigor.
Desse modo, tínhamos situações de insegurança uma vez que não se sabia ao certo que regra
deveria ser aplicada às situações ocorridas logo depois da edição de uma medida provisória
expressamente rejeitada ou não convertida em lei no prazo de trinta dias. Daí a necessidade de o
Congresso Nacional regular as situações jurídicas dela decorrentes. E se não houvesse – como
efetivamente não houve na maioria dos casos – a edição do decreto legislativo capaz de regular as
tais relações jurídicas?
Atualmente a questão parece estar resolvida. Hoje não editado o decreto legislativo a que se
refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações
jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservam-se por ela
regidas.
Por outro lado é inegável que, como consequência desta novel previsão, as medidas
provisórias rejeitadas ou que tenham perdido a eficácia, ao permanecerem regendo as relações
jurídicas aperfeiçoadas no período de vigência, em nada se diferenciam dos antigos decretos-lei.
§ 12. Aprovado projeto de lei de conversão alterando o texto original da medida provisória,
esta manter-se-á integralmente em vigor até que seja sancionado ou vetado o projeto.
Outro dispositivo com vistas a atribuir maior segurança jurídica, por intermédio do qual o
Constituinte Derivado cuidou de salientar a eficácia da redação original de medida provisória que
eventualmente tenha o texto alterado quando da respectiva análise perante o Legislativo. Segundo o
disposto no art. 2º da Emenda Constitucional 32, “As medidas provisórias editadas em data anterior
à da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue
explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional”.

17.4.4. LEIS DELEGADAS


Leis delegadas nada mais são do que atos normativos também primários (assim como as
emendas à Constituição, às leis ordinárias e complementares, às medidas provisórias) pelos quais o
Chefe do Executivo solicita ao Legislativo a delegação de atribuições para o tratamento de algumas
matérias, desde que não se trate de questões expressamente vedadas pela própria Constituição.240
Trata-se de instrumento legislativo em desuso justamente pela edição indiscriminada de medidas
provisórias por parte do Executivo.

240CF, Art. 68: Art. 68. As leis delegadas serão elaboradas pelo Presidente da República, que deverá solicitar a delegação ao Congresso Nacional. § 1º -
Não serão objeto de delegação os atos de competência exclusiva do Congresso Nacional, os de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do
Senado Federal, a matéria reservada à lei complementar, nem a legislação sobre: I - organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a
garantia de seus membros; II - nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais; III - planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e
orçamentos.

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17.4.5. DECRETOS LEGISLATIVOS


Decreto legislativo é o meio por intermédio do qual o Congresso Nacional exerce sua
competência exclusiva (artigo 49 da CF). Também é por decreto legislativo que o Congresso Nacional
regula as relações jurídicas decorrentes de medidas provisórias não convertidas em lei ou
expressamente rejeitadas.

17.4.6. RESOLUÇÕES
As resoluções são editadas tanto pelo Congresso Nacional quanto por qualquer das
respectivas casas. A Câmara dos Deputados e Senado Federal regulam, via resoluções, as respectivas
competências privativas, nos termos dos artigos 51 e 52 da CF.

PODER EXECUTIVO

18.1. PRESIDENTE DA REPÚBLICA


O Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República, auxiliado pelos Ministros de
Estado (CF, art. 76).
A eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República deve ocorrer, simultaneamente,
no primeiro domingo de outubro, em primeiro turno, e no último domingo de outubro, em segundo
turno, se houver, do ano anterior ao do término do mandato presidencial vigente (CF, art. 77).
A eleição do Presidente da República importará a do Vice-Presidente com ele registrado (§
1º). Será considerado eleito Presidente o candidato que, registrado por partido político, obtiver a
maioria absoluta de votos, não computados os em branco e os nulos (§ 2º). Se nenhum candidato
alcançar maioria absoluta na primeira votação, far-se-á nova eleição em até vinte dias após a
proclamação do resultado, concorrendo os dois candidatos mais votados e considerando-se eleito
aquele que obtiver a maioria dos votos válidos (§ 3º). Se, antes de realizado o segundo turno, ocorrer
morte, desistência ou impedimento legal de candidato, convocar-se-á, dentre os remanescentes, o
de maior votação (§ 4º). Se, na hipótese dos parágrafos anteriores, remanescer, em segundo lugar,
mais de um candidato com a mesma votação, qualificar-se-á o mais idoso (§ 5º).
O Presidente e o Vice-Presidente da República tomarão posse em sessão do Congresso
Nacional, prestando o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis,
promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do
Brasil. Se, decorridos dez dias da data fixada para a posse, o Presidente ou o Vice-Presidente, salvo
motivo de força maior, não tiver assumido o cargo, este será declarado vago (CF, art. 78).
Substituirá o Presidente, no caso de impedimento, e suceder-lhe-á, no de vaga, o Vice-
Presidente. O Vice-Presidente da República, além de outras atribuições que lhe forem conferidas por
lei complementar, auxiliará o Presidente, sempre que por ele convocado para missões especiais (CF,
art. 79).

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Em caso de impedimento do Presidente e do Vice-Presidente, ou vacância dos respectivos
cargos, serão sucessivamente chamados ao exercício da Presidência o Presidente da Câmara dos
Deputados, o do Senado Federal e o do Supremo Tribunal Federal (CF, art. 80).
Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa
dias depois de aberta a última vaga. Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período
presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo
Congresso Nacional, na forma da lei (CF, art. 81).241 Em qualquer dos casos, os eleitos deverão
completar o período de seus antecessores (§ 2º).
O mandato do Presidente da República é de quatro anos e terá início em primeiro de janeiro
do ano seguinte ao da sua eleição (CF, art. 82). O Presidente e o Vice-Presidente da República não
poderão, sem licença do Congresso Nacional, ausentar-se do País por período superior a quinze dias, sob
pena de perda do cargo (CF, art. 83).

18.1.1. ATRIBUIÇÕES DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA


Segundo o art. 84 da CF, compete privativamente ao Presidente da República:
I - nomear e exonerar os Ministros de Estado;
II - exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal;
III - iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta Constituição;
IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos
para sua fiel execução;
V - vetar projetos de lei, total ou parcialmente;
VI – dispor, mediante decreto, sobre:
a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de
despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos;
b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos;
VII - manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos;
VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso
Nacional;
IX - decretar o estado de defesa e o estado de sítio;
X - decretar e executar a intervenção federal;
XI - remeter mensagem e plano de governo ao Congresso Nacional por ocasião da abertura
da sessão legislativa, expondo a situação do País e solicitando as providências que julgar
necessárias;
XII - conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos
em lei;
XIII - exercer o comando supremo das Forças Armadas, nomear os Comandantes da
Marinha, do Exército e da Aeronáutica, promover seus oficiais-generais e nomeá-los para os
cargos que lhes são privativos;"
XIV - nomear, após aprovação pelo Senado Federal, os Ministros do Supremo Tribunal
Federal e dos Tribunais Superiores, os Governadores de Territórios, o Procurador-Geral da
República, o presidente e os diretores do Banco Central e outros servidores, quando
determinado em lei;
XV - nomear, observado o disposto no art. 73, os Ministros do Tribunal de Contas da União;

241 Importante notarmos que esta é uma possibilidade de eleição indireta.

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DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
XVI - nomear os magistrados, nos casos previstos nesta Constituição, e o Advogado-Geral
da União;
XVII - nomear membros do Conselho da República, nos termos do art. 89, VII;
XVIII - convocar e presidir o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional;
XIX - declarar guerra, no caso de agressão estrangeira, autorizado pelo Congresso Nacional
ou referendado por ele, quando ocorrida no intervalo das sessões legislativas, e, nas
mesmas condições, decretar, total ou parcialmente, a mobilização nacional;
XX - celebrar a paz, autorizado ou com o referendo do Congresso Nacional;
XXI - conferir condecorações e distinções honoríficas;
XXII - permitir, nos casos previstos em lei complementar, que forças estrangeiras transitem
pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente;
XXIII - enviar ao Congresso Nacional o plano plurianual, o projeto de lei de diretrizes
orçamentárias e as propostas de orçamento previstos nesta Constituição;
XXIV - prestar, anualmente, ao Congresso Nacional, dentro de sessenta dias após a abertura
da sessão legislativa, as contas referentes ao exercício anterior;
XXV - prover e extinguir os cargos públicos federais, na forma da lei;
XXVI - editar medidas provisórias com força de lei, nos termos do art. 62;
XXVII - exercer outras atribuições previstas nesta Constituição.

18.1.1.2. DECRETO AUTÔNOMO


O inciso VI do art. 84 foi alterado pela EC n˚ 32/2001. Ele trata da possibilidade de o
Presidente da República, mediante decreto, inovar a ordem jurídica. É o decreto autônomo que há
muito vinha sendo tido pela grande maioria de nossos doutrinadores como inadmissível.
É claro que o Presidente da República sempre pôde expedir decretos, mas eles cingiam-se a
questões específicas e concretas, como, por exemplo, a declaração de que determinado imóvel é de
interesse social para fins reforma agrária. A inovação consiste na possibilidade de o Chefe do
Executivo expedir decretos independentemente de prévia autorização legislativa, desde que se
refiram a questões afetas à organização e funcionamento da administração federal.
Os decretos autônomos, assim entendidos aqueles que em total desrespeito ao princípio da
legalidade e aos limites estabelecidos pelo art. 84, IV, ultrapassam o âmbito da regulamentação e fiel
execução das leis, sempre foram terminantemente rechaçados pela doutrina.
A obviedade da total invalidade de decreto que vá além da regulamentação, da especificação
de comandos legais ou constitucionais pré-existentes, dispensa maiores ilações. O que a CF/88
admite desde que foi promulgada é a utilização, pelo Presidente da República, fiel executor da lei, do
decreto regulamentar. Não há espaço para decretos autônomos.
A EC 32/2001 alterou o art. 84, VI da CF. Na redação original era competência privativa do
Presidente da República dispor sobre a organização e o funcionamento da administração federal, na
forma da lei. Atualmente ainda compete ao Presidente da República dispor sobre a organização e o
funcionamento da administração federal. Contudo, além de ter sido ampliada a possibilidade de
decreto presidencial para abarcar a extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos, não mais
existe a condicionante na forma da lei. A alteração foi profunda e causou posicionamentos
doutrinários diametralmente opostos.
Celso Antonio Bandeira de Mello afirma que não poderia sequer ser imaginada a hipótese do
decreto autônomo, ainda com base na redação alterada do art. 84, VI. Para ele, continua sendo
inviável que o Presidente da República fuja “dos esquemas já legalmente traçados de maneira
genérica” porque o princípio da legalidade continua previsto no art. 5°, II e “competências outras não

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DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
poderiam ser instituídas ex novo, pois, se o fossem, os poderes nelas previstos, quando exercidos,
gerariam para os assujeitados obrigações de fazer ou deixar de fazer em virtude de regulamento e
não de lei”.242
Outros chegaram a uma antípoda conclusão, ao admitirem que, independentemente de lei, o
Presidente da República possa, com base no novo art. 84, VI, dispor via decreto sobre organização e
funcionamento da administração federal, quando isso não implicar aumento de despesa nem criação
ou extinção de órgãos públicos, e sobre a extinção de funções ou cargos públicos vagos. Partem da
premissa de que, nestes casos, o fundamento de validade do decreto não é a lei e sim a própria
Constituição Federal.243
A premissa é falsa porque o dispositivo constitucional que daria suporte de validade ao
decreto é decorrente de emenda à Constituição que, neste aspecto, não encontra validade
sistemático-constitucional.
Não é válida porque objetivou, por via indireta (a alteração do art. 84, VI), reduzir o alcance
de cláusula pétre a: o art. 5°, II da CF. Este é o motivo pelo qual não se tem receio ao reafirmar que
não há espaço para decreto autônomo, ainda que com base no alterado art. 84, VI.

18.1.1.2. DELEGAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES


O Presidente da República poderá delegar as atribuições mencionadas nos no art. 84, incisos
VI, XII e XXV, primeira parte, aos Ministros de Estado, ao Procurador-Geral da República ou ao
Advogado-Geral da União, que observarão os limites traçados nas respectivas delegações.

18.1.2. RESPONSABILIDADE DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA


São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a
Constituição Federal e, especialmente, contra (CF, art. 85):
I - a existência da União;
II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos
Poderes constitucionais das unidades da Federação;
III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
IV - a segurança interna do País;
V - a probidade na administração;
VI - a lei orçamentária;
VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
Os crimes de responsabilidade, de acordo com a CF, serão definidos em lei especial, que
estabelecerá as normas de processo e julgamento, inclusive dos governadores.
Nesse sentido, já se pronunciou o STF:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTS. 56, INC. XXI, E 93 DA
CONSTITUIÇÃO DO ESPÍRITO SANTO. INCOMPETÊNCIA DE ESTADO-MEMBRO PARA
LEGISLAR SOBRE PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DE CRIMES DE
RESPONSABILIDADE COMETIDOS POR GOVERNADOR. EXIGÊNCIA DE
AUTORIZAÇÃO PRÉVIA DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA PARA INSTAURAÇÃO DE
PROCESSO CONTRA O GOVERNADOR POR PRÁTICA DE CRIMES DE
RESPONSABILIDADE. 1. Inconstitucionalidade formal decorrente da incompetência dos
Estados-membros para legislar sobre processamento e julgamento de crimes de

242 MELLO, Celso Antônio bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 17. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 94-95.
243 CHIMENTI, Ricardo Cunha; CAPEZ, Ricardo Cunha; et al. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 188.

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DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
responsabilidade (art. 22, inc. I, da Constituição da República). 2. Constitucionalidade das
normas estaduais que, por simetria, exigem a autorização prévia da assembleia legislativa
como condição de procedibilidade para instauração de ação contra governador (art. 51, inc. I,
da Constituição da República). 3. Ação julgada parcialmente procedente para declarar
inconstitucional o inc. XXI do art. 56 (“processar e julgar o governador e o vice-governador do
estado nos crimes de responsabilidade e os secretários de estado nos crimes da mesma
natureza conexos com aqueles”); e da segunda parte do art. 93 da Constituição do Estado do
Espírito Santo (“ou perante a assembleia legislativa, nos crimes de responsabilidade”). (ADI
4792, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 12/02/2015,
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-076 DIVULG 23-04-2015 PUBLIC 24-04-2015)

18.1.2.1. PROCESSAMENTO
Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos
Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações
penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade (CF, art. 86).
O Presidente ficará suspenso de suas funções: a) nas infrações penais comuns, se recebida a
denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal; b) nos crimes de responsabilidade, após
a instauração do processo pelo Senado Federal (§ 1º).
Se, decorrido o prazo de cento e oitenta dias, o julgamento não estiver concluído, cessará o
afastamento do Presidente, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo (§ 2º).
Enquanto não sobrevier sentença condenatória, nas infrações comuns, o Presidente da
República não estará sujeito a prisão (§ 3º).
O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por
atos estranhos ao exercício de suas funções (§ 4º).
Este último dispositivo trata da chamada imunidade penal temporária do Presidente da
República.

18.2. MINISTROS DE ESTADO


Os Ministros de Estado serão escolhidos dentre brasileiros maiores de vinte e um anos e no
exercício dos direitos políticos (CF, art. 87).
Compete ao Ministro de Estado, além de outras atribuições estabelecidas na Constituição e
na lei:
I - exercer a orientação, coordenação e supervisão dos órgãos e entidades da administração
federal na área de sua competência e referendar os atos e decretos assinados pelo
Presidente da República;
II - expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos;
III - apresentar ao Presidente da República relatório anual de sua gestão no Ministério;
IV - praticar os atos pertinentes às atribuições que lhe forem outorgadas ou delegadas pelo
Presidente da República.

18.3. CONSELHO DA REPÚBLICA


O Conselho da República é órgão superior de consulta do Presidente da República (CF, art. 89).

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DIREITO CONSTITUCIONAL
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18.3.1. COMPOSIÇÃO
Participam do Conselho da República: Vice-Presidente da República; Presidente da Câmara
dos Deputados; Presidente do Senado Federal; líderes da maioria e da minoria na Câmara dos
Deputados; líderes da maioria e da minoria no Senado Federal; Ministro da Justiça; seis cidadãos
brasileiros natos, com mais de trinta e cinco anos de idade, sendo dois nomeados pelo Presidente da
República, dois eleitos pelo Senado Federal e dois eleitos pela Câmara dos Deputados, todos com
mandato de três anos, vedada a recondução.
O Presidente da República poderá convocar Ministro de Estado para participar da reunião do
Conselho, quando constar da pauta questão relacionada com o respectivo Ministério (CF, art. 90, §
1º).

18.3.2. COMPETÊNCIA
Compete ao Conselho da República pronunciar-se sobre: a) intervenção federal, estado de
defesa e estado de sítio; b) as questões relevantes para a estabilidade das instituições democráticas
(CF, art. 90).

18.4. CONSELHO DE DEFESA NACIONAL


O Conselho de Defesa Nacional é órgão de consulta do Presidente da República nos assuntos
relacionados com a soberania nacional e a defesa do Estado democrático (CF, art. 91).

18.4.1. COMPOSIÇÃO
Participam do Conselho de Defesa Nacional, como membros natos (CF, art. 91): Vice-
Presidente da República; Presidente da Câmara dos Deputados; Presidente do Senado Federal;
Ministro da Justiça; Ministros militares; Ministro de Estado da Defesa; Ministro das Relações
Exteriores; Ministro do Planejamento; Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.244

18.4.2. COMPETÊNCIA
Compete ao Conselho de Defesa Nacional (CF, art. 91, § 1º): a) opinar nas hipóteses de
declaração de guerra e de celebração da paz, nos termos desta Constituição; b) opinar sobre a
decretação do estado de defesa, do estado de sítio e da intervenção federal; c) propor os critérios e
condições de utilização de áreas indispensáveis à segurança do território nacional e opinar sobre seu
efetivo uso, especialmente na faixa de fronteira e nas relacionadas com a preservação e a
exploração dos recursos naturais de qualquer tipo; d) estudar, propor e acompanhar o
desenvolvimento de iniciativas necessárias a garantir a independência nacional e a defesa do
Estado democrático.

244
Interessante notar que o Vice-Presidente da República, o Presidente da Câmara dos Deputados, o Presidente do Senado Federal e
Ministro da Justiça participam tanto do Conselho da República quanto do Conselho de Defesa Nacional.

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DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS

PODER JUDICIÁRIO

19.1. DISPOSIÇÕES GERAIS


19.1.1. ÓRGÃOS DO PODER JUDICIÁRIO
São órgãos do Poder Judiciário (CF, art. 92): o Supremo Tribunal Federal; o Conselho Nacional de
Justiça; o Superior Tribunal de Justiça; Tribunal Superior do Trabalho; os Tribunais Regionais Federais e
Juízes Federais; os Tribunais e Juízes do Trabalho; os Tribunais e Juízes Eleitorais; os Tribunais e Juízes
Militares; os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios.
O Supremo Tribunal Federal, o Conselho Nacional de Justiça e os Tribunais Superiores têm sede
na Capital Federal (CF, art. 92, § 1º). O Supremo Tribunal Federal e os Tribunais Superiores têm jurisdição
em todo o território nacional (§ 2º). Ressalte-se que o Conselho Nacional de Justiça não tem jurisdição,
tratando-se de órgão administrativo.
Como se percebe, além do STF, todos os demais Tribunais Superiores têm jurisdição em todo
o território nacional. São eles: Superior Tribunal de Justiça (STJ), Tribunal Superior do Trabalho (TST),
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e Superior Tribunal Militar (STM).

19.1.2. ESTATUTO DA MAGISTRATURA


De acordo com o art. 93 CF, Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá
sobre o Estatuto da Magistratura, observados os diversos princípios adiante apresentados.245
Embora o dispositivo constitucional mencione que a Lei Complementar, de iniciativa do
Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, percebe-se claramente, a partir
da leitura dos diversos princípios arrolados pela própria Constituição, que há densidade normativa
suficiente à aplicabilidade imediata de praticamente todos os incisos do artigo 96.
O ingresso na carreira, cujo cargo inicial é o de juiz substituto, se dá mediante concurso
público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases,
exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas
nomeações, à ordem de classificação (CF, artigo 93, I).
A promoção de magistrados ocorre de entrância para entrância, alternadamente, por
antiguidade e merecimento. O ato de remoção, disponibilidade e aposentadoria do magistrado, por
interesse público, fundar-se-á em decisão por voto de dois terços do respectivo tribunal, assegurada
ampla defesa. O ato de remoção, disponibilidade e aposentadoria do magistrado, por interesse
público, fundar-se-á em decisão por voto da maioria absoluta do respectivo tribunal ou do Conselho
Nacional de Justiça, assegurada ampla defesa (CF, art. 93, VII e VIII).
Lembremos que esta regra trata de uma exceção à inamovibilidade de que gozam os
membros da magistratura, embora não possa ser, tecnicamente, chamada de remoção de ofício, mas
sim remoção por interesse público. Antes da EC 45/2004 a remoção, a disponibilidade e a

245 É a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN): Lei Complementar n˚ 35/79.

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DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
aposentadoria do magistrado por interesse público dependia do voto de dois terços do respectivo
tribunal e não havia a possibilidade, hoje existente, no tocante ao Conselho Nacional de Justiça.

19.1.2.1. GARANTIAS
As garantias atribuídas aos magistrados visam a imparcialidade dos veredictos. Os juízes
gozam de algumas garantias. A vitaliciedade, que, no primeiro grau, só será adquirida após dois anos
de exercício, dependendo a perda do cargo, nesse período, de deliberação do tribunal a que o juiz
estiver vinculado, e, nos demais casos, de sentença judicial transitada em julgado. A vitaliciedade é a
impossibilidade de o magistrado ser exonerado do cargo. A regra só é válida para os juízes de
primeiro grau. Assim, são vitalícios desde o momento da posse: Ministros dos Tribunais Superiores,
Desembargadores dos Tribunais Regionais e Desembargadores dos Tribunais de Justiça.
Além disso, o magistrado possui a garantia da inamovibilidade, salvo por motivo de interesse
público, na forma do art. 93, VIII.246Isso quer dizer que o magistrado não pode ser removido, a não
ser que assim deseje ou haja relevante interesse público. Perceba-se que não se trata de uma regra
absoluta.
Ainda, possuem garantia de irredutibilidade de subsídio, ressalvado o disposto nos arts. 37, X
e XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I, todos da CF. Quanto ao princípio da irredutibilidade, o STF
já decidiu que esta é uma garantia nominal e não real, quer dizer, o vencimento dos juízes não está
imune às condições inflacionárias que sem alterar o valor nominal dos vencimentos pode corroer a
sua real capacidade econômica.

19.1.2.2. VEDAÇÕES
Assim como as garantias, as vedações impostas aos magistrados têm como principal objetivo
proteger a própria jurisdição. Aos juízes é vedado (CF, art. 95, parágrafo único):
a) exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério;
b) receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo;

c) dedicar-se à atividade político-partidária;


d) receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas,
entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei;
e) exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos
do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração.
O Conselho Nacional de Justiça, no julgamento da Reclamação Disciplinar nº 127 e nos
Pedidos de Providência nº 596 e nº 775, firmou entendimento no sentido de ser incompatível com o
exercício do cargo de magistrado o desempenho de função da justiça desportiva, de grão-mestre da
maçonaria ou de dirigente de organização não-governamental (ONG), bem como de entidades como
Rotary, Lions, APAEs, Sociedade Espírita, Rosa-Cruz e de instituição de ensino pública e privada.

19.1.3. PUBLICIDADE E FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES


Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas
as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença,
em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos

246CF, art. 93, VIII - “O ato de remoção, disponibilidade e aposentadoria do magistrado, por interesse público, fundar-se-á em decisão por
voto da maioria absoluta do respectivo tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, assegurada ampla defesa.”

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DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse
público à informação (CF, art. 93, IX).

Esse último caso é um acréscimo decorrente da EC 45/2004, devido à necessária


conformação do direito à intimidade do interessado com o interesse público à informação. Trata-se
de cláusula aberta a ser decidida, em termos de âmbito de aplicação, atendendo-se às peculiaridades
de cada caso concreto.
As decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública, sendo as
disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros (CF, art. 93, X).
Importantíssima a inovação da EC 45/2004: as decisões administrativas devem ser tomadas em
sessão aberta ao público.

19.1.4. ÓRGÃO ESPECIAL


Nos tribunais com número superior a vinte e cinco julgadores poderá ser constituído órgão
especial, com o mínimo de onze e o máximo de vinte e cinco membros, para o exercício das
atribuições administrativas e jurisdicionais delegadas da competência do tribunal pleno, provendo-se
metade das vagas por antiguidade e a outra metade por eleição pelo tribunal pleno (CF, art. 93, XI).

19.1.5. PRESTAÇÃO DA ATIVIDADE JURISDICIONAL


A atividade jurisdicional será ininterrupta, sendo vedado férias coletivas nos juízos e tribunais
de segundo grau, funcionando, nos dias em que não houver expediente forense normal, juízes em
plantão permanente (CF, art. 93, XII). Chama a atenção o fato de as férias coletivas somente estarem
vedadas nos juízos e tribunais de segundo grau.
O número de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda judicial e à
respectiva população (CF, art. 93, XIII).
Os servidores receberão delegação para a prática de atos de administração e atos de mero
expediente sem caráter decisório (CF, art. 93, XIV). Neste aspecto o Constituinte Derivado (EC
45/2004) passou a legitimar oficialmente o que já acontecia na prática: o fato de servidores
procederem à movimentação processual independentemente de despacho de mero expediente sem
caráter decisório.
A distribuição de processos será imediata, em todos os graus de jurisdição (CF, art. 93, XV).
Outra novidade da EC 45/2004, em homenagem ao direito fundamental à ágil e efetiva prestação
jurisdicional (CF, art. 5º, LXXVIII).

19.1.6. QUINTO CONSTITUCIONAL


Um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados, e do
Distrito Federal e Territórios será composto de membros, do Ministério Público, com mais de dez
anos de carreira, e de advogados de notório saber jurídico e de reputação ilibada, com mais de dez
anos de efetiva atividade profissional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das
respectivas classes (CF, art. 94).
Essas listas transformam-se em tríplices no tribunal em que há a vaga sob disputa, sendo
somente então submetidas ao Chefe do Executivo para a escolha de um dos integrantes para
nomeação. É o que diz a regra do art. 94, parágrafo único: “Recebidas as indicações, o tribunal
formará lista tríplice, enviando-a ao Poder Executivo, que, nos vinte dias subsequentes, escolherá um

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DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
de seus integrantes para nomeação”. O chefe do executivo não é obrigado a fazer a escolha acaso a
lista não esteja completa com três indicações.
Interessante notar que somente os tribunais de segundo grau devem ser formados por
integrantes decorrentes do quinto constitucional. Para o STF e o STJ, por exemplo, não há exigência
alguma de que parte dos ministros seja composta de egressos do Ministério Público ou da advocacia.

19.1.7. COMPETÊNCIAS ADMINISTRATIVAS DOS TRIBUNAIS


O art. 96 da CF trata de questões administrativas a cargo dos tribunais, tais como eleição de
seus órgãos diretivos, elaboração de seus regimentos internos, provimento de cargos, proposição
para criação de novas varas judiciárias, provimento de concursos para os respectivos cargos,
concessões de licenças, férias, etc. Recomenda-se leitura do dispositivo.
Embora a literalidade do art. 96 contenha apenas a menção à criação de novas varas
judiciárias, nada impede que o judiciário disponha sobre a especialização de varas já criadas.

19.1.8. RESERVA DE PLENÁRIO


Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo
órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do
Poder Público (CF, art. 97).

19.1.9. JUIZADOS ESPECIAIS


O art. 98 da CF determina que a União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados
criem juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a
conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais
de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas
hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro
grau.
No tocante à Justiça Federal, em atenção à disposição do art. 98, § 1˚ (“Lei federal disporá
sobre a criação de juizados especiais no âmbito da Justiça Federal”), editou-se a Lei 10.259/2001, que
dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal.

19.1.10. AUTONOMIA ADMINISTRATIVA E FINANCEIRA


Ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira (CF, art. 99). Os
tribunais elaborarão suas propostas orçamentárias dentro dos limites estipulados conjuntamente
com os demais Poderes na lei de diretrizes orçamentárias (§ 1º).
O encaminhamento da proposta, ouvidos os outros tribunais interessados, compete: no
âmbito da União, aos Presidentes do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, com a
aprovação dos respectivos tribunais; no âmbito dos Estados e no do Distrito Federal e Territórios, aos
Presidentes dos Tribunais de Justiça, com a aprovação dos respectivos tribunais (§ 2º).
Se os órgãos referidos no § 2º não encaminharem as respectivas propostas orçamentárias
dentro do prazo estabelecido na lei de diretrizes orçamentárias, o Poder Executivo considerará, para
fins de consolidação da proposta orçamentária anual, os valores aprovados na lei orçamentária
vigente, ajustados de acordo com os limites estipulados na forma do § 1º.

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Se as propostas orçamentárias de que trata este artigo forem encaminhadas em desacordo
com os limites estipulados na forma do § 1º, o Poder Executivo procederá aos ajustes necessários
para fins de consolidação da proposta orçamentária anual (§ 4º).
Durante a execução orçamentária do exercício, não poderá haver a realização de despesas
ou a assunção de obrigações que extrapolem os limites estabelecidos na lei de diretrizes
orçamentárias, exceto se previamente autorizadas, mediante a abertura de créditos suplementares
ou especiais (§ 5º).

19.2. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL


O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com
mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e
reputação ilibada (CF, art. 101).
Somente podem se tornar Ministros do Supremo Tribunal Federal aqueles cidadãos com mais
de trinta e cinco anos de idade. Assim, numa primeira e isolada interpretação poderíamos chegar à
conclusão de que os brasileiros naturalizados que detenham capacidade eleitoral ativa poderiam ser
nomeados a tais cargos. Entretanto, em face da disposição do art. 12, § 3˚, IV da CF, os cargos de
Ministro do STF são privativos de brasileiros natos.
Os Ministros do Supremo Tribunal Federal são nomeados pelo Presidente da República,
depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal (CF, art. 101, parágrafo
único). Esta é a previsão da chamada sabatina perante o Senado Federal.

19.2.1. COMPETÊNCIA
Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição. A
competência do STF (CF, art. 102) pode ser originária ou recursal. A competência recursal divide-se
em ordinária e extraordinária.

19.2.1.1. COMPETÊNCIA ORGINÁRIA


Compete ao STF processar e julgar, originariamente, a ação direta de inconstitucionalidade
de lei ou ato normativo federal ou estadual (ADI) e a ação declaratória de constitucionalidade de lei
ou ato normativo federal (ADC).
A Constituinte, nesta hipótese, utilizou-se da técnica do silêncio eloquente (o silêncio que diz
tudo). Ora, se expressamente previu-se o cabimento de ADI em face de lei ou ato normativo federal
e estadual, não é necessário maior esforço para se perceber que não cabe, nesta hipótese,
interpretação extensiva a fim de englobar, por exemplo, leis ou atos normativos municipais. Não é
demais lembrar que a ADC somente mostra-se pertinente quando se busca a declaração de
constitucionalidade de lei ou ato normativo federal.
Compete julgar, originariamente, nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o
Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral
da República.
Anote-se que o Presidente da República, o Vice-Presidente da República e os Ministros de
Estado somente podem ser julgados pelo STF depois de aprovada a instauração de processo pela
Câmara dos Deputados (CF, art. 51, I).
Com relação aos membros do Congresso Nacional (Deputados Federais e Senadores)
também há regra específica. Trata-se daquela veiculada pelo art. 53, § 3˚ da CF, que admite a

180
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
suspensão do processo já instaurado perante o STF mediante o voto da maioria dos membros da
Casa à qual pertença o parlamentar.
Compete ao STF processar e julgar, originariamente, nas infrações penais comuns e nos
crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da
Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal
de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente.
Trata de outras autoridades com foro por prerrogativa de função perante o STF. Atente-se ao
fato de que, nesta hipótese, o STF é competente tanto na esfera criminal quanto em relação a crimes
de responsabilidade. No entanto, quando os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do
Exército e da Aeronáutica praticam crimes de responsabilidade conexos com os do Presidente da
República, a competência é do Senado, pois vale a regra do art. 52, I da CF.
Compete ao STF processar e julgar, originariamente, o "habeas-corpus", sendo paciente
qualquer das pessoas referidas nas alíneas anteriores; o mandado de segurança e o "habeas-data"
contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal,
do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio Supremo Tribunal
Federal.
Compete processar e julgar, originariamente, o litígio entre Estado estrangeiro ou organismo
internacional e a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Território.
Questão frequente em concursos, pois geralmente há confusão com a competência dos
Juízes Federais de primeira instância (CF, art. 109, II). Os Juízes Federais são competentes para julgar
as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada ou
residente no país. As regras são parecidas, mas não devem ser confundidas.
Compete ao STF processar e julgar, originariamente, as causas e os conflitos entre a União e
os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da
administração indireta.
Trata-se de questões concernentes ao pacto federativo. Note-se que as entidades da
administração indireta (autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas
públicas) fazem parte da regra.
Compete, também, ao STF processar e julgar, originariamente, a extradição solicitada por
Estado estrangeiro. Esta hipótese de competência originária foi revogada pela EC 45/2004. Antes da
revogação, cabia ao STF a homologação das sentenças estrangeiras e a concessão do "exequatur" às
cartas rogatórias. Agora a competência é do STJ, como se verá adiante.
Ainda, compete ao STF:
• Processar e julgar, originariamente, o habeas corpus, quando o coator for Tribunal Superior
ou quando o coator ou o paciente for autoridade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos
diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, ou se trate de crime sujeito à mesma
jurisdição em uma única instância.
• Processar e julgar, originariamente, a revisão criminal e a ação rescisória de seus julgados.
• Processar e julgar, originariamente, a reclamação para a preservação de sua competência e
garantia da autoridade de suas decisões.
• Processar e julgar, originariamente, a execução de sentença nas causas de sua competência
originária, facultada a delegação de atribuições para a prática de atos processuais.
• Processar e julgar, originariamente, a ação em que todos os membros da magistratura sejam
direta ou indiretamente interessados, e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal
de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados.

181
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
• Processar e julgar, originariamente, os conflitos de competência entre o Superior Tribunal
de Justiça e quaisquer tribunais, entre Tribunais Superiores, ou entre estes e qualquer outro
tribunal.
• Processar e julgar, originariamente, o pedido de medida cautelar das ações diretas de
inconstitucionalidade.
• Processar e julgar, originariamente, o mandado de injunção, quando a elaboração da
norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional,
da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas,
do Tribunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo
Tribunal Federal.
• Processar e julgar, originariamente, as ações contra o Conselho Nacional de Justiça e contra
o Conselho Nacional do Ministério Público.

19.2.1.2. COMPETÊNCIA RECURSAL ORDINÁRIA


Compete ao STF julgar, em recurso ordinário, o "habeas-corpus", o mandado de segurança, o
"habeas-data" e o mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se
denegatória a decisão.
A decisão tem que ser denegatória para gerar a possibilidade de recurso ordinário nesta
hipótese.
Ainda, compete ao STF julgar, em recurso ordinário, o crime político. Os crimes políticos são
julgados em primeira instância pelos Juízes Federais (CF, art. 109, IV).

19.2.1.3. COMPETÊNCIA RECURSAL EXTRAORDINÁRIA


Compete ao STF julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou
última instância, quando a decisão recorrida:
a) contrariar dispositivo da Constituição;
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.
d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.
A última hipótese foi acrescentada pela EC 45/2004. Trata-se, em nossa opinião, de grande
retrocesso, pois o STF deveria cada vez mais se aproximar de uma corte verdadeiramente
constitucional em vez de passar a fazer controle de legalidade.
Afora o controle de legalidade, inserido pela EC 45/2004, todas as outras hipóteses têm
estreita relação com o controle de constitucionalidade, missão precípua do STF enquanto guardião
da Constituição Federal.
No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões
constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do
recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.

19.2.1.4. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE


Tanto o art. 103 quanto os §§ do art. 102 da CF dispõem sobre o controle de
constitucionalidade a cargo do STF. Questões afetas às ações direitas de inconstitucionalidade, às

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DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
ações declaratórias de constitucionalidade, às arguições de descumprimento a preceito fundamental
e às súmulas vinculantes serão todas analisadas em capítulo específico em razão de sua importância
e abrangência.

19.3. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA


O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de quinze membros com mandato de dois anos,
admitida uma recondução (CF, art. 103-B).
O art. 103-B, em seu § 7º, determina à União a criação de ouvidorias de justiça, competentes
para receber reclamações e denúncias de qualquer interessado contra membros ou órgãos do Poder
Judiciário, ou contra seus serviços auxiliares, representando diretamente ao Conselho Nacional de
Justiça.
O Supremo Tribunal Federal julgou o mérito da ADI n˚ 3.367, ajuizada pela Associação dos
Magistrados Brasileiros (AMB) contra diversos dispositivos do artigo 103-B. O tribunal, por maioria de
votos, julgou improcedente a ação.247

19.3.1. COMPOSIÇÃO
O CNJ é presidido pelo Presidente do STF e, nas suas ausências e impedimentos, pelo Vice-
Presidente do STF (CF, art. 103-B, § 1º). Tanto um quanto outro exercem as atribuições
independentemente de nomeação por parte do Presidente da República e de sabatina perante o
Senado Federal.
Dentre os quinze membros do CNJ, à exceção do Presidente do STF (que é membro nato
desde o advento da EC 61/2009) e do Vice-Presidente do STF (que, desde o advento da EC 61/2009,
preside o CNJ nas ausências e impedimentos do Presidente do STF), todos os demais têm seus nomes
indicados à Presidência da República, que os nomeia depois de aprovada a escolha pela maioria
absoluta do Senado Federal (CF, art. 103-B, § 2º).
São membros do CNJ:
a) o Presidente do Supremo Tribunal Federal;
b) um Ministro do Superior Tribunal de Justiça, indicado pelo respectivo tribunal;
c) um Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, indicado pelo respectivo tribunal;
d) um desembargador de Tribunal de Justiça, indicado pelo Supremo Tribunal Federal;
e) um juiz estadual, indicado pelo Supremo Tribunal Federal;
f) um juiz de Tribunal Regional Federal, indicado pelo Superior Tribunal de Justiça;
g) um juiz federal, indicado pelo Superior Tribunal de Justiça;
h) um juiz de Tribunal Regional do Trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho;
i) um juiz do trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho;
j) um membro do Ministério Público da União, indicado pelo Procurador-Geral da República;
k) um membro do Ministério Público estadual, escolhido pelo Procurador-Geral da República
dentre os nomes indicados pelo órgão competente de cada instituição estadual;
l) dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

247 Vide Informativo STF n˚ 383.

183
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
m) dois cidadãos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara
dos Deputados e outro pelo Senado Federal.

Caso as indicações não sejam, em temo e modo oportunos, realizadas, caberá a escolha ao
Supremo Tribunal Federal (CF, art. 103-B, § 3º). Junto ao Conselho oficiam o Procurador-Geral da
República e o Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CF, art. 103-B, §
6º).

19.3.2. COMPETÊNCIA
Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e
do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe
forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura (CF, art. 103-B, § 4º):
a) zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura,
podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar
providências;
b) zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a
legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário,
podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências
necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de
Contas da União;
c) receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário,
inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços
notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem
prejuízo da competência disciplinar e correcional dos tribunais, podendo avocar processos
disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com
subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções
administrativas, assegurada ampla defesa;
d) representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública ou de
abuso de autoridade;
e) rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros
de tribunais julgados há menos de um ano;
f) elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas, por
unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário;
g) elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias, sobre a
situação do Poder Judiciário no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar
mensagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso
Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa.

O Ministro do Superior Tribunal de Justiça exercerá a função de Ministro-Corregedor e ficará


excluído da distribuição de processos no Tribunal, competindo-lhe, além das atribuições que lhe
forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura, as seguintes (CF, art. 103-B. § 5º):
a) receber as reclamações e denúncias, de qualquer interessado, relativas aos magistrados e
aos serviços judiciários;
b) exercer funções executivas do Conselho, de inspeção e de correição geral;
c) requisitar e designar magistrados, delegando-lhes atribuições, e requisitar servidores de
juízos ou tribunais, inclusive nos Estados, Distrito Federal e Territórios.

184
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS

19.4. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA


O Superior Tribunal de Justiça compõe-se de, no mínimo, trinta e três Ministros (CF, art. 104).
Sendo assim, o número de Ministros do STJ pode ser aumentado, ao contrário do número de
Ministros do STF, que é fixo.
Os Ministros do Superior Tribunal de Justiça são nomeados pelo Presidente da República,
dentre brasileiros com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos, de notável saber
jurídico e reputação ilibada, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.
Como já salientado, brasileiros naturalizados não podem ser nomeados para o STF. Contudo,
podem se tornar Ministros do STJ. O STJ compõe-se de: a) um terço dentre juízes dos Tribunais
Regionais Federais; b) um terço dentre desembargadores dos Tribunais de Justiça, indicados em lista
tríplice elaborada pelo próprio Tribunal; c) um terço, em partes iguais, dentre advogados e membros
do Ministério Público Federal, Estadual, do Distrito Federal e Territórios, alternadamente, indicados
na forma do art. 94 da CF.

19.4.1. COMPETÊNCIA
A competência do STJ (CF, art. 105) pode ser originária ou recursal. A competência recursal
divide-se em ordinária e especial.

19.4.1.1. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA


Compete ao STJ processar e julgar, originariamente:
• Nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos
de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito
Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos
Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros
dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União
que oficiem perante tribunais.
• Os mandados de segurança e os habeas data contra ato de Ministro de Estado, dos
Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica ou do próprio Tribunal.
• Os habeas corpus, quando o coator ou paciente for qualquer das pessoas mencionadas
na alínea "a", ou quando o coator for tribunal sujeito à sua jurisdição, Ministro de Estado ou
Comandante da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, ressalvada a competência da
Justiça Eleitoral.
• Os conflitos de competência entre quaisquer tribunais, ressalvado o disposto no art.
102, I, "o", bem como entre tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a
tribunais diversos.
• As revisões criminais e as ações rescisórias de seus julgados.
• A reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas
decisões.
• Os conflitos de atribuições entre autoridades administrativas e judiciárias da União, ou
entre autoridades judiciárias de um Estado e administrativas de outro ou do Distrito
Federal, ou entre as deste e da União.
• O mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição
de órgão, entidade ou autoridade federal, da administração direta ou indireta, excetuados

185
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
os casos de competência do Supremo Tribunal Federal e dos órgãos da Justiça Militar, da
Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal.
• A homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias.
Esta ultima alínea foi acrescentada pela EC 45/2004. Antes a competência para homologação
de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias era do STF.
19.4.1.2. COMPETÊNCIA RECURSAL ORDINÁRIA
Compete ao STJ processar e julgar, em recurso ordinário:
• Os "habeas-corpus" decididos em única ou última instância pelos Tribunais Regionais
Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão
for denegatória.
• Os mandados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais
Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando
denegatória a decisão.
• As causas em que forem partes Estado estrangeiro ou organismo internacional, de um
lado, e, do outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no País.

As causas referidas nesta hipótese são aquelas julgadas em primeira instância pelos Juízes
Federais (CF, art. 109, II). Mais uma vez o lembrete: não confundir com as causas de competência
originária do STF (CF, art. 102, I, alínea “f”).

19.4.1.3. COMPETÊNCIA RECURSAL ESPECIAL


Compete ao STJ processar e julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou
última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito
Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:
a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;
b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal;
c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.

Importante alteração na alínea “b”. Antes da EC 45/2004 cabia ao STJ, em recurso especial,
julgar as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos
tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida julgasse válida lei
ou ato de governo local contestado em face de lei federal. Acontece que a competência para o
controle da legalidade de lei de governo local contestado em face de lei federal agora é do STF.

19.4.2. ÓRGÃOS JUNTO AO STJ


De acordo com o art. 105, parágrafo único da CF, devem funcionar junto ao STJ a Escola
Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados e o Conselho da Justiça Federal.
Cabe à Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, dentre outras
funções, regulamentar os cursos oficiais para o ingresso e promoção na carreira.
Cabe ao Conselho da Justiça Federal exercer, na forma da lei, a supervisão administrativa e
orçamentária da Justiça Federal de primeiro e segundo graus, como órgão central do sistema e com
poderes correcionais, cujas decisões terão caráter vinculante.

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DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS

19.5. TRIBUNAIS REGIONAIS FEDERAIS


Os Tribunais Regionais Federais compõem-se de, no mínimo, sete juízes, recrutados, quando
possível, na respectiva região e nomeados pelo Presidente da República dentre brasileiros com mais
de trinta e menos de sessenta e cinco anos (CF, art. 107). Sendo assim, o número de Juízes dos TRFs
pode ser aumentado. Note-se que não há necessidade de aprovação por parte do Senado Federal.
Os TRFs compõem-se de: a) um quinto dentre advogados com mais de dez anos de efetiva
atividade profissional e membros do Ministério Público Federal com mais de dez anos de carreira; b)
os demais, mediante promoção de juízes federais com mais de cinco anos de exercício, por
antiguidade e merecimento, alternadamente (CF, art. 107).

19.5.1. COMPETÊNCIA
A competência dos TRFs (CF, art. 108) pode ser originária ou recursal.

19.5.1.1. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA


Compete aos Tribunais Regionais Federais processar e julgar, originariamente:
• Os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça
do Trabalho, nos crimes comuns e de responsabilidade, e os membros do Ministério
Público da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral.
• As revisões criminais e as ações rescisórias de julgados seus ou dos juízes federais da
região.
• Os mandados de segurança e os "habeas-data" contra ato do próprio Tribunal ou de
juiz federal.
• Os"habeas-corpus", quando a autoridade coatora for juiz federal.
• Os conflitos de competência entre juízes federais vinculados ao Tribunal.

19.5.1.2. COMPETÊNCIA RECURSAL


Compete aos Tribunais Regionais Federais julgar, em grau de recurso, as causas decididas
pelos juízes federais e pelos juízes estaduais no exercício da competência federal da área de sua
jurisdição (CF, art. 108, II).
Importante destacar o fato de que todas as causas decididas pelos Juízes de Direito com base
na jurisdição federal delegada (CF, art. 109, § 3º) devem ser julgadas pelos TRFs em grau de recurso.

19.5.2. JUSTIÇA ITINERANTE


O art. 108, § 2º da CF autoriza a instalação, pelos Tribunais Regionais Federais, da chamada
justiça itinerante, com a realização de audiências e demais funções da atividade jurisdicional, nos
limites territoriais da respectiva jurisdição, servindo-se de equipamentos públicos e comunitários.

19.5.3. FUNCIONAMENTO DESCENTRALIZADO

187
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
O art. 108, § 3º da CF autoriza que os Tribunais Regionais Federais funcionem de forma
descentralizada, constituindo Câmaras regionais, a fim de assegurar o pleno acesso do jurisdicionado
à justiça em todas as fases do processo.

19.6. JUSTIÇA ESPECIALIZADA


Poderia se designar como especializadas as Justiças do Trabalho, Eleitoral248 e Militar249.
Cada uma possui um Tribunal Superior (TST, TSE e STM), bem como Tribunais Regionais (TRT,
TRE e TM) e locais (Justiça do Trabalho – Varas do Trabalho; Juízes Eleitorais e as Juntas Eleitorais; e,
Juízes Militares). Em relação à competência desses Órgãos jurisdicionais, o que merece destaque são
as modificações operadas com a “Reforma do Judiciário” (EC nº 45/2004), mormente no que tange à
competência da Justiça do Trabalho. O artigo 114 sofreu alteração em seu caput, o que vem
fomentando debates na comunidade jurídica. Muito embora a discussão inicial acerca da
competência para as causas relativas a indenizações por acidente de trabalho é atualmente
entendimento pacífico no STF que a competência não mais pertence à Justiça comum, mas sim à
Justiça do Trabalho tendo sido atribuído efeito ex nunc à nova orientação, a qual somente será
aplicada às causas ajuizadas após a vigência da EC nº 45/2004, iniciada em 31.12.2004.1 Outra

248 DOS TRIBUNAIS E JUÍZES ELEITORAIS


Art. 118. São órgãos da Justiça Eleitoral:
I - o Tribunal Superior Eleitoral;
II - os Tribunais Regionais Eleitorais;
III - os Juízes Eleitorais;
IV - as Juntas Eleitorais.
Art. 119. O Tribunal Superior Eleitoral compor-se-á, no mínimo, de sete membros, escolhidos:
I - mediante eleição, pelo voto secreto:
a) três juízes dentre os Ministros do Supremo Tribunal Federal;
b) dois juízes dentre os Ministros do Superior Tribunal de Justiça;
II - por nomeação do Presidente da República, dois juízes dentre seis advogados de notável saber jurídico e idoneidade moral, indicados
pelo Supremo Tribunal Federal.
Parágrafo único. O Tribunal Superior Eleitoral elegerá seu Presidente e o Vice-Presidente dentre os Ministros do Supremo Tribunal Federal,
e o Corregedor Eleitoral dentre os Ministros do Superior Tribunal de Justiça.
Art. 120. Haverá um Tribunal Regional Eleitoral na Capital de cada Estado e no Distrito Federal.
§ 1º - Os Tribunais Regionais Eleitorais compor-se-ão:
I - mediante eleição, pelo voto secreto:
a) de dois juízes dentre os desembargadores do Tribunal de Justiça;
b) de dois juízes, dentre juízes de direito, escolhidos pelo Tribunal de Justiça;
II - de um juiz do Tribunal Regional Federal com sede na Capital do Estado ou no Distrito Federal, ou, não havendo, de juiz federal,
escolhido, em qualquer caso, pelo Tribunal Regional Federal respectivo;
III - por nomeação, pelo Presidente da República, de dois juízes dentre seis advogados de notável saber jurídico e idoneidade moral,
indicados pelo Tribunal de Justiça.
§ 2º - O Tribunal Regional Eleitoral elegerá seu Presidente e o Vice-Presidente- dentre os desembargadores.
Art. 121. Lei complementar disporá sobre a organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais.
§ 1º - Os membros dos tribunais, os juízes de direito e os integrantes das juntas eleitorais, no exercício de suas funções, e no que lhes for
aplicável, gozarão de plenas garantias e serão inamovíveis.
§ 2º - Os juízes dos tribunais eleitorais, salvo motivo justificado, servirão por dois anos, no mínimo, e nunca por mais de dois biênios
consecutivos, sendo os substitutos escolhidos na mesma ocasião e pelo mesmo processo, em número igual para cada categoria.
§ 3º - São irrecorríveis as decisões do Tribunal Superior Eleitoral, salvo as que contrariarem esta Constituição e as denegatórias de "habeas-
corpus" ou mandado de segurança.
§ 4º - Das decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais somente caberá recurso quando:
I - forem proferidas contra disposição expressa desta Constituição ou de lei;
II - ocorrer divergência na interpretação de lei entre dois ou mais tribunais eleitorais;
III - versarem sobre inelegibilidade ou expedição de diplomas nas eleições federais ou estaduais;
IV - anularem diplomas ou decretarem a perda de mandatos eletivos federais ou estaduais;
V - denegarem "habeas-corpus", mandado de segurança, "habeas-data" ou mandado de injunção.
249
DOS TRIBUNAIS E JUÍZES MILITARES
Art. 122. São órgãos da Justiça Militar:
I - o Superior Tribunal Militar;
II - os Tribunais e Juízes Militares instituídos por lei.
Art. 123. O Superior Tribunal Militar compor-se-á de quinze Ministros vitalícios, nomeados pelo Presidente da República, depois de
aprovada a indicação pelo Senado Federal, sendo três dentre oficiais-generais da Marinha, quatro dentre oficiais-generais do Exército, três
dentre oficiais-generais da Aeronáutica, todos da ativa e do posto mais elevado da carreira, e cinco dentre civis.
Parágrafo único. Os Ministros civis serão escolhidos pelo Presidente da República dentre brasileiros maiores de trinta e cinco anos, sendo:
I - três dentre advogados de notório saber jurídico e conduta ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional;
II - dois, por escolha paritária, dentre juízes auditores e membros do Ministério Público da Justiça Militar.
Art. 124. À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei.
Parágrafo único. A lei disporá sobre a organização, o funcionamento e a competência da Justiça Militar.

188
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
questão que gerou controvérsia é se agora seria da competência da Justiça do Trabalho a relação de
trabalho entre Poder Público e seus servidores. Em razão da ADin nº 3.395-6/DF, a situação
encontra-se sob a tutela liminar concedida pelo então Presidente do STF, ex-Ministro Nelson Jobim, a
qual foi posteriormente referendada pelo Plenário daquela Corte, de modo que restou suspensa, ad
referendum, toda e qualquer interpretação dada ao inc. “i” do art. 114 da CF, na redação dada pela
EC 45/04, que inclua, na competência da Justiça do Trabalho, a "[...] apreciação [...] de causas que
[...] sejam instauradas entre o poder público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de
ordem [...]"250

19.7. JUSTIÇA COMUM


A Justiça comum compreende a Justiça Federal e a Justiça Estadual.1 A competência da
Justiça Federal vem prevista taxativamente na Constituição, sendo a competência da Justiça Estadual
subsidiária ou residual, ou seja, tudo aquilo que não for matéria de competência da Justiça Federal
nem objeto da competência das Justiças Especializadas.
A partir da Emenda Constitucional nº 45/2004, houve uma ampliação da competência da
Justiça Federal, de modo que, atualmente, nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o
Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações
decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá
suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente
de deslocamento de competência para a Justiça Federal (art. 109, V-A e seu § 5º).
19.7.1. COMPETÊNCIAS DA JUSTIÇA FEDERAL
A competência dos Juízes Federais está prevista no art. 109 da CF.
a) Aos juízes federais compete processar e julgar as causas em que a União, entidade
autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés,
assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à
Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;
b) Aos juízes federais compete processar e julgar as causas entre Estado estrangeiro ou
organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada ou residente no País.
c) Aos juízes federais compete processar e julgar as causas fundadas em tratado ou contrato
da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional.
d) Aos juízes federais compete processar e julgar os crimes políticos e as infrações penais
praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades
autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência
da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral.
e) Aos juízes federais compete processar e julgar os crimes previstos em tratado ou
convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse
ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;
f) Aos juízes federais compete processar e julgar as causas relativas a direitos humanos a
que se refere o § 5º do art. 109 da CF.
g) Aos juízes federais compete processar e julgar os crimes contra a organização do trabalho
e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-
financeira.251
h) Aos juízes federais compete processar e julgar os "habeas-corpus", em matéria criminal
de sua competência ou quando o constrangimento provier de autoridade cujos atos não
estejam diretamente sujeitos a outra jurisdição.

250 ADin 3.395-6/DF, Re. Min. Cezar Peluso, publicada em 19.04.2006.


251Importante: crimes contra a economia popular são da competência estadual.

189
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
i) Aos juízes federais compete processar e julgar os mandados de segurança e os "habeas-
data" contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais
federais.
j) Aos juízes federais compete processar e julgar os crimes cometidos a bordo de navios ou
aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar.
k) Aos juízes federais compete processar e julgar os crimes de ingresso ou permanência
irregular de estrangeiro, a execução de carta rogatória, após o "exequatur", e de sentença
estrangeira, após a homologação, as causas referentes à nacionalidade, inclusive a
respectiva opção, e à naturalização.
l) Aos juízes federais compete processar e julgar a disputa sobre direitos indígenas.

MINISTÉRIO PÚBLICO

O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,


incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis (CF, artigo 127).
São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a
independência funcional (§ 1º).

20. 1. AUTONOMIA FUNCIONAL E ADMINISTRATIVA


Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e administrativa, podendo, observado o
disposto no artigo 169 da CF, propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços
auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a política remuneratória e
os planos de carreira; a lei disporá sobre sua organização e funcionamento (§ 2º).
O Ministério Público elaborará sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos
na lei de diretrizes orçamentárias (§ 3º).
Se o Ministério Público não encaminhar a respectiva proposta orçamentária dentro do prazo
estabelecido na lei de diretrizes orçamentárias, o Poder Executivo considerará, para fins de
consolidação da proposta orçamentária anual, os valores aprovados na lei orçamentária vigente,
ajustados de acordo com os limites estipulados na forma do § 3º.
Se a proposta orçamentária de que trata este artigo for encaminhada em desacordo com os
limites estipulados na forma do § 3º, o Poder Executivo procederá aos ajustes necessários para fins
de consolidação da proposta orçamentária anual (§ 5º).
Durante a execução orçamentária do exercício, não poderá haver a realização de despesas
ou a assunção de obrigações que extrapolem os limites estabelecidos na lei de diretrizes
orçamentárias, exceto se previamente autorizadas, mediante a abertura de créditos suplementares
ou especiais (§ 6º).
As regras de autonomia funcional e administrativa relativas ao Ministério Público são
praticamente idênticas às regras de autonomia administrativa e financeira relativas ao Poder
Judiciário, estas previstas no art. 99 da CF.

20.2. ABRANGÊNCIA

190
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
Tendo em vista os princípios institucionais da unidade e indivisibilidade (CF, art. 127) o
Ministério Público é único, não está repartido em órgãos e abrange (CF, art. 128):
a) o Ministério Público da União, que compreende o Ministério Público Federal, o Ministério
Público do Trabalho, o Ministério Público Militar e o Ministério Público do Distrito Federal e
Territórios;
b) os Ministérios Públicos dos Estados.

20.2.1. MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO


O Ministério Público da União tem por chefe o Procurador-Geral da República, nomeado pelo
Presidente da República dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, após a
aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de
dois anos, permitida a recondução (CF, art. 128, § 1º).
Note-se que o texto constitucional, ao admitir a recondução do Procurador Geral da
República, permite que haja mais de uma recondução para mandatos subsequentes.
A destituição do Procurador-Geral da República, por iniciativa do Presidente da República,
deverá ser precedida de autorização da maioria absoluta do Senado Federal (CF, art. 128, § 2º).

20.2.2. MINISTÉRIOS PÚBLICOS DOS ESTADOS


Os Ministérios Públicos dos Estados e o do Distrito Federal e Territórios formarão lista tríplice
dentre integrantes da carreira, na forma da lei respectiva, para escolha de seu Procurador-Geral, que
será nomeado pelo Chefe do Poder Executivo, para mandato de dois anos, permitida uma
recondução (CF, art. 128, § 3º).
Diferentemente da nomeação do Procurador Geral da República, acima abordada, a escolha
do Procurador Geral de Justiça, por parte do Chefe do Executivo (Governador de Estado ou
Governador Distrital, conforme o caso) depende do envio prévio de lista tríplice.
Os Procuradores-Gerais nos Estados e no Distrito Federal e Territórios poderão ser
destituídos por deliberação da maioria absoluta do Poder Legislativo, na forma da lei complementar
respectiva (CF, art. 128, § 4º).

20.3. FUNÇÕES INSTITUCIONAIS


São funções institucionais do Ministério Público (CF, art. 129):
I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos
direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua
garantia;
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e
social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
IV - promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da
União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;
V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;
VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência,
requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar
respectiva;

191
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar
mencionada no artigo anterior;
VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os
fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;
IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua
finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades
públicas.

Tendo em vista caber, privativamente, ao Ministério Público, a promoção da ação penal


pública, bem como a promoção de inquérito civil e de ação civil pública, consubstanciando-se o MP
em função essencial à justiça tem-se entendido que os seus membros dispõem de amplo por de
investigação, observadas as cláusulas de reserva de jurisdição.
A legitimação do Ministério Público para as ações civis previstas no art. 129 não impede a de
terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto na Constituição e na lei CF, art. 129, § 1º).
As funções do Ministério Público só podem ser exercidas por integrantes da carreira, que
deverão residir na comarca da respectiva lotação, salvo autorização do chefe da instituição (CF, art.
129, § 2º).

20.4. GARANTIAS
Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos
Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério
Público, observadas, relativamente a seus membros as seguintes garantias (CF, art. 128, § 5º):
a) vitaliciedade, após dois anos de exercício, não podendo perder o cargo senão por sentença
judicial transitada em julgado;
b) inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, mediante decisão do órgão
colegiado competente do Ministério Público, pelo voto da maioria absoluta de seus
membros, assegurada ampla defesa;
c) irredutibilidade de subsídio, fixado na forma do art. 39, § 4º, e ressalvado o disposto nos
arts. 37, X e XI, 150, II, 153, III, 153, § 2º, I;

20.5. VEDAÇÕES
Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos
Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério
Público, observadas, relativamente a seus membros as seguintes vedações (CF, art. 128, § 5º):
a) receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas
processuais;
b) exercer a advocacia;
c) participar de sociedade comercial, na forma da lei;
d) exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de
magistério;
e) exercer atividade político-partidária;
f) receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas,
entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei.

192
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS

De acordo com o art. 128 § 6º da CF, aplica-se aos membros do Ministério Público o disposto
no art. 95, parágrafo único, V, também da CF. Assim, pode-se afirmar que também é vedado aos
membros do Ministério Público o exercício da advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou,
antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração.

20.6. INGRESSO NA CARREIRA


O ingresso na carreira do Ministério Público far-se-á mediante concurso público de provas e
títulos, assegurada a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em sua realização, exigindo-se
do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e observando-se, nas nomeações,
a ordem de classificação (CF, art. 129, § 3º).

20.7. CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO


A Emenda Constitucional nº 45 instituiu o Conselho Nacional do Ministério Público,
composto por quatorze membros nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a
escolha pela maioria absoluta do Senado Federal, para um mandato de dois anos, admitida uma
recondução sendo:
I - o Procurador-Geral da República, que o preside;
II - quatro membros do Ministério Público da União, assegurada a representação de cada
uma de suas carreiras;
III - três membros do Ministério Público dos Estados;
IV - dois juízes, indicados um pelo Supremo Tribunal Federal e outro pelo Superior Tribunal
de Justiça;
V - dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VI - dois cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara
dos Deputados e outro pelo Senado Federal.
Os membros do Conselho Nacional do Ministério Público serão indicados pelos respectivos
Ministérios Públicos, na forma da lei (art. 130-A, § 1º).
Competência do Conselho Nacional do Ministério Público: Compete ao Conselho Nacional do
Ministério Público o controle da atuação administrativa e financeira do Ministério Público e do
cumprimento dos deveres funcionais de seus membros, cabendo-lhe:
I - zelar pela autonomia funcional e administrativa do Ministério Público, podendo expedir
atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providência;
II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a
legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Ministério Público
da União e dos Estados, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se
adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da
competência dos Tribunais de Contas.
III - receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Ministério Público da
União ou dos Estados, inclusive contra seus serviços auxiliares, sem prejuízo da
competência disciplinar e correicional da instituição, podendo avocar processos disciplinares
em curso, determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou
proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas,
assegurada ampla defesa;
IV - rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de membros do
Ministério Público da União ou dos Estados julgados há menos de um ano;

193
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
V - elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias sobre a
situação do Ministério Público no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar a
mensagem prevista no art. 84, XI.

No caso do Ministério Público do Distrito Federal, que é organizado e mantido pela União,
sendo o seu Procurador-Geral nomeado pelo Presidente da República, a possibilidade de sua
destituição, antes do término do mandato, se dará por deliberação da maioria absoluta do Senado
Federal (e não Câmara Legislativa do DF), mediante representação do Presidente da República
(conforme o disposto na CF/88, art. 128, § 4º e LC – 75/93, art. 156, § 2º).
Importante destacar o entendimento do STF:
"Ação direta de inconstitucionalidade. Impugnação das expressões ‘nos seguintes casos: a)
por proposta do Colégio de Procuradores, conforme lei complementar; b) por proposta
subscrita por 1/3 dos membros da Assembleia Legislativa’ contidas no art. 14, XIII, da
Constituição do Estado de Pernambuco, com a redação dada pela EC 20, de 15-12-2000.
Pedido de liminar. Basta, para se ter como relevante a fundamentação jurídica desta
arguição de inconstitucionalidade, a circunstância formal de que o § 4º do art. 128 da Carta
Magna em sua parte final remete à lei complementar a disciplina da forma pela qual se dará
a destituição dos procuradores-gerais nos Estados e no Distrito Federal e Territórios, tendo-
se firmado a jurisprudência desta Corte no sentido de que, quando a Constituição exige lei
complementar para disciplinar determinada matéria, essa disciplina só pode ser feita por
essa modalidade normativa." (ADI 2.436-MC, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 30-5-
2001, Plenário, DJ de 9-5-2003.) No mesmo sentido: ADI 2.622-MC, Rel. Min. Sydney
Sanches, julgamento em 8-8-2002, Plenário, DJ de 21-2-2003

ADVOCACIA PÚBLICA

21.1. ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO


A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado,
representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que
dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento
jurídico do Poder Executivo (CF, art. 131).
A Advocacia-Geral da União tem por chefe o Advogado-Geral da União, de livre nomeação
pelo Presidente da República dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de notável saber
jurídico e reputação ilibada (CF, art. 131, § 1º).
A nomeação do Advogado-Geral da União é ato exclusivo do Presidente da República, não
havendo previsão de sabatina perante o Senado Federal.
O ingresso nas classes iniciais das carreiras da AGU ocorre mediante concurso público de
provas e títulos (CF, art. 131, § 2º).

21.2. PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL


Na execução da dívida ativa de natureza tributária, a representação da União cabe à
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, observado o disposto em lei (CF, art. 131, § 3º).

194
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
21.3. PROCURADORIAS DOS ESTADOS E DISTRITO FEDERAL
Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o
ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos
Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria
jurídica das respectivas unidades federadas (CF, art. 132).
Aos procuradores dos Estados e do Distrito Federal é assegurada estabilidade após três anos
de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório
circunstanciado das corregedorias (CF, art. 132, parágrafo único).

21.4. DEFENSORIA PÚBLICA


A Defensoria Pública é uma entidade com foco de atuação especificamente voltado à defesa
dos direitos e interesses dos necessitados, pessoas com poucos recursos que passam suas vidas
distanciadas do sistema judicial, da defesa e do exercício de seus direitos pela simples razão de não
terem condições financeiras que as habilitem à contratação de profissionais da esfera privada.
A Constituição Federal confere especial proeminência à Defensoria Pública, qualificando-a –
ao lado do Ministério Público e das advocacias pública e privada – como instituição essencial à
função Jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime
democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa,
em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e
gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal (art. 134).
Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos
Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira,
providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus
integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições
institucionais (CF, art. 134, § 1º).
Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a
iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes
orçamentárias (CF, art. 134, § 2º).
São princípios institucionais da Defensoria Pública a unidade, a indivisibilidade e a
independência funcional, aplicando-se também, no que couber, o disposto no art. 93 e no inciso II do
art. 96 da Constituição Federal (CF, art. 134, § 4º).

DA DEFESA DO ESTADO
E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS

Segundo José Afonso da Silva, a “defesa do Estado é defesa do território contra a invasão
estrangeira (arts. 34, II, e 137, II), é defesa da soberania nacional (art. 91), é defesa da Pátria (art.
142), não mais a defesa deste ou daquele regime político ou de uma particular ideologia ou de um
grupo detentor do poder” 252.

252
SILVA, op. cit., p. 726.

195
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
Algumas situações de anormalidade (tais como processos violentos de mudanças ou
perturbação da ordem constitucional, mas também os casos de guerra externa) podem acabar
ensejando a utilização daquilo que a doutrina convencionou denominar de sistema constitucional
das crises, compreendendo esse o Estado de Defesa e o Estado de Sítio. Esse sistema possui como
princípios informadores a necessidade e temporariedade.

22.1. ESTADO DE DEFESA


O Estado de Defesa constitui medida mais branda do que o Estado de Sítio, correspondendo
às antigas medidas de emergência do direito constitucional anterior. Sua decretação não exige
autorização prévia do Congresso Nacional, porém compete a esse decidir sobre tal ato podendo
inclusive rejeitá-lo e, com isso, fazer cessar o Estado de Defesa. O Presidente deve ouvir o Conselho
da República e de Defesa Nacional, porém tais conselhos têm caráter meramente consultivo,
inexistindo, portanto, vinculação da sua posição. No entanto, se a posição dos conselhos for
contrária à decretação do Estado de Defesa e o Congresso Nacional decidir por rejeitá-la, o
Presidente da República fica sujeito a responder por crime de responsabilidade.253
O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa
Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos
e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade
institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza.
O decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua duração, especificará
as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e limites da lei, as medidas coercitivas a
vigorarem, dentre as seguintes:
I - restrições aos direitos de:
a) reunião, ainda que exercida no seio das associações;
b) sigilo de correspondência;
c) sigilo de comunicação telegráfica e telefônica;
II - ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos, na hipótese de calamidade
pública, respondendo a União pelos danos e custos decorrentes.

O tempo de duração do estado de defesa não será superior a trinta dias, podendo ser
prorrogado uma vez, por igual período, se persistirem as razões que justificaram a sua decretação.
Na vigência do estado de defesa:
I - a prisão por crime contra o Estado, determinada pelo executor da medida, será por este
comunicada imediatamente ao juiz competente, que a relaxará, se não for legal, facultado ao
preso requerer exame de corpo de delito à autoridade policial;
II - a comunicação será acompanhada de declaração, pela autoridade, do estado físico e
mental do detido no momento de sua autuação;
III - a prisão ou detenção de qualquer pessoa não poderá ser superior a dez dias, salvo
quando autorizada pelo Poder Judiciário;
IV - é vedada a incomunicabilidade do preso.
Decretado o estado de defesa ou sua prorrogação, o Presidente da República, dentro de
vinte e quatro horas, submeterá o ato com a respectiva justificação ao Congresso Nacional, que
decidirá por maioria absoluta.

253
Ibidem, p. 729.

196
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
Se o Congresso Nacional estiver em recesso, será convocado, extraordinariamente, no prazo
de cinco dias.
O Congresso Nacional apreciará o decreto dentro de dez dias contados de seu recebimento,
devendo continuar funcionando enquanto vigorar o estado de defesa.
Rejeitado o decreto, cessa imediatamente o estado de defesa.

22.2. ESTADO DE SÍTIO


Por sua vez, o Estado de Sítio trata-se de medida com maior impacto, uma vez que
corresponde à suspensão temporária e localizada de garantias constitucionais. Requer prévia
autorização do Congresso Nacional a sua decretação pelo Presidente da República. O Estado de Sítio
consiste na instauração de uma legalidade extraordinária.
O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa
Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de:
I - comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a
ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa (art. 137, I)
II - declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira (art. 137, II)
O Presidente da República, ao solicitar autorização para decretar o estado de sítio ou sua
prorrogação, relatará os motivos determinantes do pedido, devendo o Congresso Nacional decidir
por maioria absoluta.
O decreto do estado de sítio indicará sua duração, as normas necessárias a sua execução e as
garantias constitucionais que ficarão suspensas, e, depois de publicado, o Presidente da República
designará o executor das medidas específicas e as áreas abrangidas.
O estado de sítio, no caso de comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos
que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa, não poderá ser
decretado por mais de trinta dias, nem prorrogado, de cada vez, por prazo superior; no de
declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira, poderá ser decretado
por todo o tempo que perdurar a guerra ou a agressão armada estrangeira.
Solicitada autorização para decretar o estado de sítio durante o recesso parlamentar, o
Presidente do Senado Federal, de imediato, convocará extraordinariamente o Congresso Nacional
para se reunir dentro de cinco dias, a fim de apreciar o ato.
O Congresso Nacional permanecerá em funcionamento até o término das medidas
coercitivas.
Art. 139. Na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137, I, só poderão
ser tomadas contra as pessoas as seguintes medidas:
I - obrigação de permanência em localidade determinada;
II - detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns;
III - restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à
prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da
lei;
IV - suspensão da liberdade de reunião;
V - busca e apreensão em domicílio;
VI - intervenção nas empresas de serviços públicos;
VII - requisição de bens.

197
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
Parágrafo único. Não se inclui nas restrições do inciso III a difusão de pronunciamentos de
parlamentares efetuados em suas Casas Legislativas, desde que liberada pela respectiva
Mesa.

22.3. DEMAIS DISPOSIÇÕES


Tanto no Estado de Defesa quanto no Estado de Sítio é possível o controle jurisdicional das
medidas através de habeas corpus ou mandado de segurança. Todavia, contra o mérito discricionário
do ato é incabível o controle na esfera jurisdicional.
A Mesa do Congresso Nacional, ouvidos os líderes partidários, designará Comissão composta
de cinco de seus membros para acompanhar e fiscalizar a execução das medidas referentes ao
estado de defesa e ao estado de sítio.
Cessado o estado de defesa ou o estado de sítio, cessarão também seus efeitos, sem prejuízo
da responsabilidade pelos ilícitos cometidos por seus executores ou agentes.
Logo que cesse o estado de defesa ou o estado de sítio, as medidas aplicadas em sua vigência
serão relatadas pelo Presidente da República, em mensagem ao Congresso Nacional, com
especificação e justificação das providências adotadas, com relação nominal dos atingidos e
indicação das restrições aplicadas.
Ainda dentro do Título V da Constituição, existe um Capítulo destinado às Forças Armadas e
outro à Segurança Pública. Em princípio, a simples leitura do texto constitucional já é suficiente à
preparação do candidato nesse ponto. Todavia, importante destacar algumas informações. Muito
embora o disposto no § 2º do art. 142, Pedro Lenza ressalta que a jurisprudência do STF possibilita a
impetração de habeas corpus para a análise dos pressupostos de legalidade (hierarquia, poder
disciplinar, ato ligado à função e pena suscetível de ser aplicada disciplinarmente – vide HC nº
70.648), excluídas as questões do mérito administrativo (RE 338.840-RS).254 Quanto à Segurança
Pública, cabe, primeiramente, enfatizar que se trata de instituição que não se confunde com o
conceito de segurança jurídica. Além disso, oportuno trazer à tona divisão da atividade policial:
polícia administrativa consiste naquela que atua em caráter preventivo ou ostensivo, evitando a
prática do ilícito administrativo; já a polícia de segurança em sentido estrito cuida da parte de
atividade de polícia ostensiva, enquanto que a polícia judiciária cuida da investigação e demais
atividades auxiliares ao exercício da persecução penal.

DA SEGURANÇA PÚBLICA

A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a


preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes
órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

254
LENZA, op. cit., 473.

198
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União
e estruturado em carreira, destina-se a:
I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens,
serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim
como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija
repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;
II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o
descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas
áreas de competência;
III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;
IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e


estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias
federais.
A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e
estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias
federais.
Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a
competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as
militares.
Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos
de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de
defesa civil.
As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército,
subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e
dos Territórios.
A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança
pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.
Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens,
serviços e instalações, conforme dispuser a lei.
A remuneração dos servidores policiais integrantes dos órgãos relacionados será feita
exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação,
adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em
qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI.

199
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS

ORDEM ECONÔMICA
E FINANCEIRA
O caput do art. 170 da Constituição Federal dispõe que a ordem econômica, fundada na
valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência
digna, conforme os ditames da justiça social, observados os princípios da soberania nacional;
propriedade privada; função social da propriedade; livre concorrência; defesa do consumidor; defesa
do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos
produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; redução das desigualdades
regionais e sociais; busca do pleno emprego; tratamento favorecido para as empresas de pequeno
porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica,
independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

24.1. INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA


Chama-se atenção para a observação de Alexandre Moraes255 de que “Apesar de o texto
constitucional de 1988 ter consagrado uma economia descentralizada de mercado, autorizou o
Estado a intervir no domínio econômico como agente normativo e regulador, com a finalidade de
exercer as funções de fiscalização, incentivo e planejamento indicativo ao setor privado, sempre com
fiel observância aos princípios constitucionais da ordem econômica [...].
A exploração direta de atividade econômica pelo Estado, salvo exceções previstas em lei, só
será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse
coletivo, conforme definidos em lei.
A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e
de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou
de prestação de serviços, dispondo sobre sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e
pela sociedade; a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos
direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; licitação e contratação de obras,
serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública; a constituição e o
funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de acionistas
minoritários; e os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores.
As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios
fiscais não extensivos às do setor privado. Aliás, todo abuso do poder econômico que vise à
dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros deve ser
reprimido.
Permite-se a responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica. Lei estabelecerá a
responsabilidade, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra
a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.
No ordenamento brasileiro, o Estado possui um lugar de destaque como agente normativo e
regulador da atividade econômica. Exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e
planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

255
Direito Constitucional, 23. ed, São Paulo: Atlas, p. 798.

200
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
Por lei, estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional
equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de
desenvolvimento; apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo.
Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou
permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Deve, contudo, lei dispor
sobre o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter
especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e
rescisão da concessão ou permissão; os direitos dos usuários; a política tarifária; e a obrigação de
manter serviço adequado.
Quanto à propriedade privada, importante destacar que as jazidas, em lavra ou não, e
demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do
solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao
concessionário a propriedade do produto da lavra.
A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere
o "caput" deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União,
no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua
sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando
essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas.
É assegurada participação ao proprietário do solo nos resultados da lavra, na forma e no
valor que dispuser a lei. A autorização de pesquisa será sempre por prazo determinado, e as
autorizações e concessões previstas neste artigo não poderão ser cedidas ou transferidas, total ou
parcialmente, sem prévia anuência do poder concedente.
Ainda, não dependerá de autorização ou concessão o aproveitamento do potencial de
energia renovável de capacidade reduzida.
Há, ainda, questões de suma importância nacional, para as quais a CF reconheceu como
monopólio da União. São elas:
I - a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos;
II - a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;
III - a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades
previstas nos incisos anteriores;
IV - o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de
petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto,
seus derivados e gás natural de qualquer origem;
V - a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o
comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados, com exceção dos radioisótopos
cuja produção, comercialização e utilização poderão ser autorizadas sob regime de
permissão.
Deve-se destacar que a União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a
realização das atividades previstas nos quatro primeiros itens acima, observadas as condições
estabelecidas em lei. Esta lei a que se refere disporá sobre a garantia do fornecimento dos derivados
de petróleo em todo o território nacional; as condições de contratação; e a estrutura e atribuições do
órgão regulador do monopólio da União. Serão também regulados por lei o transporte e a utilização
de materiais radioativos no território nacional. A lei que instituir contribuição de intervenção no
domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus
derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível deverá atender aos seguintes requisitos:
I - a alíquota da contribuição poderá ser diferenciada por produto ou uso; e reduzida e
restabelecida por ato do Poder Executivo, não se lhe aplicando o disposto no art. 150, III, b.

201
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
II - os recursos arrecadados serão destinados:
a) ao pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, gás natural e
seus derivados e derivados de petróleo;
b) ao financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do
gás;
c) ao financiamento de programas de infraestrutura de transportes.
A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às
empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a
incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e
creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei. A exemplo disso, o Simples
Nacional. O atendimento de requisição de documento ou informação de natureza comercial, feita
por autoridade administrativa ou judiciária estrangeira, a pessoa física ou jurídica residente ou
domiciliada no País dependerá de autorização do Poder competente.

24.2. DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL


Neste tema, chama-se a atenção para o fato de que a Emenda Constitucional nº 40, de 2003,
revogou todos os parágrafos e incisos do art. 192, principalmente o parágrafo 3º que determinava o
limite da taxa de juros reais em 12% ao ano. Ocorreu, como chama atenção Alexandre de Moraes256,
uma verdadeira desconstitucionalização do conteúdo básico da matéria.
Também merece referência a expressão “leis complementares” no plural, deixando claro que
não se exige um único diploma legislativo para regulamentar a matéria.
Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento
equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o
compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares
que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o
integram.
O Sistema Financeiro Nacional é, basicamente, um agrupamento de todas as instituições que
tornam possível a circulação de moeda no Brasil e fica assim disposto:

ÓRGÃOS ENTIDADES
OPERADORES
NORMATIVOS SUPERVISORAS

Instituições financeiras captadoras


de depósito a vista

Banco Central do Brasil


(BACEN)

Demais instituições financeiras


Outros intermediários financeiros
Conselho Monetário
e administradores de recursos de
Nacional (CMN)
terceiros
Bolsas de Mercadorias e Futuros

Comissão de Valores
Mobiliários (CVM)
Bolsas de Valores

256
Op. cit., p. 804.

202
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS

Resseguradores

Sociedades Seguradoras

Conselho Nacional de Superintendência de


Seguros Privados Seguros Privados Sociedades de Capitalização
(CNSP) (SUSEP)

Entidades Abertas de Previdência Complementar

Superintendência
Conselho Nacional de
Nacional de Previdência
Previdência Entidades fechadas de previdência complementar (fundos de pensão)
Complementar
Complementar (CNPC)
(PREVIC)

TRIBUNAL DE CONTAS

O Tribunal de Contas faz parte de uma larga tradição em nosso país. Com o artigo 89, da
Constituição de 1891, ele veio a pertencer ao espaço constitucional. Sua condição de agente
fiscalizador externo tem sido fundamental para a institucionalização da responsabilidade dos órgãos
públicos comem relação ao erário público.
Em essência, busca orientar o Poder Legislativo quanto à função de controle externo, através
de atos de fiscalização, mas não se subordina a ele, sendo, assim, independente.
O Tribunal de Contas da União, integrado por nove Ministros, tem sede no Distrito Federal,
quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o território nacional. Os Ministros do Tribunal de
Contas da União têm as mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens
dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça (CF, Art. 73).
Ressalte-se que, nos termos do art. 74, § 2º da CF, qualquer cidadão, partido político,
associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou
ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União.

203
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS

25.1. COMPETÊNCIA
Compete ao Tribunal de Contas da União (CF, Art. 71):
a) apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante
parecer prévio;
b) julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores
públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e
mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio
ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;257
c) apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer
título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo
Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como
a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias
posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório;
d) realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Comissão
técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira,
orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes
Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas na alínea “b”;
e) fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital social a União
participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado constitutivo;
f) fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio,
acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a
Município;
g) prestar as informações solicitadas pelo Congresso Nacional, por qualquer de suas Casas,
ou por qualquer das respectivas Comissões, sobre a fiscalização contábil, financeira,
orçamentária, operacional e patrimonial e sobre resultados de auditorias e inspeções
realizadas;
h) aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas,
as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional
ao dano causado ao erário;
i) assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato
cumprimento da lei, se verificada ilegalidade;
j) sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara
dos Deputados e ao Senado Federal;
l) representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados.

25.2. ASSUNTOS DE INTERESSE


Controle de constitucionalidade: "O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições,
pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do poder público." (Súmula 347).
A prerrogativa de declarar a inconstitucionalidade, no caso concreto, apenas, de normas
jurídicas que de alguma forma estejam ferindo a conformidade formal ou material constitucional.
Desta forma, compreendendo uma norma jurídica como inconstitucional, podem sustar, se não

257OPlenário do STF, no julgamento do MS 25.092, firmou o entendimento de que as sociedades de economia mista e as empresas públicas
estão sujeitas à fiscalização do TCU.

204
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao
Senado Federal.
Quebra de sigilo bancário de dados: impossibilidade, pois "A Lei Complementar 105, de 10-
1-2001, não conferiu ao Tribunal de Contas da União poderes para determinar a quebra do sigilo
bancário de dados constantes do Banco Central do Brasil. O legislador conferiu esses poderes ao
Poder Judiciário (art. 3º), ao Poder Legislativo Federal (art. 4º), bem como às comissões
parlamentares de inquérito” (MS 22.801, Rel. Min. Menezes Direito, julgamento em 17-12-2007,
Plenário, DJE de 14-3-2008).
Contraditório e ampla defesa: “Nos processos perante o Tribunal de Contas da União
asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou
revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade
do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.” (Súmula Vinculante 3).
Título executivo: As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa têm
eficácia de título executivo (CF, Art. 71, § 3º).

ORDEM SOCIAL

A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a
justiça sociais. Direitos sociais são direitos de conteúdo econômico-social que visam a melhorar as
condições de vida e de trabalho para todos. Caracterizam-se por determinarem, ao contrário das
liberdades individuais, uma prestação positiva do Estado.
Assim, os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são
prestações positivas proporcionadas pelo Estado, direta ou indiretamente, que possibilitam
melhores condições de vida aos mais fracos. São, pois, direitos que tendem a realizar um
reequilíbrio de modo a buscar a igualdade em situações sociais desiguais. Como bem assevera
Alexandre de Moraes, “direitos sociais são direitos fundamentais do homem, que se caracterizam
como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito,
tendo por finalidade a melhoria das condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização
da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo art. 1º, IV, da
Constituição Federal.” 258

26.1. DIREITOS SOCIAIS RELATIVOS À SEGURIDADE SOCIAL.


A seguridade social é um instrumento para a concretização das necessidades sociais e da
garantia do bem-estar material, e foi definida pela Constituição como “um conjunto integrado de
ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à
saúde, à previdência e à assistência social” (art. 194).
A seguridade social abrange o direito à saúde, o direito à previdência social e à assistência
social.

258
MORAES, op. cit., 177.

205
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS

26.1.1. DIREITO À SAÚDE


A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

26.1.2. PREVIDÊNCIA SOCIAL


Constitui uma forma de manifestação da seguridade social, organizada sob a forma de
regime geral, de caráter contributivo e solidário e de filiação obrigatória, compreendendo os
seguintes benefícios, nos termos do artigo 201 da Constituição: cobertura dos eventos de doença,
invalidez, morte e idade avançada; proteção à maternidade; proteção ao trabalhador em situação de
desemprego involuntário (seguro-desemprego); salário-família e auxílio-reclusão aos dependentes de
segurados de baixa renda; e pensão por morte do segurado.
A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e
de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e
atenderá, nos termos da lei, a:
I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada;
II - proteção à maternidade, especialmente à gestante;
III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;
IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda;
V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiros ou
dependentes, observado o disposto no § 2º.
Nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do
segurado terá valor mensal inferior ao salário mínimo.

26.1. 3. ASSISTÊNCIA SOCIAL


Ao contrário da previdência social, a assistência social deve ser disponibilizada a quem dela
necessitar, não sendo, portanto, de caráter contributivo. A assistência social tem por objetivos:
I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II - o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III - a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua
integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, conforme dispuser a lei.

26.2. DIREITOS SOCIAIS RELATIVOS À EDUCAÇÃO, À CULTURA E AO


ESPORTE
26.2.1 DIREITO À EDUCAÇÃO E À CULTURA
A Constituição Federal proclama que a educação é direito de todos e dever do Estado e da
família, devendo ser incentivada e promovida com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho.

206
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
No que se refere ao direito fundamental à educação, importante consignar que compete
privativamente à União Federal legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional (art. 22,
XXIV). Também vale ressaltar que o acesso ao ensino fundamental é direito público subjetivo,
podendo ser exigido do Estado por qualquer cidadão (art. 208, § 1º).
Direitos sociais relativos à cultura
Os direitos culturais também são informados pelo princípio da universalidade, ou seja, são
direitos garantidos a todos. Assim sendo, o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos
culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das
manifestações culturais.
Portanto, o Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-
brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. A lei disporá sobre
a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos
nacionais. Além disso, estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao
desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público que conduzem à:
I defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro;
II produção, promoção e difusão de bens culturais;
III formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões;
IV democratização do acesso aos bens de cultura;
V valorização da diversidade étnica e regional.

26.2.2. DIREITOS SOCIAIS RELATIVOS AO ESPORTE


A Lei Maior estabelece que constitui direito de cada um o dever do Estado em fomentar
práticas desportivas formais e não formais, respeitados a autonomia das entidades desportivas
dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento; a destinação de recursos
públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do
desporto de alto rendimento; o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não
profissional; e a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional.
O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após
esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei, é o caso do STJD. A justiça
desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir
decisão final. O Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social.

26.3. CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO


O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação
científica e tecnológica e a inovação. A pesquisa científica básica e tecnológica receberá tratamento
prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso da ciência, tecnologia e inovação.
A pesquisa tecnológica voltar-se-á preponderantemente para a solução dos problemas brasileiros e
para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional.
Para alcançar esses objetivos, o Estado apoiará a formação de recursos humanos nas áreas
de ciência, pesquisa, tecnologia e inovação, inclusive por meio do apoio às atividades de extensão
tecnológica, e concederá aos que delas se ocupem meios e condições especiais de trabalho.
Além isso, determina a constituição que a lei apoiará e estimulará as empresas que invistam
em pesquisa, criação de tecnologia adequada ao País, formação e aperfeiçoamento de seus recursos
humanos e que pratiquem sistemas de remuneração que assegurem ao empregado, desvinculada do
salário, participação nos ganhos econômicos resultantes da produtividade de seu trabalho.

207
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
Os Estados e o Distrito Federal poderão vincular parcela de sua receita orçamentária a
entidades públicas de fomento ao ensino e à pesquisa científica e tecnológica.
Como já dito, o Estado brasileiro possui participação em diversos setores de importância.
Dessa forma, ele estimulará a articulação entre entes, tanto públicos quanto privados, nas diversas
esferas de governo.
O Estado promoverá e incentivará a atuação no exterior das instituições públicas de ciência,
tecnologia e inovação, com vistas à execução das atividades previstas no caput.
Como a pesquisa tecnológica é voltada para a solução de problemas nacionais, o mercado
interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento
cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País.
O Estado estimulará a formação e o fortalecimento da inovação nas empresas, bem como
nos demais entes, públicos ou privados, a constituição e a manutenção de parques e polos
tecnológicos e de demais ambientes promotores da inovação, a atuação dos inventores
independentes e a criação, absorção, difusão e transferência de tecnologia. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 85, de 2015)
Poderão também, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios firmar instrumentos
de cooperação com órgãos e entidades públicos e com entidades privadas, inclusive para o
compartilhamento de recursos humanos especializados e capacidade instalada, para a execução de
projetos de pesquisa, de desenvolvimento científico e tecnológico e de inovação, mediante
contrapartida financeira ou não financeira assumida pelo ente beneficiário, na forma da lei.

26.3.1. O SISTEMA NACIONAL DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO


O Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI) será organizado em regime de
colaboração entre entes, tanto públicos quanto privados, com vistas a promover o desenvolvimento
científico e tecnológico e a inovação.
Lei federal disporá sobre as normas gerais do SNCTI. Os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios legislarão concorrentemente sobre suas peculiaridades.

26.4. COMUNICAÇÃO SOCIAL


A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma,
processo ou veículo, são valores constitucionalmente protegidos e não sofrerão qualquer restrição,
observado algumas restrições do texto constitucional
Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de
informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º,
IV, V, X, XIII e XIV.
Além disso, é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
Quanto à comunicação, compete à lei federal regular as diversões e espetáculos públicos,
cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se
recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada.
Lei federal deve, também, estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a
possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem
os princípios de produção e programação das emissoras de radio e televisão, bem como da
propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente. A
propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará

208
DIREITO CONSTITUCIONAL
DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
sujeita a estas restrições, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios
decorrentes de seu uso.
Dada a sua vital importância para a cultura, e informação, em geral, da população, os meios
de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.
Em razão disso, a publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de
autoridade.

26.4.1. PRINCÍPIOS
A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes
princípios:
I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;
II - promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive
sua divulgação;
III - regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais
estabelecidos em lei;
IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

26.4.2. CONSELHO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL


Congresso Nacional instituirá, como seu órgão auxiliar, o Conselho de Comunicação Social, na
forma da lei. O Conselho de Comunicação Social tem como atribuição a realização de estudos,
pareceres, recomendações e outras solicitações que lhe forem encaminhadas pelo Congresso
Nacional.

26.5. DIREITOS SOCIAIS RELATIVOS AO MEIO AMBIENTE


Não obstante a preocupação com o meio ambiente seja antiga em vários ordenamentos
jurídicos, as nossas Constituições anteriores com ele nunca se preocuparam.
No entanto, a Constituição de 1988 define o meio ambiente como bem de uso comum do
povo, proclamando que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-
se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações (art. 225). No intuito de preservação do meio ambiente, introduz a Constituição Federal a
polêmica responsabilidade penal da pessoa jurídica por danos ambientais, asseverando que “as
condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas
ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os
danos causados” (art. 225, § 3º).

26.6. DIREITOS SOCIAIS RELATIVOS À FAMÍLIA, À CRIANÇA, AO


ADOLESCENTE, AO IDOSO E ÀS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA
A Constituição determina especial proteção à família, considerando-a a base da sociedade
(art. 226). Com relação à criança e ao adolescente, prevê o texto constitucional que os direitos
fundamentais das crianças e adolescentes serão respeitados e efetivados com absoluta prioridade
(art. 227). Já no que diz respeito aos idosos, a postura constitucional estabeleceu que o Estado, a
sociedade e a família têm o dever de ampará-los, assegurando sua participação na sociedade, bem
como sua dignidade e bem-estar (art. 230).

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DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS

ÍNDIOS

De acordo com o art. 231 da CF, são reconhecidos aos índios: sua organização social,
costumes, línguas, crenças e tradições, além dos direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus
bens.
A responsabilidade da União Federal não reside apenas na demarcação das terras indígenas,
mas também na proteção a todos os bens indígenas. Uma das questões mais interessantes dos
últimos anos foi a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, no Estado de Roraima. O STF,
no julgamento da Pet. 3.388, decidiu, em Sessão Plenária, pela demarcação da área de 1,7 milhão de
hectares da reserva, a ser ocupada apenas por grupos indígenas.
Segundo o art. 231, § 1º da CF, as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são aquelas
por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as
imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias
a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
Interessante notar que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são bens da União
(CF, Art. 20, XI). Ou seja: A União tem a propriedade desses bens, enquanto que aos índios restaram
garantidos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam (CF, Art. 231, caput),
dentre os quais a posse permanente (CF, Art. 231, § 2º).
A Própria CF contempla exceção à exclusividade do usufruto das riquezas do solo, dos rios e
dos lagos existentes nas terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. Afinal, segundo o art. 231, §
3º da CF, o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a
lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do
Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos
resultados da lavra, na forma da lei.
As terras de tradicionalmente ocupadas pelos índios são inalienáveis e indisponíveis, e os
direitos sobre elas, imprescritíveis (CF, art. 231, § 4º). Inalienabilidade e indisponibilidade referem-se
às terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. A imprescritibilidade refere-se aos direitos sobre
tais terras.
Sob a perspectiva da igualdade material legitimam-se as políticas de apoio e, especialmente,
de promoção de grupos socialmente fragilizados. Tais políticas denominam-se ações afirmativas.
Existem fortes fundamentos constitucionais que legitimam a discriminação positiva voltada à
diminuição de desigualdades. O artigo 3º arrola os objetivos fundamentais da República Federativa
do Brasil, ou seja, os caminhos a percorrer e os horizontes a alcançar.

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DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS

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