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1.

ASCENSÃO E DECADÊNCIA DO JUSNATURALISMO


E DO POSITIVISMO JURÍDICO

O presente capítulo debruça-se sobre os funda- za, mas não construído pelo homem, e um direito po-
mentos filosóficos que se dicotomizam em momento sitivo, posto por um agente ou processo competente;
pretérito ao surgimento do neoconstitucionalismo, b) a derivação e fundamentação das normas positi-
com o escopo de deslindar os paradigmas que an- vas, pois o direito natural é a fonte de reconhecimen-
tecedem historicamente a atual normatividade dos to jurídico e de legitimidade aos materiais normati-
princípios e a supremacia da constituição como locus zados; c) o caráter universalista do direito natural,
da pauta axiológica mais relevante para uma deter- vez que suas prescrições afetam a todos, individual
minada sociedade. Assim, pretende-se explicar o sur- ou coletivamente, qualquer que seja a conformação
gimento do jusnaturalismo, sua hegemonia e ocaso, societária e seu contexto histórico ou geográfico;
bem como as críticas que lhe são dirigidas pelo posi- d) a cognoscibilidade, porquanto o direito natural, ao
tivismo, no século XIX, com a consequente ascensão menos em seus princípios basilares, está indelevel-
de uma nova concepção de direito com viés cientifi- mente inscrito nas consciências dos homens, e pode
cista e destituído de carga valorativa. ser conhecido por qualquer indivíduo, independente
da sua cultura; e) a limitação à atividade do legisla-
1.1 JUSNATURALISMO RACIONALISTA: dor, que não pode desbordar de seus parâmetros, já
CONTEXTO HISTÓRICO E TESES que fixados por Deus ou pela razão humana.
O direito natural, destarte, funcionou durante
O jusnaturalismo, em linhas gerais, é a concepção séculos como critério de legitimação do direito posi-
de que existem duas ordens jurídicas distintas: o di- tivo, por funcionar como uma tese de filosofia ética
reito natural, com normas imutáveis no tempo e no ao sustentar que existem princípios morais de justiça
espaço, fundado em leis divinas ou na natureza do que são universalmente válidos e imutáveis.
homem, a depender do contexto histórico, e o direito As primeiras manifestações do jusnaturalismo
positivo, cambiante no espaço-tempo, decorrente das ocorreram na Grécia, sendo possível asseverar que a
regras estabelecidas e engendradas pelas fontes de di- primeira aparição da ideia de direito natural aconte-
reito, especialmente as estatais. A concepção jusna- ceu na obra Antígona, de Sófocles(1). O ser humano
turalista de direito deita raízes na Grécia Antiga, a cultiva o entendimento, desde os primórdios da civi-
saber, na tradição aristotélico-tomista; os paradigmas lização, de existência de leis não escritas, iniludíveis,
que a alicerçam evoluem durante a Idade Média e são das quais não se pode afirmar nem onde ou quando
modificados nos séculos XVII e XVIII. Por esta ra- surgiram, mas que transcendem fronteiras e ditam o
zão, é possível afirmar a existência de três correntes que é justo por natureza, ou seja, o que é justo con-
jusnaturalistas, que se sucederam historicamente: forme a razão. O jusnaturalismo cosmológico funda-
o jusnaturalismo cosmológico, jusnaturalismo teoló- -se na ideia de que o direito natural, à semelhança das
gico e jusnaturalismo racionalista. leis que dinamizam o próprio universo, também é
São postulados comuns a toda concepção jusnatu- imutável e perfeito. Esta concepção clássica coaduna-
ralista: a) a dualidade do direito, implicando a existência -se com o mundo das ideias platônico, para quem o
de um direito natural, fundado em Deus ou na nature- mundo sensível, real, que pode ser apreendido pelos

(1) SCHÜÜR, Aline Muriene Eloy. Da relação entre o direito e a moral nas teorias positivistas e pós-positivistas. 2013.
Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito da Universidade do Porto, p. 20.
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sentidos, é apenas uma cópia imperfeita do mundo De outra sorte, a conquista de territórios além-
ideal. Transpondo-se o pensamento para o contexto -mar coloca para os juristas problemas nunca dantes
jurídico, o direito natural é o direito ideal e o direito imaginados em tão grande escala, tais como o direito
positivo é apenas a sombra deste mundo ideal, sen- de propriedade, de posse, o direito de conquista e
do mutável e imperfeito. Esta doutrina permaneceu descoberta, a regulação do tesouro e do direito de
inalterada no período compreendido entre o século trânsito nos mares. O capitalismo comercial, também
V a. C. até o seu resgate pelos filósofos medievais, no denominado de pré-capitalismo por alguns historia-
século XIII, com nova fundamentação. dores, tem início com as grandes navegações e a ex-
Enquanto o jusnaturalismo cosmológico estava pansão marítima europeia. O acúmulo de riquezas
fundado na razão, o jusnaturalismo da Idade Média era gerado através do comércio de especiarias e ma-
alicerça o direito natural em Deus, em estrita conso- térias-primas exploradas na colônias e terras recém-
nância ao cristianismo. Assim, o direito natural seria -descobertas.
a parcela da lei eterna (apenas acessível a Deus) na A centralização do poder político nos Estados na-
criatura racional, ao passo que o direito positivo seria cionais também promoverá um afastamento do jusna-
tipicamente humano e deveria se espelhar no direito turalismo de seu fundamento teológico, pois o direito
natural, possuindo este precedência e superioridade precisava ser um meio eficaz e racional de domínio da
sobre aquele. razão instrumental e estratégica, que é capaz de operar
A modernidade inaugura-se, historicamente, com a relação entre meios e fins previamente estabelecidos.
a queda de Constantinopla, no ano de 1453, porém O jusnaturalismo dos séculos XVII e XVIII flo-
vem a florescer na Europa nos séculos XVII e XVIII. resce em um meio individualista e contratualista,
O fim da era medieval marca uma grande ruptura vez que a sociedade passa a ser conceituada como
com o pensamento filosófico hegemônico a partir da
a soma de indivíduos isolados que se organizam em
perda de poder político pela Igreja Católica e com o
um contrato social ao qual devem obedecer para de-
surgimento do antropocentrismo.
senvolvimento e prosperidade econômica. O agir éti-
A concepção do jusnaturalismo teológico foi gra- co, portanto, é de fulcral relevância social, na medida
dativamente substituída a partir do século XVII pela em que, pelo cumprimento das regras e obediência a
teoria do direito natural, fundado no subjetivismo, procedimentos, o sujeito se socializa e são detidos os
racionalismo e procedimentalismo. seus impulsos egoístas e violentos inatos. Ao sobera-
Há quatro eventos históricos imbricados que an- no incumbe, desta sorte, a manutenção da paz entre
tecedem esta transição e que não podem ser olvidados os súditos (não a realização da justiça) e a consecu-
pelo jurista: o fim da hegemonia da Igreja Católica, a ção de objetivos econômicos.
conquista das Américas, o início do desenvolvimento
O direito natural moderno possui as seguintes ca-
do capitalismo como sistema econômico e a afirma-
racterísticas: a) é leigo, porque é elaborado por filó-
ção do Estado nacional.
sofos laicos e não por teólogos; b) é racional, porque
A Reforma Protestante, que teve início em 1517, seu único instrumento de obtenção da verdade é a
com a publicação das teses de Martinho Lutero na razão humana, e não uma relação divina ou transcen-
porta da igreja do Castelo de Wittenberg, rompeu dental; c) é pragmático, porque somente se ocupa de
a unidade do cristianismo no Ocidente e lastreou o
questões práticas e de objetivos a serem alcançados;
surgimento de uma nova classe social: a burguesia.
d) é individualista, pois apenas se preocupa com o
Com efeito, a centralização monárquica que ocorria
indivíduo e com o seu benefício, pois entende que
na Europa desde o final da Idade Média criou ten-
o sucesso individual, somado ao sucesso dos demais
sões extremas entre os reis e a Igreja, pois os tributos
membros, tornará exitosa e próspera a sociedade; e)
cobrados dos senhores feudais eram centralizados
em Roma pelo Papa. Os monarcas absolutistas ten- visa a assegurar a liberdade individual (liberalismo),
cionavam reter estes impostos em seus domínios e pois o ser humano é titular de direitos inerentes an-
não os encaminhar para a cúpula da Igreja. Ademais, teriores ao Estado (inatismo).
os cânones católicos condenavam a usura, ou seja, o É com Hugo Grotius que se define o princípio
empréstimo de dinheiro a juros, bem como o lucro básico do naturalismo moderno: a verdadeira lei é
obtido pela comercialização de produtos, o que desa- uma reta razão, congruente, perdurável, que impul-
gradava a burguesia ainda incipiente. siona com os seus preceitos a cumprir o dever e a
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proibir o mal(2). Hugo Grotius sustentou que o direito a todo ser humano. Exsurge a necessidade de aceita-
natural está na origem de todas as convenções e que, ção e respeito aos valores da dignidade humana como
para florescimento de uma civilização, é imperioso imperativo de qualquer civilização.
o estabelecimento e cumprimento dos contratos. O Na concepção jusnaturalista, de modo geral, o di-
direito, por conseguinte, funda-se na moral, sendo reito natural seria formado por um conjunto de prin-
esta acessível pela razão. Prescreve ainda quatro prin- cípios éticos e de justiça que estariam insculpidos
cípios que se tornarão o embrião do direito civil con- na consciência dos homens desde o seu nascimento,
temporâneo: a) é preciso abster-se do bem material não havendo que se cogitar da concessão de direitos
de outrem, restituir o que se tomou ou o proveito que pelo Estado. O Estado não confere nenhum direito ao
se retirou dele; b) o indivíduo é obrigado a manter homem; todo ser humano já nasce com direitos por
a palavra empenhada; c) o indivíduo deve reparar o pertencer à racionalidade humana. Embora os indiví-
dano causado por sua falta e d) a violação de regras duos variem entre si, a natureza humana é universal
merece punição, mesmo que da parte dos homens(3). e imutável, sendo também estas as características da
Em suma, o direito como qualitas moralis é composto lei natural que a governa.
por três elementos: o poder sobre si mesmo ou sobre O absolutismo monárquico, contudo, conservou
o outro, a propriedade plena ou imperfeita e a facul- ainda alguns traços do feudalismo, em especial a co-
dade de exigir seu débito. brança de tributos extorsivos dos súditos, o que de-
Hugo Grotius foi o precursor do conceito de sagradou a burguesia e a insuflou contra o antigo re-
propriedade como algo inerente à natureza humana, gime, ainda corporativista, estamental e tradicional.
que não pode lhe ser retirado sem o seu consenti- O direito natural, portanto, tornou-se o combustível
mento, o que será retomado no liberalismo de John ideológico para derrocada dos reis absolutistas, que
Locke. Também criou a dicotomia entre soberania plasmavam um poder político ainda pautado na tra-
interna e externa; a soberania interna é exercida em dição e nos costumes, em uma era de pré-capitalismo.
benefício dos cidadãos, para utilidade do bem co- Por esta razão, é possível afirmar, com escólio em
mum; a soberania externa é a afirmação de autono- Lima Lopes(4), que a revolução burguesa, francesa
mia em relação ao outro Estado. Sustentou também ou americana, será travada com invocação do direi-
que não é admissível a intromissão de um Estado to natural como arma de combate contra o edifício
nos assuntos interno de outro Estado soberano, jurídico-institucional do Antigo Regime. O jusnatu-
tese que fundamenta todo o direito internacional. ralismo foi a doutrina jurídica que fundamentou o
As contribuições de Grotius ao direito, que embasa- surgimento e o ocaso do Estado absolutista.
ram o liberalismo contemporâneo, são a compreen-
são da justiça como uma questão de observância e
1.2 O RACIONALISMO KANTIANO E SUA
exercício de direitos individuais (individualismo), a
INFLUÊNCIA NO JUSNATURALISMO
separação entre o direito e a religião (secularização
MODERNO
do direito) e reconhecimento da possibilidade de
existência de formas de governo diversas e igual- A racionalização do jusnaturalismo encontra na
mente legítimas, criadas por diferentes povos, no obra de Kant seu mais profundo grau de sofisticação
exercício de seus direitos em diferentes circunstân- intelectual. O criticismo filosófico procura conciliar
cias (tolerância). o empirismo e o realismo, produzindo um raciona-
O jusnaturalismo teve grande influência na for- lismo que reorienta os rumos da filosofia ocidental.
mação de uma racionalidade de tolerância religiosa, Conquanto tenha se debruçado sobre a questão da
em decorrência principalmente da sua negação de origem do conhecimento, sua validade e limitações
fundamento teológico para o direito justo. O direito (metodologia científica), Kant conferirá a sua maior
natural identifica-se com uma ética jurídica assenta- contribuição ao direito ao fazer digressões éticas so-
da na dignidade como característica inata e inerente bre o homem e a lei moral.

(2) GROTIUS, Hugo. O direito da guerra e da paz. Tradução de Ciro Mioranza. Ijuí: Unijuí, 2004, p. 41.
(3) GROTIUS, Hugo. O direito da guerra e da paz. Tradução de Ciro Mioranza. Ijuí: Unijuí, 2004, p. 39.
(4) LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito na história: lições introdutórias. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 169.
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Kant criou uma ética baseada no postulado de que 3. a sua função não é de prescrever este ou
os fins não justificam os meios; os seres humanos são aquele dever substancial com relação aos sujeitos
um fim em si mesmos e não podem ser usados como dos vários arbítrios, mas de prescrever-lhes a ma-
instrumentos, como meios para obtenção de algo. neira de coexistir, ou seja, as condições por meio
Sufraga o autor a ética da alteridade, que respeita e das quais o arbítrio de um possa coexistir com o
valoriza o outro, fazendo o que é certo de acordo com arbítrio de todos os outros.
o exame da razão, dos juízos sintéticos a priori. A ra- De fato, podemos dizer que, segundo Kant, o
zão determina quando e como agir; este agir, por seu direito é a forma universal de coexistência dos
turno, é livre e não depende de um estímulo externo, arbítrios dos simples. Enquanto tal, é a condição
lei positivada ou coação. O homem que age moral- ou o conjunto de condições segundo as quais
mente deverá fazê-lo não por visar à realização de os homens podem conviver entre si, ou o limi-
outra coisa, mas pelo simples fato de colocar-se de te da liberdade de cada um, de maneiras que todas
acordo com a máxima ética. O agir livre é o agir mo- as liberdades externas possam coexistir segundo
ral. O agir moral é o agir de acordo com o dever. uma lei universal. Finalmente, o direito é o que
Para Kant, uma ação é certa quando realizada por um possibilita a livre coexistência dos homens, a coe-
sentimento de dever e não de utilidade, interesse ou xistência em nome da liberdade, porque somente
conveniência. onde a liberdade é limitada, a liberdade de um
O agir ético tem um único móvel: o cumprimento não se transforma numa não liberdade para os
do dever pelo dever. Somente a ação que é, além de outros, e cada um pode usufruir de uma liberda-
conforme ao dever (exteriormente), cumprida, por- de igual à dele(7).
que se trata do dever, pode ser qualificada de ação
moral(5). Ana Lúcia Sabadell(6) aponta algumas con- Em síntese, as pretensões jurídicas destinam-
sequências deste entendimento kantiano: a) rejeição -se à regulação da conduta, para que seja alcançada
de qualquer argumento de autoridade, sem fazer um a finalidade maior: a coexistência pacífica entre as
exame de sua justificação; b) rejeição de qualquer de- vontades e as liberdades humanas. O direito natural
cisão tomada por uma maioria se não for pautada na ou racional, para Kant, é o conjunto de leis jurídicas
razão humana; c) rejeição da força, pois os cidadãos cuja obrigatoriedade pode ser estabelecida a priori;
possuem o direito de resistir a ordens que conside- o Direito positivo ou estatuído, ao contrário é o que
rem contrárias aos imperativos da razão; d) rejeição dimana da vontade de um legislador(8). As leis na-
dos interesses e desejos pessoais como justificativas turais são oriundas da metafísica dos costumes e da
de uma ação, pois o indivíduo deve agir de forma racionalidade prática, e são anteriores a qualquer im-
que a sua ação possa ser adotada como regra geral (e posição de autoridade humana. Em face deste dualis-
somente pode ser adotada como regra geral uma ação mo entre as esferas jurídicas (direito natural e direito
individual que não cause danos a outrem e promova positivo), pode-se asseverar indubitavelmente o jus-
o bem estar geral). Norberto Bobbio sintetizou a con- naturalismo no pensamento de Kant e a sua profunda
cepção kantiana de direito: influência do iluminismo, ao passo que se constituiu
em fundamento teórico para o liberalismo político
1. o direito pertence ao mundo das relações que se seguiu à revolução burguesa, tanto francesa
externas; quanto americana. O direito, para Kant, tem apenas
2. ele se constitui na relação de dois ou mais a função de assegurar a pacificação social, deixando a
arbítrios; liberdade inerente à natureza humana a função de

(5) SERRA, Antonio Truyol y. História da filosofia do direito e do Estado. Tradução de Henrique B. Ruas. Lisboa: Instituto
de Novas Profissões, 1990, p. 363.
(6) SABADELL, Ana Lúcia. Manual de sociologia jurídica: introdução a uma leitura externa do direito. 2. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002, p. 32.
(7) BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no pensamento Emmanuel Kant. Tradução de Alfredo Fait. 3. ed. Brasília: UNB,
1995, p. 157.
(8) SERRA, Antonio Truyol y. História da filosofia do direito e do Estado. Tradução de Henrique B. Ruas. Lisboa: Instituto
de Novas Profissões, 1990, p. 367.
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orientar a sua conduta; o Estado, por conseguinte, insuflar os discursos contra a ordem jurídica do Es-
tem uma função meramente de garantidor das liber- tado absolutista. O texto da Declaração de Indepen-
dades individuais (atuação negativa do Estado, no dência das Treze Colônias, de 1776, é paradigmático:
sentido de coibir violações da ordem e do descum-
primento das leis), não se cogitando da prestação de Quando no curso dos acontecimentos huma-
serviços ou de implementação de políticas públicas nos se tona necessário para um povo dissolver
para concretização de direitos fundamentais (atua- os vínculos políticos que o ligavam a outro, e
ção positiva do Estado, de planejamento da econo- assumir, entre as nações da terra, a posição sepa-
mia e de direcionamento para atividades à realização rada e igual a que lhe dão direito as leis da natu-
do bem comum, que somente ocorrerá com o Estado reza e as do Deus da natureza, um digno respeito
social). Kant retira da felicidade o lugar de centrali- pelas opiniões da humanidade exige que declare
dade na vida humana e coloca o dever como objetivo as causas que o levam à separação.
primaz da existência – o dever apriorístico, racional Nós consideramos estas verdades como evi-
e universal. dentes por si mesmas, que todos os homens fo-
Conclui-se, portanto, que o jusnaturalismo kan- ram criados iguais, que foram dotados pelo seu
tiano já está imbuído, conquanto ainda de modo inci- Criador de certos direitos inalienáveis, que entre
piente, das teses que irão fundamentar o Estado míni- estes se encontram a vida, a liberdade e a busca da
mo do liberalismo e toda a racionalidade jurídica que felicidade. Que com o fim de assegurar estes di-
se tornará hegemônica após o fim da era moderna. reitos, instituem-se os governos entre os homens,
derivando os seus justos poderes do consenti-
mento dos governados. Que sempre que qualquer
1.3 O JUSNATURALISMO E AS REVOLUÇÕES forma de governo se torna destrutiva destes fins,
BURGUESAS cabe ao povo o direito de alterá-la ou aboli-la, e
instituir um novo governo, baseando-se em tais
O jusnaturalismo do século XVII abandona o fun-
princípios, e organizando os seus poderes na for-
damento teológico do direito natural e alicerça-se na
ma que lhe pareça mais adequada para garantir a
razão prática como substrato legitimador dos direitos
sua segurança e felicidade(10).
inerentes ao ser humano, que são inatos e não depen-
dem da concessão ou autorização de um governo ou O iluminismo sufragava a ideia de que a Idade
Estado. Esta pretensão de universalidade será o com- Média, fundada na extrema religiosidade e na autori-
bustível ideológico dos movimentos revolucionários dade da tradição, representou a idade das trevas para
liberal-burgueses do século XVIII, que tencionam a a humanidade, incumbindo aos filósofos de então a
queda do poder político monárquico e a instituição missão de trazer as luzes da razão, da ciência e do
de um Estado apenas voltado para a garantia de liber- conhecimento para iluminar as civilizações. Prepon-
dades individuais para uma elite econômica, sob um dera então a imagem do progresso linear e contínuo,
discurso libertário da tirania do rei. fazendo com que a autoridade estatal seja pautada no
Tanto a Revolução Francesa quanto a America- contrato ou no consentimento dos súditos, agora gal-
na(9) apropriam-se do jusnaturalismo racionalista do gados ao patamar de cidadãos. Os governos deveriam
século XVII e do iluminismo, como movimento filo- ser norteados pela impessoalidade e pelos princípios
sófico refratário à Igreja e ao poder monárquico, para fundamentais, aplicando as normas jurídicas com

(9) “O final do século XVIII foi uma época de crise para os velhos regimes da Europa e seus sistemas econômicos, e suas
últimas décadas foram cheias de agitações políticas, às vezes chegando a ponto da revolta, e de movimentos coloniais em
busca de autonomia, às vezes atingindo o ponto da secessão: não só nos EUA (1776-83) mas também na Irlanda (1782-4), na
Bélgica e em Liège (1787-90), na Holanda (1783-7), em Genebra e até mesmo na Inglaterra (1779). A quantidade de agitações
políticas é tão grande que alguns historiadores mais recentes falam de uma ‘era da revolução democrática’, em que a Revolução
Francesa foi apenas um exemplo, embora o mais dramático e de maior alcance e repercussão”. Excerto de HOBSBAWM, Eric
J. A era das revoluções: 1789-1848. São Paulo: Paz e Terra, 2003, p. 84.
(10) ESTADOS UNIDOS. Declaração Unânime dos Treze Estados Unidos da América. Tradução de Salvador Mourelo. Dis-
ponível em: <http://agal-gz.org/faq/lib/exe/fetch.php?media=gze-ditora:declaracao_da_independencia_eua.pdf>. Acesso em:
19 jun. 2020.
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igualdade para consecução do bem comum da na- busca da felicidade como direto inalienável de todo
ção – a soberania passa então a ser fundamentada no ser humano. O direito de propriedade, na Declaração
ente abstrato denominado nação ou povo, não mais Francesa, adquire os adjetivos de sagrado e inviolá-
estando calcada no senhor territorial ou no monarca. vel(12). Assim, para o jusnaturalismo racionalista, os
A nação é um conceito racional e ao mesmo tempo direitos fundamentais e subjetivos não decorrem de
histórico, mantida coesa pelo fundo contratual ori- um arranjo social, político, governamental, organi-
ginário e com permanência ao longo do tempo. O zacional ou econômico que os precede – são inatos e
iluminismo criticava os privilégios estamentais da decorrem da razão humana.
nobreza, a propriedade feudal, o poder os reis e o É imperiosa, todavia, uma digressão crítica a
clericalismo. A Declaração dos Direitos do Homem e cerca dos acontecimentos históricos relatados. Os
do Cidadão, de 1789, em seu preâmbulo, ratifica os ideais de igualdade, liberdade e fraternidade, que
ideais do jusnaturalismo racional e iluminista: fundamentaram as revoluções burguesas, em espe-
Os representantes do povo francês, reunidos cial a francesa, não tinham por objetivo colocar o
em Assembleia Nacional, tendo em vista que a povo no poder, mas apenas insuflá-lo à revolução,
ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos para que fosse possível enfrentar e derrotar o poder
direitos do homem são as únicas causas dos ma- político e militar dos reis absolutistas. A burguesia
les públicos e da corrupção dos Governos, resol- não teria conseguido esta vitória sozinha, mesmo
veram declarar solenemente os direitos naturais, com todo o capital que detinha, pois precisava de
inalienáveis e sagrados do homem, a fim de que braços armados e mobilizados para enfrentamento
esta declaração, sempre presente em todos os das tropas reais. Era imprescindível, portanto, que
membros do corpo social, lhes lembre permanen- as pessoas das camadas mais pobres da população
temente seus direitos e seus deveres; a fim de que se convencessem de que finalmente teriam os seus
os atos do Poder Legislativo e do Poder Executi- direitos respeitados e de que haveria uma melhora
vo, podendo ser a qualquer momento compara- significativa na sua condição de vida, pois somen-
dos com a finalidade de toda instituição política, te a partir deste convencimento estariam dispostas
sejam por isso mais respeitados; a fim de que as a uma guerra civil. Assim, a burguesia convenceu
reivindicações dos cidadãos, doravante fundadas as camadas populares do ideário da revolução; em
em princípios simples e incontestáveis, se dirijam verdade, tratava-se de um engodo para que fossem
sempre à conservação da Constituição e à felici- destronados os reis e assumissem em seu lugar go-
dade geral(11). vernantes alinhados com o individualismo, o libe-
ralismo, a redução de impostos e o livre comércio.
O jusnaturalismo racional e iluminista, a cultura Em outras palavras, uma vez vencido o absolutismo
urbana e a burguesia em ascensão são os contextos e o poder da Igreja, através de revoluções que con-
ideológicos e econômicos que ensejam a deflagração taram com a participação do povo, a burguesia afas-
da Revolução Francesa, com o apoio das massas cam- tou as classes populares do poder e providenciou a
pesinas. “domesticação” do direito natural. Por esta razão, é
Observa-se que o texto da Declaração de Indepen- possível utilizar a expressão “combustível ideológi-
dência dos Estados Unidos é um exemplo da filosofia co” para o jusnaturalismo e iluminismo – uma vez
do direito natural moderno incorporado ao discurso findo o incêndio da revolução burguesa, o ideário
político-jurídico, mas não há menção ao direito de foi reinterpretado em termos mais formalistas, ins-
propriedade; ao revés, o texto americano refere-se à trumentalistas e liberais.

(11) FRANÇA. Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão – 1789. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.
usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-
-at%C3%A9-1919/declaracao-de-direitos-do-homem-e-do-cidadao-1789.html>. Acesso em: 19 jun. 2020.
(12) O art. 17 expressamente dispõe: Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser privado, a
não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir e sob condição de justa e prévia indenização. FRANÇA.
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão – 1789. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/
Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/de-
claracao-de-direitos-do-homem-e-do-cidadao-1789.html>. Acesso em: 19 jun. 2020.
Ascensão e Decadência do Jusnaturalismo e do Positivismo Jurídico • 23
1.4 O POSITIVISMO E A CRÍTICA AO No início do século XIX, logo após o advento do
JUSNATURALISMO Código Civil de Napoleão, em 1804, surge na França
a Escola de Exegese, que se caracteriza por reduzir o
A vitória das forças revolucionárias originou o papel do intérprete à simples dicção e repetição do
movimento de codificação do direito, cujo ápice foi texto da lei, que seria capaz de açambarcar todo o
materializado no Código Civil de Napoleão, de 1804. conteúdo da vida social. Destarte, o juiz é a “boca
O direito natural, desta sorte, deixou de apresentar da lei” e não pode assumir papel criativo na inter-
um caráter revolucionário; estava agora “domestica- pretação ou aplicação do texto legal. A Escola de
do e ensinado dogmaticamente”(13). Com a formaliza- Exegese sustenta a supremacia da codificação acima
ção do direito natural, os doutrinadores passaram a se de tudo, advogando alguns dos seus defensores que,
dedicar apenas aos códigos e sua exegese, reputando na hipótese de lacuna da lei, deveria o juiz se abster
os denominados direitos inerentes à razão humana, de julgar – a maioria dos exegetas, porém, defende a
atemporais e absolutos, como anticientíficos e meta- utilização da analogia, para colmatação de lacunas. A
físicos. Por esta razão, a codificação implementada ao interpretação deve buscar o sentido literal e grama-
final das revoluções liberais burguesas representou o tical das expressões e tem como objetivo investigar
ocaso do jusnaturalismo – que foi o grande discurso a vontade do legislador (voluntas legislatoris) pois
para inflamação das massas populares – e a ascensão somente este, agindo em nome da nação soberana,
do positivismo. possuiria o poder de criação do direito.
Neste contexto, os códigos encontravam-se no Prima facie, o intérprete deveria utilizar o método
epicentro de todas as discussões jurídicas, relegando- gramatical e, em um segundo momento, o método
-se à Constituição, e em especial aos princípios, pa-
lógico-sistemático, a fim de conferir organicidade
pel secundário na formação da decisão e da doutrina
ao ordenamento jurídico, visto como uma totalida-
jurídicas. É o momento histórico de maior apogeu do
de sistemática e harmoniosa. Para pesquisa da vontade
Código Civil, em que o juiz é um simples revelador
do legislador, caso os métodos anteriores não fossem
das verdades gerais e abstratas contidas na lei. Na
capazes de resolver a questão, deveriam ser buscados
lição de Luís Roberto Barroso:
os trabalhos legislativos preparatórios, a exposição
Surgem os mitos. A lei passa a ser vista como de motivos, as discussões parlamentares, a tradição
expressão superior da razão. A ciência do Direi- histórica e o costume. A Escola de Exegese, que pre-
to – ou, também, teoria geral do Direito, dogmá- dominou durante todo o século XIX, espraiou sua
tica jurídica – é o domínio asséptico da segurança influência por toda a Europa continental e demais
e da justiça. O Estado é a fonte única do poder e países ocidentais, tendo influenciado sobremaneira a
do Direito. O sistema jurídico é completo e autos- Escola Analítica da Inglaterra.
suficiente: lacunas eventuais são resolvidas inter- O positivismo alcançou o seu apogeu, entremen-
namente, pelo costume, pela analogia, pelos prin- tes, com a obra de Hans Kelsen, na década de 1930,
cípios gerais. Separado da filosofia do direito por sendo denominado a partir de então de positivismo
incisão profunda, a dogmática jurídica volta seu normativista, em face do pensamento antagônico a
conhecimento apenas para a lei e o ordenamento qualquer teoria naturalista, metafísica, sociológica,
positivo, sem qualquer reflexão sobre o seu pró- histórica ou antropológica do direito.
prio saber e seus fundamentos de legitimidade(14).
O que há de comum em todas as correntes posi-
O termo positivismo não é unívoco e muitas vezes tivistas é a assepsia axiológica do direito. A sua gran-
é utilizado para designar diversas escolas jurídicas de contribuição, portanto, consistiu em separar do
inauguradas após as revoluções burguesas do final direito todo o conhecimento que anteriormente se
do século XVIII, que culminaram com o positivismo encontrava a ele amalgamado, como a sociologia, a
de Hans Kelsen, no início do século XX. moral, a ética etc. Neste sentido:

(13) LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito na história: lições introdutórias. São Paulo: Atlas, 2012, p. 197.
(14) BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro. In: BARROSO,
Luís Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 3. ed. Rio
de Janeiro: Renovar, 2008, p. 01-48.
24 • CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DO TRABALHO

A atitude da Teoria Pura do Direito é, inversa- A validade da norma é aferida de acordo com a
mente, uma atitude inteiramente objetivista-uni- sua conformação ao devido processo legislativo, ou
versalista. Ela dirige-se fundamentalmente ao seja, deve-se perquirir se a sua criação obedeceu aos
todo do Direito na sua objetiva validade e procura cânones de regularidade de inserção no sistema jurí-
apreender cada fenômeno particular apenas em dico, tais como aqueles referentes ao rito, iniciativa,
conexão sistemática com todos os outros, procu- hierarquia, estrutura e lógica de produção normativa.
ra em cada parte do Direito apreender a função Ser válida não significa ser correta ou incorreta, ver-
do todo jurídico. Neste sentido, é uma concep- dadeira ou falsa, justa ou injusta; a norma válida pode
ção verdadeiramente orgânica do Direito. Mas, se ser injusta ou incorreta, desde que tenha obedecido
concebe o Direito como organismo, não entende lidimamente ao processo de derivação e de funda-
por tal qualquer entidade supra-individual, su- mentação das normas jurídicas. Assim, as normas de
pra-empírica-metafísica – concepção essa por de- menor hierarquia derivam das normas de maior hie-
trás da qual se escondem quase sempre postula- rarquia, ao passo que as normas de maior hierarquia
dos ético-políticos – mas única e exclusivamente: fundamentam as normas de menor hierarquia. A de-
que o Direito é uma ordem e que, por isso, todos rivação, portanto, importa em uma sequência lógica
os problemas jurídicos devem ser postos e resol- de recíprocas relações de validade entre as normas,
vidos como problemas de ordem. A teoria jurí- até chegar ao seu último e mais alto degrau: a norma
dica torna-se, assim, numa análise estrutural do fundamental, ou Grundnorm, na dicção de Kelsen. A
Direito positivo, o mais possível liberta de todo norma fundamental nada mais é do que o fundamen-
juízo de valor ético-político(15). to último de validade de todo o sistema jurídico – e
se constitui no verdadeiro calcanhar de Aquiles da
O positivismo rejeita, em linhas gerais, a duali-
teoria positivista, como se observará adiante.
dade ínsita à concepção de direito natural, na medi-
da em que afirma que todo direito é direito positivo Para Kelsen, o sistema jurídico é unitário, fecha-
(concepção monista), na medida em que se tata de do, completo e autossuficiente, nada faltando para
um produto cultural produzido pela criação humana, o seu aperfeiçoamento. Uma eventual abertura para
não existindo demonstração de existência de normas elementos extrajurídicos (moral, filosofia, sociolo-
jurídicas que tenham sido produto da natureza ou gia, história, ética etc) representaria um comprometi-
que estejam situadas fora da história. Na construção mento da sua rigidez e completude. A norma jurídica
teórica do positivismo não há espaço para a metafísi- é o único elemento que pode conferir segurança à
ca. A validade jurídica, portanto, não é uma questão teoria do direito, não havendo que se discutir sobre o
de valor e jamais pode estar sujeita a considerações conteúdo axiológico que veicula. Não importa, nesta
e argumentos de índole moral. Preconiza-se, desta ordem de ideias, se a norma jurídica tem por finali-
sorte, uma total separação entre direito e moral, não dade a concretização de direitos fundamentais indis-
sendo possível a contribuição desta nem como crité- poníveis ou se os viola por completo; se for válida, ou
rio de legitimação do direito e nem como critério de seja, se tiver sido criada de acordo com as regras do
interpretação das normas. sistema normativo, será eficaz e aplicável.
Considerando que o positivismo conceitua o di- O direito, portanto, é um sistema hierárquico de
reito como um sistema fechado de regras, e estando normas(16); toda a ordem jurídica requer uma digressão
as normas em posição central em sua teoria, conclui- regressiva até a norma fundamental. Impende desta-
-se que o conceito chave positivista é precisamente car, porque oportuno, que a norma fundamental não
o de validade jurídica. Ora, se os conceitos de justi- é a Constituição de um Estado e também não existe
ça e de direito devem ser apartados, então se torna historicamente ou fisicamente; trata-se de um pressu-
imperiosa a indicação de um outro fundamento de posto lógico do sistema, um input teórico que tem por
legitimação para o cumprimento das normas de um finalidade conferir logicidade ao sistema – ou, nas pala-
determinado ordenamento jurídico. vras de Tércio Ferraz Júnior, é um princípio lógico que

(15) KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 134.
(16) KELSEN, Hans. O que é justiça? A justiça, o direito e a política no espelho da ciência. São Paulo: Martins Fontes,
1998, p. 215.
Ascensão e Decadência do Jusnaturalismo e do Positivismo Jurídico • 25
organiza o sistema(17). Caso não houvesse sido criada a Kelsen, por sua vez, não nega a existência de va-
ideia da norma fundamental por Kelsen, o sistema ju- lores morais, mas afirma que o conhecimento que se
rídico estaria fundamentado, em última instância, em pode obter destes valores não é científico e, portanto,
um dado metafísico, na vontade de Deus, na justiça ou está fora do alcance da ciência jurídica. Isto não sig-
na razão humana, o que não se admite no positivismo. nifica que Kelsen não está preocupado em discutir o
A finalidade da norma fundamental, portanto, é a de conceito de justiça; ao revés, assevera que toda dis-
estancar a regressão da validade das normas. cussão opinativa sobre valores está restrita ao campo
A aplicação do direito, na teoria positivista, é uma da ética. A sua principal crítica ao jusnaturalismo re-
simples questão de lógica, de subsunção do fato ao side no critério de validade da norma postulado pelo
enunciado normativo. O juiz, por conseguinte, não direito natural: a justiça. Segundo o jusnaturalismo,
cria o direito. Com escólio em Castanheira Neves, se uma norma não é justa, não é válida, o que para
Kelsen representa um equívoco inquestionável e uma
[...] pois se o direito vai dado prévia e abso- confusão despropositada entre o conteúdo valorativo
lutamente na lei, o jurídico esgotar-se-ia com o da justiça e a validade da norma.
conhecimento do conteúdo preceptivo da norma Enfim, as assertivas metafísicas do jusnaturalismo
legal, e o que o juiz competia fazer a partir daí não podem ser refutadas simplesmente porque não
(uma vez obtido esse conhecimento de ‘o direito’) são verificáveis e nem podem ser provadas cientifica-
já não poderia oferecer a estrutura constitutiva e mente. A definição dos postulados jurídico-morais a
noética de um juízo jurídico, mas apenas a estru- serem concretizados pelo direito positivo é arbitrária,
tura analítica e dedutiva de um juízo puramente no jusnaturalismo – uma vez que a teoria recorre ao
lógico. Que o mesmo é dizer que a aplicação do que é eterno e imutável, retira do legislador a respon-
direito, verdadeiramente, não punha um proble- sabilidade na criação do direito. As doutrinas elabo-
ma jurídico, exigindo uma normativa pondera- radas com fulcro no direito natural são ideologizadas
ção, e sim um mero problema lógico, a bastar-se e têm por escopo atender aos interesses e circunstân-
com uma simples dedução(18). cias de quem detiver o poder político naquele mo-
O positivismo também é pródigo nas críticas ao mento histórico específico, segundo o positivismo.
jusnaturalismo. As diretrizes e respostas do jusnaturalismo são
Segundo Norberto Bobbio(19), não é admissível a tão variadas e repletas de discordância quanto as do
existência de um sistema de valores imutáveis dos relativismo filosófico. O paradigma jusnaturalista
quais possa derivar a ordem jurídica humana – não não retira do indivíduo a responsabilidade por suas
há unanimidade sobre o conceito de natural, muito escolhas, mas lhes confere ilusoriamente uma cor-
menos o de justiça. Assim, o direito natural não as- reção e validade de escolhas provenientes de Deus,
segura segurança e paz social, na medida em que o da natureza ou da razão. Destarte, recorre-se à teoria
seu atributo de eficácia pode ser discutido, por ter do direito natural para fundamentação da justiça ou
conteúdo valorativo. Bobbio também critica o direito injustiça de uma decisão, quando deveria o indivíduo
natural em relação à tese de que os seus postulados recorrer à ética para solução destes problemas. Para
seriam conhecidos diretamente pela razão, sem in- Kelsen, não existe um direito natural uno, homogê-
termediários – o jusnaturalismo, porém, não fornece neo, imutável, universal, justo, aplicável a todos os
respostas adequadas quando pessoas distintas, aces- homens, válido em todos os tempos e lugares(20).
sando diretamente suas respectivas mentes racionais, No afã de delimitar o direito justo, o jusnatura-
chegam a conclusões diferentes sobre determinada lismo termina por não oferecer respostas satisfatórias
questão jurídica. acerca dos liames entre direito, legitimidade e justiça,

(17) FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994, p. 176.
(18) NEVES, António Castanheira. Questão-de-facto, questão-de-direito ou o problema metodológico da juridicidade.
Coimbra: Almedina, 1967, p. 110.
(19) BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Tradução de Márcio Pugliesi, Edson Bini e
Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995, p. 127.
(20) KELSEN, Hans. A justiça e o direito natural. Tradução de João Baptista Machado. Coimbra: Almedina, 2001, p. 161.
26 • CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DO TRABALHO

o que enseja um certo embaraço epistemológico à c) o conhecimento jurídico é um conhecimento cien-


doutrina, ante a sua imprecisão e abstração. Segundo tífico, ou seja, advoga-se a neutralidade científica no
Bobbio, o direito injusto também é válido, aplicável e campo do direito; d) somente existe o direito positi-
eficaz – reduzir a validade do direito à justiça origina vo, não se cogitando da existência do direito natural;
a depreciação dos valores da certeza e da segurança(21). e) o direito é um conjunto de regras a serem emana-
Muito além das críticas ao jusnaturalismo, o das do Estado, com previsão de sanções que garan-
positivismo parte da distinção entre causalidade e tam a sua aplicação coercitiva; f) o direito opera em
imputação. Segundo Kelsen, as ciências naturais um sistema fechado, completo e coerente, em que a
(físico-matemáticas) são regidas pela lógica da cau- atividade dos juízes é lógica, vez que toda regra deve
salidade – dado A, será B. Em outras palavras, os ser deduzida de regras previamente emitidas pelo Es-
fenômenos das ciências naturais são previsíveis e a tado e g) direito e moral são instâncias separadas e
relação entre causa e efeito é regular. Nas ciências so- independentes, o que rechaça da atividade judicial os
ciais (humanas, dentre as quais o direito), contudo, fatores sociais e as regras de cunho moral.
vige a lógica da imputação – dado A, deve ser B. A Kelsen também estabelece na teoria pura do di-
condição e a consequência, no direito, são interliga- reito a dicotomia entre interpretação autêntica e in-
das pela imputação de uma sanção a um comporta- terpretação doutrinária. Segundo o jusfilósofo, a in-
mento desviante, que pode ou não acontecer na rea- terpretação autêntica é aquela realizada pelos órgãos
lidade fática. A estrutura do pensamento kelseniano competentes (juízes, órgãos administrativos etc), en-
está fulcrada na distinção entre a lógica do ser e do quanto a doutrinária é aquela feita por qualquer pes-
dever-ser, sendo esta última a metodologia a ser ado- soa ou ente que não tenha a qualidade de autoridade
tada pelo cientista jurídico. estatal. Quando um juiz prolata uma sentença, por-
A teoria pura somente se ocupa com o direito tanto, está emitindo um enunciado normativo, que
posto, não se interessando pelos fatos e valores que por consequência é vinculante. O próprio Hans Kel-
lhe são subjacentes. A finalidade da ciência jurídica sen, contudo, reconhece que a sentença é um ato de
não é julgar o direito positivo, mas tão somente co- vontade, pois a força vinculante reside na autorida-
de do órgão, que se justifica na sua fundamentação.
nhecê-lo em sua essência e compreendê-lo mediante
Ainda que se possa afirmar que a sentença é baseada
análise de sua estrutura lógico-imputativa(22).
em um silogismo e que há um conteúdo de conhe-
Para Kelsen, há uma identificação entre direito cimento na decisão judicial, quanto a argumentos e
e Estado, pois todo Estado é em verdade um orde- raciocínios, a sentença será um ato de vontade que
namento jurídico centralizado; se a ordem jurídica definirá, no caso concreto, o sentido da norma. Se-
não for centralizada, não há Estado(23). No positivis- gundo Kelsen, todo conteúdo normativo é plurívoco,
mo, a noção de validade jurídica está intimamente inevitavelmente, e por esta razão é vago e ambíguo,
relacionada à de autoridade constituída pelo poder havendo a necessidade de fixação de um único sen-
estatal. Não há um critério material de validade da tido, dentre os possíveis, pela vontade da autoridade
norma, mas apenas um critério formal. Se, em um competente. Na interpretação doutrinária, não há
caso concreto, não há norma específica para solução esta vontade emanada de autoridade; consequente-
do conflito, deve o juiz ainda assim sentenciar, pelo mente, a interpretação doutrinária somente é ciência
princípio de vedação do non liquet. Neste caso, deve- até o ponto em que informa sobre a existência de
rá recorrer à analogia para solução do caso concreto. equívocos decorrentes da plurivocidade. A partir do
Consubstanciam o núcleo central da teoria posi- momento em que o doutrinador estabelece um senti-
tivista os seguintes postulados: a) o direito é parti- do para a norma e o sustenta como verdadeiro, deixa
cular a determinado contexto histórico, tendo como de existir ciência e passa a existir política, ou seja,
nota a variabilidade; b) somente as normas postas a tentativa de persuadir alguém sobre a correção de
por autoridade competente são normas jurídicas; uma interpretação, que ordinariamente atenderá às

(21) BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Bauru: Edipro, 2003, p. 55.
(22) SOARES, Ricardo Maurício Freire. Elementos de teoria geral do direito. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 163.
(23) KELSEN, Hans. O que é justiça? A justiça, o direito e a política no espelho da ciência. São Paulo: Martins Fontes,
1998, p. 290.
Ascensão e Decadência do Jusnaturalismo e do Positivismo Jurídico • 27
necessidades ideológicas de uma determinada estru- a imputação, por conseguinte, são materializadas na
tura de poder. própria codificação.
Insta gizar que a assepsia valorativa do direito e O Estado se torna o árbitro imparcial para solu-
o lugar privilegiado da lei como fonte de direito são ção dos conflitos sociais e ao juiz incumbe o silogis-
duas heranças relevantes do positivismo que atendem mo da subsunção dos fatos à norma, sem qualquer
às necessidades de segurança da sociedade burguesa papel criativo para elaboração do direito. Na pers-
e do Estado liberal, inaugurado após as revoluções do pectiva tradicional, o direito possui caráter científico,
final do século XVIII. emprega a lógica formal e possui a pretensão de com-
pletude, de racionalidade da lei e de neutralidade do
1.5 CRÍTICAS AO POSITIVISMO JURÍDICO E intérprete. Ao exacerbar o papel da lógica e da razão,
SEU OCASO o positivismo foi alvo de inúmeras críticas, especial-
mente a partir da década de 1950, por ter reduzido o
O positivismo jurídico é resultante da ascensão direito a um sistema fechado em si mesmo, desvin-
da burguesia ao poder e se torna o instrumento pri- culado das condições em que o ser humano vive e
mordial de perpetuação do status quo conquistado se relaciona e por isto mesmo alienado da realidade
após as revoluções. Deste entendimento não discrepa social(27).
Norberto Bobbio, para quem “o positivismo jurídi- A decadência do positivismo corresponde ao pe-
co nasce do impulso histórico para a legislação, se ríodo histórico posterior à Segunda Guerra Mundial,
realiza quando a lei se torna a fonte exclusiva – ou, tornando-se cada vez mais assente o entendimento
de qualquer modo, absolutamente prevalente – do de que os conceitos que configuravam a visão lógico-
direito, e seu resultado último é apresentado pela -formal do conhecimento jurídico não eram suficien-
codificação”(24). Foi a doutrina hegemônica durante tes para atendimento das novas demandas sociais e
todo o século XIX, somente tendo a sua preponde- de justiça. O debate sobre a ética e a política retoma
rância abalada após a banalização do mal(25) ao longo um lugar central nas discussões jurídicas, sendo res-
da primeira metade do século XX e a constatação, saltado o caráter ideológico do direito como instru-
após as experiências do nazismo, do fascismo e do mento de legitimação do poder e de institucionali-
comunismo, de que a legalidade formal pode enco- zação de uma hegemonia de classes. Ao movimento
brir a barbárie e conduzir o Estado a atrocidades con- que passou a questionar a concepção jurídica tradi-
tra a dignidade humana. Nas palavras de Barroso, cional denominou-se teoria crítica do direito, que
posteriormente foi incorporada às demais correntes
[...] o fetiche da lei e o legalismo acrítico do
pós-positivistas.
positivismo jurídico serviram de disfarce para au-
toritarismos de matizes variados. A ideia de que O caráter ideológico do direito é destacado pe-
o debate acerca da justiça se encerrava quando da los doutrinadores, na medida em que a escolha
positivação da norma tinha um caráter legitima- pela positivação de uma determinada norma, em
dor da ordem estabelecida. Qualquer ordem(26). detrimento de outra, implica necessariamente uma
escolha política, que pode se tornar preponderan-
O positivismo pauta-se em um tripé axiomático: te por meios legítimos ou não. Assim, o direito é
suposta neutralidade valorativa, tecnicismo forma- muito anterior à criação do Estado, pois deriva da
lista e primazia da segurança jurídica. A validade e convivência em sociedade; atrelar a compreensão

(24) BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Tradução de Márcio Pugliesi, Edson Bini e
Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995, p. 119.
(25) ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. Tradução de José Rubens Siqueira.
São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
(26) BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro. In: BARROSO,
Luís Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. 3. ed. Rio
de Janeiro: Renovar, 2008, p. 01-48.
(27) MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. A ciência do direito: conceito, objeto, método. Rio de Janeiro: Renovar, 2001,
p. 135.
28 • CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DO TRABALHO

do fenômeno exclusivamente ao direito positivado erigindo-se a necessidade de realização de justiça so-


e instituído pelo poder estatal é negar este caráter cial a um patamar constitucional.
ideológico e político do saber jurídico. Nesta senda, A própria norma fundamental, calcanhar de
o direito não está contido unicamente na lei, o que Aquiles da teoria kelseniana, é apenas um produto
torna fulcral a atividade do jurista no sentido de for- ideológico de validação de normas de maneira acríti-
mação e criação da decisão, buscando outras fontes ca, sem questionamentos acerca dos conteúdos valo-
para solução de conflitos. rativos que veicula. Todo e qualquer conteúdo pode
O criticismo jurídico também não aceita a ideia ser direito, nas palavras do próprio Kelsen(29); assim,
de completude legal, autossuficiência e pureza do or- até mesmo a ordem de extermínio de pessoas é uma
denamento jurídico, asseverando que é impossível ao ordem válida e deve ser cumprida.
legislador prever todas as hipóteses fáticas no texto Cumpre ainda destacar que o positivismo jurídico
da lei, esvaziando-as do seu conteúdo axiológico e sustenta que a segurança jurídica é imprescindível à
desvinculando-as da discussão sobre a ética. A teoria convivência social, devendo existir previsibilidade e
rechaça ainda os axiomas de neutralidade e objetivi- estabilidade nas relações sociais como condição para
dade do jurista, aduzindo que toda norma é norma a própria civilização. Este entendimento foi refutado
interpretada – superação do paradigma in claris ces- pela teoria crítica com escólio no paradigma de que
sat interpretatio – ao mesmo tempo em que informa a segurança não é o contraponto da justiça; muito
que todo ser humano conduz ao contexto interpre- ao revés, o direito justo pressupõe a existência de
tativo suas idiossincrasias e observa o mundo sob o uma ordem social, degrau indispensável a qualquer
seu prisma valorativo. A segurança jurídica, portan- aperfeiçoamento ético. Desta sorte, o poder criativo
to, deve ceder lugar à efetivação da justiça. conferido aos juízes, demais juristas e intérpretes não
significa relativização de valores éticos, mas abertura
Dessa maneira, faz-se imprescindível a tomada potencial de concretização de direitos fundamentais
de consciência na percepção de uma abordagem nas hipóteses em que a norma não é instrumento idô-
dialética que articule, portanto, o trânsito entre neo para tanto.
o discurso teórico e a prática jurídica. Sobremo- A teoria crítica floresceu na Europa especialmen-
do, envolve a constatação da impraticabilidade de te nas décadas de 1970 e 1980. Na França, com uma
uma ciência jurídica neutra, que expulsa de suas tônica marxista capitaneada por Althusser; na Alema-
concepções a questão axiológica(28). nha, pela Escola de Frankfurt, da qual são expoentes
Horkheimer, Marcuse, Adorno e, em momento pos-
O positivismo jurídico também recebeu críticas terior, Jürgen Habermas. No Brasil, a teoria crítica
em face de sua pretensão de cientificidade e de neu- somente teve espaço para a discussão de suas teses
tralidade que em verdade encobriam um posicio- após o fim da ditadura militar, no final da década de
namento ideológico conservador e mantenedor das 1980. O governo ditatorial estava fundado na visão
forças políticas hegemônicas. Critica-se sobremanei- dogmática e positivista e não permitia entrechoques
ra a redução normativista, sob fundamento de que ou discordâncias, de modo que a seara jurídica se tor-
a ordem jurídica deve ser compreendida como um nou extremamente conservadora e tradicional, neste
conjunto de valores, voltada à interdisciplinaridade e período. Após a abertura política e a promulgação da
sua relevante contribuição para elaboração de juízos Constituição Federal de 1988, foi possível a adoção
axiológicos sobre a justiça dos acontecimentos e das de uma nova postura pelos juristas, menos legalis-
condutas humanas. O direito, portanto, não pode ser ta, cientificista e formalista e voltada ao atendimento
vislumbrado apenas como um instrumento de con- das demandas sociais. É neste contexto, por excelên-
formação do intérprete à ordem política estabelecida, cia, que se busca a realização do ideário do Estado
mas como um instrumento de transformação desta, social e democrático de direito.

(28) WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução ao pensamento jurídico crítico. 2. ed. São Paulo: Acadêmica, 1995, p. 31.
(29) KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 221.

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