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ASSOCIAÇ ÃO DE ENSINO E CULTURA DE M ATO GROSSO DO SUL

mantenedora das

FACULDADES INTEGRADAS DE TRÊS LAGOAS

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Introdução a História e Estudo do Direito

Idade Média, Direito Canônico e Iluminismo

1. Introdução

Idade Média iniciou com a queda do Império Romano, em 476, e

findou com a queda de Constantinopla, em 1453, quando surgiu a Idade Mo-

derna. Trata-se de um período marcado pela ausência estatal, pelo direito fra-

gmentado e pela presença da Igreja em todos os aspectos da vida social.

Diante da ausência de um Estado forte, que impusesse o direito

por meio de uma legislação fixa e abstrata, dois fenômenos foram particu-

larmente importantes: a) entre outras instituições que tiveram relativa liber-

dade para florescer, destacou-se a Igreja Romana, que foi responsável por re-

gulamentar todos os aspectos da vida em sociedade, até mesmo o direito; b)

a ordem jurídica foi formada pelo direito consuetudinário, o direito romano,

o direito canônico e o direito específico dos povos.

A Igreja tornou-se uma instituição extremamente poderosa: adqui-

riu uma grande quantidade de terras, elaborou o direito canônico e foi res-

ponsável pelos julgamentos ocorridos na inquisição. Pode-se dizer que, e em-

boa parte, a civilização medieval foi criada pela Igreja Romana, que regula-

mentava desde os pequenos fatos do dia-a-dia até os direitos de família e das

sucessões, de acordo com os interesses do papa e sob o rótulo da vontade

divina.

É nesse contexto que o direito se desenvolve durante a IdadeMé-

dia: tendo como base as leis divinas e um Estado ausente, que caminhava

junto da Igreja.

1. Estado Direito e Religião


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A Idade Média foi inaugurada por um vazio estatal decorrente da crise

da estrutura do Estado Romano ocorrida no século IV. Houve uma “carência de

toda vocação totalizante do poder político, sua incapacidade de se apresentar

como fato global e assimilador de todas as manifestações sociais, sua realização

nos acontecimentos históricos medievais cobrindo apenas certas áreas das rela-

ções intersubjetivas”.

Essa ausência estatal abriu espaço para que a religião regulamentasse

diversos aspectos que caberiam ao Estado, fortalecendo as estruturas religiosas

da época – mesmo porque a maior força da época, a única soberana, era Deus.

No vazio deixado pela ausência do Estado, munida de sua mensagem

de salvação, de seu vigor econômico cada vez mais crescente, das suplências so-

ciopolíticas e culturais de que firmemente se investir cada vez mais, a Igreja foi

uma presença viva, eficaz e abrangente, graças também a uma organização paro-

quial bastante articulada e universalmente difundida, que conseguia penetrar até

nos mais remotos recessos rurais. A Igreja inseriu-se no costume, absorveu-o,

mas também o plasmou.

Não só a religião, como outras estruturas autônomas tiveram liber-

dade de desenvolvimento durante a Idade Média. Todavia, isso não implicou,

por si só, na total independência entre essas esferas, pelo contrário, todo o medi-

evo esteve permeado pela ideia de hierarquia.

A ordem jurídica se relacionava com a “pluralidade e variedade das

forças que compõem a sociedade civil”, era o “terreno de confluência de forças

diversas, resposta às exigências objetivas dos homens e das coisas, e não o artifí-

cio preestabelecido nem pelo estamento dos proprietários nem pelos detentores

do poder”.

Havia um pluralismo jurídico no medievo, uma “situação em que dis-

tintos complexos de normas, com legitimidades e conteúdos distintos, coexistem


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no mesmo espaço social”. Esse pluralismo era formado pelo direito comum

(muito afetado pelo direito romano), o direito canônico e os direitos próprios.

Esse direito comum era subsidiário, somente aplicado pelo juiz nos

casos em que o direito próprio apresentava lacunas. Por “direito próprio” quer-

se dizer a realidade plural formada pelos direitos dos reinos, os estatutos das

cidades, os costumes locais e os privilégios territoriais ou corporativos.

Durante o início da Era Medieval, a ausência de um Estado forte im-

plicou na impossibilidade deste de utilizar do direito como a habitual ferramenta

de poder. A ordem jurídica foi deixada de lado e regulou-se tendo por base as

relações vividas pelos indivíduos em sociedade.

O direito comum era variável e formado por ordens abertas e flexíveis,

sendo que “cada ordem era um tópico cuja eficácia deveria ser provada, cabendo

ao juiz fornecer solução arbitrativa para tanto”. As populações eram regidas pe-

las próprias leis, “pelas regras jurídicas de seu povo, raça, tribo ou nação” (prin-

cípio da personalidade do direito).

Diante da ausência de Estado e de um direito regulamentado por ele,

a única orientação e fonte de regras era a “natureza das coisas físicas e sociais, na

sua estabilidade meta-humana”. Assim, a historicidade era uma característica do

direito da época, que, por não sofrer influências burocráticas, seguiu o fluxo his-

tórico.

A ordem jurídica era, portanto, um conglomerado de ordenamentos

eventualmente incompatíveis, o que gerava a preocupação em harmonizá-los. O

papel de equilibrá-los cabia ao juiz, caso a caso, guiado pelos princípios gerais.

Podemos citar como características da Idade Média: a) o pluralismo de

jurisdições; b) a rejeição da legislação pelo desuso; c) a ideologia do direito natu-

ral como controle substancial de leis abusivas; d) a subordinação do superior aos

direitos tradicionais dos inferiores; e) o costume como fonte do direito (podendo


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a lei corrigir os costumes irracionais ou desarrazoados); f) o impedimento de in-

teresses particulares como justificação de decisões relativas a um grupo.

2. Direito Canônico

O direito canônico apresentou uma evolução gradual, de acordo com

os poderes adquiridos pela Igreja. Teve suas raízes no século IV, quando o impe-

rador Constantino possibilitou o exercício da jurisdição do papa sobre os fiéis.

No século V, a Igreja adquiriu jurisdição privativa sobre os clérigos e, no século

X, obteve jurisdição privativa sobre todas as matérias relacionadas aos sacramen-

tos.

No entanto, até o momento, a autoridade religiosa era muito mais mo-

ral do que jurídica: somente a revolução institucional operada por Gregório VII

– papa entre os anos 1073 e 1085 – operou uma mudança nesse panorama. Com

a reforma gregoriana, o direito canônico tornou-se mais burocrático, formal e

com propósitos determinados; a reforma foi rápida, total, universal e socioeco-

nômica.

Dentre as características do direito canônico à época, pode-se citar: a)

o repúdio às ideias de igualdade formal e rigorismo formalístico ; b) a dicotomia

ente ius divinum e ius humanum; c) possibilidade de aplicações diversas para a

mesma norma; d) Deus como garantia da ordem; e) importância da equidade (ae-

quitas); f) auxiliou na criação do ius commune; g) gerou novas penas, como a

“perda de função, confinamento em mosteiro, prisão e prática de obras de cari-

dade”; As diferenças entre ius divinum e ius humanum podem ser explicitadas

conforme a tabela abaixo:


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Grossi afirma que o direito canônico apresentava duas fontes básicas:

a Revelação (o que Deus revelou nas Sagradas Escrituras) e a Tradição (o que

Deus revelou por intermédio dos Apóstolos e foi conservado pela Igreja).

A aequitas apresentava a importante função de fonte e princípio do

direito. Pode-se dizer que “a equidade é fonte e origem da justiça”; “é aquela

harmonia de fatos que exige igual tratamento jurídico para causas iguais”; “nada

mais é do que Deus”; “torna-se justiça no momento em que a vontade humana

se apropria dela. Se essa vontade se concretiza em preceitos (escritos ou transmi-

tidos oralmente pelo uso), é qualificada como direito”.

Segundo Grossi, a aequitas estava presente nas coisas e se projetava

nos homens; devia ser retirada do mundo fático, interpretada e reduzida a pre-

ceitos. Tinha como objetivo garantir a igualdade substancial, de situações de fa-

tos, mas acabou por possibilitar que o próprio intérprete criasse a norma.

O direito canônico apresentou institutos muito criticados, dentre eles

a dissimulatio e a tolerantia, as quais possibilitavam uma espécie de flexibilização

das normas de acordo com as circunstâncias do caso – “as fundações pastorais

da equidade canônica impõem a desigualdade formal e o escândalo aparente do

pecador ‘tolerado’ e do justo ‘punido’”.

Além desses institutos, havia também uma flexibilidade por meio da

ideia de “graça”, afinal, o direito estava abaixo do reino dos céus. Os únicos ca-

pazes de praticar atos de graça (que modificavam a ordem estabelecida) eram os


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príncipes, na qualidade de representantes de Deus na terra. Ao imitarem a graça

de Deus, os príncipes flexibilizam a ordem humana:

Enquanto senhor da graça, o príncipe:

• Introduz novas normas (potestas legislativa) ou revoga antigas nor-

mas (potestas revocatoria);

• Torna pontualmente ineficazes normas existentes (v. g., desobri-

gando a lei);

• Modifica a natureza das coisas (v. g., emancipando menores, legiti-

mando bastardos, concedendo títulos nobiliárquicos a plebeus);

• Reformula e redefine aquilo que é devido a cada um (v. g., distribu-

indo recompensas ou mercês).

No entanto, a graça não era uma liberdade absoluta, pois estava limi-

tada à necessidade, utilidade pública, salvação ou justiça. Também deveriam ser

observados a equidade, a boa-fé, a justa razão e a indenização aos afetados. O

final do século XI inaugurou a nova fase das “coleções canônicas” – coletâneas

de textos que sistematizaram as ideias e dogmas religiosos ao longo do tempo.

Sobre esse período da história, explica Paolo Grossi:

‘E depois, o novo século, com toda a carga de novidade de que é por-

tador: de um lado, uma Igreja que sai vencedora da controvérsia com o Império,

mais desejosa ainda de definir-se como ordenamento jurídico, de produzir um

direito não mais ofuscado na teologia como aquele que – no início – servira de

maneira notável à luta contra os heréticos; de produzir um direito com a mesma

qualidade técnica do direito civil e, portanto, dotado de força expansiva em toda

a sociedade; de produzir – orientar e condicionar – um valioso instrumento de

controle da vida social; de outro lado, um renovado fortalecimento cultural que

já é patrimônio difuso; uma reflexão jurídica que não é mais uma manifestação
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imprecisa de empiristas, mas análise científica, racional, rigorosa, solidamente

fundada.”

Em 1140, Graciano elaborou o “Concordia Discordantium Canonum”,

mais conhecido como o “Decreto”. Tratava-se de uma coleção canônica de siste-

matização orgânica, com mais de 3.800 textos, os quais contavam com seus co-

mentários pessoais. A partir do método escolástico, Graciano organizou, hierar-

quizou e expressou os princípios para eliminação de antinomias, utilizando-se

de quatro critérios: a) ratione significationis; b) ratione temporis; c) ratione loci;

d) ratione dispensationis. Tal obra revolucionou a Igreja e fez sucesso na Europa,

pois consistiu na primeira obra semelhante ao Corpus iuris, a contemplar todo o

direito canônico – além de ter servido como arma para a política teocrática do

Pontificado romano.

Posteriormente, surgiram as decretais, consistentes em decisões do

Pontífice que tinham por objeto notadamente a aequitas, que se tornou princípio

geral e fonte formal do direito. Segundo Lopes, “eram vereditos ou decisões de

casos concretos ou de consultas que se tornavam normas gerais”. Após as Decre-

tais de Gregório IX (que elaborou um compilado de tudo que havia sido produ-

zido em direito canônico desde Graciano), houve uma constante burocratização

da Igreja, com divisão de competências e de jurisdição e limitações do objeto do

poder. Nesse contexto, houve uma racionalização do processo civil canônico, que

passou a contar com as seguintes novidades: a) introdução da escrita e perda da

oralidade e imediatidade da investigação; b) notário como oficial do tribunal; c)

divisão clara das fases processuais; d) surgimento do advogado; e) abolição das

provas irracionais (em 1215); f) inserção da ideia de que a investigação visa ao

convencimento judicial; g) introdução dos princípios de aceitabilidade das pro-

vas (probabilidade, relevância e materialidade); h) poderes investigatórios do

juiz; i) sistema da prova legal (juiz é obrigado a valorar a prova de acordo com a
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lei). Quanto à sentença e à coisa julgada no direito canônico, em artigo que tem

por objeto a análise dos efeitos da sentença canônica e dos institutos que podem

ser compatibilizados com o processo civil atual, Eduardo Talamini explica que

foi apenas com a estabilização do direito canônico por meio do Decretum que

houve a diferenciação entre sentença e coisa julgada no direito canônico: Por-

tanto, foi depois da "estabilização" do direito canônico com o Decretum que se

veio a esboçar o princípio da permanente possibilidade de determinadas causas

serem revistas.

Coube aos glosadores do Decretum, às decretais de Papas posteriores

e às obras de outros doutrinadores essa tarefa. Foi então que se formulou o con-

ceito de transitus in rem iudicatam, "trânsito em julgado", "passagem em jul-

gado". É que, até esse momento, res iudicata era noção que se identificava com a

da própria sentença ou, quando menos, com o efeito essencial de qualquer sen-

tença. No instante em que se começaram a conceber sentenças que não eram imu-

táveis, já não era mais possível a identificação entre as duas categorias.

Daí a distinção entre a sentença, considerada em si mesma, e a "passa-

gem em julgado", consistente na condição de irrevogabilidade, que não precisa

estar presente em todas as sentenças. Eis uma das principiais contribuições do

processo canônico para o instituto da coisa julgada. Com a distinção, reconhecia-

se a existência de um momento formal em que a sentença adquire a força de coisa

julgada - momento esse que não se identifica necessariamente com o do surgi-

mento da própria sentença. Mais do que isso, estabelecia-se que nem toda sen-

tença definitiva precisaria revestir-se dessa eficácia. O conceito de "trânsito em

coisa julgada" foi rapidamente assimilado pelos juristas do ius civile.

Segundo o autor, o direito canônico trouxe várias contribuições ao di-

reito processual civil, dentre eles a querela nullitatis – ação que visa à declaração

de nulidade da sentença e cujas hipóteses de cabimento foram consideravelmente


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ampliadas pelo direito canônico. Frise-se que a inquisição medieval foi uma ex-

ceção a esse cenário positivo do processo canônico. Instituída para combater as

heresias crescentes durante os séculos XII e XIII, a inquisição consistiu em um

tribunal de exceção, no qual o inquisidor, munido de um mandado especial de

Roma, sobrepujava o poder local do bispo e realizava julgamentos sem observar

o contraditório. Dentre outros fatores, a ocorrência da inquisição foi facilitada

pela influência da Igreja sobre o Estado: “Em uma época em que o poder da Igreja

estava de tal forma imbricado ao poder do Estado, confundindo-se com este em

alguns casos, todas as rebeliões e manifestações políticas assumiam caráter reli-

gioso e eram combatidas por um sistema de repressão especificamente montado,

com o objetivo de justificar a existência da própria instituição eclesiástica. Por

outro lado, a Inquisição espanhola foi citada como um exemplo claro na perse-

guição de adversários políticos ameaçadores do seu poder e de sua riqueza.”

Assim, fazendo um breve resumo o esforço da Igreja em constituir um

ordenamento normativo encerrou-se com as Clementinae, sendo que a fonte do

direito canônico até 1917 foi o Corpus Iuris Canonici, um aglomerado de fontes

oficiais e extraoficiais.

Havia um sistema jurídico pluralista e hierarquizado, formado pelo

direito comum (basicamente consuetudinário e romano), pelo direito canônico e

pelo direito dos povos. O soberano era Deus, representado na terra pelos prínci-

pes, que eram responsáveis pela interpretação das normas fornecidas pelo

mundo fático.

Com as graduais evoluções da vida em sociedade, o direito passou por

uma transformação, notadamente no fim do século XI, com a utilização da ciência

e dos juristas para a organização e sistematização do conhecimento jurídico. O

direito canônico também foi revolucionado com o passar do tempo, caracteri-

zando-se pela burocratização e flexibilização das normas.


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O direito passou a contar com alguns “apanhados” de normas – como

o Corpus Iuris (de origem romana), o Decreto de Graciano, as Decretais de Gre-

gório IX e o Corpus Iuris Canonici (estes últimos de natureza canônica) – e com

a participação ativa dos juristas (glosadores e comentadores) na interpretação do

direito. A partir do século XII, a Igreja passou pelo período da inquisição, em que

lutava contra a gradual perda de poder através da punição severa de supostas

heresias. A Idade Média teve seu fim sem que tal panorama fosse alterado, dei-

xando como legado para a Idade Moderna a confiança na razão humana prove-

niente de São Tomás de Aquino, que deram origem, respectivamente, à laicidade

e ao individualismo da época moderna.

3. Iluminismo

Uma definição inicial do iluminismo ser dada por um dos mais impor-

tantes pensadores desse movimento, o filósofo alemão Immanuel Kant (1724 –

1804).

“O iluminismo representa a saída dos seres humanos de uma menori-

dade que estes mesmos se impuseram a si. (…) Sapere aude! [Ouse saber!] Tem

coragem para fazer uso da tua própria razão!”

Nesse pequeno trecho é possível extrair um dos pontos mais marcan-

tes desse período, a razão. O próprio nome do movimento nos remete a luz – não

é à toa que esse período é conhecido como “Século das Luzes” -, que pretende se

contrapor a herança medieval que ficou conhecida como “Idade das Trevas”,

quando todo o conhecimento era subordinado à religião.


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O que foi o Iluminismo?

O Iluminismo se iniciou como um movimento cultural europeu do

século XVII e XVIII que buscava gerar mudanças políticas, econômicas e sociais

na sociedade da época. Para isso, os iluministas acreditavam na disseminação do

conhecimento, como forma de enaltecer a razão em detrimento do pensamento

religioso. Vale ressaltar que os iluministas não eram ateus, porém, eles acredita-

vam que o homem chegaria a Deus por meio da razão.

Grandes pensadores, de diversas áreas, fizeram parte dessa corrente

com o intuito de acelerar o progresso da humanidade. O precursor do ilumi-

nismo René Descartes (1596 – 1650), considerado o pai do racionalismo, disser-

tou em sua obra “Discurso do Método”, que para se compreender o

mundo, deve-se questionar tudo. Essa nova forma pensar se opunha ao raciocí-

nio da época, já que naquele período histórico, os governos autoritários e a igreja

católica não permitiam questionamentos.

O pensamento iluminista foi importante para o desenvolvimento

da ciência e do humanismo – que pregava a centralidade e racionalidade hu-

mana. Várias obras foram desenvolvidas nesse período, e uma em especial sinte-

tizava a ideia de disseminação do conhecimento pregada pelos iluministas: a En-

ciclopédia.

A Enciclopédia, editada por Denis Diderot (1713 – 1784), continha mi-

lhares de artigos e ilustrações de diversos cientistas, filósofos e pesquisadores de

campos de conhecimentos distintos. Essa obra teve 35 volumes e foi muito im-

portante na exposição dos conhecimentos humanos em um formato ordenado

e metódico, com o intuito de apresentar uma alternativa aos ensinamentos im-

postos pela religião.

Os iluministas também questionavam os poderes absolutistas dos go-

vernos, pregando assim maiores liberdades individuais e políticas. Na economia,


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não foi diferente, nesse período, as ideias desenvolvidas por Adam Smith (1723

– 1790) foram aceitas como uma forma de substituir o modelo mercantilista, pois

os iluministas tinham uma crença em que esse novo meio econômico seria ideal

para um maior progresso, liberdade e justiça social.

Por fim, esse movimento também merece ser lembrado pelas conside-

ráveis conquistas nos âmbitos sociais e nas liberdades individuais, pois a sua

crença buscava uma maior igualdade entre as pessoas, pondo um fim nas socie-

dades estamentais – estrutura social em que não era permitido ascensão social e

cada grupo tinha a sua função para a sociedade pré-determinada. Além disso, os

ideais iluministas acabaram guiando diversas nações para o fim de governos ab-

solutistas e para a busca da independência dos países que ainda estavam sob

controle de uma nação estrangeira.

Qual o contexto do surgimento desse movimento?

Naquele período, a Igreja Católica era detentora do conhecimento e a

sua forma de pensar era soberana. Não havia linhas de pensamento alternativas,

pois o clero fazia questão de impor as suas doutrinas religiosas para todos os

cidadãos.

O domínio dos católicos na sociedade europeia foi herdado da Idade

Média, período no qual a doutrina posta era teocêntrica. Entretanto, desde Gali-

leu Galilei (1564 – 1642), considerado o “pai da ciência moderna”, que descobriu

que a Terra não era o centro do universo, o conhecimento eclesiástico começou a

perder o seu domínio.

Nesse contexto, em que o pensamento científico vinha ganhando

forma e seguidores após Galileu, o Iluminismo incorporou a ciência como um


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forte alicerce para os que defendiam uma maior racionalidade no desenvolvi-

mento intelectual.

Ainda sobre religião, na época, não existia liberdade religiosa, as-

sim os cidadãos eram induzidos a crer na religião única do Estado em que vi-

viam. As outras formas de expressão de fé eram taxadas como “erradas”, por não

seguirem os preceitos estabelecidos pela religião oficial. É, a partir desse cenário,

contrariados pela restrição da liberdade religiosa, que os iluministas defenderam

a livre escolha de crença pelos indivíduos, podendo até escolher não tê-la.

Na política, o Absolutismo, que garantia poderes ilimitados aos seus

governantes, foi um dos grandes alvos do movimento iluminista. Assim como o

controle religioso, essa forma de governo também foi herdada da Idade Média,

ela consistia em nobres governando e vivendo às custas da população, com a

benção dos religiosos.

O povo acabava se subjugando a esse formato de governo, seja pelo

medo ou pela crença religiosa, e ainda ficavam como responsável por pagar im-

postos e trabalhar para que os nobres e o clero aproveitassem os seus diversos

privilégios.

Os debates sobre essa forma de se governar foram se acentuando com

o avanço do movimento Iluminista. Inclusive, foi um dos mais renomados inte-

lectuais iluministas, Montesquieu (1689 – 1755), que através do seu livro “Espí-

rito das Leis”, trouxe uma nova forma de pensar o governo. O autor sugeriu a tri-

partição do poder em legislativo, judiciário, e executivo, como forma de evitar

abusos por parte das autoridades.

Na questão econômica, o modelo mercantilista trazia duas questões

determinantes para o contexto daquele momento histórico:


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1) O modelo econômico acabou enriquecendo a burguesia – formada por profis-

sionais liberais e comerciantes -, que com o passar dos anos começaram a questi-

onar a estrutura da sociedade da época;

2) O mercantilismo era um modelo econômico em que o Estado intervia demais,

limitando assim a liberdade dos agentes econômicos em uma sociedade.

Além disso, nesse período surgia um novo economista, Adam Smith,

pregando um modelo econômico mais livre e com uma capacidade de geração de

riqueza muito maior do que era usado até então, o capitalismo.

E com base nesse contexto econômico apresentado, o movimento ilu-

minista se caracterizou por ser contrário ao mercantilismo, pregando assim um

sistema mais livre, racional e justo, na qual existia a possibilidade de ascensão

social por parte dos cidadãos.

Por fim, vale lembrar que o conceito de propriedade privada não es-

tava muito bem estabelecido na Idade Média e foi um ponto importante nos de-

bates iluministas. Entretanto, não havia consenso entre os próprios intelectuais

do movimento, pois John Locke (1632 – 1704) enfatizava o direito natural do ho-

mem a propriedade, ao passo que Rousseau (1712 – 1778) ia na direção oposta,

na qual apontava a propriedade privada como a razão dos males da humanidade.

Quais as suas principais ideias?

Podemos sintetizar as principais ideias iluministas da seguinte forma:

 Valorização do pensamento racional. Os Iluministas consideravam a ra-

zão e a possibilidade de se questionar e investigar como o melhor instru-

mento para se alcançar qualquer tipo de conhecimento;


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 Defendiam os direitos dos indivíduos por acreditarem que todos deve-

riam ter seus direitos naturais, como à vida e liberdade, protegidos;

 Eram críticos aos regimes absolutistas e autoritários, que até então domi-

navam o cenário europeu. Por isso defendiam uma maior divisão do po-

der do Estado;

 Defendiam a liberdade política, econômica e religiosa de todos perante a

lei;

 Criticavam o conhecimento sob controle da Igreja Católica, embora não

fossem contra a crença em Deus;

 Defendiam um novo sistema econômico, em troca do criticado mercanti-

lismo;

 Eram contra todos os privilégios da nobreza e do clero.

Quais movimentos foram influenciados por ele?

Os ideais iluministas foram pontos centrais na Revolução Francesa,

de 1789. Os conceitos de igualdade, liberdade e fraternidade, desenvolvidos pe-

los iluministas, foram aplicados durante o processo revolucionário francês.

A França vivia sob o Antigo Regime, em que o governo era absolutista

e o conhecimento era pautado pelo clero. Não havia liberdade política, econômica

e social. Os burgueses, formados por profissionais liberais, em sua maioria, pa-

gavam altos impostos para sustentar as classes dominantes e não viam nenhuma

possibilidade de mobilidade social, além disso havia também uma população

que sofria pela crise fiscal que assolava o país.

A burguesia conseguiu a adesão das camadas mais populares, especi-

almente a dos camponeses, na revolta contra esse regime obsoleto. Esse momento

histórico foi marcante para a sociedade francesa, assim como para todo o mundo,
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pois ali se via uma grande nação rompendo com uma estrutura social e com o

pensamento oriundo da Idade Média.

Em 1776, a Revolução Americana, que culminou na independência

dos Estados Unidos, também foi inspirada nos ideais iluministas. Os americanos

que viviam sob forte controle britânico começaram a questionar os impostos e a

presença militar em seu território.

Impulsionados pelos ideais de liberdade dos iluministas, os nativos

resolveram expulsar os ingleses após consecutivos problemas originados pelas

leis fiscais criadas para beneficiar os colonizadores. Após a vitória na guerra pela

independência, os Estados Unidos instituíram uma república presidencialista, o

federalismo e as liberdades individuais.

Na primeira eleição, George Washington (1732 – 1799) venceu a vota-

ção e se tornou o primeiro líder americano eleito democraticamente.

No Brasil, diversos movimentos basearam-se nos ideais iluministas,

como foi o caso da Inconfidência Mineira. Os mineiros não queriam mais ficar

sob a tutela dos portugueses, pois assim como ocorreu nos Estados Unidos, eles

estavam cansados da política fiscal dos colonizadores.

Para resolver esse problema, os inconfidentes tinham por objetivo o

rompimento com Portugal. Com o rompimento, eles buscavam fazer a proclama-

ção de sua república, em que deveriam ocorrer eleições, aos moldes de como foi

feito pelos americanos. Além disso, os mineiros também buscavam maiores liber-

dades individuais e um maior investimentos em suas indústrias e universidades.

Um fato interessante, e que mostra o reflexo francês na mentalidade

mineira, está na bandeira que os inconfidentes queriam para o seu novo país. A

bandeira proposta por eles continha a frase latina Libertas quae sera tamen (Li-

berdade ainda que tardia), na qual, posteriormente, acabou sendo inserida com
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um desenho e lema semelhantes para a criação da bandeira do Estado de Minas

Gerais.

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