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Direito Romano I

Conceito
O Direito é uma realidade muito complexa e, por isso, difícil de definir,
pelo que os jurisconsultos romanos nunca o fizeram, defendendo que “em direito
civil, toda a definição é perigosa”. Ainda assim, o ius romanum pode definir-se
como um conjunto de normas ou regras jurídicas que vigoraram no mundo
romano entre 753 a.C. (fundação de Roma) e 565 (morte de Justiniano,
imperador do Império Romano do Oriente).

Desenvolvimento
Uma vez que o DR vigorou ao longo de 14 séculos, encontra-se dividido
em inúmeras fases, que espelham a sua evolução de acordo com as
transformações sociais que se foram registando. Para tal divisão é possível
recorrer-se a vários critérios sendo o critérios jurídico interno o mais adequado:
 Época arcaica (753 a.C. a 130 a.C.);
 Época clássica (130 a.C. a 230);
 Época pós-clássica (230 a 530);
 Época justinianeia (530 a 565).

Época arcaica
Inicia-se com a fundação de Roma e termina com a lex aebutia de
formulis, que introduziu um novo sistema processual, o processo das fórmulas,
substituindo a legis actiones (processo das ações da lei).
Esta época caracteriza-se por uma mistura dos domínios moral, jurídico e
religioso, já que o Direito era aplicado pelos sacerdotes, sendo as instituições
jurídicas rudimentares.

Época clássica
Caracteriza-se pelo alcance da perfeição do Direito e termina em 230,
quando o processo das fórmulas foi substituído pela cognitio extraordinária.
Subdivide-se em 3 etapas:
 Época pré-clássica/época clássica inicial (130 a.C. a 30 a.C.):
caracteriza-se pela ascensão significativa da jurisprudência (ciência do Direito).

 Época clássica central (30 a.C. a 130): a jurisprudência atinge seu


apogeu, registando-se uma estilização da casuística (determinando-se o que é
juridicamente relevante), assim como um equilíbrio entre os casos concretos, os
princípios doutrinais e as regras jurídicas. Também se criaram novas actiones
que permitiram a modernização do ius civile.

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 Época clássica tardia (130 a 230): a jurisprudência começa a dar
sinais de decadência, burocratizando-se e voltando-se para o ius publicum (e, por
isso, dedicando-se excessivamente às questões relacionadas com o aparelho de
Estado).

Época pós-clássica
Caracteriza-se pela decadência generalizada do DR e também se divide em
duas fases:
 De 230 a 395, ano em que o imperador Teodósio dividiu o Império
Romano pelos dois filhos: Honório (Império Romano do Ocidente) e Arcádio
(Império Romano do Oriente). Nesta fase, a jurisprudência foi substituída por
uma ciência do Direito básica e simplista, caracterizada pela confusão de
terminologia, conceitos e instituições.

 De 395 a 530: no Ocidente, o DR vulgarizou-se, o que se confirma


pela simplificação e confusão dos conceitos e pela ausência de elaboração
científica que guiasse a resolução de casos práticos. Já no Oriente, registou-se
uma reação antivulgarista através do regresso à perfeição e ao rigor da época
clássica e da helenização (influência dos princípios filosóficos gregos), sendo
determinantes as Escolas de Constantinopla, Alexandria e Beirute.

Época justinianeia
Teve início em 530, quando o imperador Justiniano encarregou o jurista
Triboniano de elaborar uma compilação jurídica, os Digesta Seu Pandectae, e
terminou em 565, com o falecimento do aludido imperador. É marcada pela
continuação do classicismo e da helenização e, principalmente, pela elaboração
do Corpus Iuris Civilis, a maior compilação jurídica jamais efetuada, que
permitiu que o legado romano em matéria de direito chegasse aos nossos dias.

Iuris Praecepta (princípios fundamentais do direito)


Segundo Ulpianus, jurista romano, há três princípios fundamentais do
direito:
 Honeste vivere: deve-se viver honestamente, atuando não apenas de
acordo com as leis, mas com o sentido do Direito na sua totalidade (art. 344.º do
CC – “Abuso do Direito”);
 Alterum non laedere: não prejudicar os outros;
 Suum cuique tribuere: dar a cada um o que é seu (princípio de
justiça distributiva).

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Ius publicum e ius privatum
Inicialmente, as relações do populus (Estado) eram reguladas pela lex e as
dos cives (cidadãos) pelo ius. Mais tarde, a lex tornou-se a fonte do ius, surgindo
o ius publicum e o ius privatum. O critério dos sujeitos é o que melhor os permite
distinguir:
 Ius publicum: regula a organização política, a res publica, civitas
ou populus, e o funcionamento dos poderes públicos nas relações internas e
internacionais;
 Ius privatum: disciplina as relações entre particulares, ou seja, em
que as partes estão em igualdade.

Ius civile, ius praetorium e ius honorarium


 Ius civile (direito civil): direito próprio de uma civitas (segundo o
princípio da personalidade, cada povo tem o sei direito próprio), sendo que o ius
civile romanorum é o direito que regula a civitas romana. Era formalista e rígido,
regulando sobretudo as relações jurídicas em que intervinha o paterfamilias, que
usufruía do direito na sua plenitude.

 Ius praetorium (direito do pretor): em 367 a.C., criou-se o pretor


urbano, uma magistratura destinada a administrar a justiça entre os cives.
Inicialmente, este apenas verificava se o paterfamilias atuava de acordo com o
ius civile, passando, progressivamente, a interpretá-lo, integrá-lo e corrigir as
suas lacunas, tornando-se mais rigoroso. Entretanto, o pretor urbano começou a
proteger casos não previstos pelo ius civile, surgindo, deste modo, o ius
praetorium, um direito flexível e adaptado aos casos concretos. Surgiu, assim,
um dualismo jurídico entre o ius civile e o ius praetorium, que se manteve até ao
fim da época justinianeia.

 Ius honorarium (direito honorário): era constituído pelo ius não


civile (maioritariamente pelo ius praetorium) e introduzido por edicta dos
pretores urbano e peregrino, dos edis curuis e dos governadores das províncias.

Ius gentium e ius naturale


 Ius gentium (direito das gentes): regulava as relações jurídicas entre
os cives e os peregrinos e entre os próprios peregrinos. Inicialmente, tal era
possível através de tratados e acordos internacionais ou aplicando-se as normas
do ius civile romanorum semelhantes aos direitos civis de outros povos e as
normas consuetudinárias que iam resultando dos contactos comerciais entre os
povos. Em 242 a.C., surgiu o praetor peregrinus, destinado a administrar o ius
gentium, o que acentuou a diferença entre o mesmo e o ius civile.

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Deste modo, o ius gentium é resultado da naturalis ratio (razão natural),
i.e., da realidade objetiva das coisas, e é isso que permite a criação de normas
comuns para povos diferentes.
A partir de 212, quando o imperador Caracala estendeu a cidadania
romana a todo o império romano, passou a aplicar-se apenas o ius civile
romanorum.

 Ius naturale (direito natural): inicialmente, confundia-se com o ius


gentium, já que este era fundamentado através da naturalis ratio. Já a partir da
penetração do cristianismo no Império, o ius naturale passou a ter um conteúdo
teológico, consistindo num sistema ideal de normas que contêm as noções
abstratas de justiça. P.e., idealmente, todos os indivíduos são iguais, pelo que a
escravatura não fazia parte do ius naturale. Trata-se, então, de um direito que
transcende o direito positivo.

Direito objetivo e direito subjetivo


O primeiro é o conjunto de normas jurídicas que disciplinam a vida
humana em sociedade. É neste sentido que surgem o ius civile romanorum, o ius
gentium e o ius romanorum.
Já o segundo corresponde às faculdades ou poderes de atuação
reconhecidos aos particulares pela ordem jurídica (ex: nemo plus iuris – ninguém
pode transferir para outrem mais direito do que teria). Ainda assim, o DR não
oferece uma definição para “direito subjetivo”, sendo que muitas vezes, a
jurisprudência romana utilizou o termo ius num sentido equivalente.

Ius commune e ius singulare


 Ius commune: conjunto de normas jurídicas que têm um caráter
geral, i.e., que são aplicáveis à generalidade das pessoas e das coisas em casos
genericamente pré-fixados.

 Ius singulare: afasta o ius commune, constituindo o conjunto de


normas aplicáveis a uma determinada categoria de pessoas ou coisas. Assim, há
uma ratio iuris (uma razão jurídica) específica que o justifica (p.e., a regra geral
que admite a validade das doações é contrariada pela proibição (invalidade) das
doações entre cônjuges). Estas normas não tinham uma aplicação analógica, já
que não de podiam ultrapassar os limites da utilitas de cada caso (art. 11.º do
CC).

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A República Romana – magistraturas
Os magistrados detinham o poder executivo e o seu cargo não era
remunerado, já que era exercido por honra (honor). Por isso, a carreira política
honorária (magistraturas ordinárias) recebeu a designação de cursos honorum,
que, por ordem decrescente de importância são:
 Censores
 Consules
 Praetores
 Aediles curules
 Quaestores
 Censores: administravam os bens públicos (ager publicus);
organizavam o recenseamento dos cives para efeitos eleitorais, tributários e
militares; e tutelavam a moralidade romana.

 Cônsules: gozam do poder de soberania que lhes permite comandar


o exército, convocar o Senado e as assembleias populares e administrar a justiça
(apenas extraordinariamente a partir de 367 a.C., com a criação do pretor
urbano);

 Pretores: desempenhavam as mesmas funções dos cônsules,


dependendo deles (eram colegas minores). A sua principal função era administrar
a justiça entre os cives (pretor urbano), entre cives e peregrinos e entre os
próprios peregrinos (pretor peregrino). Foram criados por os cônsules estarem na
frente de batalha.

 Edis curuis: fiscalizavam a limpeza da cidade, bem como pesos e


medidas; organizavam o trânsito e o abastecimento de cereais, inspecionavam os
mercados de venda de escravos e gado; regulamentavam os preços e
organizavam espetáculos.

 Questores: começaram por ser apenas auxiliares dos cônsules,


acabando por administrar a justiça criminal e o aerarium (tesouro) público.

Já o ditador é uma magistratura extraordinária, pelo que não pertence ao


cursos honorum. É nomeado por um período máximo de 6 meses em situações de
calamidade pública ou grave crise política pelos cônsules, através de um acordo
(comparativo) ou de um sorteio (sortitio). Concentrava em si todos os poderes,
que exercia com independência (sem qualquer controlo por parte dos restantes
órgãos) e irresponsabilidade (sem responder pelas consequências dos seus atos).

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Os poderes dos magistrados na República Romana
Os magistrados republicanos eram investidos de:
 Potestas: poder de representar o povo romano (populus romanus);
 Imperium: era exercido apenas pelos cônsules, pelos pretores e,
extraordinariamente, pelo ditador e consistia no poder de soberania que permitia:
 Dirigir o governo do Estado:
 Recrutar e comandar o exército;
 Indagar a vontade dos deuses antes de certos atos;
 Administrar a justiça.
 Iurisdictio: poder de administrar a justiça, exercido pelos pretores
nas causas cíveis, pelos edis curuis nas causas de administração das cidades e
pelos questores nas causas criminais.

Os limites dos poderes dos magistrados


 Temporalidade: os magistrados tinham mandatos de 1 ano, exceto
os censores, que exerciam o seu cargo durante 5 anos (e o ditador – 6 meses);
 Colegialidade: dentro de cada magistratura, o poder era repartido,
geralmente por 2 magistrados, podendo um deles vetar as decisões do outro;
 Pluralidade: o poder estava repartido por várias magistraturas, cada
uma com competências próprias;
 Provocatio ad populum: direito de qualquer cive recorrer aos
comitia para impugnar uma pena ou castigo disciplinar imposto por um
magistrado (que não o ditador);
 Responsabilidade: os magistrados respondiam pelos atos que
praticassem contra a lex.

Todos estes limites evitavam abuso e a concentração de poder numa só


pessoa, como ocorrera anteriormente em Roma.

Fontes do ius civile


Trata-se de uma expressão metafórica, já que, em rigor, a fonte é o local
de onde brota a água. A expressão “fontes do direito” pode ter vários sentidos:
 Fontes existendi: são os órgãos que produzem as normas jurídicas
(populus, comitia, concílios da plebe, senado, alguns magistrados, imperador e
jurisconsultos);

 Fontes manifestandi: são os modos de formação das normas


jurídicas (costume, lex rogata, plebiscito, senatusconsultum, edictum dos
magistrados, constituições imperiais, responsum);

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 Fontes cognoscendi: são os textos que contêm as normas jurídicas,
como o Corpus Iuris Civilis.

Fonte manifestandi – o costume


Inicialmente, o DR era constituído por costumes (mores maiorum), sendo
que o povo se regia “sine lege certa, sin iure certo”. Os costumes eram regras
jurídico-religiosas que faziam parte dos valores e crenças da antiga sociedade
romana e que eram reveladas pelos colégios sacerdotais e, mais tarde, pelos
jurisconsultos laicos, na sua tarefa de interpretare. Assim, tratavam-se de
tradições de comprovada moralidade.
Mais tarde, surgiu o consuetudo enquanto regra estritamente jurídica com
as seguintes características:
 Ser uma prática constante;
 Observada durante um lardo tempo pela generalidade das pessoas
que participavam numa determinada relação;
 Observada com a consciência de obrigatoriedade jurídica, como se
se tratasse de uma lei.

Assim, o costume era fundamentado pelo consenso tácito do povo, tal


como acontecia com a lex, pelo que, inicialmente, as leis e os costumes podiam
ser revogados um pelo outro. No entanto, na época pós-clássica, o imperados
Constantino determinou que o costume, embora não devesse ser desvalorizado,
não devia prevalecer sobre a lei, só podendo vigorar na falta dela. Assim, o
costume passou a ter uma função subsidiária1 em relação à lei.

Já o usus tratava-se de um mero hábito de agir não acompanhado da


convicção de obrigatoriedade, pelo que não era um verdadeiro costume.

Fonte manifestandi – a lei


A lex é uma declaração solene com valor normativo do populus romanus
que, nos comitia, aprova a proposta elaborada pelo magistrado e confirmada pelo
Senado. Destarte, trata-se de um acordo entre o povo (que vota), o magistrado
(que propõe) e o Senado (que dá a auctoritas patrum). Além da lex publica,
existia também a lex privata, que disciplina um acordo entre particulares.
A lei pode ser:
 Lex data: é dada por um magistrado a quem foram concedidas essas
faculdades pelos comitia. Geralmente, regulava matérias de caráter
administrativo.

1
Que só intervém na falta do que é principal.

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 Lex rogata: é proposta pelo magistrado à assembleia comicial a que
preside. Depois de aprovada por esta assembleia, o Senado referendava a lei,
concedendo-lhe a auctoritas patrum. A lex rogata tem um processo de formação
faseado:
 Promulgatio: afixação do projeto em local público para que
todos a conheçam;
 Conciones: reuniões em praça pública para discussão do
projeto;
 Rogatio: pedido do magistrado à assembleia comicial para
que o projeto que apresentou seja aprovado;
 Votação: inicialmente era oral, passando depois a ser escrita
e secreta;
 Aprovação: pelo Senado, que lhe confere a auctoritas
patrum, sem a qual a lex rogata não seria socialmente aceite;
 Afixação: no Forum, em tábuas de madeira ou bronze, para
que a lex rogata fosse publicitada.

Estruturalmente, a lex rogata é constituída pelas seguintes partes:


 Praescriptio: prefácio da lei, que compreende o nome do
magistrado proponente, o lugar e data da votação, os nomes da assembleia que
abriu a votação e do primeiro cidadão a votar;
 Rogatio: texto da lei;
 Sanctio: determina em que termo a eficácia da lei é assegurada.
Quanto à sanctio, as leges rogatae podem ser:

 Leges perfectae: declara nulos os atos praticados contra o


disposto na lei;
 Leges minus quam perfectae: impõem penas aos
transgressores, mas ao atos contrários ao disposto na lei não são nulos,
produzindo os seus efeitos;
 Leges imperfectae: não estabelecem qualquer sanção. Ainda
assim, são tuteladas pelo pretor na sua atividade de administração da
justiça.

Em 438, o imperador Teodósio determinou, através de uma constituição


imperial, que, na falta de outra indicação, todas as leis seriam perfeitas.

Fonte manifestandi – o plebiscito


É uma deliberação da plebe reunida nos consílios da plebe, na qual é
aprovada a proposta de um magistrado, o tribunus plebis.

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Inicialmente, não tinha caráter vinculativo e, em 449 a.C., a lex valeria
horatia de plebiscitis atribuiu-lhe vinculatividade entre os plebeus. Já em 287
a.C., a lex hortensia de plebiscitis estendeu a vinculatividade dos plebiscitos aos
patrícios, deixando de haver distinção entre estes e as leis comiciais.

Fonte manifestandi – o senatusconsulto


Trata-se daquilo que o Senado ordena e constitui. Inicialmente, o Senado
não tinha força legislativa, sendo que as suas decisões eram meramente
consultivas (senatus consultum). Já com o Principado, o poder legislativo passou
dos comícios para o Senado, embora, na realidade, a atividade legislativa dos
senadores se tenha acabado por transformar, com o tempo, numa formalidade,
transmitindo apenas a vontade do prínceps.
Uma vez que o Senado desempenhava também outras funções, devemos
apenas considerar fonte manifestandi de DR os senatusconsulta com conteúdo
normativo. Este tinha a seguinte estrutura:
 Prefatio: onde figuravam os nomes do magistrado que convocou o
Senado e dos senadores que contribuíram para a redação, bem como o lugar e a
data;
 Relatio: motivos, proposta e resolução.

Fonte manifestandi – o edicto dos magistrados


Trata-se de um programa em que se anuncia à cidade a situação jurídica
que o magistrado ia tutelar.

Fonte manifestandi – a constituição imperial


É uma lex que manifesta a vontade do imperador e que é emitida por ele.
Teve início no Principado, uma vez que a atividade do Senado passou a tratar-se
de uma mera formalidade e as restantes fontes do ius civile não se encontravam
adaptadas à extensão do império. Já a partir do imperador Adriano, o edictum
perpetuum retirou ao pretor a atividade inovadora, pelo que o prínceps passou a
intervir de modo mais frequente . Já no Dominado, a constituição imperial
passou a ser a única fonte de direito.
Espécies de constituições imperiais:
 Edicta: disposições gerais do imperador ao abrigo do ius edicendi
(direito de decretar);
 Decreta: sentenças do imperador aplicáveis a casos concretos de
primeira instância e apelação, acabando por ser aplicadas a casos análogos;
 Rescripta: respostas do imperador a consultas que lhe eram
dirigidas por magistrados, funcionários ou particulares;
 Mandata: instruções imperiais em matéria administrativa.

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As constituições imperiais serviram de base para muitos institutos e
princípios da Época Justinianeia, fazendo parte do direito moderno.

Fonte manifestandi – jurisprudência


Era a ciência do direito, sendo que os iurisprudentes revelavam
(interpretare), desenvolviam e adaptavam o direito às circunstâncias da vida.
Assim, os iurisprudentes não eram apenas conhecedores, mas também criadores
de direito. A iurispruentia tinha as seguintes funções:
 Respondere: resolver casos práticos através de pareceres, a
responsa, dados a particulares ou a magistrados. Era a função mais importante;
 Cavere: aconselhar os particulares acerca da realização de negócios
jurídicos;
 Agere: aconselhar os particulares em matéria processual.

Inicialmente, esta atividade cabia aos pontífices, que interpretavam os


costumes, mas, a partir de 300 a.C., a jurisprudência começou a laicizar-se,
atingindo o seu apogeu na Época Clássica, durante a qual se destacaram duas
Escolas: a Escola Sabiniana, que foi fundada por Capito e cujo jurisconsulto mais
célebre foi Sabinus, e que era conservadora, tradicionalista e cautelosa; e a
Escola Proculeiana, fundada por Labeo e que deve o seu nome a Proculus, sendo
audaciosa e inovadora. P.e., em Roma, para se determinar a capacidade de agir,
i.e., de praticar atos jurídicos por si próprio, recorria-se ao critério da puberdade.
Para determinarem quando esta ocorria, os sabinianos defendiam a inspeção
corporal e os Proculeianos, de modo a evitarem a variabilidade, fixaram-na nos
12 anos para a mulher e 14 anos para o homem.

Fonte manifestandi – Corpus Iuris Civilis


Concretizado pelo imperador Justiniano, trata-se da reunião, num só
corpo, dos iura (soluções jurisprudenciais) e das leges. Recebeu este nome em
1583, quando Godofredo publicou uma edição em Genebra. Assim, não se trata
de uma codificação no sentido moderno (não tem um índice sistemático), ma de
uma obra unitária e orgânica que compila fragmentos de fontes e épocas
diferentes.
O Corpus Iuris Civilis visava responder exigências de tempo em que foi
elaborado, sobretudo as de culminar com as divergências acumuladas pela
iurisprudentia ao longo dos séculos, a dificuldade em compreender a anterior
produção legislativa e jurisprudencial, entre outras. A obra encontra-se dividida
nas seguintes partes:

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 Institutiones: manual elementar de DR destinado aos estudantes que
iniciavam o seu estudo. Tem por base obras anteriores, especialmente as
“Institutiones” de Gaius, jurista clássico, e foi elaborado por Triboniano, Teófilo
e Doroteu, adquirindo força de lei ainda no ano da sua publicação, 533, por uma
constituição de Justiniano. Compreende 4 livros, que se dividem em títulos e
estes em parágrafos.

 Digesta ou pandectae: compilação de fragmentos de obras de


jurisconsultos clássicos, como Ulpianos. Foi elaborado por uma comissão
nomeada por Justiniano e presidia por Triboniano, que estava autorizado a
proceder às modificações necessárias, as interpolações. A obra foi publicada e
obteve força de lei em 533 através de uma constituição de Justiniano e
compreende 50 livros divididos em títulos, estes em fragmentos e, desde a Idade
Média, estes em parágrafos.

 Codex: compilação de leges (constituições imperiais) desde


Adriano até Justiniano, que obteve força de lei através de uma constituição de
Justiniano no mesmo ano da sua publicação, 534. Inclui 12 livros que se dividem
em títulos e estes em leis ordenadas cronologicamente.

 Novellae: compilação de constituições imperiais promulgadas após


o códex, embora não se trate de uma compilação oficial.

O CIC permitiu transmitir o DR às gerações vindouras ao longo de


séculos, servindo de base para o direito moderno.

As fontes existendi das fontes manifestandi


 Costume – povo;  Edicto dos magistrados – magistraturas;
 Lei – comícios;  Constituições imperiais – imperador;
 Plebiscitos – consílios da plebe;  Iurisprudentia – jurisconsultos.
 Senatusconsultum – Senado;

Defesa dos direitos


Os direitos subjetivos destinam-se a serem exercidos na prática, no
entanto, não dependem unicamente da vontade dos seus titulares. P.e., o credor
tem o direito de receber o seu crédito, mas depende da vontade do devedor
cumprir a sua obrigação.
Assim, para a defesa dos direitos, inicialmente vigorou um sistema de
tutela privada de direitos, através da autodefesa de autotutela de direitos,
recorrendo-se à força para se obter a satisfação de um direito que foi violado ou

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ignorado. No entanto a tutela privada de direitos subjetivos era ineficaz, já que,
perante a agressão, prevalecia o mais forte e, muitas vezes, caía-se na injustiça ou
desproporção.
Deste modo, foram-se fixando limites ao exercício da tutela privada de
direitos, procurando-se averiguar se o direito desrespeitado existia realmente e
proibindo-se atos considerados delituosos.
No entanto, a autodefesa, que consiste na faculdade de repelir pela
violência qualquer agressão antijurídica, nunca deixou de ser permitida pelo DR,
considerando-se compreendida pelo direito natural. Também a autotutela, que
consiste em procurar a satisfação de um direito através de meios próprios,
continuou a ser admitida em determinados casos. Tal constituía numa exceção ao
princípio da proibição da violência, que se foi impondo, obrigando à submissão
dos litígios à decisão da autoridade pública. Destarte, à medida que o DR foi
evoluindo, a justiça privada foi dando lugar à justiça administrada pela
autoridade pública.

A ação (actio) e o direito (ius)


Modernamente, a actio é o ato que assinala o início de um processo. É o
instrumento jurídico que permite a uma pessoa obter a tutela de um direito
subjetivo previamente reconhecido pelo ordenamento jurídico (actio civilis/actio
in ius concepta) ou de uma situação de facto que o magistrado considerou digna
de proteção jurídica (actio praetoria) no seu edictum.
Segundo Celsus, a ação é o direito de perseguir judicialmente o que é
devido a alguém.

Ação civil (actio civilis) e ação honorária (actio honoraria) pretória ou edilícia
Esta classificação baseia-se na fonte da tutela jurídica consubstanciada
pela actio:
 Actiones civiles: são outorgadas pelo ius civile;
 Actiones honorariae: são concedidas pelos magistrados na sua
função de administrar a justiça, tutelando situações que o ius civile contemplava
de modo demasiado restrito ou não contemplava. Estas incluem:
 Actiones praetoriae: concedidas pelo pretor;
 Actiones aediliciae: concedidas pelos edis curuis, como a
actio redhibitoria.

Ação real (actio in rem) e ação pessoal (actio in personam)


Esta distinção baseia-se no direito subjetivo que é tutelado pela actio.
As actiones in rem protegem direitos reais, i.e., direitos sobre coisas,
assim como faculdades que derivam de relações familiares e direitos sucessórios.

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Estas afirmam absoluta e categoricamente o direito que protegem, pelo que
podem ser instauradas contra qualquer pessoa que o lese. Exemplos:
 Reivindicatio: permite a proprietário recuperar a posse de uma res
que lhe pertence, instaurando esta actio contra qualquer pessoa que o prive da
coisa;
 Heriditatis petitio: permite ao herdeiro reclamar os bens
hereditários, instaurando esta actio contra qualquer pessoa que ocupasse ou se
apoderasse desses bens.

Já a actio in personam só pode ser instaurada contra quem assumiu um


oportere (uma obrigação/um dever). Assim, o demandado tem que se ter
obrigado, por contrato ou delito, a dare, facere ou praestare. Protege, então, um
direito relativo (direito que só pode ser exercido contra determinada pessoa).
A distinção, no DR, entre actiones in rem e in personam está na base de
atuais conceitos de direito real e direito pessoal ou de créditos:
 Direitos reais: são direitos sobre coisas. Tratam-se de direitos
absolutos, i.e., podem ser invocados contra qualquer pessoa, e a sua satisfação
não depende da cooperação de terceiros. Corresponde a uma obrigação universal
e negativa, um non facere.
 Direitos pessoais ou de crédito: são direitos relativos, cuja
satisfação depende da cooperação do devedor. A obrigação correspondente a
estes direitos pode ter conteúdo positivo (dever de realizar um determinado ato)
ou negativo (dever de abstenção de um determinado ato).

Ação de boa fé (actio bonae fidei) e ação de direito estrito (actio stricti iuris)
A sua distinção corresponde, no âmbito do direito das obrigações, à
oposição entre contratos de boa fé e contratos de direito estrito. Os primeiros
produzem obrigações cujo conteúdo não está rigorosamente determinado pela lei
ou pelo acordo entre as partes, sendo que o devedor é obrigado a tudo o que de
boa fé se exige a uma pessoa honrada, leal e fiel. Os segundos geravam
obrigações cujo conteúdo estava bem definido e que deviam ser rigorosamente
cumpridas.
Assim, as actiones que tutelavam contratos de boa fé designavam-se
actiones bonae fidei e as que protegiam contratos de direito estrito designavam-
se actiones stricti iuris.

 Actiones bonae fidei: juiz deve, atendendo às circunstâncias do


caso concreto, precisar o que é que, segundo a boa fé, se podia exigir do
demandado, transformando o incertum no certum. Assim, deve ter em conta as
circunstâncias e o conteúdo da obrigação, dando prioridade ao que se quis fazer e

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não ao que foi dito. Deve, então, apreciar o comportamento das partes de modo a
saber se alguma incorreu em dolo, mesmo sem o demandado invocar a exceptio
doli.
 Actiones stricti iuris: o juiz limita-se a apreciar a existência ou
inexistência de obrigação, observando rigorosamente o pactuado e ignorando
quaisquer circunstâncias relacionadas com o surgimento da obrigação (tidas em
conta na actio bonae fidei), como:
 O dolo: alguém só celebra o contrato porque foi enganado
maldosamente;
 O medo: alguém só celebrou o contrato porque foi coagido;
 Um pacto de não pedir;
 Uma compensação de créditos: o facto de o demandante
também dever algo ao demandado.

Actio directa e actio utilis


A primeira emerge de um contrato de modo a tutelar as obrigações que
dele decorrem. É concedida às pessoas e nas circunstâncias em que foi criada.
A segunda era concedida a pessoas ou em circunstâncias diferentes
daquelas para que foi criada, constituindo uma extensão de outra actio
previamente concedida a outra pessoa ou noutras circunstâncias. Deste modo,
tratava-se de um instrumento através do qual o pretor colmatava as lacunas do ius
civile – um direito por analogia (análogo=semelhante).

Actio directa e actio contraria


A primeira surgia para tutelar as obrigações do demandado nascidas de um
contrato.
A segunda surgia para tutelar obrigações eventuais que não faziam parte
da estrutura necessária do contrato, p.e. para o demandado exigir ao demandante
a indemnização pelas despesas resultantes do desempenho da função a que se
obrigou.

O sistema processual das fórmulas (agere per formulas)


As actiones eram concedidas no âmbito de um sistema processual.
Inicialmente vigorou o sistema da ordem judicial privada (ordo iudiciorum
privatorum) e, depois, o sistema da cognição extraordinária (cognitio extra
ordinem).

Ordo iudiciorum privatorum


Incluiu dois processos distintos.

Margarida Santos DR I – Doutor David Magalhães Página 14 de 43


Primeiramente, o processo das legis actiones, que vigorou durante a época
arcaica e que pautou pela rigidez.
Depois, o processo do agere per formulas, que teve início na época
clássica, primeiro na resolução de litígios entre cives e peregrinos e, depois,
também entre cives. Inicialmente, estes litígios resolviam-se pela via
consuetudinária e, depois, pela lex aebutia de formulis (130 a.C.) e pela lex Iulia
iudiciorum privatorum. Assim, os termos do litígio e a designação do juiz eram
escritos num documento, a formula.
Ambos os processos compreendiam duas fases processuais:
 In iure: era presidida por um magistrado que, depois de ouvir as
alegações das partes na presença de testemunhas, concedia ou não a actio;
 Apud iudicem: era presidida por um juiz privado escolhido pelas
partes ou pelo magistrado, que emitia a sententia após analisar os factos alegados
pelas partes.

Cognitio extra ordinem


Surgiu no Principado para processos especiais nos quais o magistrado
resolvia o litígio diretamente sem a participação de um juiz privado. Ao longo do
tempo, com a concentração de poderes no imperador e a nova organização dos
magistrados, a aplicação deste processo foi-se estendendo, substituindo
paulatinamente o processo das fórmulas.

Fórmula
Era um documento escrito que fixava os termos do litígio e designava o
juiz que deveria condenar ou absolver o demandado consoante se provassem ou
não os factos invocados pelo demandante. Era escrita pelo pretor e incluía
diversas partes:
 Partes ordinárias: são a intentio e a condemnatio e, geralmente,
fazem parte de qualquer fórmula;
 Partes eventuais: tipificam determinadas fórmulas;
 Partes extraordinárias: são a exceptio e a praescriptio e podem ser
inseridas por vontade das partes.

Intentio
É parte da fórmula na qual o demandante manifesta a sua pretensão, cuja
verificação depende da sentença do juiz. Pela sua importância, existe em todas as
fórmulas.

Condemnatio
É a parte da fórmula na qual o magistrado outorga ao juiz a faculdade de

Margarida Santos DR I – Doutor David Magalhães Página 15 de 43


condenar ou absolver o demandado conforme se comprovasse ou não o conteúdo
da intentio.

Exceptio
Atendendo às circunstâncias d caso, pode ser necessário inserir na fórmula
uma nova cláusula que seja relevante para a decisão do juiz. Assim, o demandado
podia alegar:
 Que o demandante carecia do direito invocado;
 Que alguma circunstância impedia o direito de nascer (p.e., o
demandado era incapaz por menoridade);
 Que um facto posterior destruiu o direito (p.e., a dívida foi paga).
Por outro lado, o demandado podia não negar o direito invocado pelo
demandante, mas apresentar um facto que o juiz devia apreciar de modo a não
proferir una sentença injusta.

Proteção jurídica extra-processual


Nem sempre a atividade dos magistrados consistia na concessão de
actiones e na inspeção dos atos processuais. Por vezes, estes intervinham para
facilitar o desenvolvimento do processo ordinário, para instaurar a paz durante o
mesmo ou para evitar um litígio. Para tal, o pretor fazia uma apreciação prévia
dos factos para depois decidir. Os meios de tutela extra-processual eram a
restitutio in integrum, a mitio in possessionem e o interdictum.

Restitutio in integrum
É um expediente extra-processual através do qual o magistrado, por
motivos de equidade, não reconhecia os efeitos de um ato jurídico válido e eficaz
segundo o ius civile. Na época clássica, dependia dos seguintes requisitos:
 Produção de um prejuízo em consequência da aplicação rigorosa do
ius civile;
 Inexistência de outros meios jurídicos que permitam reparar esse
prejuízo;
 Existência de uma causa justificativa. No seu edictum, o pretos
estabelecia as várias causas que podiam justificar a concessão de uma restitutio
in integrum, sendo que, conforme essa justificação, esta podia ser:

 Ob errorem: era concedida a quem tivesse cometido um erro


em matéria negocial ou processual sendo que o erro consiste num vício da
vontade, já que a pessoa só manifestou essa vontade porque tinha uma falsa ideia
acerca de circunstâncias de facto ou de direito. P.e., alguém compra um relógio
de prata dourada porque pensa que é de ouro.

Margarida Santos DR I – Doutor David Magalhães Página 16 de 43


 Ob metum: era concedida a quem praticou um ato jurídico por
estar sob coação, i.e., por ter sido gravemente ameaçado. A coação é um vício da
vontade, sendo que a pessoa em causa só manifestou uma determinada vontade
porque ela, o seu património ou a sua família foram ameaçados. Essa ameaça
tinha de ser injusta (contrária ao direito), grave e atual (não deve tratar-se de uma
mera suspeita). Assim, a restitutio in integrum ob metum desfazia estes negócios
jurídicos, colocando as partes na situação anterior à sua realização.

 Ob dolum: era concedida a quem praticou um ato jurídico por


dolo, que consiste num vício da vontade, já que a pessoa em causa só manifestou
essa vontade porque foi maldosamente enganada. Neste caso, só se considera o
dolus malus e não o dolus bónus, que é a mera habilidade publicitária
(sollertitia). Assim, a restitutio in integrum ob dolum destruía os efeitos de um
negócio jurídico viciado por dolo.

 Ob fraudem creditorum: era concedida aos credores


prejudicados por o devedor atuar de modo a, fraudulentamente, criar ou aumentar
a sua insolvência.

Missio in possessionem
Era um expediente extra-processual através do qual o magistrado,
geralmente o pretor, autorizava uma pessoa a apoderar-se dos bens de outra. Em
regra, esta apreensão de bens era provisória e tinha as seguintes finalidades:
 Coação: levar uma pessoa a fazer ou não fazer algo;
 Conservação: proteger as legítimas expectativas de uma pessoa
sobre um património, impedindo que este desapareça;
 Execução patrimonial: permitir aos credores a apreensão de bens
para, através deles, satisfazerem os seus créditos.

Interdictum
Era também um meio extra-processual de defesa de direitos, através do
qual o magistrado dirigia a uma pessoa uma ordem sumária para que esta fizesse
ou não fizesse algo. Assim, o pretor concedia o interdictum com o objetivo de
resolver rapidamente o litígio, impedindo a perturbação da paz pública e
protegendo direitos dos particulares. Havia várias espécies de interdicta:
 Proibitórios: através dos quais o magistrado proibia alguém de
adotar um determinado comportamento;
 Restitutórios: através dos quais o magistrado ordena que uma res
fosse restituída a uma pessoa ou que a coisa modificada sem autorização
regressasse ao estado inicial;

Margarida Santos DR I – Doutor David Magalhães Página 17 de 43


 Exibitórios: através dos quais o pretor ordenava que um documento
fosse exibido ou apresentado a uma pessoa.

Os interditos possessórios
Eram interdicta que tutelavam a posse, que consiste numa situação de
facto em que alguém se comporta como sendo titular do direito de propriedade de
uma res. Os interditos que permitiam a defesa da posse podiam ser interdicta
recuperandae possessionis, que visavam a recuperação da possa que fora retirada
ao possuidor; ou interdicta retinendae possessionis, que visavam conservar a
posse, pelo que, através deles, o pretor ordenava a cessação da perturbação da
posse.

A obrigação (obligatio)
É um vínculo jurídico através do qual o devedor fica adstrito para com o
credor à realização de uma prestação. Assim, enquanto no direito de crédito o seu
titular obtém benefício económico dependendo da conduta do sujeito passivo, o
titular do direito real obtém-no através da sua atividade exercida diretamente
sobre a res. Por isso, a actio in personam, que protege o direito de crédito, é
concedida contra o demandado pela sua relação com o demandante e não com a
res (como a actio in rem). O objeto ou conteúdo da obligatio podia ser:
 Dare (dar): constituição ou transferência de um direito real, que é
um direito direto e imediato sobre uma res;
 Facere (fazer): realização de qualquer comportamento diferente de
dare, podendo também consistir numa abstenção (non facere);
 Prestare (prestar): identificava-se com dare e facere, mas
designava especialmente a assunção de garantia de uma obrigação.

Para que a obrigação produzisse efeitos, o seu objeto tinha de obedecer a


determinados requisitos:
 Possibilidade: só era válida e eficaz a obrigação cujo conteúdo
fosse física e juridicamente possível;
 Licitude: o conteúdo da obrigação tinha de ser lícito, i.e., não
contrariar a lei nem a moral;
 Determinabilidade: o objeto da obrigação tinha de ser determinado
ou determinável, ou seja, era necessário saber exatamente o comportamento a
que o devedor estava vinculado ou quais os critérios para o determinar. P.e., era
inválida por indeterminabilidade a obrigação de, sem outras indicações (como a
quantidade), entregar vinho;

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 Patrimonialidade: objeto da obrigação tinha de proporcionar um
benefício económico a credor. No direito português atual este requisito já não
vigora.

Fontes das obrigações


Na época clássica, as obrigações tinham como única fonte factos
especificamente determinados pelo ius civile. Com o tempo, foram surgindo
outras relações obrigacionais, como algumas daquelas que eram tuteladas pelo
pretos, especialmente a partir do momento em que a distinção entre ius civile e
ius honorarium passou a ser meramente histórica.
As fontes das obrigações eram os factos que criavam um vínculo
obrigacional entre as partes, segundo o DR.
Nas suas Institutiones, Gaius afirmou haverem duas espécies de
obrigações: as que nascem de um contrato e as que nascem de um delito.

 Contractus: acordo de vontades previsto e tutelado pelo ius civile;


 Delicta: atos ilícitos que resultam numa relação obrigacional entre
o autor e a vítima, estando o primeiro obrigado a pagar à segunda uma quantia a
título de pena.

No entanto, esta divisão revelava-se insuficiente, pelo que, nas


Institutiones de Justiniano, incluídas no Corpus Iuris Civilis, surgiram, para além
dos contratos e dos delitos, outras duas fontes das obligationes:
 Quase-contratos: atos lícitos que, por serem unilaterais, não eram
contratos;
 Quase-delitos: diferiam dos delitos por serem tutelados pelo ius
praetrium e não pelo ius civile.

O contrato (contractus) como fonte das obrigações


Num sentido amplo, um contrato é um acordo entre duas ou mais pessoas
dirigido à produção de efeitos jurídicos. Num sentido restrito, é uma convenção
que resulta em obrigações e nos correspondentes direitos de crédito.
Esta noção, que não foi esclarecida pelo DR, foi evoluindo ao longo do
tempo culminando na seguinte definição: um acordo de vontades de 2 ou mais
pessoas que, obedecendo a esquemas fixados pelo ius civile, visa constituir uma
relação jurídica obrigacional.

Os elementos dos contratos - causa


É o fim que o ius civile reconhece como social e economicamente digno
de proteção. No entanto, não se trata de uma noção pacífica: há autores que

Margarida Santos DR I – Doutor David Magalhães Página 19 de 43


defendem que são os factos antecedentes que determinam a eficácia (iusta causa)
ou ineficácia (iniusta causa) de um ato subsequente; outros entendem que é o
compromisso da contraparte com base no qual as partes aderem ao contrato;
outros ainda advogam que se trata do fim prático que as partes perseguem de
modo imediato.
Como os antigos contratos romanos eram negócios abstratos, bastava que
se observassem as formas prescritas para que se produzissem os seus efeitos, não
sendo necessário procurar a causa. Já nos contratos consensuais, a causa era
determinada para se verificar se o fim económico que as partes se propunham
alcançar correspondia ao fim específico fixado pelo ordenamento jurídico àquele
tipo de contrato.

Os elementos dos contratos – conventio


É o acordo das partes (consensos) no qual as vontades convergem para o
mesmo fim, que constitui a causa fixada pelo ius civile para quele tipo de
contrato.

Contratos unilaterais e bilaterais


 Unilaterais: só geram obrigações para uma das partes.
 Bilaterais ou sinalagmáticos: geram obrigações para ambas as
partes, sendo que a obrigação de uma parte é a razão de ser da obrigação da
outra. Dada esta relação de reciprocidade, quem não cumpre a sua obrigação não
pode exigir da outra parte que satisfaça aquilo a que se obrigou – trata-se da
exceptio non adimpleti contractus.
 Bilaterais imperfeitos: a obrigação para uma das partes só surge
durante a vigência do contrato. P.e., comodato, depósito ou mandato.

Contratos onerosos e gratuitos


 Onerosos: criam obrigações que se equivalem ou equilibram para
ambas as partes, sendo que, na realização da sua prestação, ambas as partes
registam uma perda patrimonial, uma a favor da outra. P.e., compra e venda ou
locatio-conductio.
 Gratuitos: só uma das partes sofre uma perda patrimonial a favor da
outra. P.e., doação, depósito ou comodato.

Contratos de boa fé e contratos de direito estrito


 De boa fé: tutelados por actiones bonae fidei2;
 De direito estrito: protegidos por actiones stricti iuris3.

2
Ver página 13.
3
Ver página 14.

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Contratos do ius civile e do ius gentium
 Do ius civile: só podiam ser celebrados por cives romani;
 Do ius gentium: celebrados entre cives e peregrini ou entre
peregrini.

Classificação romana dos contratos


A classificação anterior foi feita pela doutrina moderna. A classificação
romana inclui:
 Contratos reais;  Contratos verbais;
 Contratos consensuais;  Contratos literais.

Contratos reais
Não estão perfeitos sem que à conventio entre as partes acresça a prática
de um ato material (datio – transferência da propriedade de uma res – ou
tradictio – transferência da posse ou da detenção4 de uma res) sobre a res.
Os contratos reais podem ser mútuo, fidúcia, depósito, comodato ou
penhor.

Mútuo
Era um contrato unilateral e de direito estrito através do qual uma pessoa,
o mutuante, transferia a favor de outra, o mutuário, a propriedade de uma res
fungível e este último se obrigava a restringir igual quantidade do mesmo género
e qualidade. Compreende dois elementos essenciais:
 Datio rei: transferência da propriedade de coisas fungíveis (coisas
sem individualidade própria, determinadas por características genéricas e pela
quantidade);
 Conventio: acordo celebrado pelas partes no qual o mutuário se
obrigava a restituir ao mutuante, o tantundem.

A relação obrigacional resultante deste contrato não é protegida por uma


actio específica, mas se o objeto do mútuo for dinheiro, o mutuante pode servir-
se da actio certae creditae pecuniae e se se tratar de outra res fungível da actio
condictio certae rei.
O mútuo era, em regra, um contrato gratuito, já que só o mutuante sofria
uma perda patrimonial, não se gerando juros a cargo do mutuário. A eventual
obligatio e este pagar juros resultaria de outro contrato, a stipulatio dita
usurarum5. Nos finais da República, fixou-se um limite máximo de 12% de juros
ao ano, percentagem que Justiniano reduziu para 6%. Na época republicana, um

4
A detenção é o exercício de poder sobre uma res sem a pretensão de ser seu proprietário.
5
Para exigir o cumprimento desta obrigação, recorria-se à actio ex stipulato.

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senatusconsulto proibiu o anatocismo, acordo pelo qual os juros não vencem
juros.
Ainda assim, havia 4 exceções nas quais o mútuo era oneroso:
 Mútuo de mercadorias, p.e. trigo;
 Mútuo concedido por uma cidade;
 Mútuo concedido por bancos;
 Foenus nauticum/pecunia traecticia: empréstimo de dinheiro a
armadores ou comerciantes para financiar viagens de comércio marítimo em
territórios situados na outra margem do mar. Neste contrato, o mutuário estava
obrigado a restituir o que recebera quando as mercadorias chegassem ao seu
destino, pelo que o risco onerava o mutuante. Por esse motivo, as partes
estabeleciam juros particularmente elevados.

Fidúcia
Era um contrato real, bilateral imperfeito e de boa fé, através do qual uma
pessoa, o fiduciante, transferia a propriedade de uma res para outro, o fiduciário,
que se obrigava a restitui-la depois de realizado o fim definido no pactum
fiduciae, um acordo informal. A propriedade era transferida através de um
negócio jurídico formal e abstrato, que podia ser uma mancipatio ou in iure
cessio.
A fidúcia podia ter diversas finalidades, entre elas a garantia de uma
obrigação através da fidúcia cum creditore, na qual o fiduciante transferia a
propriedade de uma res para garantir uma obrigação própria ou alheia, sendo que
o fiduciário se obrigava a restituir a res após a satisfação da dívida.
Já na fidúcia cum amico, o fiduciante transferia a propriedade de uma res
a uma pessoa que considerasse leal com vista à prossecução de diversos fins,
como o de o fiduciário a guardar (depositum) ou usar gratuitamente
(commodatum), obrigando-se a restituir a res no fim do prazo acordado ou a
pedido do fiduciante.
O fiduciante era protegido pela actio fiduciae se o fiduciário não
restituísse a res após se alcançar a finalidade determinada no pactum fiduciae; o
fiduciário podia recorrer à actio fiduciae contraria para reclamar os gastos
dispensados com a res ou ressarcir-se de danos por ela causados.

Depósito
Era um contrato real, bilateral imperfeito e de boa fé, no qual uma pessoa,
o depositante, entrega a outra, o depositário, uma res móvel para que este a
guardasse e restituísse no final do prazo acordado ou quando o depositante a
pedisse.

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Tratava-se de um contrato gratuito, já que o depositário não recebia
qualquer remuneração. Se tal ocorresse, não havia contrato de depósito, mas sim,
p.e., uma locatio-conductio.

O depositário tinha as seguintes obrigações:


 Guardar a res e não a usar, já que esta lhe era confiada
exclusivamente para custódia. Assim, se este a usasse, estaria a cometer o
delito furtum usus e se se apropriasse da mesma cometeria furtum nec
manifestum.
 Restituir a res no final do prazo acordado ou quando o depositante
a pedisse nas mesmas condições em que a recebeu.

No decorrer do contrato, poderiam também surgir obrigações para o


depositante:
 Reembolsar o depositário por eventuais despesas relacionadas com
a conservação da res.
 Indemnizar o depositário pelos prejuízos que a guarda da res lhe
causasse.

O depositante era tutelado pela a actio depositi e o depositário era


protegido pela actio depositi contraria através da qual podia exigir o reembolso
de despesas e a indemnização de danos. Este último também gozava do ius
retentionis ou direito de retenção enquanto não fosse ressarcido.
Ainda assim, existiam algumas figuras especiais de depósito, que se
afastavam do depósito típico:
 Depósito necessário ou miserabile: surgia em situações em que o
depositante não podia escolher livremente o depositário, p. e., num incêndio ou
num naufrágio. Se o depositário se recusasse a restituir a res, o depositante podia,
através de uma actio depositi, exigir uma condenação no dobro do seu valor.
 Sequestro: depósito de uma res litigiosa, sendo que o depositário, o
sequester, se obrigava a restitui-la a quem vencesse o litígio ou se viesse a
encontrar em determinadas condições estabelecidas pelos depositantes.
 Depósito irregular: depósito que tinha como objeto coisas
fungíveis (p.e., uma determinada pecunia), obrigando-se o depositário a restituir
ao depositante outro tantum (tantundem) do mesmo género e qualidade quando
terminasse o prazo do contrato ou o depositante lho pedisse. Inicialmente
a iurisprudentia romana entendia estes contratos como mútuos; no entanto, as
ações que o tutelavam (ações de direito estrito) não permitiam a obrigação
acessória de pagamento de juros, mas apenas a obrigação principal de restituir

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a res fungível. Assim, nos finais da época clássica, os jurisconsultos começaram
a configurar estas situações como contratos de depósito irregular, já que, sendo a
actio depositi uma ação de boa fé, o depositante já poderia, através dela, exigir ao
depositário o pagamento de juros.

Comodato
Era um contrato real, bilateral imperfeito e de boa fé no qual uma pessoa,
o comodante, entregava a outra, o comodatário, uma res para que este a usasse
gratuitamente durante o tempo e do modo acordado. O comodatário era um
simples detentor da res, mantendo-se a propriedade e a posse no comodante.
Como se trata de um empréstimo de uso, o comodato tinha como objeto coisas
não consumíveis. Ainda assim, este pode incidir sobre res consumíveis, desde
que o contrato vise a ostentação da propriedade do comodatário perante terceiros
(comodatum ad pompam vel ostentationem) ou o estudo da res.
Para além disso, o comodato era um contrato gratuito, distinguindo-se da
locatio-conductio.
Tratava-se ainda de um contrato bilateral imperfeito, o que significa que
inicialmente criava obrigações apenas para o comodatário, que eram as seguintes:
 Usar a coisa apenas para as finalidades expressa ou tacitamente
acordadas com o comodante. Caso contrário, estaria a incorrer no furtum usus,
ficando sujeito à respetiva pena;
 Não deteriorar a res;
 Restituir a res no final do prazo estabelecido e nas mesmas
condições em que a recebeu.

Para o comodante, surgiam eventualmente as seguintes obrigações:


 Ressarcir os gastos necessários que o comodatário tivesse feito para
conservar a res;
 Indemnizar o comodatário por danos que a res lhe tenha causado.

Se o comodatário não cumprisse as suas obrigações, o comodante podia


reagir contra ele através do exercício da actio commodati; já o comodatário era
tutelado pela actio commodati contraria. O comodatário tinha à sua disposição
ainda o ius retentionis ou direito de retenção, que lhe permitia não restituir a res
ao comodante até que este o indemnizasse pelos danos que sofrera ou lhe pagasse
as despesas de conservação.

Penhor (Pignus)
Era um contrato real e bilateral imperfeito, através do qual uma pessoa
entregava a outra, o credor pignoratício, uma res para garantir uma obrigação

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própria ou alheia. O credor pingoratício era um mero detentor da res mas,
excecionalmente, podia ser-lhe concedida a tutela possessória. Para além disso,
este tinha a obrigação de restituir a res quando a obrigação garantida se
extinguisse, extinguindo-se também o penhor.

Contratos Consensuais
São aqueles cuja validade e perfeição depende apenas do acordo de
vontades das partes (consensus), que pode manifestar-se de qualquer modo.
Assim, não era necessária uma forma determinada nem a entrega da res.
No DR identificavam-se quatro contratos consensuais: compra e venda,
locação, sociedade e mandato.

Contratos de Compra e Venda (Emptio Venditio)


Era um contrato consensual bilateral ou sinalagmático e de boa fé, através
do qual uma pessoa, o vendedor (venditor), se obrigava a transferir para outra, o
comprador (emptor), a posse de uma res, assegurando-lhe o seu gozo pacífico
(habere licere). Em contrapartida, o comprador obrigava-se a dar (datio) ao
vendedor uma determinada quantia em dinheiro (pecunia), denominada preço
(pretium).
Nas épocas clássica e justinianeia, este contrato tinha uma eficácia
meramente obrigacional, i.e., apenas produzia obrigações, e não real, não
transferindo a propriedade da res.
Este contrato compreendia os seguintes elementos:
 Conventio: acordo de vontades dos contraentes, através do qual, o
vendedor se obriga a transferir a posse livre e pacífica de uma res para o
comprador, que se obriga a pagar o preço.
 Res, cuja posse livre e pacífica devia ser transferida ao comprador.
Esta podia ser corpórea ou não corpórea, presente ou futura.

Nota: As coisas corpóreas podem ser tocadas e apreendidas pelos sentidos,


enquanto as incorpóreas ou não corpóreas não podem, já que não são
apreensíveis pelos sentidos. Exemplos destas últimas são o usufruto ou a herança
aceite pelo herdeiro.
As coisas presentes existem no momento, enquanto as coisas futuras ainda
não existiam aquando da celebração da compra e venda, esperando-se que
viessem a existir. Exemplos destas últimas são os frutos de um pomar que ainda
não nasceram, ou o filho de uma escrava que está grávida.

 Preço (pretium): era a quantia monetária (numerata pecunia) que o


comprador se obrigava a pagar ao vendedor. Este devia ser determinado no

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momento da conventio ou determinável perante circunstâncias objetivas. No
direito justinianeu, decretou-se que o peço devia ser justo, pelo que, se um
imóvel fosse vendido por um preço inferior ao seu preço justo, o vendedor tinha
o direito de pedir a rescisão da compra e venda, a menos que o comprador se
dispusesse a pagar a diferença que faltava para o preço justo. Esta figura ficou
conhecida como a Laesio Enormis (lesão enorme) ou Laesio Ultra Dimidum
(lesão que ultrapassa a metade). Como o contrato de compra e venda não
transferia a propriedade da res, era válida a compra e venda de coisa alheia.

O vendedor tinha as seguintes obrigações:


 Transferir para o comprador a posse livre é pacífica da res, i.e., esta
devia encontrar-se livre de vícios e não ser precária. Como o objetivo final do
contrato era que o comprador se tornasse proprietário da res, a posse livre e
pacífica devia permitir-lhe adquirir a propriedade por usucapião, ou seja, através
do exercício da posse, durante certo tempo: 1 ano para coisas móveis e 2 anos no
caso dos imóveis). A boa fé exige que o vendedor faça o necessário para o
comprador adquirir a propriedade, pelo que este último pode exigir ao primeiro a
transferência da propriedade da res através da mancipatio ou da in iure cessio.

 Conservar a coisa até à sua entrega.

 Assegurar ao comprador a posse livre e pacífica da res até que este


adquirisse a sua propriedade por usucapião. Assim, respondia por evicção, ou
seja, pela privação sofrida pelo comprador em consequência de, antes de
decorrido o prazo de usucapião, um terceiro ter conseguido opor ao comprador
uma sentença judicial que impedia essa posse livre e pacífica. Tal podia ocorrer
se se reconhecesse ao terceiro um direito de propriedade, servidão, usufruto ou
penhor sobre a res vendida e o vendedor se recusasse a defender o comprador no
processo ou não conseguisse evitar a sentença desfavorável.
Esta obrigação cessava quando o comprador se tornasse proprietário por
usucapio.

 Responder por vícios ocultos (i.e., não aparentes) e não declarados,


da res. Esta responsabilidade, sobretudo associada à venda de escravos e animais,
foi particularmente desenvolvida pelos edis curuis, que, através do seu edictum,
impuseram aos vendedores a obrigação de assumirem por stipulatio a
responsabilidade pela existência de enfermidades crónicas e defeitos físicos.
Assim, se após a compra e venda se manifestassem defeitos não declarados, o
Edil Curul concedia ao comprador uma de duas ações à sua escolha contra o
vendedor:

Margarida Santos DR I – Doutor David Magalhães Página 26 de 43


 Actio redhibitoria: produzia a resolução do contrato
condenava o vendedor a pagar ao comprador o dobro do seu preço ou, se
preferisse, a pagar o preço acrescido de juros. Este recebia de volta a res vendida.
 Actio quanti minoris ou aestimatoria: o comprador obtinha
uma redução do preço, que, deste modo, passava a corresponder ao valor real da
res.

Estas actiones aedilicia só eram suscetíveis de serem instauradas dentro


de determinados prazos, que variavam consoante o vendedor tivesse assumido
expressamente, mediante stipulatio, a responsabilidade por vícios ocultos que
viessem a ser descobertos, ou tal não tivesse ocorrido. Na primeira opção, o
comprador podia instaurar a actio redhibitoria no prazo de 6 meses úteis e a
actio quanti minoris no prazo de 1 ano útil, a contar da celebração do contrato ou
de uma declaração de promessa de compra e venda. Na segunda hipótese, o
comprador podia intentar estas ações, respetivamente, 2 meses ou 6 meses após a
manifestação do vício.

Já o comprador tinha as obrigações:


 Transmitir a propriedade da pecuniae acordada de modo a pagar o
pretium, sendo que, se não o fizesse decorrido um certo tempo após a receção da
res, estava obrigado a pagar juros.
 Receber a res quando o vendedor a pretendesse entregar, sendo
que, se recusasse, podia ser obrigado a ressarcir o dano causado pelo atraso.
 Reembolsar o vendedor das despesas feitas com a conservação da
coisa até à sua entrega.
 Responder pelo periculum est emptoris, i.e., pelo risco
relativamente ao perecimento furtuito da coisa. Deste modo, se a res fosse
destruída ou deteriorada por um evento furtuito ou de força maior (circunstâncias
inevitáveis que se impõem à vontade humana como um sismo), o comprador
mantinha a sua obrigação de pagar o pretium mesmo que a coisa vendida ainda
não lhe tivesse sido entregue. No caso da venda de coisas que devem ser pesadas,
contadas ou medidas, o comprador só respondia pelo risco após essa pesagem,
contagem ou medição.

Sendo a compra e venda um contrato bilateral ou sinalagmático, há uma


relação de interdependência entre as obrigações de o vendedor transferir a posse
e de o comprador pagar o preço, sendo que se não foi fixado um termo para o
cumprimento da obrigação, um contraente que não cumpra a sua obligatio não
pode, de acordo com a boa-fé, exigir do outro a execução da obrigação que lhe

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corresponde. Assim, se a exigir, a outra parte poderá impor-lhe a exceptio non
adimpleti contractus.
O comprador e o vendedor eram tutelados, respetivamente com a actio
empti e a actio venditi, ambas de boa-fé.

Locação
A locação (locatio-conductio) era um contrato consensual, bilateral ou
sinalagmático e de boa-fé, através do qual uma pessoa, o locador (locator), se
obrigava a proporcionar a outra, o locatário (conductor), o gozo de uma res não
consumível, a prestar determinados serviços, ou a realizar uma obra, mediante o
pagamento de uma merces, i.e., uma remuneração. Uma vez que a locação podia
ter diferentes fins, distinguiam-se a:
 Locação de coisa – locatio-conductio rei;
 Locação de trabalho – locatio-conductio operarum;
 Locação de obra – locatio-conductio operis.
Ainda assim, a doutrina da unidade contratual contesta a teoria das três
locações, já que, uma vez que todas têm como elementos essenciais a res e a
merces, a locatio-conductio não deixa de se caracterizar pela unidade dogmática.
Apesar de esta compreensão da locação ser amplamente aceite, a romanística
esquematiza a locação em três modalidades, que estão na origem dos atuais
contratos de locação, de trabalho e de empreitada.

A locatio-conductio compreende os seguintes elementos essenciais:


 Consensus: acordo de vontades das partes que criava a relação
locatícia. Como em qualquer contrato consensual, basta este elemento para criar
a relação obrigacional;
 Objecto: no caso da locatio-conductio rei era uma res não
consumível que o locatário podia usar durante o tempo e do modo acordados; no
caso da locatio-conductio operarum era a atividade laboral que o locador se
obrigava a prestar no tempo acordado; no caso da locatio-conductio operis era a
res que o locador entregava ao locatário para que se realizasse uma obra.
 Merces: contraprestação que o locatário devia pelo uso da res, pelo
trabalho ou pela obra realizada. Em regra consistia numa quantia pecuniária, mas
na locação de prédios agrícolas podia consistir numa parte dos frutos produzidos.
 Tempo: a utilização da res, a atividade laboral ou a realização da
obra devia ocorrer durante o prazo acordado pelas partes.

Locatio-conducti rei
O locador obrigava-se a:

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 Proporcionar ao locatário o livre gozo da res no tempo e do modo
acordados;
 Fazer todas as reparações necessárias para evitar a deterioração
da res;
 Ressarcir o locatário de todas as despesas que tivesse feito com
reparações necessárias da res.

Já o locatário devia:
 Pagar a merces acordada;
 Conservar a res como ela lhe foi entregue e dela não fazer um uso
reprovável;
 Indemnizar o locador por todos os danos que tivesse causado à res.
 Restituir a res no final do prazo acordado.

Se a coisa locada ficasse destruída ou deteriorada devido a situações


fortuitas ou de força maior, o locador era onerado pelo risco (regra periculum est
locatoris). Assim, era o locador sofria as consequências da situação fortuita,
ficando o locatário sem a obrigação de pagar a merces a partir do momento em
que esta perecesse.
O locatário não tinha um direito real, i.e., um direito imediato sobre a res,
mas apenas um direito de crédito, sendo apenas um detentor que possui em nome
do locador. Assim, se o locador vendesse a res locada, o comprador podia,
invocando o seu direito de propriedade, despejar o locatário. Este apenas podia,
de acordo com o princípio emptio tollit locatum (art. 1057.° do C.C.), demandar
o locador pelos danos causados pela retirada da res locada.

Locatio Conductio Operarum


A locação de trabalho extinguia-se com a morte do locador, pois era a sua
atividade laboral pessoal que era objeto do contrato. Já se fosse o locatário a
morrer, o contrato não cessava e o trabalho seria prestado aos seus herdeiros, que
continuavam obrigados a pagar a merces. Acresce que, se o locador adoecesse,
ficava dispensado de prestar o trabalho e o locatário ficava desobrigado de pagar
a merces durante a doença.

Locatio Conductio Operis


O locador tinha a obrigação de entregar a res ao locatário para que este
realizasse a obra acordada e pagar-lhe uma merces como retribuição. Por sua vez,
o locatário devia executar corretamente a obra no prazo acordado ou, no caso de
este não ter sido fixado, no tempo normalmente utilizado para a realizar.

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Se a obra fosse realizada com materiais fornecidos pelo locatário, discutiu-
se se se tratava de uma locatio-conductio operis ou de uma compra e venda,
sendo que grande parte dos juristas defendeu tratar-se da segunda.
Uma vez que interessava, sobretudo, o resultado final do trabalho do
locatário, a menos que o contrato tenha sido feito em atenção às suas qualidades
técnicas, era indiferente que o trabalho fosse realizado por ele ou pelos seus
operários6.

Tutela das Partes da Locatio-Conductio


O locador era tutelado pela actio locati caso o locatário não cumprisse as
suas obrigações. Já ao locatário era concedida a actio conducti.

A Sociedade (Societas)
Era um contrato consensual, bilateral ou sinalagmático e de boa fé, no
qual duas ou mais pessoas, os sócios (socii), se obrigavam reciprocamente a pôr
em comum coisas ou trabalho (ou ambos), visando a obtenção de um fim
patrimonial comum.
Este contrato é constituído pelos seguintes elementos essenciais:
 Consensus: acordo dos sócios, no qual estes manifestavam a sua
vontade de realizar a sociedade. A vontade podia manifestar-se de qualquer
forma e devia ser contínuo, pois só havia sociedade enquanto os sócios
mantivessem o acordo, i.e., se terminasse a vontade de um dos sócios, terminava
também a sociedade. Esta ideia traduz-se na expressão affectio ou animus
societatis.

 Objecto: tratava-se da res ou do trabalho (operae) ou ambas as


coisas com que os sócios se obrigavam a participar na sociedade. O trabalho a
que os sócios se podiam obrigar podia uma atividade laboral, manual ou
intelectual. Assim, as sociedades distinguem-se conforme o seu objeto, podendo
tratar-se de uma:
 Sociedade rerum quando os sócios se obrigavam a contribuir
com uma res;
 Sociedade operarum quando os sócios se obrigavam a
contribuir com trabalho;
 Sociedade mixtae se os sócios se obrigavam a contribuir com
conjuntamente com uma res e trabalho.

6
Já na locação de obra o objeto do contrato é a atividade laboral do locador, pelo que tinha de ser ele a
realizar o trabalho.

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 Finalidade: os sócios devem ter um objetivo lícito e suscetível de
constituir uma vantagem patrimonial para todos. Assim, não produzia efeitos a
designada societas leonina, i.e., o contrato de sociedade que reservava os ganhos
apenas para um ou alguns socii e as perdas para os restantes (art. 994.º do C.C.).
Ainda assim, era admitida pelo DR a diferente repartição dos ganhos e das perdas
entre os sócios. Exceto se outro modo de distribuição for acordado, os ganhos e
as perdas distribuem-se em proporções iguais independentemente da contribuição
de cada sócio.

Os sócios tinham como obrigações:


 Contribuir com as coisas ou trabalho conforme o acordado;
 Responder pela evicção das coisas que tenha levado para a
sociedade;
 Responder por evicção e pelos vícios ocultos da res;
 Gerir os negócios da sociedade segundo os fins para os quais esta
foi constituída;
 Reembolsar os restantes sócios pelos gastos que tenha tido com a
gestão da sociedade;
 Indemnizar os restantes sócios dos danos sofridos com a gestão da
sociedade.

No DR, o contrato de sociedade não cria uma pessoa jurídica distinta dos
sócios, pelo que não havia relações obrigacionais entre a sociedade e terceiros,
mas apenas de cada sócio com terceiros.
Assim, se um dos sócios celebrasse um contrato com um terceiro, a
correspondente relação obrigacional surgia apenas entre esse sócio e o terceiro.
Não obstante, se o sócio em causa estivesse a atuar como gestor de negócios ou
mandatário dos restantes sócios, deveria ceder-lhes as suas partes dos créditos e
da responsabilidade pelas dívidas assumidas.
Se todos os sócios celebrassem um contrato com um terceiro, assumiam
proporcionalmente a responsabilidade (responsabilidade pro rata), ou seja, cada
sócio apenas teria de responder perante o terceiro pela sua parte da divida. No
entanto, se no contrato de sociedade se tivesse estabelecido a solidariedade
obrigacional, o terceiro podia exigir o total cumprimento da obrigação a qualquer
sócio, que, depois de a cumprir, podia obrigar os restantes sócios a pagarem-lhe a
sua parte na dívida, ao abrigo do direito de regresso.
Quando um sócio não cumpria as suas obrigações, os restantes sócios
podiam demandá-lo através da actio pro socio.

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O contrato de sociedade pressupunha o permanente consenso entre os
sócios (affectio societatis), assim como uma relação de fraternidade (fraternitas)
entre eles. Assim, a sociedade extinguia-se:

 Quando terminava o prazo acordado:


 Quando se atingia o fim pretendido pelos sócios;
 Pala renúncia de um dos sócios;
 Pela morte de um dos sócios;
 Pela má condição económica de um dos sócios;
 Pelo exercício da actio pro socio.

Mandato (Mandatum)
Era um contrato consensual, de boa fé e bilateral imperfeito, no qual uma
pessoa, o mandante, encarregava outra, o mandatário, de realizar uma atividade
no interesse do mandante, de um terceiro ou de ambos e do mandatário. Por sua
vez, o mandatário obrigava-se a realizar essa atividade gratuitamente. Era
constituído pelos seguintes elementos:
 Consensus: acordo das partes, que pode manifestar-se de qualquer
modo, pelo qual o mandatário se obrigava a realizar a atividade que de que o
mandante o encarregara.
 Objeto: a atividade que o mandatário se obrigou a realizar, que
devia ser lícita e determinada. Qualquer atividade lícita e determinada podia ser
objeto de mandatum desde que fosse gratuita.
 Finalidade: a realização da atividade pelo mandatário devia
satisfazer um interesse do mandante, de um terceiro, ou de ambos e do
mandatário. Se a atividade beneficiasse apenas o mandatário, não se trataria de
um mandato, mas de um conselho.

Uma vez que era um contrato bilateral imperfeito, inicialmente o


mandatum apenas gerava obrigações para o mandatário:
 Realizar a atividade de acordo com as instruções do mandante ou,
na falta destas, de acordo com a natureza da atividade a realizar. O mandatário
podia encarregar outras pessoas da atividade, mas respondia pelo trabalho delas.
 Prestar contas da sua atividade ao mandante. Se dessa atividade
resultassem direitos sobre terceiros, o mandatário devia transmitir as respetivas
ações ao mandante.

O mandante podia contrair as seguintes obrigações:


 Ressarcir os gastos feitos pelo mandatário com a execução do
encargo.

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 Indemnizar o mandatário pelos danos que a execução do mandato
lhe tivesse causado.

A relação jurídica criada através do mandatum era estranha a terceiros,


pelo que, pelo que, se durante o mandato se criassem direitos e obrigações entre
o mandatário e um terceiro, este último só ao primeiro podia pedir
responsabilidades, e não ao mandante. Por sua vez, o mandatário podia demandar
o mandante pelas suas obrigações.
No entanto, o pretor acabou por consagrar a representação direta entre
mandante e terceiro através da concessão de acções úteis, que lhes permitiam
demandar-se diretamente um ao outro.
O mandante podia responsabilizar o mandatário pelo não cumprimento das
suas obrigações através da actio mandati e ao mandatário podia ser concedida
contra o mandante a actio mandati contraria.

Contratos Formais
A existência dos contratos formais ou solenes depende da observância de
uma certa forma estabelecida pelo ordenamento jurídico. Assim, estes podiam ser
contratos verbais, nos quais a vontade se manifestava oralmente através de
palavras solenes fixadas pelo ius civile. Podiam também ser contratos literais, nos
quais as obrigações surgiam de um acordo de vontades redigido por escrito.

Stipulatio
Era um contrato verbal e de direito estrito que podia destinar-se a
satisfação de inúmeras finalidades distintas, como a criação de obrigações para
garantir outras já existentes, conferir proteção judicial a acontecimentos futuros,
evitar prejuízos, entre outros.
Neste contrato, o stipulator dirigia uma pergunta oral ao promissor e este
último respondia de imediato, prometendo dar uma quantia determinada ou
determinável de pecunia ou uma res, ou realizar ou não realizar uma atividade.
Nascia, após a pergunta e a resposta, uma obligatio.
A stipulatio compreendia as seguintes características:
 Solenidade: na sua celebração invocavam-se os deuses, cuja
presença espiritual obstava ao incumprimento do contrato;
 Formalidade: tinha uma fórmula jurídica própria constituída por
palavras fixadas pelo ius civile;
 Oralidade: o contrato tinha de ser celebrado oralmente e não por
escrito, o que levava a que não pudesse ser celebrado por um mudo, um surdo, ou
uma criança com menos de 7 anos (porque não entenderia o seu significado);
 Abstração: a causa do contrato, i.e., o fim económico, social ou
prático do mesmo, não era um elemento constitutivo do contrato, pelo que este

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podia ser utilizado para diversos fins. Assim, a stipulatio levava a que se
pudessem satisfazer finalidades que os restantes contratos previstos pelo ius
civile não permitiam atingir.

Pactos
Eram acordos de vontades que não se identificavam com qualquer dos
contratos previstos pelo ius civile (reais, consensuais, formais). Assim, não
geravam obrigações e não eram tutelados por ações, mas sim através de
exceções. Assim, enquanto os contratos criavam obrigações, os pactos afastam a
instauração de uma actio futura. Se uma das partes instaurasse a actio que o
pacto afastara, o pretor concedia uma exceptio à outra parte, que impedia a
condenação.
Já no caso de o pacto ser celebrado simultaneamente com um contrato de
boa fé, considerava-se que era um elemento desse contrato, pelo que era
tutelados pela ação de boa fé tal como o negócio jurídico de boa fé, sendo que a
tutela por via de excepção era desnecessária.

Contratos Inominados
Eram contratos que não tinham denominação própria, já que neles o
vínculo jurídico provinha de acordos que não se manifestavam de uma
determinada forma (contratos formais), não se baseavam numa causa
determinada (contratos consensuais) e não se concluíam mediante a datio e a res
acordada (contratos reais). Assim, os compiladores de Justiniano agregaram os
contratos inominados numa categoria distinta e com a adequada tutela judicial.
Nestas relações jurídicas de natureza obrigacional, o vínculo surgia quando uma
das partes realizava a prestação a que estava adstrita, podendo, por isso, exigir à
outra parte a prestação a que se comprometeu.
Assim, estes tratados compreendiam os seguintes elementos essenciais:
 Conventio: acordo de vontades através do qual cada parte ficava
obrigada, em relação à outra, a dar uma determinada res ou a realizar uma certa
atividade (facere). Distinguiam-se os seguintes acordos:
 Dou para que dês (do ut des);
 Dou para que faças (do ut facias);
 Faço para que dês (facio ut des);
 Faço para que faças (facio ut facias).
 Execução de uma das prestações: constitui a causa do vínculo
obrigacional da parte que não cumpriu o que foi acordado.

As pretensões de quem efetuava a sua prestação foram, inicialmente,


tuteladas através da condictio causa data causa non secuta, que permitia exigir a

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restituição do que tivesse sido prestado ou do seu equivalente pecuniário. No
direito justinianeu, todos os contratos inominados passaram a ser protegidos pela
actio praescriptis verbis, que permitia responsabilizar a outra parte pelo não
cumprimento das suas obrigações.
Alguns contratos inominados assumiram uma configuração e
denominação próprias, entre eles a permuta (permutatio), o contrato estimatório
(aestimatum), o precário (precarium) ou a transação (transactio).

Permuta (Permutatio)
Era um contrato inominado através do qual uma pessoa dava (datio) a
outra uma res determinada para que esta lhe desse outra res, pelo que se tratava
de um contrato de tipo dou para que dês.
Para os sabinianos tratava-se de uma modalidade da compra e venda, pelo
que estes a protegiam com as ações correspondentes. No entanto, uma vez que
não era possível distinguir a res vendida da res que funcionava como pretium, os
proculeianos consideravam que se tratava de um contrato inominado, tutelando-o
com a actio in factum. A doutrina proculeiana acabou por prevalecer e a
iurisprudentia distinguiu a compra e venda da permuta. A primeira era um
contrato consensual no qual o vendedor estava obrigado a transferir a posse da
res vendida e o comprador a dar o pretium. Já a segunda, uma vez que se tornava
perfeita com a primeira datio, tinha uma natureza real, sendo que ambas as partes
se obrigavam a dare. Para além disso, enquanto na compra e venda o vendedor
não pode ser proprietário da res vendida, na permuta as res devem ser
propriedade das partes.

Contrato Estimatório (Aestimatum)


Era um contrato inominado através do qual uma pessoa, o tradens,
entregava a outra, o accipiens, uma res ou mercadoria determinada, para que este
a vendesse pelo valor acordado. O accipiens obrigava-se ainda a pagar ao tradens
o valor das res vendidas e a restituir-lhe as res não vendidas. O accipiens podia
vender a mercadoria por um valor mais alto do que o acordado com o tradens,
fazendo sua a diferença.
Assim, o aestimatum era constituído pelos seguintes elementos:
 Entrega da res para que o accipiens a vendesse;
 Fixação do valor a pagar ao tradens;
 Obrigação alternativa de o accipiens pagar o valor fixado ou
restituir a res;
 Faculdade de o accipiens fazer a sua diferença entre o valor fixado
e o pretium da venda.

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Precário (Precarium)
Era um contrato inominado, através do qual uma pessoa, o precario dans,
concedia gratuitamente a outra, o precarista, a pedido desta, o uso de uma res ou
o exercício de um direito. O precario dans tinha a faculdade de, a qualquer
momento, revogar esta concessão.
O precário aproxima-se do comodato porque permite o uso gratuito de
uma res, afasta-se dele porque o precario dans podia revogar a concessão a
qualquer momento, enquanto o comodatário só tinha a obrigação de restituir a res
no final do prazo acordado. Do mesmo modo, o precário não se confunde com a
locação de coisa, já que, ao contrário do que ocorre com esta, a concessão da res
era gratuita. Para além disso, o locador também não podia revogar
arbitrariamente a locação.
O precarista era um mero detentor, possuindo apenas em nome do
precario dans, que era o verdadeiro proprietário. Esta posse era protegida pelo
interdictum quod precario, que permitia exigir a restituição a res a qualquer
momento. Na época justinianeia, quando se reconheceram os contratos
inominados, os direitos do precario dans passaram a ser tutelados pelo meio de
defesa comum a todos os contratos inominados, a actio praescriptis verbis.

Transação (Transactio)
Era um contrato inominado através do qual as partes punham fim ou
evitavam um litigio entre elas através de concessões recíprocas. No entanto, a
transação nem sempre era possível. P.e., não era admitida após a sentença do
litígio ou quando este fosse relativo a uma obrigação de alimentos estabelecida
por testamento.


Delitos
Eram atos ilícitos, i.e., contrários ao ordenamento jurídico, sancionados
com uma pena. Podiam ser:
 Delitos públicos: ofendiam a comunidade romana e designavam-se
crimes. Eram punidos com penas públicas corpóreas ou pecuniárias;
 Delitos privados: ofendiam um particular e designavam-se delictum
ou maleficim. Eram punidos com uma pena privada pecuniária e geravam
obrigações, já que o autor do delito devia pagar à vitima a pena pecuniária. O ius
civile previu quatro delitos privados que assumiam especial importância: o furto
(furtum), roubo (rapina), injúria (iniuria) e dano causado com injúria (damnum
iniuria datum).

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Furto (Furtum)
Era um apoderamento fraudulento cometido para se obter um lucro, uma
coisa, o seu uso ou a sua posse. Compreende dois elementos:
 Elemento objetivo ou contrectatio rei: é a conduta adotada pelo
autor do delito, o fur, que podia consistir num de três comportamentos:
 Na substração (ablatio) de uma res corpórea, móvel e que é
património, posse ou detenção de outra pessoa.

 No furtum usus: uso ilícito de uma res alheia. P.e., ocorria


quando o depositário usava a coisa depositada ou o comodatário usava a res para
fins diferentes dos acordados com o comodante.

 No furtum possessionis: tomada de posse indevida de uma


coisa. Podia ser praticado pelo proprietário da res se a sua posse pertencesse
licitamente a outra pessoa. P.e., ocorre quando o detentor de uma res se recusa a
restitui-la ao proprietário, possuindo-a como própria.

 Elemento subjetivo ou animus furandi: era necessário contrectatio


fosse realizada com a intenção de lesar outra pessoa.

Quanto à pena aplicada ao fur, existiam várias modalidades de furto:


 Furtum Manifestum: o ladrão era surpreendido a praticar o furto
(flagrante delito). Inicialmente, esta espécie de furto era punida com penas muito
cruéis, passando, na época clássica, a aplicar-se como pena o pagamento do
quádruplo do valor da res furtada.
 Furtum Nec Manifestum: o ladrão não era surpreendido a praticar o
furto. Segundo a Lei das XII Tábuas, a pena consistia no pagamento do dobro do
valor da coisa furtada.

Para exigir a pena correspondente ao furto, a vítima dispunha da actio furti


manifesti ou da actio furti nec manifesti. A actio furti era cumulável com as
ações que permitissem a restituição da coisa furtada, como a rei vindicatio ou
a convictio furtiva.

Roubo (Rapina) – Breve Referência


Consistia na subtração violento de uma res alheia. A vítima era tutelada
pela actio vi bonorum raptorum.

Injúria (Iniuria) – Breve Referência


Consistia na ofensa à integridade física ou moral de uma pessoa. A vítima

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era tutelada pela actio iniuriarum.

Dano Causado Com Injúria (Damnum Iniuria Datum)


Era um delito que consistia na produção culposa de um dano em res
alheia. Este delito foi disciplinado pela lex Aquilia de damno, aprovada através
de plebiscito em 287 a.C.. Antes, a Lei das XII Tábuas previa algumas actiones
concedidas em casos isolados para indemnizar certos danos causados em coisa
alheia.
A lex Aquilia compreendia três capítulos:
 1.º: previa o assassínio de um escravo ou um animal quadrúpede
alheio que pertencesse ao gado doméstico, obrigando o autor a pagar ao lesado o
valor máximo que a res tivesse atingido ao longo do ano anterior à sua morte.
 3.º: previa a deterioração de uma res alheia, animada ou inanimada,
através de um incêndio, uma fratura ou de outro modo. O autor era obrigado a
ressarcir o lesado pelo maior valor que a res tivesse atingido nos 30 dias
anteriores à lesão.

Além de consubstanciar um comportamento antijurídico (iniura), o dano


devia ser produzido diretamente pelo agente e através de um contacto material
direto (contacto corpore corpori) com a res. Para além disso, o autor tinha de
atuar com dolo (dolus malus) ou culpa (negligência, i.e., o lesante não quis
provocar o dano mas não foi cuidadoso como devia ser e acabou por o provocar).
Inicialmente, o âmbito da lex Aquilia era muito restrito, pelo que a
iurisprudentia sugeriu ao pretor a extensão proteção aquiliana, surgindo novas
actiones praetoriae que tutelavam casos não comtemplados pelo ius civile, o que
mostra a sua função de completar o mesmo. Assim, a lex Aquilia estendeu-se aos
seguintes casos:
 Danos não provocados diretamente por uma ação corpórea, p.e.
libertar um animal da jaula;
 Danos causados a não-proprietários com um direito sobre a res,
como o usufrutuário, o credor pignoratício ou o possuidor de boa-fé;
 Danos resultantes de lesões corpóreas causadas a pessoas livres.

O dano causado com injúria é a raiz da responsabilidade civil


extracontratual, também conhecida como responsabilidade delitual ou
responsabilidade aquiliana, prevista nos arts. 483.º e ss. do C.C..

Garantias das Obrigações


A obrigação é o vínculo jurídico através do qual uma pessoa fica adstrita à
realização de um comportamento, a prestação, para com outra. As garantias das

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obrigações constituem um reforço da expectativa do credor de que será cumprida
a obrigação, já que uma pessoa, o garante, assegura o seu cumprimento. As
garantias da obrigação podem ser pessoais ou reais.

Garantias Pessoais
Através destas, uma terceira pessoa, o garante, assume perante o credor da
obrigação que esta será cumprida. Trata-se, então, de nova obrigação que reforça
o cumprimento da obrigação principal/garantida. Existiam as seguintes espécies
formais de garantias pessoais: sponsio, fidepromissio e fideiussio.

Sponsio
Consistia numa promessa solene, de origem sacral e exclusiva dos
cidadãos romanos. Nesta, o credor colocava a questão “idem dar spondes?”
(“prometes dar o mesmo?"), recebendo do garante ou sponsor a resposta
“spondeo” (“prometo”). Criava-se, assim, a obrigação entre o credor e o sponsor,
que assegurava o cumprimento da obrigação principal.
A sponsio apenas garantia obrigações contraídas verbalmente, p.e. as
obrigações nascidas de uma stipulatio, e era intransmissível aos herdeiros do
sponsor. Para além disso, a obrigação gerada pela sponsio não era acessória à
obrigação principal, i.e., não estava subordinada a ela. Assim, se a obrigação
garantida fosse ineficaz, a sponsio não deixava de produzir efeitos.
Acresce que a sponsio tinha caráter solidário e não subsidiário, pelo que o
credor podia demandar o sponsor sem se dirigir previamente ao devedor
principal. A sponsio manteve-se na época clássica, sendo substituída, no Direito
Justinianeu, pela fideiussio.

Fidepromissio
Tratava-se de uma promessa solene na qual, invocando-se a deusa fides, os
cidadãos romanos e os peregrinos garantiam uma obrigação contraída
verbalmente segundo fórmulas do ius civile. Assim, o credor perguntavam “idem
fidepromittis?” e o garante respondia “fideipromitto”. Uma vez que produziam os
mesmos efeitos, garantiam as mesmas obrigações e estavam sujeitas às mesmas
limitações legais, a fideipromissio era muito semelhante à sponsio, falando-se,
por vezes, em sponsio-fidepromissio. Também a fidepromissio deu lugar à
fideiussio no Direito Justinianeu.

Fideiussio
Era uma garantia pessoal das obrigações acessível a cidadãos romanos e a
peregrinos, na qual o credor perguntava “idem fide tua esse iubes?” (“consentes

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garantir o mesmo?”), ao que o garante, o fideiussor, respondia “fideiubeo”
(“consinto”).
Ao contrário da sponsio e da fidepromissio, a fideiussio garantia qualquer
obrigação (e não apenas obrigações verbais). Para além disso, a obrigação
resultante da fideiussio tinha caráter acessório, i.e., estava subordinada à
obrigação principal, pelo que não podia ser maior ou mais gravosa do que a
mesma e a sua existência e validade dependiam da existência ou validade da
obrigação garantida.
Inicialmente, a responsabilidade do fideiussor era solidária, pelo que o
credor podia exigir indiferentemente o cumprimento da obrigação ao devedor
principal ou ao fideiussor. Mais tarde, através de uma constituição de Adriano
que instituiu o beneficium indemnitatis, a responsabilidade do fideiussor deixou
de ser solidária para passara a ser parciária, já que este passou a poder exigir ao
credor que dividisse a obrigação entre os vários fideuissores solventes, sendo
que, se algum se tornasse insolvente ou morresse sem deixar herdeiro, a sua
quota era distribuída pela dos restantes fideiussores.
Surgiram também as actiones mandati e negtiorum gestorum, que
permitiam que o fideiussor demandasse o devedor principal se tivesse pago a
dívida, respetivamente, a pedido do devedor ou espontaneamente.
Com uma Constituição Imperial de 535 elaborada por Justiniano, o
fideiussor passou a poder exigir ao credor que responsabilizasse primeiro o
devedor principal antes de se lhe dirigir. Esta faculdade designa-se benefício da
excussão ou benefício da ordem e permitiu que a fideiussio passasse a ter um
caráter subsidiário.

Garantias Reais
Reforçam o cumprimento de uma obrigação que incide direta e
exclusivamente sobre certos bens pertencentes ao devedor principal ou a um
terceiro. Assim, se a obrigação principal não for cumprida, o credor poderá
satisfazer o seu direito de crédito através dos bens do garante ou exigindo o
pagamento do equivalente ao seu valor. Inicialmente, esta função foi cumprida
pela fidúcia cum creditore e, seguidamente, pelo pignus e pela hipoteca.

Fiducia Cum Creditore


Era um contrato real, mancipatio ou in iure cessio, através do qual o
garante, o fiduciante, transferia a propriedade de uma res mancipi para o credor,
que se tornava fiduciário, de modo a garantir uma obrigação do devedor
principal. Quando essa obrigação principal/garantida fosse cumprida, o credor
era obrigado a restituir a propriedade da res ao fiduciante.

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Trata-se da garantia real mais antiga, que, no Corpus Iuris Civilis, foi
substituída pelo pignus e pela hipoteca, já que com a fidúcia cum creditore o
garante ficava numa situação de grande desconforto, uma vez que perdia a
propriedade da res, podendo nunca mais a recuperar, mesmo após o pagamento
da obligatio garantida, já que a actio fiduciae, que lhe era concedida contra o ex-
-credor, era uma actio in personam, pelo que tinha uma eficácia meramente
obrigacional.
Estruturalmente, a fidúcia cum creditore era constituída por 2 elementos:
 Um negócio solene, que podia ser uma mancipatio ou uma in iure
cessio, através do qual se transmitia a propriedade da res fiduciada para o credor.
 Um acordo de vontades entre o fiduciante e o fiduciário designado
pactum fiduciae, no qual estes regulavam os modos de satisfação do credor e as
condições de restituição da res ao garante.

Após o cumprimento da obrigação principal, o credor tinha a obrigação de


restituir a res ao fiduciante através de uma nova mancipatio ou de in iure cessio,
para que este voltasse a ser seu proprietário. Se tal não ocorre-se, o fiduciante
podia demandar o credor através da actio fiduciae. No entanto, uma vez que era
uma actio in personam, a actio fiduciae só permitia demandar o fiduciário, já
que fora ele a assumir a obrigação de restituição da res. Assim, se este já tivesse
transmitido a propriedade da coisa a um terceiro, o fiduciante ficava
impossibilitado de a reaver. Assim, a fiducia cum creditore foi substituída pelo
penhor e pela hipoteca.
Já se a obrigação principal não tivesse sido cumprida, o credor/fiduciário
podia conservar definitivamente a res ou, se as partes da fiducia cum
creditore tivessem acordado um pactum de vendendo, podia satisfazer o seu
crédito através da venda da res. Se o preço obtido por esta venda excedesse o
valor da dívida garantida, a diferença (superfluum) pertencia ao garante. O
recurso ao pactum de vendendo começou a tornar-se cada vez mais frequente,
pelo que a sua celebração deixou de ser necessária e o direito de vender
a res passou a ser um efeito natural da fiducia cum creditore.

Penhor (Pignus)
Era um contrato real, bilateral, imperfeito e de boa fé através do qual, uma
pessoa, o garante, entregava a outra, o credor pignoratício, uma res móvel ou
imóvel de modo a assegurar-lhe o cumprimento de uma obrigação sua ou de um
terceiro. Após o cumprimento da obrigação garantida, o credor obrigava-se a
restituir a res. No entanto, não se tratava de uma transferência de propriedade,
sendo que o credor era apenas o detentor da res, i.e., possuía-a em nome do
garante. Assim, evitava-se o problema da fidúcia, pois o credor pignoratício não
podia transmitir a res a terceiros.
Para além de celebrarem o penhor, as partes celebravam acordos que
regulavam o que aconteceria caso a obrigação principal ou a obrigação garantida

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não fossem cumpridas:
 Lex cominissoria: atibuía ao credor a faculdade de se tornar
proprietário da res penhorada, caso a obrigação garantida não fosse cumprida;
 Pactum de vendendo: autorizava o credor a vender a res,
satisfazendo o seu direito de crédito como o preço da mesma. Se este excedesse o
valor da dívida, o remanescente seria restituído ao garante. O recurso ao pactum
de vendendo era tão frequente que passou a não ser necessário celebrá-lo, pelo
que, se as partes quisessem afastar o direito de venda, deviam convencioná-lo
expressamente.

O penhor caracterizava-se pela:


 Acessoriedade: a sua existência e validade dependiam da existência
e validade da obrigação garantida, pelo que o garante e o devedor principal
tinham os mesmos meios de defesa;
 Indivisibilidade: a extinção parcial da obrigação garantida não
extinguia parcialmente o penhor, sendo que o credor pignoratício continuava a
ter os mesmos direitos sobre a res de modo a satisfazer a restante dívida.

Caso o credor pignoratício não restituísse a res após a extinção da dívida,


o garante podia demandá-lo com a actio pigneraticia, que era uma actio in
personam, pelo que não lhe permitia obter a restituição da res mas apenas o
pagamento do seu valor. Já o credor pignoratício era tutelado pela actio
pigneraticia contrária, que lhe permitia exigir ao garante o reembolso de
despesas que tivesse feito com a conservação da res ou a indemnização dos
danos, que a res lhe tivesse causado. O credor pignoratício tinha ainda à sua
disposição o ius retentionis, que lhe permitia não restituir a res até lhe serem
reembolsadas as despesas ou indemnizados os danos. Apesar de não ser
possuidor da res foram concedidos ao credor pignoratício interdicta de defesa da
posse.

Hipoteca
Era outra garantia real das obrigações que consistia na especial afetação de
uma res, móvel ou imóvel, do devedor ou de terceiro, de forma a assegurar ao
credor o cumprimento de uma obrigação, já que, em caso de incumprimento, o
credor tinha o direito de vender a res. A propriedade, posse ou detenção da res
não eram transferidas para o credor, estando apenas juridicamente afetada, o que
tinha, relativamente às restantes garantias reais, a vantagem de a mesma res
poder ser afetada para o cumprimento de várias obrigações. Nesta situação,
vigorava a regra prior in tempore, potior in iure, segundo a qual o credor cuja
hipoteca fosse mais antiga tinha prioridade na satisfação do seu crédito à custa da

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res objeto da hipoteca, pelo que os restantes hipotecários só era satisfeitos com
os resíduos da venda. Esta regra era afastada em caso de hipotecas privilegiadas.
A hipoteca caracterizava-se pela:
 Acessoriedade: a sua existência e validade dependiam da existência
e validade da obrigação garantida, pelo que o que não podia ser exigido ao
devedor principal também não podia ser exigido ao garante.
 Indivisibilidade: a extinção parcial da obrigação principal não
extinguia a hipoteca.

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