Você está na página 1de 22

Noções de

Direito Penal
e Processo Penal
Evolução Histórica

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Me. Rodrigo de Souza Marin

Revisão Textual:
Aline Gonçalves
Evolução Histórica

• Introdução;
• Direito Penal Romano;
• Direito Penal Germânico;
• Direito Penal Canônico;
• Direito Penal Comum;
• Direito Penal Brasileiro.


OBJETIVOS

DE APRENDIZADO
• Discorrer sobre a evolução histórica do Direito Penal, de Roma até o Brasil, destacando as
suas principais características e conceitos históricos;
• Analisar os diferentes conceitos sobre o tema, desenvolvendo reflexões sobre a abordagem,
a fim de fomentar debates e postura em sua área de formação.
UNIDADE Evolução Histórica

Contextualização
Imagine que atualmente o profissional do Direito deve amparar seus clientes e
seus deveres de todo âmbito. Isso não seria possível se não possuísse conhecimento
para exercer tal atividade.

O Direito Penal, como poderá ser visto aqui, historicamente, possui um bom
­desenvolvimento de alinhamentos. Para toda época e região estudada havia dezenas
de características que pudessem norteá-la. Sendo, assim, diferentes entre elas.

No desenvolver do estudo, será observado que cada época e cada diretriz criada
para o Direito Penal possui regras, fundamentos, pessoas envolvidas que fizeram
parte da criação do Direito Penal e da continuidade dele.

Com relação à continuidade, você poderá perceber que houve diversas mudanças
entre cada época, diferenciando-as mais ainda do seu estudo inicial do Direito Penal.
Isso porque o mundo foi se atualizando e deixando para trás algumas manias em se
tratando de desenvolvimento humano.

Com base nisso, é necessário que leia atentamente toda a história do Direito Penal
e canalize as diferenças entre as épocas, entre as regiões e entre as decisões tomadas
com base na evolução do mundo e sua globalização.

8
Introdução
Inicialmente, vale ressaltar que a história do Direito Penal se trata da ideia de con-
trolar o exercício da forma, pois punir somente não bastava. Para aplicar a punição,
era necessário ter força.

A exemplo das punições: o Estado se tornaria tirano se utilizasse a punição de


forma demasiada (foi o que aconteceu em alguns casos no início da história – vide
estudo desta unidade). E caso o estado oferecesse a punição de forma extremamente
branda, perderia a força e seria negligente.

Claro que a evolução histórica do Direito Penal tem mais a ver com o desenvolvi-
mento epistemológico socialmente aceito do que com o senso comum dos juristas.
O processo do Direito Penal depende exclusivamente da confiança e dos votos da
sociedade na capacidade do Estado.

Nesta unidade de estudo, vamos observar o que norteava o Direito Penal Romano,
o Germânico, o Canônico, o Direito Penal Comum e o Brasileiro. Desses temas,
observam-se algumas divergências, não em se tratando do entendimento sobre o
ofensor, nem sobre o ofendido, nem sobre penas e punições, e sim sobre a aplicabi-
lidade às épocas estabelecidas, pois canalizaram anos diferentes e regiões diferentes.
Consequentemente, povos diferentes... E como falamos anteriormente, o Direito Penal
tem muito mais relação com o desenvolvimento da sociedade – se aceito ou não.

Desta maneira, observam-se aplicações da pena de formas diferentes e em conceitos


diferentes. Claro que, com o passar do tempo, essas penas continuaram a ser exercidas,
mas com o exercício da força menor (ou de forma menos bruta) em se tratar do desen-
volvimento humano e social, em se tratar da força do Estado para com a sociedade
como um todo – não mais fazendo sentido “olho por olho e dente por dente”.

Com o passar do tempo, no que diz respeito à evolução humana e conscientiza-


ção dos fatos, algumas coisas já não fariam mais sentido, por isso é tão importante
estudar a história do Direito Penal para salientar a importância da sociedade nesse
âmbito, entendendo a junção da força social com o Estado para melhor atender a po-
pulação sem deixar que a defenda, mas não entregando toda força exercida à pena.

Direito Penal Romano


Em Roma, apresentava-se um grande resumo da sociedade da época, isso fez
com que servisse de ligação e união entre o antigo mundo e o mundo moderno –
sendo assim, oferecendo um estágio jurídico integral.

Com resultado positivo e mais rápido do que se imaginava, a situação romana


dissocia a confusão entre o religioso e o laico – desta forma, possibilitava que se
afirmassem do caráter público da pena.

9
9
UNIDADE Evolução Histórica

Na primitiva organização jurídica da Roma monárquica, o Direito (jus


quiritarium), prevalentemente consuetudinário, era rígido, formalista e
solene. Nessa época, destacava-se a figura do pater familias, com pode-
res quase ilimitados, inclusive de ius vitae ac necis. Na hipótese de morte
do patriarca, o grupo familiar (domus) dividia-se de acordo com os filii
familias, sendo que os descendentes formavam a gens, que reconhecia,
também, um pater (magister gentis). (PRADO, 2019, p. 13)

A Lei das XII Tábuas (séc. V a. C.) foi o primeiro código romano escrito (jus scriptum),
resultando no trabalho dos decenviri legibus scribendis. Desse modo, iniciou-se a
fase da vivência legislativa contendo a limitação da vingança privada.

O direito romano dividia o ordenamento jurídico em duas partes:


• O Direito Privado: Tratava da situação dos indivíduos em comunidade;
• O Direito Público: Tratava dos órgãos nacionais e internacionais – bem como
os deuses.

O Direito Penal romano era feito com o princípio no dever moral (lei penal) e
aplicado pelo Estado. Uma transgressão legal era o não cumprimento de um regu-
lamento legal, sendo que para esses comportamentos era utilizado o uso da pena.
Com a utilização da pena, o delito era apagado e a ordem pública era reestabelecida.
O Direito romano estabelecia a distinção entre os ilícitos punidos pelo jus
publicum (crimina) e pelo jus civile (delicta). Os primeiros – infrações de
ordem social que atacavam a civitas (v.g., a perduellio; o parricidium) –
davam lugar a uma persecução pública realizada através da provocatio ad
populum ou das quaestiones perpetuae, e terminavam com uma poena
publica (v.g., supplicium capitale; interdictio aqua et igni; mulcta ou
damnum). Já os segundos – delicta (v.g., o furtum; a iniuria) – eram en-
tendidos como ofensa ao indivíduo e autorizavam, nos primeiros tempos,
uma reação de cunho privado. (PRADO, 2019, p. 13)

Entende-se que a correção e punição penal do criminoso (crimina publica) estava


a cargo do Estado, constituído pelo magistrado com poder de imperium. Nos crimes
e delitos privados, a pena era administrada pelo indivíduo particular ofendido e o
Estado apenas interferia para regular seu exercício. Já os delicta privata pertenciam
à esfera do Direito Privado.

De 510 a.C. até 27 a.C., surge o procedimento das quaestiones perpetuae (Lex
Calpurnia de Repetundis) na República, criadas de forma meticulosa, com a inten-
ção de julgar os autores das ações consideradas prejudiciais ao Estado sem previsi-
bilidade legal.

Logo após esse período, entre 27 a.C. e 284 d.C., na época do Império, criou-se
uma nova espécie de transgressão legal: os crimina extraordinaria, que resultava na
aplicabilidade de pena individual pela autoridade judicial à relevância do caso concreto
onde fora fundada nas disposições imperiais, na prática da interpretação jurídica ou
na deliberação do Senado.

10
É corrente a afirmação de que o Direito Penal Público romano se inicia
com a Lex Valeria (509 a.C.), que submeteu ao requisito da confirma-
ção popular (iudicium populi) as sentenças condenatórias à pena capital
prolatada por magistrados contra cidadãos romanos que recorressem à
provocatio ad populum. (PRADO, 2019, p. 14)

Sabe-se que a respeito das funções da pena prevaleciam as inclinações e indicações


retributivas e intimidativas, apesar da enorme variedade de aspectos que apresenta.

Entre as principais propriedades e particularidades do Direito Penal romano, de-


vemos considerar e ressaltar as seguintes características:
• O grande desenvolvimento atingido pelo fundamento e doutrina da imputabi-
lidade (acusação), da culpabilidade e de seus excludentes;
• A amplificação inacabada da teoria da tentativa;
• A ausência de desenvolvimento manifestado do princípio da legalidade e a
ausência de proibição da simetria;
• A asseveração do caráter público e social do Direito Penal;
• A aclamação, de forma inusitada, das causas de justificação, sendo legítima
defesa e estado de necessidade;
• A divisão entre crimina publica, delicta privata e a previsão dos delicta extraordinaria;
• A afeição do concurso de agentes, distinguindo a autoria e a opeconcilio;
• A punição (pena) compreendida como uma reação pública, correspondendo ao
Estado a sua aplicabilidade;
• O elemento particular nitidamente diferenciado. O dolo vem a ser o interesse
em cometer o delito – que se aplicava a todo campo do Direito e significava na
linguagem jurídica: astúcia, dolus. Em sua grande maioria, destacava-se pelo
adjetivo “má”: astúcia má, dolus malus, organizada com consciência da injustiça
pelo sciens.

No mais, vale observar que os romanos não fizeram nenhuma sistematização dos
recursos penais. O seu exame era feito de forma minuciosa.
É assim que os juristas falam dos vários tipos de pena, mas não se preo-
cupam em estabelecer-lhes a função. Conhecem o nexo de causalidade,
mas não o definem; conhecem o dolo, a culpa, o caso fortuito; os casos
de não imputabilidade, como a menoridade e a insanidade mental, e os de
não punibilidade, como a legítima defesa, mas não cuidam dos conceitos
de não imputabilidade e de não punibilidade; punem a tentativa, mas não
a definem; conhecem os vários casos de coparticipação no crime, mas
não os enquadram em categorias. Todavia, a leitura das obras dos juristas
romanos sugere a ideia de um Direito Penal progredido, sobretudo quan-
do, em época mais tardia, criam uma articulação de normas conectando
leges, constituições imperiais e senatus-consultos. (PRADO, 2019, p. 14)

Veja a evolução do Direito Penal neste vídeo: https://youtu.be/gDAurwIdnoA

11
11
UNIDADE Evolução Histórica

Direito Penal Germânico


O Direito Germânico – fundamentalmente habitual – discorre, basicamente, em
duas fases fundamentais:
• Época Germânica: logo após a formação dos primeiros reinos (378); e
• Época Franca: momento em que se estabeleceu um Estado único (dinastia me-
rovíngia) com estrutura espacial (481).

De acordo com a criação germânica antiga, o Direito era compreendido como


uma ordem de paz, sendo esta pública ou privada. A transgressão jurídica (delito)
compreendia-se como sua ruptura, negação e pena.

A oposição era feita de forma individual ou por um grupo familiar, dando ori-
gem à Faida (feithu), onde o criminoso/agressor era confiado à vítima ou aos seus
familiares para que eles pudessem exercer o direito de vingança. Precedentemente,
causou-se uma autêntica guerra entre famílias. A partir do século IX, transformou-se
em direito pessoal.

Com os crimes, que compreendiam uma ofensa para toda a sociedade, nascia
para o criminoso a perda de sua paz – tal situação que o excluía do grupo familiar,
tornando-se similar aos animais dos campos e à mercê de todos. Nesse cenário,
tinham o direito de matar o ofensor.

No ano de 1495, com o encetamento da Paz Territorial Eterna, a vingança privada


como direito do ofendido foi definitivamente extinta do Direito.

Entre os homens germânicos, concentrava-se a vingança de sangue (blutrache),


que, apenas em fases mais alavancadas e após o enriquecimento do poder estatal,
foi gradativamente substituída pela composição voluntária – e logo após, obrigatória.

De forma geral, entendia-se que o dever era compensar o prejuízo causado, com
intenção de haver a vingança privada. Em alguns casos, passava a ser não somente
direito da vítima, mas também um dever dela ou de sua família se vingar das ofensas
recebidas. Deste modo, constatava-se a vingança hereditária e solidária da família,
causando sua honra.

Nessa época, era muito ordinária a prova das Ordálias, como mecanismo de prova
física sofrida pelas partes (ofensor/ofendido) ou seus campeões, confiadas a explorar
e expor de modo tangível e incontestável a inocência ou ausência de inocência, sendo
primordialmente um teste de pureza.
O Direito Penal germânico resulta das leges barbarorum (Lex Salica –
500; Lex Romana Wisighotorum – 506, conhecida como Breviário de
Alarico; Lex Romana Burgundiorum – 517; Lex Rupiaria – Século VI;
Pactus – Século VII; Lex Alamannorum – Século VIII; Lex Baiuwariorum
– Século VIII), sendo certo que os primeiros diplomas integram o movi-
mento de unificação legislativa, iniciado com o processo de conversão
dos germanos ao cristianismo. (PRADO, 2019, p. 15)

12
Após esse momento, a sociedade, de forma geral, foi pouco a pouco se mistu-
rando na forma como viviam até se obter verdadeiramente uma fusão. Os hábitos
territoriais, após a chegada e habitação do feudalismo, voltaram a imperar – deixando
de lado o princípio originário da personalidade das leis. Eram redigidas em latim
desde o século VI para entrega à maior parte das tribos germânicas – tal processo
que perdurou até o século XII.
Era definido por um sistema de agrupamento peculiar e categoricamente formado
que se converteu na base de toda a ordem de punição. O conjunto jurídico diferen-
ciava-se em três tipos principais:
• Wergeld: Composta pelo pagamento ao ofendido/vítima ou ao seu grupo fami-
liar para que houvesse reparação pecuniária;
• Busse: O valor (preço) que o criminoso/ofensor deveria pagar à vítima/ofendido
ou à sua família por atribuir o delito de vingança; e
• Friedgeld ou Fredus: Pagamento de pena ao chefe tribal da época, ao sobera-
no, ao tribunal ou ao Estado, em conformidade com o preço de sua paz.

A formação, realizada por um processo histórico de mudança, deu nascente à


multa/pena que passou a integrar o sistema de penas e originou a indenização civil
de caráter jurídico-privado.
Outra relevante característica desse Direito era a sua objetividade. O que
importava era o elemento objetivo, isto é, o resultado causado. Assim,
havia uma apreciação meramente objetiva do comportamento humano
e uma confusão no que diz respeito à ilicitude. Desprezava-se o aspecto
subjetivo, não sendo punida a tentativa. (PRADO, 2019, p. 16)

A incumbência penal era tão direta pelo fato gerador e evento (Erfolgshaftung)
ou pela simples causação material (Causalhaftung) – que foi criado o termo “o fato
julga o homem”.
Naquela época, a consequência da ação era a mandante da relevância e a pena
não passava por nenhuma alteração se o resultado se desenvolvesse de forma espon-
tânea ou não, ou por caso infrequente.

Leandro Aguiar escreve, sobre o Direito Penal Germânico, que este “era visto como uma
ordem da paz. Desta forma, o crime seria a quebra, a ruptura com este estado”. Leia mais
sobre o Direito Penal germânico e outros no link: https://bit.ly/2ZugVj8

Direito Penal Canônico


O direito canônico teve sua origem jurídica na Igreja Católica Apostólica
Romana – ordenamento jurídico formado pelo Corpus Juris Canonici, resultado do
Decretum Gratiani (1140). Logo após, no século XII, foi sucedido pelos decretos dos
pontífices romanos.

13
13
UNIDADE Evolução Histórica

As instruções dadas aos confessores para administrar e ordenar a asseveração


eram os livros penitenciais, onde existia a administração do sacramento da penitência
e lá estavam incluídas as penas que deveriam ser impostas para os diversos tipos de
ofensores, delitos e pecados.

O novo código de direito canônico foi promulgado pelo Papa João Paulo II, em
25 de janeiro de 1983.

Entende-se a importância do direito canônico na Idade Média com algumas carac-


terísticas de extrema relevância para a época, por exemplo:
• O caráter de âmbito universal: quando a religião cristã era colocada como única
de caráter ecumênico (para toda sociedade);
• Áreas do Direito (casamento ou divórcio) foram organizadas pelos tribunais reli-
giosos com exclusão dos tribunais leigos;
• O direito canônico foi o único direito escrito em grande parte da Idade Média,
desenvolvendo-se de objeto de estudos jurídicos – exercendo como direito escrito
e erudito com extrema influência no desenvolvimento do direito leigo.

A palavra “canônico” vem do grego kánon, que significa regra/norma, “[...] com
a qual originariamente se indicava qualquer prescrição relativa à fé ou à ação cristã”
(PRADO, 2019, p. 17).

O cristianismo teve enorme influência e importância na legislação penal. Origi-


nou-se com a proclamação da liberdade de culto pelo imperador romano Constan-
tino (313) e teve grande extensão e transcendência a partir de 379, quando o cris-
tianismo foi declarado como a única religião do Estado, pelo imperador Teodósio I.

Nos primeiros tempos, o Direito Penal canônico teve caráter disciplinar,


passando, ao depois, com o enfraquecimento do poder estatal, a abar-
car religiosos e leigos. Nesse contexto evolutivo, a jurisdição eclesiástica
aparecia dividida em ratione personae e ratione materiae. Pela primeira
– em razão da pessoa –, o religioso era julgado sempre por um tribunal da
Igreja, qualquer que fosse o delito cometido. Na segunda – em razão da
matéria –, firmava-se a competência eclesiástica, ainda que o crime fosse
praticado por um leigo. (PRADO, 2019, p. 17)

Os crimes e delitos eram classificados da seguinte maneira:


• Delicta eclesiástica: ofendiam o direito divino. Correspondiam aos tribunais
eclesiásticos e punidos com as poenitentiae;
• Delicta mere secularia: ofendiam a ordem jurídica laica e eram julgados pelos
tribunais do Estado. A punição era comum e só às vezes sofrendo pena pelos
tribunais eclesiásticos com as poenae medicinales;
• Delicta mixta: no qual era violadas as duas ordens (religiosa e laica), dessa for-
ma, eram julgados pelo tribunal que tivesse conhecimento do delito em primeira
mão. A igreja entregava as penas com as poene vindicativae.

14
Referente à punição aos delitos, enquanto o Direito Penal romano apresentava a
punição como ferramenta de conservação social e o Direito Penal germânico apre-
sentava a punição como essência do princípio individualista, nesse estudo do Direito
Penal canônico a pena consagrava a premissa sucinta da ordem moral na qual com-
binavam com os interesses individuais e sociais.

Das punições e penas existiam inúmeras variações de ordem histórica. Mas, res-
peitando suas divergências, existiam, basicamente:
• Espirituales: pena que atingia bens espirituais e direitos eclesiásticos (por
exemplo, excomunhão, penitência); e
• Temporales: que buscavam bens jurídicos de ordem leiga (por exemplo, integri-
dade física, patrimônio e liberdade).

De todo jeito, as penas canônicas tinham como premissa básica o arrependimento


e a correção do ofensor (poenae medicinales), assim como o restabelecimento da
ordem na sociedade e a inatacabilidade da pena (poenae expiatoriae).

Embora respeitando a premissa da ordem canônica, as prisões eram o grande


feito à pena, que se enquadrava de forma generalista a partir do século XIII, sendo
extremamente relevante – tendo em vista que o direito laico só tinha conhecimento
da prisão cautelar ou provisória.

Nos tribunais eclesiásticos não eram aplicadas penas de morte – as chamadas


ecclesia abhorret a sanguine, sendo que os ofensores que deveriam sofrê-la eram
confiados às cortes laicas. Tudo isso não quer significar que a pena de morte institu-
ída pelas leis seculares fosse oposta à vontade da igreja – é o oposto: essas regras e
leis foram notoriamente autorizadas e mandadas observar.
Faz-se necessário notar aqui a instituição dos Tribunais do Santo Ofício
(Inquisição), com a utilização de procedimento inquisitório, a partir de
1215 (Inocêncio III), os quais tiveram ampla atuação especialmente na
península Ibérica, e as Ordenações da Santa Irmandade, sendo que
a Hermandad Nueva foi promulgada em 1496 pelos reis católicos.
(PRADO, 2019, p. 18)

Em relação às mais variadas características do Direito Penal canônico, vamos


destacar as seguintes:
• Contribuiu com o princípio da igualdade de todos os homens perante Deus;
• Valorizou a pena pública;
• Incrementou a penitenciária – internação em monastério;
• Contribuiu para o aspecto básico do delito, diferenciando o dolo e a culpa,
embora não tenha relacionado uma regra geral em sede de tentativa;
• Atenuou para a humanização das penas e para o desenvolvimento e fortale-
cimento do caráter público do Direito Penal. Desse modo, merecem destaque
duas instituições: Direito de asilo e Trégua de Deus; Nesse sentido, a tal vingança
privada teve um limite definitivo.

15
15
UNIDADE Evolução Histórica

Leia o texto de Claudio Demczuk de Alencar, “Algumas notas históricas sobre o processo
penal canônico”, no link: https://bit.ly/3eWPTav

Direito Penal Comum


Entende-se o Direito Penal comum como a mistura do direito romano, do direito
germânico, do direito canônico e dos direitos nacionais. Prevalece o primeiro, espe-
cialmente após o século XII. “O renascimento dos estudos de Direito romano teve
como efeito principal restaurar na Europa o sentimento do Direito, de sua dignidade,
de sua importância para assegurar a ordem” (PRADO, 2019, p. 19).
Da Itália originaram-se duas escolas: escola dos glosadores (1100-1250) e escola
dos pós-glosadores (1250-1450). A metodologia criada e utilizada por eles tinha
como premissa a necessidade de observar os textos de direito romano no seu con-
junto. Desse estudo, necessitava extrair regras gerais com o intuito de utilizá-las nos
casos concretos.
O processo penal tinha por objetivo principal a pena ao ofensor, mesmo que a co-
munidade fosse obediente a determinadas regras criadas em outros setores do direito.
É nítido que reconheçamos que a legislação penal da época tinha como base da
pena a extrema crueldade na aplicação da punição –corporal e aflitiva – com o intuito
de sobressair a vingança privada social e intimidação dos povos.
Existia, então, nesse sentido, um direito que cuidava das desigualdades, com inúme-
ros privilégios, caótico; criado com um conjunto incontrolável de ordens e regras, leis
arcaicas e costumes que eram extremamente rigorosos. Independentemente dos fatos,
até a Revolução Francesa, o Direito Criminal permanecia intacto sendo desumano.

De acordo com Leonardo Aguiar (2016), “O melhor critério para distinguir Direito Penal co-
mum e Direito Penal especial é a consideração dos órgãos que devem aplicá-los jurisdicional-
mente: se a norma penal objetiva pode ser aplicada através da justiça comum (estadual ou
federal), sua qualificação será a de Direito Penal comum; se, no entanto, somente for aplicá-
vel por órgãos especiais, constitucionalmente previstos, trata-se de norma penal especial”.
Leia mais sobre Direito Penal Comum x Direito Penal Especial em: https://bit.ly/2VBf4aY

Direito Penal Brasileiro


Vamos estudar o Direito Penal brasileiro tendo como evolução histórica o re-
sumo de três importantes fases: período colonial, código criminal do Império e
período republicano.

16
Do período colonial
Naquela época, o povo natural da região brasileira vivia num estado básico, com
muito atraso na evolução. Suas vidas eram consagradas pela instabilidade de mora-
dia – sendo nômades –, conduzidos a uma prática econômica imediata. E, segundo
os estudos de Prado (2019, p. 28), “o que existia eram simples regras consuetudi-
nárias (tabus), comuns ao mínimo convívio social, transmitidas verbalmente e quase
sempre prenhes de misticismo”.

Existia, àquela época, antes da chegada dos portugueses, a vingança privada no


formato de penalidade contra os ofensores, além da expulsão do indivíduo de sua tribo.
O Direito em vigor na colônia estava feito, precisando simplesmente ser
aplicado, depois de importado,csendo nada mais que um capítulo do
Direito português na América: fenômeno denominado bifurcação brasi-
leira, isto é, a transplantação do organismo jurídico-político luso para o
território nacional. (PRADO, 2019, p. 28)

Na época do descobrimento, ressaltavam em Portugal as ordenações Afonsinas,


publicadas em 1446, durante o reino de D. Afonso V. Elas foram classificadas como
primeiro código europeu.

No entanto, foram substituídas pelas ordenações manuelinas, determinadas assim


por D. Manuel I; após esse período, substituídas pela compilação de Duarte Nunes
de Leão, constituídas pelo rei D. Sebastião. De toda forma, os ordenamentos não
surtiram efeitos.

Naquela época, o delito era confundido com o vício e com o pecado. Contudo, a
pena era exercida de modo a conter as ofensas pelo terror e a aplicação dela depen-
dia da qualidade dos indivíduos. Tal conduta ocorreu por muito tempo, alcançando a
vida brasileira por mais de dois séculos consecutivos.

Do Código Criminal do Império


Em 1824, D. Pedro I concedeu a Carta Magna brasileira, acolhendo, no seu artigo
179, princípios sobre os direitos e sobre a liberdade de cada indivíduo. Ela alterou em
partes o sistema penal que estava em vigor.

Em partes específicas da carta, havia a escrita com a necessidade de elaborar e


criar um código criminal com base na solidez da justiça e na sua equidade.

Bernardo Pereira de Vasconcellos e José Clemente Pereira fizeram um projeto


de código criminal e ambos foram direcionados a uma comissão para tal análise e
posterior parecer. O parecer mais bem quisto foi o de Bernardo Pereira de Vascon-
cellos, por se tratar de maior desenvolvimento das máximas jurídicas e equitativas
(objetivo inicial) e por tratar as penas num teor mais divisório – sendo assim, seria
melhor regulada e distribuída na sociedade e não requeria tanto retoque e acréscimo
das punições.

17
17
UNIDADE Evolução Histórica

Com isso, em 1830, D. Pedro I sancionou o Código Criminal do Império do Bra-


sil. Foi o primeiro código da América Latina a ser autônomo. Esse código também
tinha base no código penal francês de 1810, no código de Baviera de 1813, no có-
digo napolitano de 1819 e no código de Louisiana de 1825. Mas vale ressaltar que
não sofreu filiação a nenhum desses códigos.

O novo código foi composto de 313 artigos, distribuídos em quatro partes, sendo elas:
• Dos crimes e das penas (sendo parte geral);
• Dos crimes púbicos;
• Dos crimes particulares/privados;
• Dos crimes policiais.

No que diz respeito à punição e penas, existia a regra geral de sua aplicabilidade:
pena de morte, galés, prisão com trabalho, prisão simples, banimento, degredo, des-
terro, multa, suspensão de emprego, perda de emprego e açoites. De acordo com
Prado (2019, p. 31): “Dispunha, também, sobre a imprescritibilidade das penas (art.
65); o perdão, concedido pelo imperador (art. 66), e o perdão do ofendido (art. 67)”.
O primeiro código penal brasileiro teve muita influência no código espanhol de
1848 e no código português de 1852. De acordo com o código penal espanhol,
em respeito à legislação penal latino-americana, foi afirmado que o código brasileiro
continha inúmeros progressos.
Em 1832 foi promulgado o código de processo criminal, e, em 1871, a lei sobre
os delitos culposos, finalmente.

Do Período Republicano
Baptista Pereira foi encarregado de desenvolver um projeto de código penal e ele
o fez. Em 1890, foi convertido em lei.
Claro que não se poderia exigir muito, pois foi elaborado com certa pressa, pouco
antes da Constituição Federal de 1891. O código penal, assim, oferecera grandes de-
feitos na técnica, tornando-se atrasado em relação ao seu tempo. Na época, foi alvo
de inúmeras críticas, visando a um estudo para sua substituição.
Foi exposto que, com o atual código penal, nasceu a tendência e a necessidade de
reformá-lo. A contar da sua data de entrada, começou a cogitar a emenda dos erros
e falhas, atrasando em relação à ciência penal do seu tempo. Com base nisso, sur-
giram muitos projetos novos para elaboração de um novo código penal. João Vieira
de Araújo apresentou o seu projeto em 1893. Já em 1913, foi a vez de Galdino
Siqueira. Em 1928, Virgílio de Sá Pereira publicou o seu projeto, sem obter sucesso,
mesmo após inúmeras formas de projetos.
Lá em 1937, Alcântara Machado apresentou um novo projeto de código criminal
brasileiro que foi direcionado à comissão de análise. Esse foi sancionado por decreto
em 1940. Como código penal, passou a vigorar desde 1942 até os dias atuais – com
poucas reformas.

18
De todas as leis que alteraram o código penal em vigor, há destaques especiais
quanto à Lei 6.416, de 1977, e a Lei 7.209, de 1984, que criou uma nova parte geral
com notória influência finalista.
Objetivando a substituição do Código Penal de 1940, solicitou-se a Nélson
Hungria o preparo de um anteprojeto de Código Penal. Terminado em
1963, foi revisado e promulgado pelo Dec.-lei 1.004, de 21 de outubro de
1969, retificado pela Lei 6.016, de 31 de dezembro de 1973.

O Código Penal de 1969, como ficou conhecido, teve sua vigência sucessivamente
postergada até que finalmente foi revogado pela Lei 6.578, de 10 de outubro de 1978
(PRADO, 2019, p. 33).

O projeto de Lei 236/2012 (Projeto Sarney) tem como objetivo a reforma do Có-
digo Penal. Apesar disso, houve grandes críticas doutrinárias em relação aos princí-
pios penais. Com isso, existiu o panorama de que tal reforma fosse a vergonha para
a ciência mediante o estudo do projeto.

Diego Rocha traz um tira-dúvidas a respeito do Código Penal Brasileiro.


Disponível em: https://bit.ly/2BW5bh8

19
19
UNIDADE Evolução Histórica

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

 Sites
Código Penal brasileiro
Acesse o site para conhecer o Código Penal brasileiro por completo, inclusive
com as modificações que sofreu ao longo dos anos, desde que foi criado, em 7 de
dezembro de 1940.
https://bit.ly/38n5KwL

 Livros
Curso de Direito Penal Brasileiro
PRADO, L. R. Curso de Direito Penal Brasileiro. 15. ed. Rio de Janeiro: Thomson
Reuters, 2017. v. 2.

 Vídeos
Código Penal Completo
Sandro Gonçalves, no vídeo, lê o Código Penal brasileiro.
https://youtu.be/tYFBKPGDkls

 Leitura
Relações de gêneros: (des)construindo conceitos a partir dos códigos penais de 1890 e 1940
Nesse artigo, Jéferson Luis de Azeredo e Jhonata Goulart Serafim analisam as
diferenças de tratamentos nos dois códigos penais em relação aos sexos feminino
e masculino (é necessário realizar o download do arquivo. Clique em “Baixar este
arquivo PDF”).
https://bit.ly/3gjMLWr

20
Referências
ADREUCCI, R. A. Manual de Direito Penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2020.

AGUIAR, L. Direito Penal comum x Direito Penal especial. Jusbrasil, 20016. Dis-
ponível em: <https://leonardoaaaguiar.jusbrasil.com.br/artigos/324818459/direito-
-penal-comum-x-direito-penal-especial>. Acesso em: 05/04/2020.

________. Evolução histórica do Direito Penal. Jusbrasil, 2016. Disponível em: <ht-
tps://leonardoaaaguiar.jusbrasil.com.br/artigos/324823933/evolucao-historica-do-
-direito-penal>. Acesso em: 05/04/2020.

ALENCAR, C. D. Algumas notas históricas sobre o processo penal canônico.


Revista de Informação Legislativa, ano 50, n. 198, abr./jun. 2013. Disponível
em: <https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/50/198/ril_v50_n198_p285.pdf>.
Acesso em: 05/04/2020.

AZEREDO, J. L.; SERAFIM, J. G. Relações de gêneros: (des)construindo conceitos


a partir dos códigos penais de 1890 e 1940. Rev. Técnico Científica (IFSC), v.
3, n. 1, 2012. Disponível em: <http://periodicos.ifsc.edu.br/index.php/rtc/article/
view/598/428>. Acesso em: 11/04/2020.

BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Dispo-


nível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm>. Acesso
em: 11/04/2020.

CORREA, L. M. Direito Penal | Kultivi – Evolução do Direito Penal. Kultivi (YouTube),


15 dez. 2017. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=gDAurwIdnoA>.
Acesso em: 04/04/2020.

GONÇALVES, S. Código Penal Completo. YouTube, 25 set. 2019. Disponível em:


<https://www.youtube.com/watch?v=tYFBKPGDkls>. Acesso em: 11/04/2020.

PRADO, L. R. Curso de Direito Penal Brasileiro. 15. ed. Rio de Janeiro: Thomson
Reuters, 2017. v. 2.

________. Curso de Direito Penal Brasileiro. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.

ROCHA, D. Tire todas as dúvidas sobre o Código Penal Brasileiro. Blog da Aurum,
9 jul. 2019. Disponível em: <https://www.aurum.com.br/blog/codigo-penal-brasilei-
ro/#3>. Acesso em: 11/04/2020.

21
21

Você também pode gostar