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Um primeiro critério divide a história do nosso direito de acordo com fatores políticos,
consubstanciados nas formas do Estado. Tal orientação considera, numa formulação mais
completa, os seguintes períodos:
- Período pré-romano;
- Período Romano;
- Período Da Reconquista;
- Período Republicano.
Todavia, tal classificação apresenta como sério inconveniente a redução da história jurídica à
história dos factos políticos, consubstanciados estes na história do Estado. O mesmo vício se
encontra nas posições que dividem a história do direito fundamentalmente de acordo com
dinastias ou reinados, como defendem autores como Marcello Caetano.
Também aqui se encontra latente o predomínio do direito público e o direito privado, a ideia
do Estado como o grande fator de produção de direito, a crença de que o Estado se identifica
essencialmente com a administração pública.
Uma outra orientação apresenta a periodificação de acordo com o predomínio do elemento
jurídico externo (fontes) sobre o jurídico interno (instituições). Assim, deve-se estabelecer os
seguintes períodos:
- Período de grande predomínio da legislação geral e escrita, primeiro dispersa, mais tarde
reunida em códigos (ordenações;
- Período moderno, caraterizado pelo predomínio despótico e exclusivo da lei como fonte de
direito, e pelo sistema das grandes codificações científicas.
Periodicação adotada
Ao historiador do direito cumpre encarar as normas não só no seu conteúdo, mas integrá-las
também no quadro das fontes respetivas e no contexto social e institucional respetivo. O
ordenamento jurídico de uma época não nasce de um ato instantâneo. É constituído por
normas herdadas das épocas anteriores e por outras que se vão acrescentando
paulatinamente.
Para os autores, Martim e Ruy de Albuquerque, existem dois grandes períodos na história do
dirieto português. O primeiro corresponde a uma ordem jurídica essencialmente pluralista
(1143-1415). O segundo a uma ordem jurídica essencialmente monista (1415 em diante). A
transformação de uma na outra opera-se com a concentração nas mãos do Estado das fontes
de produção jurídica, de forma quase exclusiva.
Neste período coexiste uma heterogeneidade de fontes: costume, direito prudencial, direito
supra-estatal, direito estatal-legaç e direitos locais, sem esquecer o pluralismo étnico-
religioso correspondente à inserção de comunidades judaicas e mouras no contexto do reino,
dotadas de direito próprio.
Não existe o domínio do direito emanado do poder central, mas sim o direito de uma
pluralidade de instituições. Estamos ainda longe da figura do Estado, mas apenas perante as
figuras do regnum, do status rei publicae, do dominium, e que se encontram limitadas pelo
pluralismo jurídico.
Já na segunda época, surge o conceito moderno de Estado com a sua pretensão de deter o
direito. Começando por disciplinar o valor do costume, do direito prudencial e do direito
supra-estatal, o Estado acabará por proclamar a redução do direito aos factos jurídicos por
ele promulgados, e o dirieto acabar-se-à por se identificar como lei.
O jurista deixa de ser prudente, pois passa a ser progressivamente convertido de jurista
autónomo em jurista burocrático, posto ao serviço dos fins do Estado.
Ao mesmo tempo, a Coroa alcançou meios e incentivos suficientes para subordinar a nobreza
de corte ao seu poder, extinguindo qualquer tipo de oposição, assim como o clero. Nascia
assim uma vontade admistrativa formadora do Estado.
Incontestado no plano interno, o rei vai também apresentar-se com outra dimensão no plano
internacional. O rei torna-se a cabeça do Estado, deixando progressivamente de ficar
dependente da Santa Sé, devido à subordinação interna do clero, e mesmo em relação aos
demais estados europeus, em que a maioria ainda não tinha conseguido alcançar o equilíbrio
necessário para a hierarquização das forças interiores, todos caíam aos seus pés.
Tomaremos a data da conquista de Ceuta (1415) por termo final do primeiro e inicial do
segundo. Foi esta data que inagurou a chamada Idade Oceânica da História Universal e das
Descobertas Portuguesas, o facto de maior importância na vida nacional e de maiores
consequências, diretas e indiretas, no nosso direito.
A Justiça
Dentro também dos quadros do tempo, esta plenitude individual relativa à justa configuração
da vida coletiva pressupõe, por seu turno, o acatamento pelo homem da lei divina e da lei
natural.
A justiça particular separa-se da justiça universal devido às relações com o mundo, isto é,
enquanto que a justiça universal é intra-subjectiva, pois diz respeito ao carácter e à
consciência de cada pessoa, sendo a justiça ideal e modelar (síntese de todas as virtudes), a
justiça particular é inter-subjectva porque diz respeito às relações dos elementos duma
comunidade e, portanto, correspondia a uma virtude especifica decada um receber aquilo
que lhe era devido.
As modalidades da justiça
- Justiça espiritual: atribuição a Deus do que lhe é devido pelo Homem. Os sujeitos não estão
em pé de igualdade nesta relação, Deus é uma entidade transcendente, uma força superior;
- Justiça política: relação entre o Estado e os cidadãos. Relaciona o todo com as partes. De
certo modo, também não é uma relação de igual para igual;
- Dulia: Justiça para com merecedores de honra e consideração. Não está num plano
estritamente relacionado com disciplina e obediência, está num plano que relaciona homens;
- Justiça comutativa/ proproção aritmética: aquela que postula (pretende) uma igualdade
absoluta. Muito usada para casos de contencioso, diz respeito às relações entre iguais.
- Justiça geral/social/legal: aquilo que é devido pela parte ao todo para que possa exercer a
justiça distributiva. Tratar igualmente o desigual traduzir-se-ia numa desigualdade.
Exemplo: Se a professora desse 18 a todos os alunos, não seria justo, tendo em conta que
algumas pessoas esforçaram-se mais que outras, e por isso têm mais mérito. É por isso
importante ter em conta critérios de:
- Mérito;
- Necessidade;
- Capacidade.
Sendo Deus o modelo dos homens, feitos à Sua imagem, seguia-se, naturalmente, a
consequência de uma justiça humana, também objetiva, embora não perfeita, e apenas
reflexo da justiça divina. Enquanto que a justiça subjetiva permite em si mesma variações, a
justiça objetiva é entendida como forma de retidão plena e normativa, funciona como um
modelo de conduta.
Posto isto, e sendo fácil encontrar para a justiça divina o seu modelo objetivo – deus na sua
perfeição, qual o paradigma de conduta justa que se impõe objetivamente na vida em
sociedade? Não, decerto, o modelo do Santo, pois isso transcenderia o comum dos homens,
ou o modelo de crimino. Sob a influência da ideia romana do bonus pater familias, a
jurisprudência medieval determinou o conteúdo da justiça humana objetiva com recurso à
ideia do homem médio. Este, na racionalidade do seu atuar, constitui o exemplo a seguir.
Justiça e Direito
NOTA: Grande diferença entre Direito e Justiça (filho, Direito, mãe, Justiça). O direito possui
um instrumento que lhe permite impor a execução de uma sanção. Possui coercibilidade.
Nesse sentido, executa a justiça, dá-lhe voz.
Concebeu o pensamento medieval a justiça como a causa do direito. O direito está para a
justiça como o filho para a mãe. Os 3 preceitos do direito de Ulpiano são comuns à própria
justiça, conforme ensinou Álvaro Pais:
Entre direito e justiça, a diferença reside no facto do último traduzir a justiça mediante
preceitos autoritariamente fixados.
O direito é apenas um instrumento de revelação de justiça. Para além do mais, o direito possui
um instrumento que lhe permite impor a execução de uma sanção, isto é, possui
coercibilidade. Nesse sentido, executa a justiça, dá-lhe voz.
Direito Divino
Para o Homem medieval, o direito situava-se, não apenas no plano humano, mas, em última
análise, da realidade que ultrapassa o Homem – Deus. Eis o direito divino.
Este conceito, porém, deve entender-se através de uma precisão terminológica, pois na Idade
Média aludia-se, por vezes, indiferentemente, ao direito natural e divino. A distinção entre os
dois direitos torna-se, contudo, absolutamente precisa em autores como S.Tomás de Aquino.
Para Santo Agostinho, a lei eterna é a razão e vontade de Deus que manda conservar a ordem
natural e proíbe que ela seja perturbada. Já a lei natural era entendida como inscrita por Deus
no coração do Homem.
Lei eterna: é a própria razão de Deus, ordenadora de todas as coisas. Dela precedem
a lei natural e a lei divina;
Lei natural: a lei natural é entendida como participação do homem na lei eterna e
encontra-se impressa na alma humana, dela devendo os legisladores extrair as regras
de conduta, as normas ou as leis mais adequadas ao condicionalismo histórico.A lei
natural decorre da natureza humana, é participação da lei eterna na criatura racional,
tendo sido promulgada através da sua impressão na mente do homem, pelo que é
naturalmente cognoscível.
Lei divina: também a lei divina é uma expressão da lei eterna, constitída pelo Velho e
Novo Testamento. Foi por Deus expressamente revelada para que o homem pudesse,
sem dúvidas , ordenar-se em relação ao seu fim sobrenatural – a bem aventurança
eterna;
Lei humana: aquela que é feita do Homem para os Homens, resultante de uma
confluência harmoniosa das anteriores leis
Porém, entre nós, a grande orientação tomada foi a da racionalidade, acreditando-se que “em
todas as criaturas está posta uma luz natural de inteligência pela qual se nos facilita o caminho
de podermos vir ao natural conhecimento do Criador, já deposta a escuridade da primeira
ignorância”
Esta discussão em torno do caráter racional ou não do direito natural, pela sua restrição
apenas ao homem ou pelo seu alargamento aos animais, não deve ser confundida com uma
outra concentrada nos debates entre racionalistas e voluntaristas. Estes reportam-se ao
direito natural como derivação da lei eterna e à conceção desta com a vontade de Deus. Entre
nós, foi sobretudo a corrente racionalista que, por influência de S.Tomás de Aquino, teve
maior adesão.
Paralelamente a esta corrente, surgiu uma outra vertente, de caráter mais profano e
filosófico, que defendia que o Direito Natural era a razão que se encontrava no próprio
homem, que é fruto da natureza de Deus.
O Direito Natural provém da realidade das coisas, do mundo físico; a Natureza é o agente
primário e Deus apenas a causa remota Como nome representativo desta vertente pode-se
indicar o nome de Alain de Lille.
Assim, enquanto que para Santo Agostinho o Direito Natural foi conferido por Deus desde a
criação do Homem, para Alain de Lille, o Direito Natural deriva da natureza que, de qualquer
das formas, acaba ligada a Deus.
Assim, enquanto que para o primeiro o Direito Natural vem de Deus para o Homem, o
segundo o direito natural provém da realidade das coisas, do mundo físico, para depos
adquirir uma conotação moral, na medida em que a natureza é força agente de Deus.
De um ou outro modo, o direito natural medievo aparece hoje muitas vezes denominado de
direito natural teológico, por contraposição ao direito natural da Idade Moderna, a que se dá
muitas vezes o nome de profano ou laico, visto que não é preciso recorrer a Deus para
fundamentar a sua validez, é algo exterior a Ele.
No período medievo, os governantes não estavam somente subordinados à lei divina, mas
também o estavam à lei natural. Este era entendido como algo de transcendente em relação
aos titulares do poder e como verdadeira ordem normativa, obrigatória e vinculante. Tratava-
se de um setor jurídico que se sobrepunha à vontade dos governantes e dos súbditos, de todo
e de qualquer comunidade, da Igreja ao Império. Era entendimento vulgar que se o príncipe
estava acima da lei positiva se encontrava abaixo da lei natural.
O que importa do prisma do historiador é salientar o facto de, no período medieval, se poder
discutir o que fosse o direito ou a lei divina, mas não a existência dessa ordem jurídica. A
necessidade de ela ser respeitada pelos governantes representava mesmo um dado
axiomático e indiscutível. Os governantes não estavam, aliás, apenas subordinados à lei
divina, mas também à lei natural.
Assim, enquanto que os teólogos estabeleciam uma diferenciação entre preceitos móveis e
imóveis (aqueles que com diversa possibilidade de modificação, consoante a sua natureza),
os canonistas distinguiam as normas que preceituam ou ditam, as que proíbem ou que
interdizem, e as que demonstram ou permitem. Mais algumas variações teóricas foram feitas
ao longo do tempo. Apenas as normas que ordenam ou impedem são intocáveis.
Outra separação tinha lugar, quanto ao direito natural, em preceitos primários e secundários,
os últimos reconhecidos em geral como suscetíveis de certa variação.
Para além destes, existiam outros ainda mais particulares, que S.Tomás designa de preceitos
terciários. Estes vêm definidos na sua obra como conclusões em relação aos preceitos
primários.
Quanto aos preceitos secundários, este admite uma certa possibilidade de variação, mas de
forma muito restritiva.
Seja como for, interessa é considerar que historicamente se admitiu a variabilidade de uma
parte do Direito Natural, embora meramente superficial, o que permite compreender e
justifica a possibilidade de determinada ação ser considerada num momento conforme e
noutro contrária àquele direito. O espirito dele devia, porém, permanecer intacto.
Um último aspeto que tem relevância destacar está relacionado com a dispensa desses
direitos, o que era competência exclusiva do Papa, como representante da vontade de Deus.
Com efeito, só o Papa, perante um determinado caso concreto que lhe fosse apresentado,
poderia dispensar alguém da observância de uma norma de direito natural ou de direito
divino, e fazer aplicar outra.
Porém, esse alguém não era qualquer cidadão, pois, apenas o monarca, em certas situações
que não pusessem em causa o bem comum, poderia pedir a dispensa das leis de direito
natural ou direito divino. A dispensa da lei poderia revestir duas formas: através da Magna
Causa/Justa Causa ou através da Causa Probabilis.
Aqui interessa frisar que, historicamente, se admitiu a variabilidade de uma parte do direito
natural, embora meramente superficial, o que permite compreender a possibilidade de
determinada ação ser considerada num momento conforme e noutra contrária a um direito.
No entanto, o espírito dessas leis manteve-se intacto.
O estudo histórico do Direito implica a consideração de uma ordem jurídica que ultrapassa os
governantes, de uma ordem suprapositiva que se estende a todos. Por isso mesmo, (para lá
da lei eterna cuja universalidade era óbvia), não faltou quem qualificasse o Direito Natural
como Direito Comum.
O ius gentium era concebido como direito costumeiro (o costume da humanidade), posterior
ao direito natural e anterior a toda e qualquer lei escrita. Se o direito natural existe desde os
primórdios do género humano, o direito das gentes aparece depois do pecado original e em
consequência dele.
Há ainda que ter em consideração a existência de preceitos que, sendo de origem humana,
se situam para lá do espaço nacional ou do espaço politico concreto – Direito Supra regna
(caso do direito canónico).
Para o Prof. Braga da Cruz, o costume pode ser entendido como tudo quanto representa uma
formação espontânea de direito, ou toda a norma jurídica formada por qualquer modo que
não pelo processo legislativo. Assim, entende-se que o costume abrange o direito de criação
não intencional e o direito não escrito.
A Vindicta privada (vingança, justiça privada, justiça feita pelas próprias mãos) era uma prática
comum e considerada normal no período pluralista, porém, como não era aceite pelo
monarca D.Afonso IV, para a abolir e assim ganhar o controlo judicial, este passou a definir o
bom costume como sendo aquele que a ela se contrapunha, substituindo-a por práticas ou
normas de bom costume.
Requisitos do costume
▪ Antiguidade: O costume tinha de ser plural e antigo, o que lhe dava o carácter de prática
reiterada e com convicção de obrigatoriedade. A antiguidade deveria ser relacionada com o
conceito de prescrição, o que implicava o decurso de um determinado período (10 anos se
invocado contra pessoas presentes e 20 anos se invocado contra pessoas ausentes)
▪ O costume tinha ainda de ser ajustado à lei divina, ao direito natural e à utilidade pública.
Não obedecendo a estes requisitos, o costume não era julgado como bom costume.
Quanto ao valor jurídico do costume, importa referir que, na época medieval, na falta de lei,
o costume aplicava-se como lei, além disso funcionava também como intérprete da lei. O
costume podia também ser integrado nas lacunas dos foros, corrigi-los ou mesmo revogá-los.
▪ Estilo : é uma espécie de direito não escrito, pois corresponde à prática de um tribunal que
cria um estilo de decisão, uma norma consuetudinária de direito processual, passando assim
a ser o costume o orientador da forma como se iria processar.
O estilo difere do costume consagrado pela generalidade das pessoas porque resulta do de
determinado pretório (juiz). O estilo também é designado pelo costume em casa del rei na
cúria régia. Os requisitos do estilo são a racionalidade, a conformidade ao direito
suprapositivo (direito natural) e a pluralidade.
• Façanhas: eram decisões de tal forma complexas que entendia-se que deveriam passar a
funcionar como um padrão de referência para o futuro (regra do precedente britânico). José
Anastácio de Figueiredo defende que as façanhas são sempre de natureza régia, na medida
em que a sua exemplaridade advém duma personalidade superior que, na época, só poderia
ser o monarca.
Defende também este autor que as façanhas só se aplicavam a casos duvidosos ou omissos
na legislação pátria, querendo isto dizer que apenas poderiam resultar da resposta a casos
que não tinham sequer tutela na legislação geral.
• Alvidros ou Juízes Alvedrios: a palavra façanha designa vulgarmente uma ação heroica,
singular, assinalada, fora do comum ou do normal.
Os alvidros, também designados por juízes alvedrios, eram decisões dos tribunais arbitrais,
sendo os juízes alvedrios escolhidos livremente pelas partes, que deviam julgar nos termos
dos poderes por elas conferidos, para resolver questões normalmente relativas à actividade
mercantil ou marítima. As decisões dos juízes alvedrios sustentavam-se no costume e
poderiam ser aplicadas futuramente por outros juízes, já que os juízes alvedrios eram pessoas
com grandes conhecimentos nas áreas para as quais eram chamados a proferir decisões. Das
decisões dos alvidros cabia recurso para os trinunais superiores.
Os alvedrios correspondiam à faculdade da justiça (juíz) integrar uma lacuna ou criar uma
norma para suprir o defeito de um estatuto, não significando, a possibilidade ilimitada de
atuação mas decisão por outros valores, como o costume e a equidade.
Podemos referir-nos ao direito canónico como direito supra regno, pois encontra-se para lá
da esfera de competências do Rei. Para designar a ordem jurídica aqui apresentada também
foram utilizadas outras expressões para lá de direito canónico, nomeadamente direito
pontifício, direito cesário, direito das decretais ou direito eclesiástico.
O direito canónico pode ser definido como um conjunto de regras instituídas pela igreja para,
no fundo, conformar o pensamento dos fieis.
Impõe-se, também, explicar o signicado de canone, que são as normas criadas pela igreja
(seculares), que se contrapõem com as normas que são as leis civis. Todavia, na Idade média
entedia-se que os canones correspondiam a decretos do Sumo Pontífice e às estatuições dos
concílios.
Fontes de direito canónico
Estabelecida a noção de direito canónico, vamos agora ocuparmos das suas fontes, isto é, dos
modos de formação e revelação deste direito. Distingueremos, a este propósito, as fontes
essendi, as fontes que criam o direito, das fontes cognoscendi, as fontes que revelam o
direito.
Fontes Essendi:
- As Sagradas escrituras são a primeira e essencial fonte, caráter sacral que transcendem o
Homem. No entanto, temos de ter em consideração que, apesar da sua importância, não era
através destas que a mensagem de Deus chegava ao comum dos mortais, tendo em
consideração a elevadíssima taxa de analfabetismo à data.
Inhesiva: explicitamente
Declarativa: implicitamente versada pelas escrituras
Constitutiva: Saber tradicional, geracional, reiterado, mas que não traduz matéria nem
expressa ou implicitamente versada pelas escrituras
Conformidade à fe;
Imposição da verdade;
Racionalidade;
Antiguidade (prazo adequado: 10 ou 20 anos, divergencia aqui)
- Canones: em sentido amplo, corresponde a qualquer norma da igreja. Porém, como norma
estrita, corresponde às determinações dos concilios (reunião eclesiástica). Existem vários
tipos de concilios, os ecumenicos (universais), nacionais e à escala local. As regras que
emanam daqui chamam-se canones;
- Decretos: normas que o Papa estatui, sem ter pedido de consulta de alguém;
- Decretais: normas que o papa estatui sozinho, ou com os seus cardeais, a pedido de consulta
de alguém;
- Concordias: em comum, as concordias e as concordatas, são acordos que tem o papa como
co-outorgante. Mas as concordias são acordos enter o rei e o clero nacional,
Fontes Cognoscendi:
O direito canónico tem várias colecções divididas em direito velho e em direito novo.
Decretais de Gregório IX: obra datada de 1234, dividida em cinco livros compostos
pelos decretos pontifícios do séc XII e XIII que foram reunidos por Gregório IX;
Livro Sexto das decretais: coleção de decretais posteriores a 1234 e promulgadas por
Bonifácio VIII;
Clementinas: recolha de decretais subsequentes, publicadas por Clemente V, em
1313, por vezes designadas por Sétimo Livro dos Decretais;
Uma outra classificação das fontes canónicas atende à territorialidade: ao direito universal,
aplicável em todo o lado, contrapõe-se o direito particular, vigente apenas em determinadas
circunstâncias (canones dos concilios nacionais, diocesanos, as determinações fundadas em
poderes jurisdicionais circunscritos a um território)
Tendo sido fonte importante de direito em Portugal, o direito canónico aplicava-se, não
apenas em tribunais eclesiásticos, mas também em tribunais civis, designados de tribunais do
Rei.
O direito canonico era aplicado nos tribunais eclesiásticos (o topo de recurso é o Papa) e os
do rei (cúria régia, remonta à monarquia visigótica, era não só o orgão de aconselhamento do
Rei, como o mais importante Tribunal do Reino). Não havia, claramente, separação de
poderes (associamos ao liberalismo). Assim, não havendo distribuição de poderes, o Rei
administra, governa, legisla e julga.
Mas governa aconselhado, nas Cortes de 1261, os homens bons do terceiro estado integram-
se na cúria. Esta podia funcionar em termos ordinários ou excecionais.
Aplicação nos tribunais civis enquanto direito preferencial ou subsidiário. O critério do
pecado
Nos tribunas civis o direito canónico aplicou-se também, primeiramente, como direito
preferencial. Seria o próprio Rei que assim determinaria. Na cúria de Coimbra, em 1211,
decidiu D.Afonso II que as suas leis não valessem se feitas ou estabelecidas contra os preceitos
da Santa Igreja de Roma.
É certo que este passo sofreu uma interpretação restritiva por parte do Prof.Braga da Cruz.
Dentro de uma onda praticamente unânime nesta matéria, Braga da Cruz interpreta esta lei
no sentido em que a referência que se faz a direito não se refere às fontes de direito canónico,
mas antes a uma referência aos previlegios do clero. Para o autor, D.Afonso II não proferiu
uma hierarquia, quis antes dizer que o direito regio não poderá atentar contra os direitos dos
membros da igreja.
- Critério da pessoa: certas pessoas devem ser aqui julgadas? Que pessoas? Os membros do
clero. Porém, os reis tentarão limitar esta abrangência. Regra do foro do réu. Se a parte for
membro do clero, deve ser aqui julgado, mas se não for, deve o reu ser julgado nos tribunais
do Rei. Para evitarem um abuso de utilização, fez-se critérios para limitar.
Mas há certas pessoas que têm privilégio de foro e que, por isso, podem ser julgadas nestes
tribunais, nomeadamente as pessoas miseráveis, as viúvas e os órfãos. Mas também
poderiam ser julgados os professores universitários e alunos.
Os nossos reis pouco legislaram, D.Afonso II foi talvez o primeiro rei legislador. Os primeiros
só fixeram uma lei. Depois existe uma especial incidência com D.Afonso III e e D.Dinis.
Qualifica-se o período de direito romano antigo (ius vetus) aquele que decorre desde o seu
aparecimento até meados do séc. XII.
Uma primeira fase é marcada pela quase exclusividade das fontes de direito divino,
posteriormente, seguiu-se o processo do costume e de outras fontes de direito de direito
humano.
Estas fontes tornaram-se cada vez mais complexas e passaram a regular cada vez mais
aspectos, sentindo-se, por isso, a necessidade de colectâneas que reunissem e
sistematizassem essas normas.
A partir do século XII em diante verifica-se, uma grande renovação na esfera do direito
canónico.
Não se considera, contudo, que tenha existido um renascimento, porque ao contrário do que
aconteceu com o direito romano, nunca existiu um momento de rutura, nunca houve uma
quebra de continuidade na evolução jurídico-canónica. O direito da Igreja sempre conheceu
uma linha de progresso.
Pelos fins do séc. XI, inicia-se um esforço pontifício de unificação normativa da Igreja,
contrário aos particularismos nacionais ou regionais, e que atribuía principalmente à Santa Sé
a criação dos preceitos jurídico-canónicos.
O Decreto de Graciano (1140) foi um grande marco na evolução do direito canónico. Foi
elaborado por João Graciano, monge e professor em Bolonha, que procurou fazer uma síntese
e compilação dos princípios e normas vigentes. O seu autor tinha como objetivo coordenar,
harmonizar e esclarecer preceitos de diversas proveniências, agrupando-os de forma
sistemática e não de forma cronológica ou geográfica. Esta colectânea, difundiu-se como lei
geral da Igreja, sob o nome de decreto.
Seguiram-se as Decretais de Gregório IX, que são uma obra (dividida em 5 livros) de
colectânea de normas pontifícias posteriores à obra de Graciano.
O decreto e as decretais completavam-se, numa lógica semelhante entre o Digesto e o
Código. O Decreto condensava o Direito Antigo da Igreja e as Decretais o Direito Novo.
Confrontam-se dois textos de direito comum: um deles assente nesses textos e outro baseado
nos preceitos romanísticos.
Também se operou uma divulgação considerável dos textos de direito canónico, através de
numerosas cópias, realizadas, ou não, na Península, e até de traduções.
Deverá, ainda, ser referido o ensino do Direito Canónico nas universidades peninsulares, não
terá sido comparável a Bolonha, tomada como modelo, porém, a adoção de métodos
idênticos, géneros de literatura jurídica e sistemas pedagógicos nunca deixaria de produzir
alguns resultados positivos.
A penetração do Direito Canónico não se processou, contudo, sem resistência. Esta evidencia-
se à medida em que os monarcas vão consolidando o seu poder:
- Beneplácito Régio
O facto mais sintomático desta situação foi o beneplácito régio, isto é, o instituto pelo qual
os reis resguardam para si o direito de controlar a publicação dos textos apostólicos do reino.
Entre nós, este instituto foi introduzido por D. Pedro I, sendo de destacar o momento em que
o rei foi questionado, nas Cortes de Elvas, em 1361, sobre a proibição de se publicarem letras
pontíficias, ao que o Rei terá respondido afirmativamente.
Existiu também alguma resistência no que diz respeito à prática da justiça em zonas mais
rudimentares. No reinado de D.Dinis, aplica-se, com latitude e de forma direta, o direito
romano. Porém, muitos juízes não sabiam sequer ler ou escrever, por isso, existia uma certa
resistência na interpretação de um direito tão aperfeiçoado.
O Direito Comum
Designa-se Direito Comum (“Ius Commune”) o sistema normativo de fundo romano que se
consolidou com os Comentadores e constituiu, embora não uniformemente, a base da
experiência jurídica europeia. Alude-se ainda a direito comum romano-canónico.
Assim, a expressão tanto se encontra usada, restritivamente, para abranger apenas o sistema
romanístico, como, num sentido amplo, que compreende também outros segmentos
integradores, muito em especial o canónico.
De um modo geral, durante os séculos XII e XII, o direito comum sobrepôs-se às fontes com
ele concorrentes, seguiu-se um período de equilíbrio e, posteriormente, os direitos próprios
foramse afirmando como fontes primaciais dos respectivos ordenamentos e o direito comum
tendeu a passar ao simples posto de fonte jurídica subsidiária. O termo desse ciclo, em
começos do séc. CVI, dá-se com a independência plena do “ius proprium”, que se torna
exclusiva fonte normativa imediata, assumindo o “ius commune” o papel de fonte subsidiária
apenas mercê da autoridade ou legitimidade conferida pelo soberano, que personificava o
Estado.
Discussão em torne da origem do direito romano em Portugal
Não existe certezas quanto ao ano em que o direito romano justinianeu foi introduzido em
Portugal.
Todavia, sabe-se que uma lei sobre a suspensão de penas e sobre mutilação de cadáveres, no
reinado de D.Afonso II, depois recolhidas nas ordençoes afonsinas, foi nitidamente
influenciada pelo direito romano justinianeu.
A partir deste marco, alguns historiadores fazem a concluiem que o direito romano já havia
sido introduzido por volta dessa data.
NOTA: fonte, muito difundida entre nós, influenciada pelo direito romano justinianeu:
As sete partidas de D.Afonso X de Castela. Dicute-se a data de elaboração (1263 ou 1265). No
acerco normativo de D.Afonso II (ordenações afonsinas), aparecem partes que constituiem
traduções literais de textos estraidos das 7 partidas.
O Direito Prudencial
No quadro das fontes relativas à primeira época da história do direito português, o direito
prudencial oferece interesse muito particular, pois encontra-se fora da esfera de ação criativa
do Rei. Enquanto que o próprio costume tende a ser dominado pelo Rei, que limita o seu valor
à conformidade, o direito prudencial resiste-lhe, muitas vezes, com muita eficácia.
O direito prudencial é uma ordem normativa criada pelos prudentes, aqueles que têm a
faculdade de distinguir o justo do injusto, o bom do mau, o devido do indevido. Por terem
essa mesma faculdade de descernimento, os prudentes são detentores de auctoritas, isto é,
um saber socialmente reconhecido que lhes conferia autoridde para declarar a verdade
jurídica nos caso concretos.
Por se desprovida de potestas, a jurisprudência distinguia-se da lei, que tinha o poder de
impor as suas normas pela força. A auctoritas representava a força da razão, e não a razão da
força. Por ter conhecido um elevado grau de desenvolvimento e florescimento, alguns
jushistoriadores afirmam que a Idade Média foi o Reinado dos Juristas. Contribuíram para isto
diversas circunstâncias:
Com a divisão do Império em duas partes, a parte oriental, mais influenciada pela cultura
helénica, traduzir-se-á em conformidade com altos padrões de técnica jurídica, vindo a
culminar, no séc.VI, com a obra legislativa de Justiniano – Corpus Iuris Civile, constituído por
um Codex, o Digesto, as Novelas e as Instituciones – que virá depois a ser recuperado pela
Escola de Bolonha, fazendo renascer novamente o Direito Romano.
- A reconstituição do Império, por Carlos magno, no natal de 800, e a sua transferencia para
a linhagem dos Francos e, depois dos Germanos, com o consequente aproveitamento do
direito imperial. Precisava de um direito forte e eficaz, e encontra no direito romano essa
base de apoio;
- Criação de cidades estado italianas, ás quais importava dotar um acervo normativo forte.
Foi também na Idade Média que se foram redescobrindo partes do Digesto, tendo-se dividido
o mesmo em 3 partes:
O Digesto Velho: abrange o livro 1º ao 24º
O Digesto Novo: abrange o livro 39º a 50º
Digesto esforçado: os últimos livros, abrangendo o livro 25º ao 38º. Com o
aparecimento destes livros, Irnério terá exclamado “O nosso direito está reforçado”,
razão pela qual ficou com o nome Esforçado.
Esta escola ter-se-ia iniciado com Irnério (séc.XII) e terminado com Arcúsio. Cabe a Irnério a
glória de, pela primeira vez, haver tomado o conjunto da obra justinianeia para tema de
análise, pois, até ele, apenas se consideravam algumas das respetivas partesà obra escrita de
Irnério cabe, entre outras coisas, numerosas glosas, ou seja, explicações, à margem dos textos
originais, de conceitos e temas, feitas quer ao Código quer ao Digesto.
Quando a escola dos glosadores se deparou com os textos para análise, tiveram de decifarar
de decifrar os mesmos (surgiram aí as glosas, os comentários, pluralidade de textos literários,
é assim que os vão decifrar).
Arcúsio olha para todas as glosas anteriores e faz uma compilação das mesmas numa obra
que tem o nome de Magna glosa ou glosa ordinária..
Esta escola terá tido como nomes de destque Jacques de Révigny e Pierre de Belleperche,
Bartolo. Esta escola deixa de olhar, à semelhança dos glosadores, o texto do corpus iuris civiles
na ntegra, passando a estudar e a emitir as suas posições de acordo com a Magna glosa. Eis o
seu objeto de estudo.
Análise comparativa das duas escolas: A escola dos glosadores era menos criativa (mais presa
às letras dos textos) do que a dos comentadores, que praticavam mais comentário e
interpretação. O objeto de análise era diferente, dái também o método substancialmente
diferente. Para além disso, é importante salientar que os glosadores tinham apenas o corpus
como objeto de análise, enquanto queos comentadores tinham muitas mais materiais, o que
lhes conferia um maior desprendimento.
Ligação da jurisprudência às universidades.
A grande maioria dos juristas mais reconhecidos eram, também, professores. Bolonha
tornou-se no principal palco de florescimento e discussão jurídica, apesar de existirem muitos
outros centros universitários, como Pisa, Siena, Oxford, Lisboa, Coimbra ou Viena. Na
verdade, os professores e estudantes, ao abrigo de programas de intercâmbio, transitavam
de universidade em universidade em busca de mais conhecimento.
Dentro dos vários géneros literários que os juristas tinham à sua disposição, como a Glosa
(explicação singular de termos, conceitos ou passos de um escrito) a summulae (pequenos
escritos nos quais se sumaria sistematicamente o conteúdo de todo um livro ou de uma parte
deste, representa a evolução de uma forma ligada à glosa), ou a brocarda (opiniões
formuladas em termos de regras gerais, muitas vezes com forma métrica), a que mais se
destacava era a QUAESTIO.
Este género literário corresponde a uma forma dialogada de resolver questões da vida reais
ou ficcionadas e, portanto, baseava-se no princípio da contradictio como instrumento de
apuramento da verdade (já praticado pelos glosadores).
Método:
Na Idade Média, não existia ainda a ideia de sistema como nós hoje o configuramos, um
sistema de normas fechadas.
Ars Inveniendi - Arte de inventar. Metodologia do operar das escolas medievais.
Analítica: porque, na época, o jurista procurava, para cada caso, um preceito legal que
lhe permitisse encontrar a solução ideal, não se preocupando tanto com a
consideração sistemática, isto é, com o enquadramento no sistema jurídico,
procurando primeiramente na norma a solução que mais lhe convinha. O jurista
olhava para a lei ou para a norma em causa e via nela algo dotado de individualidade,
a apreender em si mesmo. Ou seja, o dado a priori para o jurista medieval não é
sistema jurídico, é a norma concreta.
Problemática: porque o jurista obtinha uma solução para o caso concreto, depois de
discutir a questão, recolher os argumentos pró e contra, ponderar as várias soluções
possíveis, optando pela solução que, para ele, fosse ao encontro da justiça do caso
concreto.
Para o jurista medieval a solução não se obtia através da subsunção do facto à norma legal,
mas pela ponderação das soluções possíveis. Em função destas era achada a norma aplicável,
determinado o seu âmbito, estabelecida a interpetação competente.
Com efeito, como o código de justiniano não continha uma lógica sistemática, isto é, uma
harmonização de leis, os prudentes medievais, conscientes desse facto, analisavam as leis
nele contidas isoladamente e ao pormenor (analítica) e abordavam-nas com um ponto de
vista crítico, criando Direito a partir desse ponto de vista (problemática).
Assim, com base nesta metodologia, a primeira preocupação do prudente medieval era
analisar o caso concreto e a segunda a de encontrar uma solução para o mesmo, ponderando
todas as soluções possíveis, sendo certo que a aplicação da lei tinha de ser controlada em
função das respectivas consequências, face a critérios de justiça de direito natural e de
conveniência ou utilidade.
A arte de inventar, isto é a ars inveniendi, continha três elementos, nomeadamente Leges,
Rationes e Auctoritates.
Leges
Corresponde à ciência jurídica medieval que se diz ser uma ciência de textos. Os preceitos
jurídicos eram analisados enquanto elementos de um texto, obedecendo a uma gramática
especulativa. A Leges era vista como uma técnica de interpretação. A gramática é a arte pelo
qual o espirito se exprime
Rationes
São definidas por Lombardi como sendo os argumentos de equidade, e, numa segunda
perspectiva complementar, como argumentos de direito natural, de oportunidade e de lógica.
As rationes correspondiam à arte de criar argumentos para dar resposta a um caso concreto.
As rationes funcionavam assim como instrumentos interpretativos da lei, sendo que quando
esta se mostra insuficiente, há que lhe juntar argumentos extralegais, baseados em critérios
de direito natural.
O conhecimento alcançado pela utilização das rationes não é entendido como o único e
necessário, mas sempre visto como um conhecimento provável.
Os argumentos criados pelos prudentes medievais, apesar de partirem dos textos legais
(código justinianeu), iam para além deles, buscando apoio na equidade, no direito natural, na
oportunidade e na lógica, e não num qualquer texto de lei humana ou divina.
De apoio à construção argumentativa, isto é, à interpretação dos textos e mesmo, para além
desta, à criação de direito, os prudentes recorreram a 4 instrumentos, nomeadamente:
Auctoritates
Mais uma vez, é necessário reforçar que não havia uma resposta absoluta e imutavelmente
acertada, os próprios doutores garantiam respostas e proposições apenas prováveis, sendo
prováveis podia haver lugar para divergência, tornando-se, por isso, necessário averiguar o
processo de conciliação entre as diferentes formulações.
Alguns problemas suscitaram uma pluralidade de opiniões e, nesses casos, era necessário
distinguir qual delas merecia maior credibilidade. A este propósito surgiu o conceito de
opinião comum dos doutores, entendida como aquela que era defendida por um conjunto de
juristas com auctoritas.
A communis opinio traduz a ideia de que se deve seguir o parecer que tiver por si maior
numero de doutores. A opinião comum é uma simples operação quantitativa, reconduzindo-
a à opinião que fosse sufragada por mais doutores, com alheamento de qualquer aspeto
qualitativo, ou seja, prescindindo de toda a hierarquização de depoimentos.
Este elemento não deve ser entendido como critério único, porque se em parte ele é verdade
não deve ser entendido de uma maneira exclusiva. Os próprios juristas também se
distinguiam uns dos outros e as opiniões de nomes como o de Bártolo acabavam por ter mais
peso. Entram aqui as características individuais dos juristas, o seu curriculum e a sua obra.
Alguns problemas suscitaram uma pluralidade de opiniões e, nesses casos, era necessário
distinguir qual delas merecia maior credibilidade. A este propósito surgiu o conceito de
opinião comum dos doutores , entendida como aquela que era defendida por um conjunto
de juristas com auctoritas.
Quantitativo: estabelecia que a melhor opinião era a defendida pelo maior número de
juristas;
Qualitativo: estabelecia que a melhor opinião era a defendida pelos juristas de maior
prestígio;
Misto: conjugava os dois critérios anteriores sendo, portanto, o mais exigente.
Supõe-se que o critério quantitativo puro nunca terá sido usado, porque ele implicaria uma
mera contagem de opiniões. O critério misto foi geralmente o preferido, já que fixava como
opinião comum a mais defendida entre os melhores.
A solução que tivesse a seu favor a opinião comum dos doutores saia naturalmente reforçada
e impunha-se relativamente às outras.
O uso desta metodologia, baseada no estudo dos textos romanos e adaptada às necessidades
da Europa medieval, acabaria por dar origem a um ordenamento de criação prudencial a que
se chamou “ius commune”, ou seja, o direito comum que é, portanto, direito romano
estudado, modificado e adaptado pela interpretação dos juristas ás necessidades dos direitos
nacionais da época. A base desse direito é o direito romano justinianeu.
NOTA: os juristas deveriam ser entendidos apenas como peritos da “ars”, ou seja, a opinião
de cada doutor não era tida como necessária, mas apenas provável e, portanto, sujeita ao
contraste com as dos demais doutores.
Inicialmente, a lei boa tinha de estar em conformidade com o Direito Natural e o Direito
Divino. O monarca começou por não afrontar o Direito Canónico e a colocar, no corpo da lei,
regras consuetudinárias.
O Direito, assim como a história, não é um fenómeno isolado, é necessário conseguir perceber
o contexto do seu desenvolvimento. Nesse sentido, é fundamental ter conhecimento
daqueles que foram os povos e as comunidades que habitaram a Península Ibérica no período
anterior à fundação da nacionalidade.
por outro lado, conhecem-se numerosos documentos do séc. XII respeitantes ao território
português em que o Código Visigótico continua a ser invocado. Por algum motivo dizemos
que o nosso direito é de matriz romano-germânica.
Aos Visigodos, povo que dominou a Península durante séculos e cujo Império apenas
terminou com as invasões muçulmanas, ficaram a dever-se alguns dos mais famosos
monumentos jurídicos, entre os quais:
Breviário de Alarico (506): composto essencialmente por direito romano, não vulgar.
Daí também ser conhecido como lex romana visigotor, pois trata-se, materialmente,
de direito romano puro. Teve por fontes constituições imperiais retiradas dos códigos
Teodosiano, Hermogeniano e Gregoriano, e de novelas de vários imperadores, bem
como escritos de juristas romanos como Gaio, Paulo ou Ulpiano;
Código de Leovigildo ou Codex Revisus: escrito entre 572 e 586: hoje desaparecido,
foi sobretudo objeto de investigação de Rafael Gibert;
O Código de Eurico era de aplicação exclusiva aos godos, e estima-se que o Breviário foi criado
especificamente para reger as relações entre godos e não godos e não godos entre si, à
semlhança do ius gentium romano.
Em relação ao Codex revisus há dúvidas, mas estima-se que tenha sido apenas de aplicação
aos godos, porque veio substituir o Código de Eurico, mas já não temos dúvidas que o Código
Visigótico era aplicável a todos, era de aplicação territorial.
Porém, esta teoria foi objeto de grande contestação por parte do Prof. Alfonso Garcia Galho,
que defendia que todos os códigos tinham sido feitos para aplicação territorial, e, portanto,
ao contrário dos romanos, estes não tinham restrições. - Tese de aplicação territorial.
Esta posição foi acolhida por vários grandes professores, entre os quais Paulo Merêa, que,
embora aceite a tese da territorialidade, não acieta que o Código de Eurico tivesse sido
substituido pelo breviário, mas pelo Codex revisus. O Breviário vigorou ao mesmo tempo do
Código de Eurico.
O direito visigótico foi muito infleuciado pelo direito romano, e, por isso, a partir do séc. XII,
começa-se a discutir a aplicação do direito romano justinianeu. Os juristas acabam por fazer
entrar em desuso a aplicação deste Código, que se torna praticamente direito romano
vulgarizado.
Ainda no séc. XII, uma lei de D.Afonso II (primeiro rei legislador), na Cúria de Coimbra, dedicou
um corpo de leis que tinha por objeto a proibição de um decreto de Soeiro Gomes, membro
clerical, que terá legislado matéria da competêcia do rei, de pendor intemporal. A fonte mais
importante do Reino é a lei do Rei (que, não obstante, deve respeitar o direito divino e o
natural).
Afonso II faz apelo a uma lei do código pelo qual se devem reger os fidalgos de Portugal, algo
que remete diretamente para o Código Visigótico. Nas ordenções afonsinas, algumas partes
são transcritas tal e qual deste Código.
Características da Lei
Não havendo separação de poderes, o rei governa, administra e julga. Mas as suas leis não
são arbitrárias. Têm de estar em conformidade com a justiça e com o direito divino e o direito
natural, que lhes são anteriores. Se não respeitar estes requisitos, não será lei, será corrupção
de lei.
A lei do rei expressa a sua vontade em termos gerais e abstratos. Para lá dos já enunciados
(conformidade com o direito natural, o divino e ser justa), que requistos deve ter mais?
Inequívoca;
Ser sobre objeto possível;
Tem de ser publicitada;
Só pode dispor para o futuro.
Apesar das leis serem gerais e abstratas, isso não colidia com o facto de o rei poder legislar
leis que eram aplicadas apenas a uma zona do país, ou a determinados destinatários, existiam,
tal como hoje, leis particulares.
E se a lei for duvidosa, quem é que a deveria interpretar? Se uma lei é obscura, e os
destinatários não percebem o seu conteúdo, o Rei deveria intervir e clarificar o que é obscuro.
É uma obrigação que deve ser feita valer.
D.Afonso II é considerado o primeiro rei legislador, tendo sido autor de um acervo de leis
significativo (decreto que proibia a legislação de Soeiro Gomes) e uma que hierarquiza o
direito canónico como direito preferencial face à lei do Rei.
Se há duvidas da influência da lei sobre a suspensão das penas e dos cadáveres (leis presentes
nos Codex), da autoria de D.Afonso II, não temos dúvidas que os nossos monarcas vão legislar,
a partir de Afonso III, a partir do direito romano justinianeu.