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A EVOLUÇÃO DO DIREITO ROMANO

António dos Santos Justo


Durante os seus treze séculos de vigência, o Direito Romano sofreu, necessariamente, alterações mais ou
menos profundas ditadas pela necessidade de corresponder às transformações sociais do mundo romano. Por
isso, importa considerar cada uma das frases que assinalam o seu desenvolvimento para que tenhamos uma idéia
mais clara da evolução das suas fontes e, sobretudo, da genialidade da sua iurisprudentia cujo prestigio intelectual
se perpetua até os nossos dias.
Vários critérios têm sido propostos e adoptados para a determinação dos períodos ou fases que constituem
a sua história. A diversidade não surpreende: a vida processa-se continuamente sem cesuras; e periodificar
significa aceitar datas-barreiras que separam artificiosamente os factos históricos com uma inevitável margem de
subjectivismo. Simplesmente, didáticos não dispensam a periodização que se impõem como necessidade
imprescindível a compreensão de um direito que, como outro qualquer não evolui uniformemente com o mesmo
ritmo de aceleração. Recomenda-se ao historiador (que só pode ser jurista) que atenda a fatos significativos
susceptíveis de diminuírem a discricionariedade pessoal da escolha. Sempre, porem a opção por um critério
dependera do fim em vista que, numa faculdade de direito, devera ser, fundamentalmente histórico-crítico ou
dogmático-prático. Afastado aquele e seguindo a orientação defendida por Sebastião Cruz, não nos iremos
preocupar com a História do Direito Romano, mas com as características mais marcantes cuja evolução justifica e
exige a periodização do próprio Ius Romanum. Fixado o objetivo, urge apreciar os critérios que tem sido propostos
e escolher o que se afigura mais idôneo.
Partindo do princípio de que o direito é produto das causas e factores que propulsionam a evolução social
com destaque para as formas do Estado, sugeriu-se o critério étnico-político segundo o qual o Direito Romano
deve ser estudado em épocas coincidentes com a história política de Roma. Teríamos, assim, quatro períodos: O
monárquico (de mais ou menos 753 a 510 a.C.); o republicano (de 510 a 27 a.C); o imperial (de 27 a.C a 284); e o
absolutista (de 284 a 565). Toda via as transformações políticas nem sempre influenciaram a evolução do direito
privado e, por isso, este critério levar-nos-ia a separar instituições jurídicas que, em épocas diferentes, mantiveram
a sua identidade. Mas não devemos subestimar o seu mérito: a ligação do Ius Romanum ao poder político foi muito
importante: o ius e a política trabalharam em uníssono para fazer da urbe um orbe; foi à sombra da grandeza do
imperium que o ius Atingiu a sua maior viabilidade; e o ius contribuiu decisivamente para a pax e a ordem, sem as
quais Roma não teria atingido a sua dimensão universal. Por isso, embora o critério étnico-político não satisfaça
como critério prioritário, devemos utilizá-lo secundariamente na subperiodização.
Segundo o critério jurídico-externo, que atende a estrutura e ao particular modo de ser das “fontes”, o
Direito Romano compreende quatro épocas: a consuetudinária; a legislativa; a jurisprudencial; e a constitucional.
No entanto, não considera directamente a evolução do direito privado de Roma e o predomínio de uma das “fontes”
não deixa de ser expressão de certos factos e transformação de natureza política. Isto é, este critério vem a
aproximar-se do critério étinico-político com o qual partinha os méritos e deméritos que justificam a sua utilização
secundária e não principal.
Afastados os critérios étnico-político e jurídico-externo, a finalidade estritamente jurídica da orientação
dogmático-prático só é alcançável através dum critério que permita captar a índole do Direito Romano em cada
época, ou seja, os quadros técnico-formais de representação jurídica, a técnica, enfim a mentalidade através do
qual o espírito interpreta as necessidades espirituais e se eleva, depois, à criação de conceito e formas
apropriadas com que faz a sciencia iuris. Esse critério só poderá só poderá ser o jurídico interno, porque privilegia
o especifico campo jurídico sem se preocupar com questões de casualidade histórica, sociológica, moral, política,
etc. que explicam a História do Direito Romano, mas não se mostram importantes à orientação dogmático-prática
que aderimos.
De harmonia com o critério jurídico-interno, dividimos o ius romanum nas seguintes épocas:
1ª: Época Arcaica. Decorre entre ± 753 e 130 a.C;
2ª: Época Clássica. Vai de 130 a.C ao ano 230;
3ª: Época Pós-Clássica. Situa-se entre os anos 230 e 530;
4ª: Época Justinianeia. Vai de 530 a 565.
Segue-se a exposição necessariamente breve das suas principais características, relacionadas sobretudo,
com as fontes e a iurisprudencia a que o Direito Romano deve, fundamentalmente, o que foi e não deixou de ser:
“El pan nutricio del Derecho Moderno” . Não se ignora todavia, que as datas referidas constituem simples marcos
simbólicos que, embora representem momentos de viragem, não prejudica o reconhecimento de que as formações
jurídicas, que marcam uma época, são fruto duma evolução lenta e constante cujo inicio remonta, em regra ao
período anterior .

ÉPOCA ARCAICA
Esta época decorre entre os anos 753 (data da fundação de Roma, segundo a tradição) e 130 a.C. (ano em
que foi promulgada a Lex Aebutia de Formulis que legalizou o processo das fórmulas (agere per formulas) através
do qual o Iuris Romanum iria conhecer o desenvolvimento com a perfeição e o rigor que o torna um ius modelo.
Compreende duas sub-épocas:
1ª: Época Quiritária: (ou nacionalista). É o período do ius civile que, segundo o princípio da personalidade,
se aplica exclusivamente nas relações inter cives romanos. Decorre entre 753 e 242 a.C.
2ª: Época Universalista (ou do ius gentium). É o período em que, ao lado do ius civile que, surge o ius
gentium para disciplinar as relações inter peregrino e inter romanos et peregrinos. Vai de 242 (ano em que foi
criado a magistratura do praetor peregrinos) até 130 a.C termo da época arcaica.
É uma época caracterizada pela impressão, em que não é fácil distinguir o jurídico, o religioso e o moral,
quer porque só os sacerdotes pontífices eram juristas, quer porque a iurisprudentia não se tinha afirmado ainda,
como a verdadeira iuris scientia. Por isso, é um período que assinala o inicio da formação, necessariamente
rudimentar, das instituições jurídicas, dos negotia jurídicos é da legis actiones que compõem o processo arcaico.
Quanto às fontes do direito, é a época dos mores maiorum, ou seja, da “tradição duma comprovada
moralidade” que se põem aos cives como norma e fonte de normas, constituindo o verdadeiro costume romano e a
única iuris fons até meados do século V a.C., data provável da Lei das XII Tábuas.
Em relação às instituições jurídicas, que se formando, merece referência a família, uma unidade de
pessoas que, sob a direcção do paterfamilias, estão submetidas ao seu poder (como a uxor (in manu), os filhos as
filhas e os netos) e viviam na sua quinta com o gado, escravos e outros bens. A mentalidade rural invade todos os
domínios da vida espiritual e modela os direitos das pessoas, da família, da propriedade, das obrigações e da
sucessão mortis causa.
Com a conquista de quase toda a área do mundo antigo durante os séculos III a I a.C., afirma-se a vida
urbana economicamente voltada para o comércio, a indústria e o movimento de capitais; e no contacto com a
cultura grega depunha a Ciência jurídica que, através da análise e da síntese, procura elaborar os conceitos
jurídicos e ordená-los num sistema interno sem, todavia, incorrer em teorizações alheias a realidade e ao sentido
prático dos Romanos.
Nos meados do século V a.C., foi promulgada a Lei das XII Tábuas que, quiçá por exigência da plebe.
Codificou os mores maiorium; e, adquirindo a transparência reclamada, a interpretatio sujeita-se a disciplina de
regras próprias e transmite ao Direito Romano a dinâmica necessário ao progresso sem abalar o edifício jurídico
que solidamente se ia construindo. À Lei das XII Tábuas juntaram-se outra (não muitas) legis, de que destacamos:
a lex Aquilia, provavelmente no ano de 286 a.C., que instituiu a responsabilidade aquilina ou extracontratual
acolhida nos ordenamentos jurídicos hodiernos ; a lex poeteria papiria de nexis, do ano 326 a.C. que, para mitigar
a primitiva crueldade da execução pessoal , terá introduzido a execução patrimonial (bonorum venditio) .
A iurisprudentia, que Ulpianos definiu como “divinarum atque humanarum rerum notitia (,) iust atque iniust
scientia”, sofreu, entretanto, um longo processo de laicização . Os jurisconsultos são influenciados pela cultura
grega: já não se contentam com a mera aplicação simplista de normas e formulários; começam a investigar as
relações lógico-jurídicas entre as instituições e os vários institutos, criando conceitos que definem e classificam. A
Tripertita constitui o “ponto de arranque” desta “assombrosa elaboração científica do Direito”. Além de Sextos
Aelius Paetus (catus). Merecem referencia Publius Musius, Marcos Iunius Brutos e Manius Manilius de quem pouco
se sabe, mas que, nas palavras de Pomponius, “fundaverunt ius civile”.
A interpretatio cumpriu uma função extremamente importante na dinamização do ius. Sem um legislador
atento e dinâmico, o trabalho de adaptação do direito as novas necessidades da vida foi efectuado, em grande
parte, pela iurisprudentia através da interpretatio da Lei das XII Tábuas. Foram, assim, criados novos instrumentos
jurídicos como a iuri cessio que, tendo na sua base o princípio confessus pro iudicato habetur, permitiu constituir e
extinguir servidões, ceder heranças, adoptar e emancipar, manumitir escravos, etc.; e transformados, em actos
aparentes, negócios jurídicos como a mancipatio que, tendo sido originalmente uma venditio real de res mancipi,
tornou-se provavelmente com a introdução da moeda cunhada, uma imaginaria venditio utilizada para os fins mais
variados; v.g., transferir a propriedade de res mancipi, constituir outros direitos reais, fazer testamento, realiza
negócios fiduciae causa, etc .
Pertence à época arcaica o processo da legis actiones constituído por três actiones declarativas (a legis
actio sacramento, que tutela qualquer direito não contemplado especialmente por outra legis actio; a legis actio per
iudcis postulationem, sobretudo aplicável na divisão de heranças e de res communes; e a legis actio per
condictionem, utilizável nas dívidas de certa pecúnia e de res certa) e por duas actiones executivas (a legis actio
per pignoris capionem, reservada a determinados indivíduos para se apoderarem de bens imóveis de certos
devedores; e a legis actio per manus iniectionem, que realiza a execução pessoal), trata-se de um sistema oral,
extremamente reduzido (a cinco actions) e excessivamente rígido. Teve, por isso, o seu tempo: foi substituído
quando deixou de satisfazer as exigências do comércio jurídico.

ÉPOCA CLÁSSICA
A Época Clássica decorre entre os anos 130 a.C e 230 e constitui o período em que o Direito Romano
atinge o seu esplendor. Coincide com a época do maior poder político de Roma: 146 a.C., com a destruição de
Cartago e a incorporação da Grécia, o Império Romano domina o mundo antigo. No ano de 130 a.C., a lex Aebutia
de formales legaliza o processo formulário (agere per formulas) que vem substituir o arcaico sistemas das legis
actiones que, nas palavras de Gaius, “pailatim in adium venerunt” . O novo processo oferece maior comodidade,
simplicidade e flexibilidade e permite ao praetor que actue com maior amplitude no cumprimento das tarefas
assinaladas, mais tarde, por Papinianus: adiuvandi vel supplend, vel corrigendi iuris civilis gratia propter utilitatem
publicam”. Por volta do ano 230, diversos motivos determinam o termo da Época Clássica: o processo agere per
formulas é substituído por um novo sistema (denominado cognitio extra ordinem) em que o magistrado
desempenha as tarefas de praetor (ius dicere) e de iudex (proferir a sententia) e, em consequência, a
administração da justiça burocratiza-se e converte-se numa função estatal; no ano de 224, falece Ulpianos, o
ultimo grande jurisconsulto clássico; o poderio romano entra em decadência, significativamente manifesta a
humilhação constituída pela captura do Imperador Valeriano por Sapor I, rei dos Persas, no ano 259; e as crises
econômicas e religiosas coincidem nos meados do século III .
Porém a Época Clássica não é homogênea: ocupar-nos-emos, por isso, das três sub-épocas que, segundo
Alvaro D’Ors, são: a Pré-Clássica (de 130 a 30 a.C), a Clássica Central (de 30 a.C. a 130) e a Clássica Tardia (de
130 a 230).
Pré-Clássica
Acompanhando o reforço e o progresso do poder político de Roma, o Ius Romanum conhece um
desenvolvimento ascensional muito significativo. Graças uma vez mais, à iurisprudentia, a literatura jurídica
expande-se com rigor e a precisão duma verdadeira scientia, com evidência para as colectâneas de responsa (libre
responsorum) intercaladas com epistulae e discussões de quaestiones. Distinguiram-se vários jurisconsultos, mas
merecem particular referência Quintos Mucius Scaevola e Servius Sulpicius Rufus. Ao primeiro, cuja obra gozou de
enorme autoridade e foi sucessivamente comentada com realce para os Libri Iii Iuris Civiles, devemos, nas
palavras de Álvaro D’Ors, “la primera esposición ordenada del ius civile” . Utilizando o método grego da dialéctica,
a matéria é exposta com base em definições gerais (genus) subdivididas em várias figuras (species). Foi também
autor da famosa presunção muciana, segundo o qual, em atenção à situação patrimonial da mulher e aos usos
sociais inspirados numa rígida moralidade, as suas aquisições de bens durante o matrimônio presumem-se
provenientes do marido, salvo prova em contrário. O segundo, que Cícero considerava o verdadeiro criador da
dialéctica, foi o primeiro jurisconsulto que criou uma verdadeira escola (dita serviana). A sua influência no
progresso da iurisprudentia foi grande, merecendo destaque a fixação da terminologia jurídica a doutrina em que
defende a possibilidade de os sócios participarem desigualmente nos lucros e a associação do engenho, da
técnica e da capacidade individual de uns com o capital de outros. Kohler considera esta doutrina uma das mais
extraordinárias conquistas da iurisprudentia de todos os tempos.
Clássica Central
Decorre entre os anos 30 a.C e 130, altura em que o novo processo (a cognitio extra ordinem) é
dinamizado e a iurisprudentia se burocratiza com o triunfo da administração técnica a partir de Adriano.
Pode caracterizar-se com a época áurea do Direito Romano: o rigor e a perfeição das obras dos seus
jurisconsultos fazem do ius romanum e o direito-modelo jamais superado A iurispruidentia prossegue uma
orientação, procurando uma solução pratica para os problemas jurídicos e concretos que a vida apresenta, sem se
preocupar com a elaboração de teorias abstractas As instituições jurídicas são aperfeiçoadas e ao lado das que
pertencem ao ius civile, reformam-se que com base na lealdade à palavra dada (fides), adquirem o valor universal
enriquecendo o ius gentium; e as que, dominada por uma ratio especial, constitui o ius singulare. A casuística é
estilizada com a grande mestria: os elementos não jurídicos e jurídicos não-essenciais são devidamente
ponderados. Os princípios jurídicos e as regulae jurídicas são aplicados sem o sacrifício da justiça, porque à
dialética jurídica atribui-se carácter pragmático e não puramente especulativo. E são criadas com a oportunidade
necessárias, actiones que o ius civile ignora. Enfim, a iurisprudentia elabora pareceres (responsa) que, apoiados
na auctoritas dos autores servem de pretendentes doutrinais (exempla); e orienta as partes na realização de
negócios jurídicos (caveri) e na actividade processual (agere).
Ao êxito da iurisprudentia estão intimamente ligadas as Escolas Proculeina e Sabiniana. A primeira foi
fundada por Labeo e deve a sua denominação ao discípulo Proculos; a segunda teve em Capito o seu indicador,
mas foi Sabinus o verdadeiro fundador. Aquela é considerada mais audaciosa e inovadora; esta, mais
conservadora e tradicionalista. As controvérsias, que as separam, foram diversas e profundas. Destacamos dois
exemplos: a fixação da puberdade e a accupatio de res nec manicipi abandonadas. Em relação á puberdade,
porque os Romanos entendiam que desenvolvimentos sexual e intelectual corriam paralelamente, bastava
averiguar o acesso à puberdade, para se reconhecer a capacidade jurídica de agir. Os Proculeianos, mais
audaciosos, fixaram-no no momento em que o homem e a mulher completam, respectivamente, catorze e doze
anos; os Sabinianos, mais rigorosos, defendiam um inspectio corporis. Quando às res nec mancipi abandonadas
pelos seus proprietários (res direlictale), eram segundo os Sabinianos, susceptíveis de occupatio, mas os
Proculeianos não dispensavam a usucapio: a apreensão permitia adquirir a propriedade bonitária e a usucapio
transformá-la-ia no dominium ex iure Quiritiun. Ao contrário da puberdade, a posição proculeiana parece, agora,
mais rigorosa.
Impõe-se igualmente uma referência à figura do ius respondendi ex Auctoritate principis criada por Augusto,
que veio reforçar a auctoritas dos iurisprudentes a quem foi concedido. Os seus responsa passavam a ser
observados por magistrados e juízes nos mesmos termos em que o eram as decisões do princeps e não tardaria a
sua consagração como iuris fons.
Muitos são os grandes jurisconsultos desta época. Limitar-nos-emos, todavia, a destacar:
- Marcus Antistius Labeo: foi pretor no tempo Augusto e recusou a magistratura de cônsul, talvez para se
dedicar melhor ao estudo do Direito. E, na verdade, passava seis meses do ano em Roma, a ensinar; e os outros
seis meses, na aldeia, onde preparava e escrevia os seus trabalhos que totalizam 400 volumina. Foi iniciador do
período da grande literatura jurídica clássica e exerceu especial influência e simpatia através dos tempos: v.g., a
nova revista de Direito Romano que, em 1955, surgiu em Nápoles intitula-se Labeo.
- Massurius Sabinus: segundo Pomponius, era pobre e vivia de ofertas dos seus discípulos. A auctoritas
impôs-se a tal ponto, que Tibério concedeu-lhe o ius respondendi ex auctoritate principis. Depois de Labeo, é o
maior jurisconsulto do século I e tem, nas palavras de Ricobono, “una pagina d'oro nella storia della
giurisprudenza”.
- Salvius Julianus: é o mais ilustre dos iurisprudentes romanos. A sua vasta obra revela três qualidades
excepcionais: exposição brilhante, raciocínio claro e soluções elegantes. Embora pertencesse à Escola Sabiniana,
admitiu algumas doutrinas dos Proculeianos e a sua auctoritas impôs-se como decisiva em muitas controvérsias
até então agitadas. E o autor do Edictum Perpetuum e foi também conselheiro de Adriano.
No quadro das fontes do direito, assiste-se à decadência dos comitia e, em consequência, as leges rogatae
começam a diminuir: o Senado inicia a sua actividade legislativa e os senatusconsulta substituí-las-iam
rapidamente.
Clássica tardia
Decorre entre os anos 130 e 230, quando é já visível o início da decadência da iurisprudentia clássica. As
suas forças esgotaram-se e o trabalho de criação foi substituído pelas longas exposições do ius civile. E o tempo
das monografias, das compilações elaboradas na forma de comentários ad Sabinum e ad Edictum; e das regulae,
definitiones, sententiae, opiniones e differentiae.
Os Juristas são assessores do imperado (pertencem ao consilium principis) e a iurisprudentia burocratizou-
se: ocupa-se não só de questões jurídicas, mas também das relativas à: administração em geral. Em
consequência, o interesse dispensado ao ius privatum volta-se para o ius publicum com destaque para os direitos
administrativo, militar, fiscal, penal, etc.
Como iurisperiti mais representativos, destacamos:
- Aemilius Papinianus: foi um dos juristas que gozou de mais fama e de maior consideração na posteridade,
devido às suas convicções firmes à sua profunda penetração, à clareza de exposição, à subtileza do seu raciocínio
e, também, às circunstâncias revoltantes em que foi assassinado. Foi advocatus fisci, praefectus praetorio e
provavelmente professor de Direito. Terá sido o primeiro jurista cristão e o direito Romano deve-lhe a introdução de
ideias morais recebidas do Cristianismo que, informaram vários institutos jurídicos , Constantino retirou todo o
valor às Notae de Paulus e de Upianos sobre Papinianus; Justiniano não admite opinião contra Papinianos; e a
Lei das Citações concede-lhe um lugar primacial. Passou à História como o princeps iurisperitorum romanorum.
- Domitius Ulpianos: foi um jurista-filósofo e um político brillranre que chegou a praefectus praetorio no
tempo de Alexandre Severo. Dominava perfeitamente a filosofia grega, sobretudo de Aristóteles, Platão e Plutarco.
Foi, também, um sintetizador brilhante e um escritor fecundo que, com superior clareza, escreveu uma obra vasta e
valiosa que constitui cerca de uma terça parte do Digesto. A influência filosófica está presente em vários
fragmentos do Digesto de que realçamos a referência à origem do nomem iuris e as definições de iustitia e de ius
naturale. Foi assassinado no ano 224 pelos soldados pretorianos .
Gaius: é uma figura enigmática, duvidando-se se terá existido (Gaius pode ter sido o pseudônimo utilizado
por um grupo de juristas), onde viveu e que actividade desempenhou. E provável que tenha vivido numa província
do Oriente e falecido por volta do ano 180. Escreveu várias obras, merecendo referência as Institutiones que
conheceram o maior sucesso: foram adoptadas nas Universidades de Constantinopla e de Beirute no ensino do
Direito e constituíram o livro fundamental dos juristas ao longo dos tempos. Segundo Alvaro D’Ors, o êxito dc Gaius
resulta do carácter elementar da sua obra e da atitude escolástica que o antecipa aos pós-clássicos: “en este
sentido, refere D'Ors, Gayo viene e ser un pre-postclásico”.
Burocratizada a iurisprudentia ao serviço da chancelaria imperial e reduzidos os senatusconsulta a simples
discursos do imperador (orationes principis), avança-se ininterruptamente para a concentração nas mãos do
imperador da actividade criadora do ius através das constitutiones imperiais: ao lado do ius vetus impôs-se o ius
novum.

ÉPOCA PÓS-CLÁSSICA
Esta época decorre entre os anos 230 e 530, quando Justiniano, Imperador do Oriente, encarregou
Triboniano de elaborar os Digesta ou Pandectae. E um período de graves perturbações que, após a morte do
Imperador Alexandre Severo, no ano 235, levarem o Império à beira da ruína. Em 284, Diocleciano ainda
conseguiu dotá-lo de um poder central forte com uma nova constituição política, o Dominado, na qual o imperador
se afirma dominus e se faz adorar como deus. Todavia, não afastou o declínio da economia: o empobrecimento
geral acentuou-se e a quebra do comércio contribuiu para a ruína financeira.
O Império Romano do Ocidente caiu com a derrota do último imperador Rómulo Augusto, por Odoacro. O
antigo Império ficou, assim, reduzido à parte oriental até 1453, ano que os Turcos tornaram Constantinopla.
Entretanto, porque a cisão do Império acentuou e diferença entre os direitos do Ocidente e do Oriente,
justifica-se a divisão da época pós-clássica em duas etapas: antes e depois do ano 395.
1° etapa (de 230 a 395)
A decadência, que já se observa no último período clássico, progrediu: a confusão de terminologia, de
conceitos, de instituições e até de textos é, agora, a característica fundamental.
O Dominado não reanimou a iurisprudentia clássica, perdendo-se e refinada técnica jurídica de pensamento
e de expressão dos seus juristas. Surgem as concepções de leigos em Direito ou de práticos e os professores,
com deficiente formação profissional, interpretam frequentemente mal e falsificam a substância do direito clássico.
A iurisprudentia perdeu a sua função criadora, a precisão e o rigor; a Escola, que lhe sucedeu, dedica-se à
elaboração de glosas, glosemas e resumos de textos que denotam uma "ciência" simplista e elementar. Falta a
auctoritas dos grandes Mestres.
As guerras civis e exteriores alastram e, para fazer face às enormes despesas que provocam, lançam-se
impostos e são concedidas excessivas regalias ao exército, constituído em grande parte, por elementos recrutados
nas províncias e por bárbaros. perdeu-se a disciplina e a ideia de officium. E a consequência econômica foi uma
inflação monetária grave que, por sua vez, contribuiu para agudizar os conflitos sociais.
Neste ambiente de desordem, bem longe da pax octaviana que lhe permitiu atingir a perfeição e o rigor que
marcam o seu apogeu na época clássica central, a iurisprudentia apresenta, nas palavras de Guarino, “una nota
caratteristica: quella dell'involuzione dello spirito giuridico”. Sem capacidade para dominar a literatura clássica, o
iurisprudens volta-se para as obras que mais facilmente entende: prefere Gaius, por ser claro; Papinianus, por ter
moralizado o Ius Romanum; Paulus e Ulpianus, por serem expositores e sistematizadores do direito; e Modestinus,
cuja literatura é, segundo Arangio-Ruiz, “un ponte di passagio fra I'attivitá geniale della giurisprudenza romana e la
squallida esposizione di regolette e distinzioncelle a cui tendevano le scuole”.
O destino cultural é, sobretudo a partir de Constantino, a vulgarização: prefigura-se o Direito Romano
vulgar, expressão duma fase decadente da cultura juridica. Porém, merecem ainda uma referência dois juristas:
- Herennius Modestinus: foi discipulo de Ulpianus e terá falecido cerca do ano 240. E, provavelmente, ainda
um jurista clássico, mas distante dos grandes Mestres: “Es una figura puente entre los clásicos burocráticos y los
post-clásicos”, escreve Alvaro D’Ors.
- Hermogenianus: é o jurista mais representativo desta sub-época. Compôs uma coletânea de rescripta de
Diocleciano e elaborou um livro de extractos de iurisprudentia clássica com o título Epitome Iuris, atribui-se-lhe,
também, a feitura, Codex Hermogenianus, provavelmente no ano 295 . Tornou-se lapidar a sua afirmação de que
"hominum causa omne ius constilutum sit" .
No quadro das fontes do direito verifica-se, a partir de Constantino, a afirmação da voluntas do lmperador
como a única fons. E foi também Constantino que favoreceu abertamente os Cristãos e contribuiu para popularizar
e nova religião. Uns anos depois, em 379, Teodósio I fez do Catolicismo a religião oficial do Império.

2a etapa: dc 395 a 530


a) No Ocidente
A partir do ano 395, a confusão progride no Império Romano do Ocidente, carecido de um poder político
forte capaz de assegurar a ordem e a pax e de escolas que ofereçam uma formação jurídica especializada, Pois o
Direito é ensinado sem dignidade científica juntamente com a Retórica, a Gramática e até a Medicina. Em
consequência, os fenômenos vulgarísticos, que marcam já a época anterior, crescem e tornam-se dominantes: é a
corrupção generalizada que caracteriza o Direito Romano vulgar ou Vulgarrecht, na expressão de Bruner que, em
1880, anunciou a sua existência.
Estamos, na verdade, perante um Direito Romano muito "grosseiro", segundo Ernst Levy e "corrompido",
como observa Mitteis. Franz Wieacker caracteriza-o como "uma tendência cultural ou categoria estilística que dá
maior importância aos elementos práticos e populares, desprezando noções teóricas e complexas". Na sua
opinião, é um direito naturalista, porque impregnado de conceitos naturais juridicamente não elaborados; funcional,
porque intimamente ligado à burocratização que lhe transmite novos conceitos (sobretudos fiscais), cuja flutuação
é prejudicial; e emocional, porque determinado por um discurso retórico, sentimentalista, que se opõe à linguagem
rigorosa e cerra do jurídico . Entre nós, Sebastião Cruz caracteriza a vulgarização do Direito Romano destacando
quatro aspectos: a simplificação de conceitos (v. g., confunde-se possessio e dominium); a confusão de noções
clássicas (actio in rem e actio in personam); o predomínio do prático sem atender às categorias lógicas (v. g.,
identificam-se fato e direito, documento e contrato); e a desordem com que, por vezes, a matéria é exposta .
As causas são muitas e variadas. Além da falta de um poder político forte, a que se deve também a queda
de Roma no ano 476, e duma cultura jurídica sólida e firme capaz de formar os "homens do Direito", importa não
ignorar outros factores, de que destacamos;
- os direitos locais, (Volksrechte), que são tecnicamente muito inferiores ao Direito Romano e contribuíram
para transformar o direito clássico;
- o direito provincial (Provinzialrecht), ou seja, o Direito Romano adaptado às diferentes condições especiais
da administração da justiça nas províncias, onde o processo tinha ume só fase e os governadores
desempenhavam as funções que, na época clássica, pertenciam ao praetor e ao iudex. Segundo Alvaro D'Ors,
formou-se, em cada província, um direito próprio, fundamentalmente romano, mas adaptado ao regime
consuetudinário daquela região;
- os direitos germânicos que apresentam alguma manifestações de primitivismo jurídico, como os ordálios
ou juízos de Deus;
- o utilitarismo, ou seja, a obsessão pelo pragmático que explica o predomínio do aspecto prático sem
atenção às categorias lógicas; e a desordem na exposição da matéria feita com base na semelhança empírica e na
afinidade causal e momentânea;
- Cristianismo, que moralizou alguns institutos, sobretudo no âmbito do direito da família. Inspirado numa
moral superior, ao direito cristão deve o Direito Romano à acentuação: da voluntas como elemento nuclear dos
negócios jurídicos e do favor libertatis; e a exaltação da humanitas e da aequitas corretora do ius. Todavia, é um
direito cientificamente inferior ao direito pagão;
- o intervencionismo estatal principalmente no âmbito do direito fiscal, com o lançamento de impostos e a
sucessiva derrogação e modificação de outros, estabeleceu-se grande estabilidade de conceitos, terminologia e
institutos que, transportada para o ius privatum, aumentou a incerteza e abalou sua estrutura
- o intervencionismo estatal, principalmente no âmbito do direito fiscal. Com o lançamento de impostos e a
sucessiva derrogação e modificação de outros, estabeleceu-se grande diversidade de conceitos, terminologia e
institutos que, transportada para o ius privatum, aumentou incerteza e abalou a sua estrutura.
Entre os anos 395 e 476, podemos ver o Direito Romano vulgar nas Constitutiones imperiais e em resumos,
epítomes, paráfrases, sumas, glosas e glosemas (Epitome Cai, Gaio de Autum, Consultatio veteris cuius dam
lurisconsulti, Interpretationes). Depois, o Direito Romano vulgar continua a vigorar quer para os súbditos romanos
dos Estados germânicos segundo o princípio da personalidade, quer nos direitos que regem os próprios invasores:
v. g., o Codex Euricis Regis, Lex Romana Wisigothorum, a Lex Romana Bugundionum, o Edictum Theorici, etc .

b) No Oriente
No Império Romano do Oriente onde as condições econômicas e sociais se mantiveram num nível
apreciável, a vulgarização foi parcialmente impedida por eleito duma reação antivulgarista conhecida por
"classicismo", só possível pela cultura jurídica que se difundia nas Escolas (especializadas) de Direito, sobretudo
de Constantinopla, de Alexandria e de Beirute, cujos professores eram conhecidos por "mestres ecuménicos do
saber jurídico".
Nas palavras de Alvaro D'Ors, enquanto o Ocidente "se limitou a un estudio trivial del derecho, con el fin de
dar cierto barniz a funcionarios y abogados, em Oriente florece un cultivo academico" e "Le conservación en
Orierite de la antigua Jurisprudencia romana (...) contrastaba con la progresiva pobreza, de libros en Occidente".
Simplesmente, da atividade das Escolas não resultou apenas o classicismo. Além de tentar imitar o
clássico, a cultura jurídica procurou, ainda, sublimar a terminologia e certas construções jurídicas, informando-as
de princípios e idéias filosóficas gregas: é a atitude conhecida por "helenização" a que, também não são alheios a
substituição do Latim pelo Grego nas sentenças dos juízes das províncias, autorizada por Arcádio no apo 397, e o
poderoso contributo das igrejas orientais que então atingiram o auges.
Foi durante esta época que Teodósio II promulgou, no ano 438, o Codex Theodosianus que contêm alguns
edicta (ou leges generales) elaborados desde 313. Embora no Oriente, desempenhou também um papel muito
importante no Ocidente: na Itália, chegou a impedir e penetração.
No Império Romano do Oriente, onde as condições econômicas do direito justinianeu; e nos outros países
europeus permaneceu mesmo depois das invasões bárbaras, regendo as relações entre os Romanos . Constituiu
nas palavras de Alvaro D’Ors, “El último cuerpo legal para El Imperio entero” .
No âmbito institucional devemos destacar a emphyteusis, contrato sui generis que opera o
desmembramento do dominium em dois dominia: o direto, que pertence ao (antigo), dominus; é útil cujo titular é o
enfiteuta, que se obriga a Pagar àquele uma renda periódica denominada canon. Como ius in rem, foi criado pelo
imperador Zenão provavelmente no ano 480, embora os seus antecedentes remontem à época clássica, quando o
pretor outorgou ao concessionário (depois enfiteuta) uma actio in rem análoga à revindicatio. A enfiteuse revela
uma forte influência oriental e desempenhou um papel muito importante no desenvolvimento da economia agrícola.

ÉPOCA JUSTINIANEIA
Decorre entre 530 (ano em que Justiniano, encarregou Triboniano de elaborar os Digesta) e 565 (ano em
que o imperador faleceu). É uma época exclusivamente oriental e caracteriza-se pelas mesmas atitudes que, no
oriente, observamos na segunda etapa da época pós-clássica: o classicismo e a helenização. Por isso, não,
apresentando uma verdadeira especificidade, careceria de autonomização se não fosse à circunstância de ter sido
feita a maior compilação jurídica de todos os tempos: o Corpus luris Civilis.
Tendo subido ao poder no ano 527, logo Justiniano pretendeu restaurar a unidade política, religiosa e
jurídica que o império romano tinha perdido. Não conseguiu nos aspectos político e religioso, mas foi bem sucedido
no domínio jurídico onde, servindo-se do indispensável contributo da ciência jurídica das suas, Escolas e, muito
especialmente, do profundo saber jurídico, de alguns Mestres (com evidência pare Triboniano), realizou “a obra
jurídica mais grandiosa de todos os tempos”, à qual os direitos europeus devem a sua perfeição; a ciência jurídica,
a forma mentis; e os atuais Códigos Civis, os princípios e a substância da maioria das suas disposições .
Naturalmente, com a evolução das relações sociais tinham surgido novos problemas cuja solução os textos
clássicos mandados compilar por Justiniano nem sempre ofereciam. A sua atualização impunha-se e Justiniano
autorizou os compiladores a introduzirem as necessárias adaptações através de interpolações que, todavia, não
atingiram o exagero assinalado nas primeiras décadas do nosso século (Século XX). Por isso, além do classicismo
e da helenização, a época justinianeia é ainda caracterizada pela atualização e compilação do Direito Romano.
Além dos direitos da família e das sucessões, destacamos, como exemplos de atualização: a fusão do ius
honorarium com o ius civile e da longi temporis praescriptio com a usucapio; a fixação legislativa de soluções
defendidas, na época clássica, por Sabinianos e Proculeianos ; a substituição da distinção entre, res mancipi e res
nec mancipi pela que opõe as res imobiles às res mobiles e o desaparecimento da mancipatio e in iure cessio, a
transformação e unificação da propriedade sob o conceito de dominium ou proprietas; etc.

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