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De acordo com John Rawls, para que seja possível construir uma sociedade justa, teremos de

garantir que os direi- tos fundamentais de cada indivíduo são respeitados e que a cooperação
social traz o máximo de benefícios a todos de uma forma justa.

Podemos concluir que Rawls seria totalmente contrário à utilização da vida humana como
instrumento para atingir a felicidade – ideia advogada pelas perspetivas utilitaristas. Neste
sentido, o filósofo norte-americano encontra-se mais próximo da perspetiva deontológica da
moral de Kant, uma vez que atribui à vida humana um valor inviolável e lhe consagra direitos
fundamentais independen- tes das aptidões naturais de cada um.

As principais críticas à teoria da justiça de John Rawls são usualmente dirigi- das ao princípio da
diferença. Robert Nozick, na sua obra Anarquia, Estado e Uto- pia, considera que a aplicação
do princípio da diferença pode originar situações injustas. De acordo com este autor, para que
seja possível minimizar as assimetrias sociais através do benefício dos mais desfavorecidos,
teremos necessariamente que redistribuir bens, o que implicará uma cobrança aos mais
favorecidos, de modo a acumular a riqueza que será redistribuída. É exatamente esta cobrança
que Nozick considera injusta, pois, no seu entender, aqueles que auferem rendi- mentos que
vão para além das suas necessidades sacrificam muitas vezes a sua vida pessoal e o seu tempo
de lazer trabalhando mais do que o necessário. Por esta razão, defende não ser justo que
aqueles que optam por trabalhar mais se- jam duplamente sacrificados.

Para Nozick, a redistribuição viola o princípio da igual liberdade proposto por Rawls. O dinheiro
recolhido, através dos impostos, que se destina à redistribuição pelos mais desfavorecidos
pode configurar uma violação de liberdades básicas: 1. Violação da liberdade da pessoa, na
medida em que esta cobrança de im- postos é equivalente a trabalho forçado. 2. Violação do
direito à propriedade privada, na medida em que retiramos ao trabalhador bens obtidos
legitimamente. O princípio da igualdade de oportunidades proposto por Rawls também é alvo
de críticas. Alguns filósofos defendem que a garantia da igualdade de acesso às diferentes
posições sociais não é exequível, dado que as sociedades têm carac- terísticas culturais
enraizadas que impedem que esta igualdade se concretize. Para estes pensadores, a única
forma de intervir é discriminando positivamente aqueles que não têm oportunidade de
ascender a certas posições sociais. Con- tudo, esta intervenção poderia, colateralmente,
desencadear a ascensão de cida- dãos menos capazes para determinadas funções, resultando
numa nova desi- gualdade.

Outros filósofos criticam os modelos que assentam na redistribuição da ri- queza salientando
que, dependendo do trabalho, do esforço e das suas caracterís- ticas individuais, cidadãos
diferentes me- recem recompensas diferentes. Subtrair valor à remuneração dos que se
esforçam mais para discriminar positivamente aqueles que não querem cumprir as suas
obrigações sociais pode levar a um nivela- mento que desmotiva a competição e o trabalho
dos mais capazes. Seguindo o mesmo raciocínio, uma vez que as neces- sidades dos cidadãos
são diferentes em função das suas características específi- cas, supor princípios distributivos
iguais para cidadãos diferentes pode gerar me- didas distributivas desajustadas das ne-
cessidades e carências dos indivíduos. Antonio Berni, Desocupados, 1934. Alguns dos críticos
de Rawls refletem ainda sobre a possibilidade da aplica- ção prática do princípio da diferença.
Para estes filósofos, a justiça distributiva exige uma contínua intervenção do Estado na vida
dos indivíduos, sem se garan- tir que a redistribuição contribua efetivamente para minimizar as
desigualdades existentes ao nível das oportunidades. De facto, como nunca é possível prever
que aplicação cada indivíduo irá dar ao benefício recebido do Estado, seria neces- sária uma
fiscalização permanente de forma a garantir os reajustamentos neces- sários a uma
redistribuição justa. A partir do momento em que o Estado inter- vém, não consegue controlar
o tipo de utilização que os cidadãos farão dos benefícios que receberam. Deste modo, tornar-
se-ia necessário um reajusta- mento permanente, à medida que os cidadãos fazem transações
entre si, o que, por um lado, não é exequível e, por outro, pode ser injusto.

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Síntese
Justiça e equidade
Rawls defende que o tratamento social deve ser equitativo, ou seja, ponderado em
função das características e necessidades de cada um. A posição original é uma situação
imaginária que teria lugar antes da constituição da sociedade.
Rawls recorre a esta situação de modo a assegurar que os princípios são escolhidos com
imparcialidade.
O véu de ignorância é uma situação imaginária na qual, desconhecendo as
características particulares da sua situação, os indivíduos poderiam imparcialmente
encontrar os princípios mais justos. Cobertos pelo véu de ignorância, os indivíduos
desconheceriam:
• a sua posição social;
• as suas aptidões específicas.
Problemas na aplicação dos princípios de justiça
Para Nozick a redistribuição de bens gera injustiça, pois quem trabalha mais será
duplamente sacrificado. A cobrança de impostos que tem em vista a redistribuição pode
representar uma violação das liberdades básicas do ser humano.
A justiça distributiva exige que o Estado intervenha continuamente na vida dos
indivíduos, pois a partir do momento em que realiza a distribuição perde o controlo
sobre o que cada indivíduo decide fazer com o bem que recebeu.
A garantia da igualdade de acesso às diferentes posições sociais não é exequível. A
intervenção do Estado poderia, colateralmente, desencadear a ascensão de cidadãos
menos capazes para determinadas funções, resultando numa nova desigualdade.
Subtrair valor à remuneração dos que se esforçam mais para discriminar positivamente
aqueles que não querem cumprir as suas obrigações sociais pode levar a um
nivelamento que desmotiva a competição e o trabalho dos………….
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Na teoria da justiça de Rawls, a posição original corresponde ao estado natural da


teoria tradicional do contrato social e deve ser concebida como uma situação
imaginária. Admitamos um cenário em que não existem instituições sociais e em que
todos somos iguais. Partamos do pressuposto que desconhecemos por completo o
lugar que ocupamos na sociedade. Sob este véu de ignorância, que nos torna
incapazes de fazer considerações egoístas, é-nos pedido que aprovemos de antemão
os princípios que servirão para avaliar as relações entre as pessoas e as instituições.
Trata-se de um contrato hipotético, imaginado para que os princípios eleitos sejam
equitativos. Se nenhum de nós for conhecedor da situação em que se encontra ou se
virá a encontrar, então ninguém estará em posição de designar princípios que
beneficiem a sua situação particular. Por conseguinte, será imparcial e efetivamente
empenhado no bem comum. O véu de ignorância que caracteriza a posição original é
uma barreira contra os interesses parciais dos indivíduos e dos grupos. Subentende a
exclusão de toda a informação sobre as nossas características e condição social e
económica, assim como a etnia, o sexo, a religião, a orientação sexual, a profissão, os
talentos e, inclusivamente, os nossos valores e conceções de bem. Qual a utilidade
deste ponto de partida? Rawls constata que as perspetivas que as pessoas têm de
justiça são muitas vezes parciais, porque influenciadas pelos seus interesses pessoais.
A vantagem do véu de ignorância é obrigar os indivíduos à imparcialidade, requisito
básico de qualquer sistema justo. Se não dispusermos de informação que permita a
parcialidade, então optaremos pelo bem comum. Em virtude do véu de ignorância,
quando tentamos estabelecer as cláusulas de um acordo imaginário somos levados a
cooperar no sentido do maior benefício de todos e de cada um. Ninguém, nesta
situação de desconhecimento original, consentirá, por exemplo, num sistema
esclavagista, dado poder vir a encontrar-se na posição de escravo levantado que seja o
véu de ignorância. Os princípios de justiça nascerão assim de um acordo ou negociação
em situação de absoluta equidade. Uma vez que desconhecemos os resultados, a
estratégia deverá passar, segundo Rawls, por começarmos por imaginar a pior situação
possível e, a partir dela, estabelecermos princípios justos, isto é, optarmos pelos
melhores princípios considerando o pior cenário concebível – estratégia maximin
(abre- viatura de maximizar o mínimo).

Estas considerações permitem-nos organizar algumas conclusões preliminares:

→ A posição original constitui a base de um contrato ou acordo hipotético.

→ O acordo implica a totalidade dos atores sociais em situação de igualdade.

→ A imparcialidade é conseguida a partir de um véu de ignorância.

→ O véu de ignorância elimina as condições injustas. → Os princípios resultam da


eleição racional e voluntária dos participantes.

→ Os princípios definem direitos e a divisão equitativa dos benefícios sociais.

Os princípios de justiça (liberdade e igualdade) Estando assim definidos os


pressupostos da posição original, que princípios de justiça escolheriam os indivíduos?
Segundo Rawls, não escolheriam o utilitarismo. Sob o véu de ignorância,
desconhecendo a classe social, o sexo, a etnia, as opiniões políticas, as convicções
religiosas, as vantagens ou desvantagens genéticas, etc., rejeitariam a hipótese de ser
oprimidos ou instrumentalizados, mesmo que isso pudesse dar prazer à maioria. Que
princípios surgiriam então?

Primeiro princípio (princípio da liberdade)

Cada pessoa deve ter o mesmo direito a um conjunto igual e vasto de liberdades
básicas. Ou, dito de outro modo, o direito às liberdades básicas deverá ser semelhante
para todas as pessoas.
Segundo princípio (princípio da igualdade)

As desigualdades económicas e sociais só serão aceitáveis se forem, simultaneamente:

 Para o maior benefício dos menos favorecidos (princípio da diferença).


 Ligadas a cargos e funções abertos a todos em circunstâncias de igualdade e
de oportunidades equitativas (princípio da oportunidade justa).
O primeiro princípio consagra a igualdade na atribuição dos direitos e deveres básicos,
as liberdades básicas: liberdade política, liberdade de pensamento, de consciência, de
expressão, de voto, de indignação e de associação, bem como de propriedade, de
proibição de prisão arbitrária e de expropriação. O segundo princípio estabelece os
limites da desigualdade justa. Os princípios são hierárquicos.

Se suceder existir conflito entre os dois princípios de justiça, as liberdades básicas


devem ter prioridade absoluta sobre os dois princípios seguintes. A perda de
liberdades básicas em nome de vantagens económicas não é aceitável.

Esta posição mostra a oposição frontal de Rawls aos sistemas totalitários. Também o
princípio da igualdade equitativa de oportunidades é, para Rawls, prioritário em
relação ao princípio da diferença.
A crítica de Nozick

Nozick é um defensor do libertarismo. De acordo com esta perspetiva política, o


Estado deve ter um papel muitíssimo limitado. Deve servir essencialmente para
garantir a segurança das pessoas (através das forças policiais) e para resolver conflitos
(através dos tribunais). O Estado não deve, por exemplo, providenciar educação ou
cuidados de saúde aos cidadãos. De acordo com os libertaristas, cobrar impostos para
providenciar estes serviços é interferir indevidamente na liberdade das pessoas. O
Princípio da Diferença está em conflito com o libertarismo. Este princípio, diz- -nos
Nozick, é um exemplo de uma conceção padronizada da justiça, pois afirma que a
riqueza deve estar distribuída de um certo modo, isto é, de acordo com um
determinado padrão: as desigualdades de riqueza só se justificam se melhorarem a
situação dos mais desfavorecidos.
Uma sociedade será injusta, segundo Rawls, se a distribuição da riqueza não obedecer
a este padrão, que é o que acontecerá se existirem desigualdades que não beneficiam
os mais desfavorecidos. Mas como será possível realizar o padrão proposto? Segundo
Nozick, para implementar o Princípio da Diferença, o Estado terá de redistribuir
constantemente a riqueza. Terá de forçar algumas pessoas a pagar impostos,
retirando-lhes parte do que ganharam legitimamente, para que outras pessoas sejam
beneficiadas. Nozick, baseando-se no pensamento de Kant, considera que isso é
eticamente inaceitável. Sugere que proceder assim é tratar as pessoas como meros
meios, violando os seus direitos de propriedade.

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