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Como é possível uma sociedade justa?

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O que é uma sociedade justa?

A quem deve ser exigida a implementação de regras que torne a


sociedade justa?
Como é possível uma sociedade justa?

Uma das principais exigências que é reclamada ao Estado é que a


sua governação seja capaz de implementar políticas apropriadas à
promoção de uma sociedade justa.

O que é uma sociedade justa?

É aquela que dá a cada indivíduo o que lhe é devido?

O que é dar a cada indivíduo o que lhe é devido?


• Dado que não há recursos suficientes para que todos recebam o que
gostariam de ter e tudo o que precisam, como decidir quem fica com
o quê?

• Qual o CRITÉRIO que devemos adotar para fundar uma sociedade


justa?
A Justiça pode ser entendida em dois sentidos:

1º- Justiça retributiva – refere-se às punições e castigos que o Estado aplica a quem comete
crimes e infrações.

2º- Justiça distributiva – refere-se ao modo como cada qual vai receber o que é devido em
termos de encargos (impostos, por exemplo) e benefícios (educação, assistência médica,
dinheiro, poder, autoridade e outros).
Qual o critério Justo?
-Igualdade (cada indivíduo deve receber uma igual parte dos encargos e dos benefícios)?

- Igualdade de oportunidades (dar a cada um igual condição de acesso à saúde, à educação, ao emprego, (…))?

- Utilidade social (distribuir de forma a promover o maior bem-estar para a maioria)?

- Equidade (permitir a desigualdade, desde que essa desigualdade beneficie todos, especialmente, os mais
desfavorecidos)?

- Titularidade legítima (cada um tem o direito de usufruir livremente do que ganhou ou adquiriu legitimamente)?
Teoria da Justiça de John Rawls
John Rawls - Vida e Obra
• John Rawls (Baltimore, 21 de Fevereiro de 1921 — Lexington, 24 de Novembro de 2002) filósofo
americano, foi um professor de Filosofia Política na Universidade de Harvard.

• Defensor da perspetiva liberal, é considerado por muitos uma das figuras centrais do pensamento
político do nosso tempo.

• As ideias de Rawls inserem-se na tradição do contrato social de Hobbes, Locke, e Rousseau.

• Principais obras:
• Uma Teoria da Justiça – 1971;
• O Direito dos Povos – 1999;
• Justiça e Democracia – 2001.
A que problema procura responder a teoria de Rawls?

John Rawls desenvolve uma teoria sistemática e global da justiça, em clara


oposição às conceções utilitaristas, e procura responder às seguintes questões:

- Como deve uma sociedade distribuir os seus benefícios?

-Como é possível uma sociedade justa?


Segundo a conceção utilitarista:

• O bem-estar geral é colocado acima da justiça;

• O único objetivo é que o bem-estar coletivo seja máximo ou que o saldo


dos ganhos e das perdas da coletividade seja positivo - a distribuição justa
é aquela que é útil socialmente;

• É admissível que os direitos dos indivíduos possam ser sacrificados em


benefício dos interesses sociais;
Rawls discorda do utilitarismo …

… porque uma sociedade justa não permite que os sacrifícios


impostos a uns poucos sejam compensados pelo aumento das
vantagens usufruídas por um maior número.
J. Rawls (1993), Uma teoria da justiça, Lisboa: Editorial Presença, (adaptado).

Rawls tem uma conceção deontológica da justiça, na medida em que não se


deve violar a liberdade de nenhum indivíduo em benefício de outrem (princípio
da “separação das pessoas”).
Sabem qual a diferença entre:

Igualdade e equidade?
Justiça e Equidade

Uma sociedade só será justa na medida em que confirme a


inviolabilidade dos direitos do indivíduo enquanto pessoa (liberdade
individual) e proporcione, através da cooperação de todos, o máximo de
vantagens mútuas possível (igualdade).
J. Rawls (1993). Uma teoria da justiça. Lisboa: Editorial Presença, (adaptado).

- Rawls procurou conciliar dois conceitos, para muitos pensadores


inconciliáveis: liberdade individual e justiça social (igualdade).
Qual o ponto de partida da teoria de Rawls?

• O Contratualismo e uma nova forma de contrato social


(idealizada para que os princípios de justiça eleitos sejam equitativos).

• Os princípios de justiça
(base do contrato social (acordo hipotético) e resultam da eleição racional e voluntária dos
participantes, a pluralidade e a totalidade dos indivíduos).
Em que circunstâncias são definidos os princípios da justiça?
Atenta à seguinte situação:

“(…) Suponhamos que, num futuro não muito distante, deixa de haver oferta de árbitros de futebol. (Imaginemos
que, desiludidos com os insultos que lhes são dirigidos pelos jogadores, passam a dedicar-se todos ao tiro com
arco). Para muitos jogos, torna-se impossível descobrir um árbitro neutro. Suponhamos que foi isto que se passou
no jogo entre o Benfica e o Futebol Clube do Porto e suponhamos que o único árbitro qualificado a assistir ao
desfio é o presidente do Benfica.
Compreensivelmente, o Futebol Clube do Porto não aceita a proposta de que seja ele a arbitrar o jogo.
Contudo, a Federação Portuguesa de Futebol sabe que este problema surge de tempos a tempos e, por isso,
inventou um fármaco. Quando tomamos esta substância, a nossa conduta é perfeitamente normal, com a
exceção de um aspeto: temos uma perda muitíssimo seletiva de memória. Deixamos de ser capazes de dizer qual
o clube de futebol de que somos presidentes (e também não conseguimos ouvir qualquer pessoa que tente
recordar-nos). Tendo este fármaco em questão, como iria o presidente arbitrar este jogo?
A resposta é: poderia ser imparcial. Sabe que é presidente de um dos clubes, mas não de qual. Assim se
escolher favorecer aleatoriamente uma equipa, pode vir a descobrir que prejudicou o seu próprio clube. Se
presumirmos que ele não quer correr o risco de malograr injustamente as perspetivas do seu clube, só lhe restará
agir tão justamente quanto lhe seja possível e deixar o jogo desenrolar-se de acordo com as regras. A ignorância
gera imparcialidade.

J. Wolff, Introdução à Filosofia Política


(Manual, pag. 171)
Em que circunstâncias são definidos os princípios da justiça?

• A posição original - é uma situação imaginária (que terá tido lugar


antes da constituição da sociedade) a partir da qual se definem os
princípios da justiça e se estabelece o contrato social.

• véu de ignorância – condições de imparcialidade fundamentais da


posição original.
Que papel desempenha o véu de ignorância?

• O véu de ignorância é uma barreira contra interesses egoístas, na medida em que obriga
os indivíduos à imparcialidade e à cooperação.

• Sob o véu de ignorância, os indivíduos, colocados em situação de igualdade, agem apenas


em função da escolha racional. Desconhecem todas as características naturais (aptidões
específicas) e condições sociais e económicas em que se encontram ou virão a encontrar-
se e, por isso, vão procurar proteger os seus interesses próprios que são, afinal, nestas
circunstâncias, os de todos e os de cada um.

• O véu de ignorância garante equidade e universalidade.


A estratégia «maximin» - o princípio racional da escolha

• Rawls defende que na escolha dos princípios da justiça, os contratantes, a coberto do véu de ignorância,
devem aplicar a estratégia maximin.

• A estratégia «maximin» – maximizar o mínimo – é um princípio racional de escolha que garante,


segundo Rawls, numa situação de incerteza, as melhores condições possíveis para os menos favorecidos.

Porquê?

• porque ninguém conhece a posição social que ocupa e, de entre todos as situações possíveis, vão
considerar aquela em que a pessoa menos favorecida fica melhor em termos de distribuição de bens
primários.
Numa situação como a descrita por
Rawls, que princípios da justiça seria
racional escolher?
• São dois os princípios definidos racionalmente a partir da
posição original:

• O primeiro é o princípio da liberdade. Este princípio exige que o direito às


liberdades básicas seja igual para todos.

• O segundo é o princípio da diferença, segundo a oportunidade justa.


• O princípio da liberdade pressupõe que cada pessoa tenha a maior
quantidade possível de liberdades compatível com igual quantidade de
liberdade para os outros.

A liberdade política (o direito a votar e de ocupar uma função pública) e a


liberdade de expressão e de reunião; a liberdade de pensamento e de expressão; a
liberdade de consciência e de pensamento; o direito à propriedade privada e à
proteção contra a prisão arbitrária.
J. Rawls (1993). Uma teoria da justiça. Lisboa: Editorial Presença, p. 68 (adaptado).
• O segundo princípio subdivide-se nos princípios da diferença e da oportunidade
justa.

- O da oportunidade justa afirma que quaisquer desigualdades sociais e


económicas associadas a cargos ou trabalhos podem apenas existir se esses cargos
ou trabalhos estiverem abertos a todos em igualdade de oportunidades.

- O da diferença consagra que quaisquer desigualdades económicas e sociais


devem apenas ser toleradas na condição de trazerem maiores benefícios aos
menos favorecidos.
Em caso de conflito, os princípios têm o mesmo estatuto?

• Não. Os princípios da justiça são hierárquicos.

• Em caso de conflito, as liberdades básicas consagradas no primeiro princípio têm absoluta


prioridade sobre os dois princípios seguintes.

• Também o princípio da oportunidade justa é prioritário em relação ao princípio da diferença.

Por exemplo, para Rawls não é admissível, em circunstância alguma,


defender a escravatura argumentando que os escravos têm melhores
condições de alimentação e alojamento do que aquelas que teriam em
liberdade. A escravatura é incompatível com o princípio da liberdade e por
isso inaceitável, mesmo que hipoteticamente represente vantagens de
bem-estar económico para os escravos.
Para Rawls existem desigualdades boas?
• Sim.
• Tratar as pessoas como iguais não implica remover todas as desigualdades,
mas apenas aquelas que trazem desvantagens para alguém.

• Assim, em nome de maior justiça social, o sistema de Rawls admite a


existência de desigualdades, desde que estas tragam maiores benefícios para
os menos favorecidos.

Por exemplo, se pagar mais a médicos e professores assegura que estes


profissionais aceitem trabalhar em aldeias recônditas, servindo populações
que, caso contrário, não teriam acesso à saúde e à educação, então a
desigualdade salarial é permitida.
Concordam com esta teoria?

“O conto do escravo” de Robert Nozick


A crítica libertarista

Robert Nozick
(1938-2002)
A objeção do jogador de basquetebol
Crítica de Nozick ao princípio da diferença de Rawls
Wilt Chamberlain (1936-1999) -
Nome mítico da NBA, bateu mais de
Wilt Chamberlain é um jogador de basquetebol em alta. A sententa recordes. Um deles,
sociedade em que vive distribui a riqueza segundo o princípio simplesmente fabuloso, foi o de fazer
100 pontos num só jogo
da diferença ou segundo o princípio "a cada um segundo as
suas necessidades", ou então segundo o princípio que
achares mais correto — escolhe o princípio que quiseres. A
esta distribuição de riqueza vamos chamar D1. Depois de • Deve, o Estado fazer uma nova distribuição de
várias propostas, Wilt Chamberlain decide assinar o seguinte riqueza na sociedade em questão? Com que razões?
contrato com uma equipa: nos jogos em casa, recebe 25
cêntimos por cada bilhete de entrada. A emoção é grande. • Haverá lugar a reclamações de terceiros que antes
Todos o querem ver jogar. Chamberlain joga muito bem. Vale nada reclamavam e que continuam a ter o mesmo
rendimento?
a pena pagar o bilhete. A época termina e 1 milhão de
pessoas viu os jogos. Chamberlain ganhou 250 000 euros. O
• Que legitimidade tem o Estado para interferir no
rendimento obtido é bem maior que o rendimento médio.
rendimento de Chamberlain, cobrando-lhe impostos
Gera-se assim uma nova distribuição de riqueza na
elevados?
sociedade em questão, a que vamos chamar D2. Mas será
esta nova distribuição correta?
Robert Nozick, “Anarquia, Estado e Utopia”
• Para Rawls, a igualdade é a referência moral das instituições sociais e políticas.
• O princípio da diferença - padroniza a justiça - (minimiza as desigualdades sociais): a propriedade deve ser
distribuída de forma a que os mais desfavorecidos fiquem o melhor possível. Caso uma sociedade não respeite
este padrão será injusta.

• Porém, a ação livre dos indivíduos (de comprar um bilhete para ver o seu jogador preferido, sabendo que ele
irá receber 25 cêntimos por cada), quebra/subverte o padrão.

• O restabelecimento do padrão implica que o Estado intervenha, através de meios como a cobrança de
impostos, para redistribuir a propriedade.

• Ora, para Nozick, defensor da liberdade do indivíduo, esta redistribuição é ilegítima. A interferência do Estado
é eticamente inaceitável, pois interfere consideravelmente com a liberdade e os direitos de propriedade que
das pessoas, isto é, viola os direitos de propriedade dos indivíduos e desrespeita a liberdade individual –
perspetiva deontológica.

• Nozick, defende claramente que “a tributação dos rendimentos do trabalho é equiparável ao trabalho
forçado”. O que cada um ganhou legitimamente é seu por direito e nem o Estado deve ter o direito de tirar.
Em suma, para Nozick…

• Uma sociedade justa é aquela que respeita absolutamente os direitos individuais: vida, liberdade
e propriedade.

• A redistribuição da riqueza, por parte do Estado, constitui uma violação do direito à propriedade
e por isso, é incompatível com a justiça social.

• O Estado promove a justiça se não interferir na vida económica, respeitando o direito absoluto de
cada um a dispor do que recebeu ou adquiriu legitimamente.

• O Estado mínimo é o único poder político legitimo porque respeita cada um como titular absoluto
do que é seu.
A crítica comunitarista

Michael Sandel
(1953)
O eu situado e a importância moral da comunidade
«Como é possível reconhecer o peso moral da comunidade e, ao mesmo tempo, permitir a liberdade moral?
Como podemos considerar-nos simultaneamente situados e livres? Alasdair MacIntyre fornece uma resposta
convincente a essa pergunta. (…) [MacIntyre] propõe uma conceção narrativa de pessoa. Os seres humanos são
seres contadores de histórias. Vivemos as nossas vidas como demandas narrativas. “Só posso responder à pergunta
´Que devo fazer?’ se conseguir responder à pergunta anterior ‘De que história ou histórias é que eu faço parte?’”
(…)
Para MacIntyre, o aspeto narrativo da reflexão moral está relacionado com associação e pertença:
“Todos nós abordamos as nossas próprias circunstâncias como detentores de uma identidade social específica. Sou
o filho ou a filha de alguém, primo ou tio de alguém, sou cidadão desta ou daquela cidade (…); pertenço a este clã,
àquela tribo, a esta nação. (…) Como tal, herdo do passado da minha família, cidade, tribo, nação, uma variedade
de dívidas, legados, expectativas e obrigações legítimas. Estas constituem os factos da minha vida, o meu ponto de
vista moral. É isto que, em parte, confere à minha própria vida a sua particularidade moral. (…) A história da minha
vida está sempre integrada na história das comunidades onde vou buscar a minha identidade. Nasço com um
passado e tentar isolar-me desse passado (…) é deformar as minhas relações presentes.”»

Michael J. Sandel, Justiça – Fazemos o que devemos?, Editorial Presença, Lisboa, 2011, pp. 230-232
A importância da comunidade
Crítica de Sandel à posição original e ao véu da ignorância

• O bem comum tem prioridade sobre as preferências das pessoas.

• A comunidade é a base a partir da qual se pode definir uma vida boa, o bem comum.

• A identidade de cada um constrói-se no âmbito da vida social comunitária. Cada


indivíduo pertence (em grande parte) a essa comunidade.

• As escolhas e as preferências de cada um são muito influenciadas pelos laços


comunitários.

• Sandel, discorda do modo proposto por Rawls para definir os princípios da justiça.
Ataca a noção de posição original e especialmente o véu de ignorância.
Escolhas feitas a coberto do véu de ignorância
podem ser imparciais, mas isso não as torna boas.
• As deliberações e decisões realizadas a coberto do véu de ignorância na
posição original são moralmente cegas.

• O véu de ignorância implica que as escolhas sejam feitas por indivíduos


totalmente desenraizados e desligados de qualquer laço social e, portanto,
interessadas no seu próprio bem, sem se guiarem por qualquer noção de bem
comum ou sequer de vida boa.

• Assim, as escolhas dos princípios da justiça resultam da agregação de meras


preferências individuais totalmente amorais.
Em suma…
• Para Michael Sandel a escolha dos princípios de uma sociedade justa
não pode ser fundada num desconhecimento da minha história.

• O bem comum sobrepõe-se à justiça.

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