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angústia do sujeito
poético.
Na terceira estrofe, o sujeito poético começa por afirmar que «Um internado
no manicómio é alguém», uma generalização traduzida pelo artigo indefinido
«um». No verso seguinte, declara que é um internado num manicómio sem
manicómio, paradoxo que significa que o sujeito não é «ao menos alguém». O seu
estado é de ambivalência, dividido entre a loucura («Estou doido», «louco») e a
lucidez, a consciência do que se passa consigo («Estou doido a frio», «Estou
lúcido», «e igual a todos»). A metáfora paradoxal «Estou doido a frio» traduz,
precisamente, a sensatez e a lucidez do sujeito poético. Ele está doido mas tem a
consciência dessa loucura. De notar a estrutura anafórica dos versos 17 a 20.
O recurso aos quantificadores «tudo» e «todos» é particularmente
significativo neste contexto. Assim, em «Estou alheio a tudo», o quantificador
reflecte o estado de indiferenciação e de alienação do sujeito a todas as pessoas,
coisas e situações. Já em «igual a todos», o «eu» apresenta-se num plano de
equidade relativamente a toda agente. A explicação para esta dicotomia surge nos
três versos seguinte e é anunciada pelos dois pontos. Embora esteja atento ao que
se passa consigo («desperto»), ele não consegue, por falta de estímulo, superar o
estado de passividade («Estou dormindo com sonhos»). Este nome («sonhos»),
associado ao acto de «dormir», aponta para a manifestação do inconsciente,
enquanto ligado a «desperto» implica a co-existência da imaginação e da
consciência, o que, mais uma vez, remete para um estado intermédio - o tal «estar
entre» a que se referia no verso 11. Por isso, a ideia transmitida pela oração
subordinada adjectiva relativa restritiva que caracteriza o nome «sonhos» - «que
são loucura» - prefigura um estado de alienação; porém, a oração «porque não
são sonhos» remete para a indefinição permanente que o último verso desta
estrofe associa ao presente através do recurso ao presente do indicativo e ao
advérbio de modo «assim». As reticências acentuam a ideia de indefinição e
denunciam o desânimo e o desalento que envolvem o sujeito poético.
Este estado de indefinição e de alienação levam-no, de seguida, a invocar
(apóstrofe) a sua «Pobre velha casa» (note-se que também a angústia foi
adjectivada como «velha»), o símbolo da sua «infância perdida». A adjectivação
com que a casa é qualificada revela os sentimentos e as emoções que assaltam o
sujeito poético neste momento em que a invoca: o afecto, a protecção, o refúgio, a
paz e a tranquilidade, o viver campestre. No entanto, note-se como ele, de certa
forma, projecta na casa a piedade e a comiseração que sente por si próprio. É que,
além de tudo, a casa, a prova palpável de que existiu um outro tempo, está
modificada e esse tempo e essa situação são irrecuperáveis (ideia traduzida pelo
particípio passado com valor de adjectivo «perdida»). Repare-se como há aqui,
pelo menos, dois tempos em confronto: o passado da infância e um tempo
posterior, equivalente à situação que o sujeito poético vive presentemente.
Assinale-se, por outro lado, a utilização da expressão «me desacolhesse» (o verbo
encontra-se na forma reflexa) e do intensificador «tanto», que explicitam o grau de
responsabilidade do «eu» na origem / criação da situação em que se encontra. De
facto, ao socorrer-se do pronome pessoal reflexo «me», parece indiciar que não é
a casa que não lhe dá mais abrigo, mas que ele é que o recusa. O ponto de
exclamação revela que o pronome interrogativo é, neste caso, empregado para
reforçar o tom de admiração, o sentimento de espanto perante o carácter
inesperado e excepcional da situação que vive.
Nos quatro versos seguintes (25 a 28), o sujeito torna clara a contraposição
entre o passado e o presente. De facto, as interrogações apontam para um tempo
passado - o da infância, personificada ao longo da estrofe, pois é apresentada
como sendo capaz de ouvir, de compreender e de ser cúmplice do «eu» - símbolo
casa -, durante o qual ele viveu protegido («teu menino» - repare-se na metonímia:
o nome «casa» está a representar outra realidade, nela centrada - a família),
tranquilo («dormia sossegado» - note-se que o pretérito imperfeito do indicativo
denuncia o carácter iterativo da situação «dormir»), abrigado / protegido («sob o
teu tecto provinciano»). Já as respostas a cada uma das respostas remetem para
o presente, caracterizado por um estado de locura («Está maluco»). Além disso,
no último verso a reiteração do pronome «quem», sendo o primeiro interrogativo e
o segundo relativo («Quem de quem fui?»), explicita a ânsia que o sujeito poético
tem de reencontrar o «quem» do passado, da infância. No entanto, a presença da
forma verbal «fui» (pretérito perfeito do indicativo) encerra em definitivo esse ciclo
e torna coerente o presente enquanto tempo de alienação.