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Ficha de trabalho 2

Educação Literária

Nome ____________________________________________ Ano ___________ Turma__________ N.o _________

Unidade 1 – Fernando Pessoa – Poesia do ortónimo

Lê o poema seguinte e responde às questões

O Menino da sua Mãe

No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas traspassado
— Duas, de lado a lado —,
5 Jaz morto, e arrefece.

Raia-lhe a farda o sangue.


De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
10 E cego os céus perdidos.

Tão jovem! que jovem era!


(Agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
15 «O menino da sua mãe».

Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lha a mãe. Está inteira Paul Cézanne, O Rapaz de Colete Vermelho, 1880-1890.
E boa a cigarreira.
20 Ele é que já não serve.

De outra algibeira, alada


Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço... Deu-lho a criada
25 Velha que o trouxe ao colo.

Lá longe, em casa, há a prece:


«Que volte cedo, e bem!»
(Malhas que o Império tece!)
Jaz morto, e apodrece,
30 O menino da sua mãe.
Fernando Pessoa, Poesia do Eu (ed. Richard Zenith)
3.ª ed., Lisboa, Assírio & Alvim, 2014, pp. 180-181.

Editável e fotocopiável © Texto | Mensagens 12.o ano 163


1. Apresenta uma divisão lógica para o poema e resume cada uma das partes.

2. Como um hábil realizador de cinema, o sujeito lírico compõe o seu poema, através de uma
sucessão de planos, personagens e espaços. Comprova esta afirmação com elementos textuais.

3. Atenta na pontuação da última estrofe. Justifica a sua utilização.

4. Identifica o recurso expressivo em «Jaz morto, e arrefece.» (v. 5) e «Jaz morto, e apodrece» (v. 29),
explicitando o seu valor.

5. Caracteriza objetiva e simbolicamente a personagem central do poema.

164 Editável e fotocopiável © Texto | Mensagens 12.o ano


Soluções

Educação Literária 5. Trata-se, aqui, do tema da dor de pensar, explícito


no primeiro verso do poema, através do cansaço que o
Ficha de trabalho 1 (p. 161) sujeito poético expressa em relação a esse doloroso
1.1 O sujeito poético revela, nestes versos, e ao longo processo, que é o pensamento.
de todo o poema, um estranhamento de si mesmo e
do real que se lhe apresenta, e que lhe é dado a Ficha de trabalho 2 (p. 163)
entender. Ao mesmo tempo, há um sentimento de 1. O poema pode ser dividido em três partes: a primeira
inadequação do eu a esse real. Os versos revelam, em corresponde às duas primeiras estrofes – num meio de
particular, uma falta de noção de como agir e, um plaino abandonado, um soldado jaz morto, tres-
simultaneamente, uma pressão exercida pelo real, o passado de balas. A segunda parte é constituída pelas
campo de ação do sujeito poético. A dificuldade de três estrofes seguintes – apresenta-se «o menino de sua
compreensão de si mesmo e do real causa este mãe», estabelecendo-se o contraste entre o bom
sentimento de impossibilidade de viver nestas estado dos seus objetos pessoais (dados por entes
condições. queridos) com a sua própria morte. Terceira parte,
1.2 Os sentimentos de cansaço, solidão e tristeza são última estrofe – em casa, reza-se pelo soldado, que já
acicatados por uma noite de vigília, de insónia, uma noite não irá voltar.
fria, escura e silenciosa que se encontra em plena 2. Em grande plano, o sujeito lírico começa por
consonância com o interior do sujeito poético. A estética descrever o espaço – uma planície longínqua e
da corporização da solidão no «momento insone» é a desterrada, «No plaino abandonado» (v. 1);
localização dos sentimentos no tempo e espaço desta seguidamente, em grande plano, surge a descrição da
noite fria. À escuridão desta noite e dos próprios personagem principal do poema, um soldado morto. A
pensamentos do eu poético serve a adjetivação «negro «câmara» focaliza os pormenores chocantes que
astral silêncio e surdo» para dar uma maior sensação de confirmam a violência da sua morte e o seu estado,
profundidade. A enumeração «Mas noite, frio, negror «De balas traspassado» (v. 3); «Fita com olhar langue /
sem fim, / Mundo mudo, silêncio mudo» contribui para o E cego» (vv. 9-10). Também os seus objetos pessoais
estreitamento de laços entre situação espáciotemporal e são alvo de interesse «cinematográfico». Introduzem-
situação emocional do sujeito poético. Esta enumeração -se duas novas personagens – «a mãe» e «a criada
afunila o raciocínio na direção do paradoxo final, velha», conferindo ainda maior dramatismo à
generalizante do sentimento de despersonalização e construção deste quadro. Na última estrofe, muda-se
inadequação da personalidade ao real em que existe. de plano e de espaço «Lá longe, em casa» (v. 26), onde
2. Tendo em conta que o sujeito poético, mais do que as duas personagens referidas estariam a rezar pelo
triste, está frustrado e cansado de viver numa realidade regresso (que sabemos impossível) do «menino de sua
à qual não consegue adequar-se, sente que não pode mãe».
«viver assim», dar continuidade ao que lhe parece 3. A última estrofe é rica em pontuação, ao serviço de
absurdo. Portanto, na lógica de que a noite termina com vários propósitos. Destacam-se os seguintes: os dois
a madrugada, como esta noite que madrugará, também pontos e as aspas que introduzem o discurso direto no
os pensamentos negros e frios do sujeito poético texto poético; as exclamações revelam emotividade,
terminarão, um dia, quanto mais não seja através da tanto na prece como no aparte (apresentado entre
inevitabilidade da morte. parênteses). O ponto final no termo do poema traduz
3. Este paradoxo final que encerra o poema é assertividade e o caráter irreversível da morte do
revelador, uma vez mais, da despersonalização do soldado.
sujeito poético e da sua dificuldade de adequação ao 4. Gradação – reflete a passagem do tempo e
real que habita. Num raciocínio pessimista ao longo de consequente deterioração do corpo do soldado.
todo o poema, o sujeito poético parece tender para 5. «O menino da sua mãe» é, objetivamente, um
uma opinião geral da vida em concomitância com esse jovem soldado morto em combate, na defesa do
pessimismo. Contudo, depois de uma eumeração Império, longe da sua família. No entanto, no plano
negativa, recua no argumento, como recua nas suas simbólico, remete-se para a própria infância do sujeito
ações, questiona o seu próprio raciocínio, da mesma poético, irremediavelmente perdida e da qual apenas
forma que questiona o real que se lhe apresenta, resta a nostalgia, a saudade.
constante e dolorosamente.
4. O discurso parentético constitui uma reflexão final, Ficha de trabalho 3 (p. 165)
na qual o sujeito poético evidencia a perturbação 1. Bernardo Soares, relê, de forma passiva, os versos
vivida durante a noite de silêncio e escuridão («Mas de Caeiro que lhe surgem como uma inspiração, uma
noite, frio, negror sem fim, / Mundo mudo») e libertação. A sua repetição, como se de uma revelação
acalenta a esperança de mudança através da frase se tratasse, suscita-lhe a vontade de exteriorizar o que
exclamativa final:«Ah, nada é isto, nada é assim!» sente, de se entregar aos impulsos, gesticular, gritar

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