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Na primeira estrofe do poema, a relação entre o estado de espírito do sujeito poético e as condições

meteorológicas evolui de uma relação de contraste para uma relação de semelhança. No início do
dia, o estado de espírito do sujeito é de alguma tristeza (v. 4), mas o céu azul indicia alegria (v. 2). No
decurso do dia, há uma evolução das condições meteorológicas («O dia deu em chuvoso» vv. 1, 3 e
7), tornando-se mais parecidas com o estado de tristeza do sujeito poético.

Nos versos 8 a 13, o sujeito poético assume uma opinião que diverge da opinião dos outros
relativamente ao conceito de elegância associado ao estado do tempo. Os outros consideram que o
tempo chuvoso é elegante e o sol vulgar e desagradável. Contudo, o sujeito poético é indiferente a
essa ideia de elegância, preferindo inequivocamente o sol e o céu azul, já que para tempo chuvoso e
frio basta o do seu mundo interior.

A referência às memórias da infância permite realçar o contraste entre um passado feliz e um


presente infeliz. A impossibilidade de recuperar o bem perdido da infância, metaforizada em
«madrugada perdida» e «céu azul verdadeiro» (v. 22), acentua a infelicidade sentida no momento
presente. De fato, os afetos, que fazem parte das memórias da infância do sujeito poético,
contrastam dolorosamente com um presente opaco e triste, que se associa metaforicamente ao dia
chuvoso.

O ritmo do poema é marcado pela utilização de processos como: a repetição do verso «O dia deu em
chuvoso» (vv. 1, 3, 7, 19, 23 e 28), que funciona como um refrão; a anáfora (“Bem sei” vv. 8-10); a
enumeração (vv. 5, 13 e 20) e por fim as repetições lexicais em final de verso (vv. 4 e 6; 8-11; 14 e
16).

1. Nas quatro primeiras estrofes do poema, encontram-se representadas sensações visuais e


auditivas, através dos elementos seguintes: “As crianças, que brincam às sacadas altas, / Vivem
entre vasos de flores” (vv. 5-6), sensação visual e por fim “As vozes, que sobem do interior do
doméstico, / Cantam sempre” (vv. 8-9), sensação auditiva.

Na terceira estrofe do poema, o tempo da infância é caracterizado por um ambiente de


despreocupação feliz, sugerido pelo ato de brincar (“As crianças, que brincam às sacadas altas, /
Vivem entre vasos de flores” vv. 5-6) e pela não consciência da passagem do tempo («Sem dúvida,
eternamente.» – v. 7).

A relação que o sujeito poético estabelece com “os outros” nas seis primeiras estrofes é marcada
pela diferença. Os “outros” são felizes, como se deduz dos elementos referidos no texto, uma alegria
aparente (v. 2 e v. 4), brincadeira (v. 5), flores (v. 6), canto (vv. 8 a 10), festa (v. 11). Porém, o sujeito
poético considera-se à parte e diferente deles “São felizes, porque não são eu.” (v. 4), “Que grande
felicidade não ser eu!” (v. 14).

A dor e o vazio expressos na última estrofe, particularmente no verso “Um nada que dói...” (v. 26),
decorrem das reflexões desenvolvidas nas duas estrofes anteriores. O sujeito poético questiona-se
quanto aos «outros» (v. 15) e aos seus sentimentos. Concluindo que cada outro é um eu (v. 16); só é
possível sentir enquanto «eu» ou «nós» (vv. 21-24). Não se pode saber o que eles, os «outros»,
sentem (vv. 17-20), existe uma incomunicabilidade essencial entre os seres humanos, de que resulta
a consciência individual separada de cada eu.
1.Os sentimentos do «eu» expressos nas três primeiras estrofes são, nomeadamente, os seguintes: –
«desespero» pela «insónia» que o afecta, em plena noite; – surpresa e júbilo, quando abre a janela e
depara com luz na janela de uma casa, sinalizando a presença de outro ser humano acordado àquela
hora; – interesse pelo desconhecido também em vigília nocturna; – «Fraternidade» face a esse outro
ser também acordado àquela hora da noite.

No poema, encontram-se representadas sensações visuais, auditivas e tácteis, nomeadamente,


através dos seguintes elementos do texto: – «O quadrado com cruz de uma janela iluminada!» (v. 5),
«Tom amarelo cheio da tua janela» (v. 21), «luz» (v. 9), «nossas duas luzes» (v. 13), «janela com luz»
(v. 19), elementos relativos a sensações visuais; – «no silêncio todo» (v. 1), «tictac visível» (v. 2),
«Nem galos gritando ainda no silêncio definitivo!» (v. 18), elementos relativos a sensações auditivas;
– «Sobre o parapeito da janela da traseira da casa, / Sentindo húmida da noite a madeira onde
agarro» (vv. 15-16), elementos relativos a sensações tácteis.

O verso referido pode ser interpretado nos seguintes termos: – a percepção das «duas luzes» e do
seu tremeluzir convoca a ideia de um «coração» que pulsa, unindo aqueles dois seres, na solidão da
noite; – as «duas luzes» assinalam a presença do humano na noite «eterna, informe, infinita» e
apelam a um sentimento de partilha de «humanidade» entre os dois únicos seres acordados; – as
«duas luzes» são sinal da presença de duas consciências despertas na noite «informe».

A apóstrofe «Ó candeeiros de petróleo da minha infância perdida!» faz intervir, no final do poema, a
nostalgia da infância e a consciência da sua perda, por parte do «eu». Este facto pode ter, entre
outras, as interpretações seguintes: – o texto encerra, tal como se inicia, com a representação de
uma atitude interior negativa (ou disfórica) do sujeito poético. Deste modo, a apóstrofe do último
verso instaura (ou reinstaura), no final do poema, a angústia do «eu» como o eixo central dos
sentidos expressos no texto; – o verso final traz a lembrança, ou a saudade, da infância como novo
sentimento despertado pela sensação visual da luz ao longe, pois essa luz é, tal como na infância do
sujeito poético, produzida por um candeeiro a petróleo. A apóstrofe é, assim, a irrupção dessa
recordação nostálgica num ambiente marcado por sensações e por considerações sobre o presente.

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