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Leia o poema.

Não sei. Falta-me um sentido, um tato


Para a vida, para o amor, para a glória...
Para que serve qualquer história,
Ou qualquer facto?

Estou só, só como ninguém ainda esteve,


Oco dentro de mim, sem depois nem antes.
Parece que passam sem ver-me os instantes,
Mas passam sem que o seu passo seja leve.

Começo a ler, mas cansa-me o que inda não li.


Quero pensar, mas dói-me o que irei concluir.
O sonho pesa-me antes de o ter. Sentir
É tudo uma cousa como qualquer cousa que já vi.

Não ser nada, ser uma figura de romance,


Sem vida, sem morte material, uma ideia,
Qualquer cousa que nada tornasse útil ou feia,
Uma sombra num chão irreal, um sonho num transe.

1. Refira quatro traços caracterizadores do estado de espírito do sujeito poético nos versos 1 a
12.

2. Interprete o desejo expresso pelo sujeito poético na última estrofe, enquanto conclusão do
poema.

6. Complete as afirmações abaixo apresentadas, selecionando a opção adequada a cada


espaço.

A expressividade deste poema é construída através de diferentes processos, nomeadamente o


uso de recursos expressivos e de vocábulos com determinada carga semântica. Na segunda
estrofe, o sujeito poético exprime a sua perceção de que apenas existe o momento presente ao
utilizar a expressão ___a____. Ainda assim, através do recurso à ___b____ , nos versos 7 e 8, e
à metáfora, em ___c____ , evidencia ter consciência da passagem do tempo.

a) b) c)
1. «como ninguém ainda 1. gradação 1. «uma cousa como qualquer
esteve» (v. 5) cousa que já vi» (v. 12)
2. «sem depois nem antes» (v. 2. personificação 2. «Sem vida, sem morte
6) material» (v. 14)
3. «passam sem ver-me os 3. antítese 3. «Uma sombra num chão
instantes» (v. 7) irreal» (v. 16)

-Exame 2020, época especial;


Leia o poema.

Bem sei que há ilhas lá ao sul de tudo


Onde há paisagens que não pode haver.
Tão belas que são como que o veludo
Do tecido que o mundo pode ser.

Bem sei. Vegetações olhando o mar,


Coral, encostas, tudo o que é a vida
Tornado amor e luz, o que o sonhar
Dá à imaginação anoitecida.

Bem sei. Vejo isso tudo. O mesmo vento


Que ali agita os ramos em torpor
Passa de leve por meu pensamento
E o pensamento julga que é amor.

Sei, sim, é belo, é longe, é impossível,


Existe, dorme, tem a cor e o fim,
E, ainda que não haja, é tão visível
Que é uma parte natural de mim.

Sei tudo, sei, sei tudo. E sei também


Que não é lá que há isso que lá está.
Sei qual é a luz que essa paisagem tem
E qual a rota que nos leva lá.

1. Nas três primeiras estrofes, o sujeito poético descreve um lugar idealizado. Apresente duas
características desse espaço e exemplifique cada uma delas com uma transcrição pertinente.

2. Explique o conteúdo dos versos 3 e 4 e relacione-o com a temática pessoana em evidência


no poema.

3. Explicite dois sentidos das anáforas e das suas variantes (versos 1, 5, 9, 13, 17 e 19), tendo
em conta o desenvolvimento temático do poema.

-Exame 2019, 1ª fase;


Leia o poema.

Ah, que maçada o piano


Eternamente a tocar
Lá em cima, no outro andar!

Ah, que tristeza o cessar!


Sempre era gente a tocar!
Sempre tinha companhia
Nessa constante arrelia.

Vizinha, se não morreu,


Que aquele piano seu
Volte de novo a maçar!
Sem ele penso e sou eu,
Com ele esqueço a sonhar…

Má música? Sim, mas há


Até na música má
Um sentimento de alguém.
Não sei quem o sente ou dá,
Não sei quem o dá ou tem.

Não deixe de me maçar


Com o contínuo tocar
Do seu piano frequente.
Ah, torne-me a arreliar
E mace-me eternamente!

A quem é só, tudo é mais


Que o que está naquilo que é.
Notas falsas, desiguais —
Não se importe: a minha fé,
Meu sonho, vão a reboque
Do que toca mal e até
Do piano, do não sei quê…
Toque mal; mas toque, toque!

1. Explique o modo como o sujeito poético perceciona o som do piano, de acordo com o
conteúdo das duas primeiras estrofes.

2. Explicite o sentido dos versos «Sem ele penso e sou eu, / Com ele esqueço a sonhar…» (vv.
11-12).

3. Refira três das marcas linguísticas que, a partir da terceira estrofe, sugerem a existência de
um diálogo e transcreva um exemplo de cada uma dessas marcas.

-Exame 2018, época especial;


Leia o poema.

Às vezes, em sonho triste,


Nos meus desejos existe
Longinquamente um país
Onde ser feliz consiste
Apenas em ser feliz.

Vive-se como se nasce


Sem o querer nem saber.
Nessa ilusão de viver
O tempo morre e renasce
Sem que o sintamos correr.

O sentir e o desejar
São banidos dessa terra.
O amor não é amor
Nesse país por onde erra
Meu longínquo divagar.

Nem se sonha nem se vive:


É uma infância sem fim.
Parece que se revive
Tão suave é viver assim
Nesse impossível jardim.

1. No poema, o sujeito poético faz referência a um lugar imaginado. Fundamente esta


afirmação, ilustrando a resposta com elementos textuais pertinentes.

2. Explicite o modo como é vivida a passagem do tempo, tendo em conta a segunda estrofe do
poema.

3. Relacione o verso «É uma infância sem fim.» (v. 17) com o sentido global do poema.

-Exame 2015, época especial;


Lê atentamente o poema de Fernando Pessoa ortónimo.

Tenho tanto sentimento


Que é frequente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.

Temos, todos que vivemos,


Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.

Qual porém é verdadeira


E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.

Apresenta, de forma bem estruturada, as tuas respostas ao questionário.


1. A primeira estrofe apresenta uma das tensões nucleares da poesia de Fernando Pessoa
ortónimo.
1.1. Justifica a afirmação, esclarecendo as relações de sentido que se estabelecem entre os seis
versos.
2. Explicita o efeito produzido pela mudança de pessoa gramatical – “eu”/“nós” – da primeira
para a segunda estrofe.
3. Comenta a relevância dos três últimos versos na construção de sentido do poema.
Lê atentamente o poema de Fernando Pessoa ortónimo.

Cai do firmamento
Um frio lunar.
Um vento nevoento
Vem de ver o mar.

Quase maresia,
A hora interroga,
E uma angústia fria
Indistinta voga.

Não sei o que chora


Em mim o que penso.
Não é minha a hora
E o tédio é imenso.

Que é feito da vida


Dos outros, em mim?
A brisa é diluída
E a mágoa sem fim.

Seja a hora serena


E pálida, ou não,
Mas Deus tenha pena
Do meu coração!

1.1. Estabelece uma relação entre a descrição do espaço exterior e o estado de espírito
do sujeito poético.

1.2. Indica um dos efeitos de sentido produzidos pela interrogação “Que é feito da
vida/Dos outros, em mim?” (vv. 13-14).

1.3. Relaciona os versos 9 e 10 com o apelo final do sujeito poético.


1.1. Na primeira estrofe, desenvolve-se a oposição “sentimento” (v. 1) / “pensamento”
(v. 5), central na obra de Pessoa ortónimo. Segundo o sujeito poético, não consegue
apenas sentir, ainda que, por vezes, assim lhe pareça. Contudo, ao analisar-se (“ao
medir-me”, v. 4), compreende que, no momento em que é “sentimental” (v. 3), as
suas emoções já foram intelectualizadas e transformadas em “pensamento” (v. 5).

2. Com a mudança de pessoa, da primeira do singular para a primeira do plural, o “eu”


lírico procede a uma universalização das suas afirmações, generalizando o seu caso
particular a “todos que vivemos” (v. 7), todos os seres humanos.

3. Os últimos três versos do poema apresentam um carácter conclusivo face às


afirmações anteriores e à indefinição que as mesmas deixam no ar. Depois de refletir
sobre qual a “verdadeira” (v. 13) vida de cada ser humano, que se debate entre o
sentimento e a razão, o sujeito poético termina destacando a supremacia do
pensamento, pois, segundo ele (e como explicitou na sua teoria do fingimento
poético), “[…] a vida que a gente tem/É a que tem de pensar.” (vv. 17-18).

1.1. O sujeito poético descreve uma atmosfera exterior desagradável (“frio lunar”, v. 2;
“vento nevoento”, v. 3; “maresia”, v. 5; “A brisa é diluída”, v. 15), em cuja descrição a
aliteração em [v] (vv. 3 e 4), que reproduz o som do vento, intensifica a sensação de
incómodo. As características desse espaço coincidem com as do seu interior,
preenchido por uma “angústia fria” (v. 7), que “Indistinta voga” (v. 8). O “eu” sente,
interiormente, um “tédio” “imenso” (v. 12) e uma “mágoa sem fim” (v. 16), que se
espalham no seu íntimo como a brisa que sente, exteriormente, “diluída” (v. 15).

1.2. A interrogação contribui para a progressão da autoanálise que o sujeito poético


desenvolve ao longo do poema. Denota inquietação sobre a sua personalidade,
dando a entender que se sente diferente de todas as outras pessoas, pois não tem o
que é habitual na “vida / Dos outros”. Subentende-se uma sensação de estranheza
face a si próprio, por não seguir os comportamentos e as atitudes típicas dos outros
seres humanos.

1.3. Os versos 9, 10, 19 e 20 remetem para a reflexão sobre as relações entre a emoção
e a razão. O sujeito poético reconhece que vive dominado pelo pensamento (“o que
penso”), surpreendendo-se com alguns rasgos emocionais (“Não sei o que chora /
Em mim”), que gostaria de manter, pelo que apela à sensibilidade divina para que o
deixe viver pelo “coração”.

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