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Poesia do ortónlmo, Fernando Pessoa

• O fingimento artístico
PRÁTICA

Leia o poema que se segue e responda às questdes.

.4 u tops i cograjt a

O poeta c um fingidor.
Finge tào completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

5 E os que leem o que escreve,


Na dor lida sentem hem,
Nào as duas que ele teve,
Mas só a que eles nào têm.

E assim nas calhas de roda


U Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coraçào.

Fernando Pessoa, Obra Hssenáal


(ed. de Kichard Zenith), I.isboa,
Assírio & Alvim, 2014, p. 241
Marc Chaga II, 0 Poeta, 1911

1. Divida o poema em partes lógicas, justificando a sua escolha.

2. Esclareça □ sentido do primeiro verso *0 poeta é um fingidor.».

3. Explique como são descritos os leitores.

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4. Indique de quantas«dores» trata, afinal, este poema, justificando a sua resposta.

5. Explique por que motivo encontramos, neste poema, a dicotomia coração/razâo. tendo
em conta a última estrofe.

5.1 De acordo com a mesma estrofe, indique quem dá essa «corda* ao «combolo»/«co-
raçâo».

6. Transcreva dois exemplos de metáfora, referindo-se ao seu valor.

7. Indique o recurso expressivo presente nos versos «Não as duas que ele teve, / Mas só a
que eles não têm*, referindo-se ao seu valor.

8. Evidencie a adequação do título ao conteúdo do poema.

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Leia o poema que se segue e responda às questdes.

Ela canta, pobre ceifeira, Ah, canta, canta sem razào!


Julgando-se feliz talvez; O que em mim sente ’stá pensando.
Canta, c ceifa, c a sua voz, cheia 15 Derrama no meu coração
De alegre e anónima viuvez. A tua incerta voz ondeando!

5 Ondula como um canto de ave Ah, poder ser tu, sendo eu!
No ar limpo como um limiar, Ter a tua alegre inconsciência,
E há curvas no enredo suave E a consciência disso! O céu!
Do som que ela tem a cantar. 3 O campo! ó canção! A ciência

Ouvi-la alegra c entristece, Pesa tanto e a vida é tão breve!


U Na sua voz há o campo e a lida, Entrai por mim dentro! Tornai
E canta como se tivesse Minha alma a vossa sombra leve!
Mais razões p’ra cantar que a vida. Depois, levando-me, passai!

Fernando Pessoa, op.ái., p. 171

1. Caracterize a «ceifeira* e a Natureza que a rodeia, justificando a sua resposta com ele-
mentos textuais.

2. Explicite quais os sentimentos e as reflexões do sujeito poético em relaçõo à ceifeira.


Justifique a sua resposta.

3. Esclareça o poder da música neste texto poético, justificando a sua resposta.

4. Evidencie a relaçõo entre «consciência* e «ciência*.

5. Explique, por palavras suas, e de acordo com este poema, o conceito pessoano de «dor de
pensar*.

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Leia atentamente o poema e responda às questões.

Não sei sc é sonho, sc realidade, Mas já sonhada sc desvirtua,


Sc uma mistura de sonho c vida. Só de pensá-la cansou pensar,
Aquela terra de suavidade É Sob os palmares, à luz da lua,
Que na ilha extrema do sul sc olvida. Sente-se o frio de haver luar.
5 E a que ansiamos. Ah, ah Ah, nesta terra também, também
A vida é jovem c o amor sorri. O mal nào cessa, nào dura o bem.

Talvez palmares inexistentes, Nào c com ilhas do fim do mundo,


Âlcas longínquas sem poder ser, 3 Nem com palmares de sonho ou nào,
Sombra ou sossego deem aos crentes Que cura a alma seu mal profundo.
■ De que essa terra sc pode ter. Que o bem nos entra no coração.
Felizes, nós? Ah, talvez, talvez, E cm nós que c tudo. E ah, ah.
Naquela terra, daquela vez. Que a vida é jovem e o amor sorri.

I:em.indo Pessoa, op.íit., p. 268

1. Divida o poema em partes lógicas e justifique a sua escolha.

2. Com base nas duas primeiras estrofes, caracterize a «terra de suavidade».

3. Estabeleça o papel do pensamento na construção do contraste entre o «sonho» e a «realida-


de», justificando a sua resposta com elementos textuais.

4. Identifique a simbologia dessa «terra de suavidade», relacionando-a com os «crentes*.

5. Explique, por palavras suas, o sentido da última estrofe.

6. Esclareça o sentido da frase «É em nós que é tudo.*.

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Leia atentamente o poema e responda às questões.

O sino da minha aldeia, Por mais que me tanjas perto,


Dolente na tarde calma, ll Quando passo, sempre errante,
Cada tua badalada Es para mim como um sonho.
Soa dentro da minha alma. Soas-me na alma distante.

5 E c tào lento o teu soar, A cada pancada tua,


Tào como triste da vida. Vibrante no céu aberto,
Que já a primeira pancada 15 Sinto mais longe o passado,
Tem o som de repetida. Sinto a saudade mais perto.

Fernando Pessoa, op.dt., p. 42

1. Explicite de que forma a música tem aqui um papel diferente do que é exposto no poema
sobre a ceifeira.

2. Indique as características do *sino*. justificando a sua resposta com elementos textuais.

3. Apresente o contraste entre a infância (passado) e a idade adulta (presente).

4. Explique, socorrendo-se das suas próprias palavras, as reações que esse «sino» cria no
sujeito poético.

5. Transcreva da primeira estrofe uma personificação, referindo o seu valor.

6. Mostre como a última estrofe se desenrola a partir de uma gradação.

7, Esclareça o sentido dos dois últimos versos do poema.

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PIEMUII EUHE NACIINAL

FICHA 67 (p. 187) 3. 0 poema, longo, à semelhança de outros poemas de 0 Livro


de Cesdrío Verde, estende-se em quintilhas, cujo esquema
L 0 sujeito poético caminha pela cidade, como se pode ler em
«Eu descia, / Sem muita pressa, para o meu emprego». rimático oboab dá vida a rima emparelhada (3.a e 4? versos),
interpolada (2.° e 5." versos).
1 Trata-se de uma menina vendedora de rua, como se pode ler
em «Notei de costas uma rapariga, (...) / Pousara, ajoelhando,
a sua giga.» e «E eu, apesar do sol examinei-a». Educação literária • 12.° Ano
1A transfiguração poética do real dá-se quando o sujeito poético
olha para realidades materiais e as transforma noutras, com o FICHA 70 (p. 195)
seu olhar, que se assemelha a um pincel a pintar um quadro. Os
L Este poema pode dividir-se em três partes lógicas, que corres-
exemplos do poema são disso prova: «E eu, apesar do sol exa-
minei-a». Ao examinar esta «rapariga» do povo, ele repara nos pondem a cada uma das três estrofes. A primeira diz respeitD
à apresentação e caracterização do «poeta». A segunda diz
produtos que ela traz no seu cesto e transforma-os em partes
do corpo humano, como podemos verificar nos versos 26-45. respeito aos leitores, também com a respetiva caracterização.
A terceira é uma espécie de conclusão ou uma síntese de todo
4. a) Sinestesia: trata-se de misturar, confluindo, dois dos cinco
o conteúdo do texto.
sentidos: os «aromas» remetem para D olfato, «boiam* reme-
L 0 primeiro verso «0 poeta é um fingidor* apresenta o tema do
te para a visão de algo a flutuar na água, b) Metáfora: põe em
prática a transfiguração do real em algo imaginado. poema, pois «fingidor» remete para aquele que intelectualiza
os seus sentimentos, isto é. que os submete ao pensamento,
5 0 advérbio «subitamente» cria uma ideia de algD que aconte-
antes de DS escrever.
ceu repentinamente, isto é, o «eu» poético olha a realidade e
3. Os leitores, tomados como personagem coletiva, são aqueles
vê-a transfigurada, pintando-a em novo quadro.
que não vão sentir «as dores* do poeta, mas apenas aquela
FICHA 68 (p. 189) que não é sua, mas alheia (do poeta, portanto).
4. Este poema trata de três «dores*: aquela que o poeta primei-
1. Como qualquer pintor, o sujeito poético descreve um cenário,
ramente sentiu, uma segunda já intelectualizada/fingida e
com paisagem e características de um «píc-nic de burguesas».
uma terceira que se prende com a que os leitores leem («dor
E a partir deste contexto que o poeta realça a mulher com
lida»), DU seja, uma dor que não é sua.
quem ele partilhou essa merenda. Assim, e com a ajuda de uma
conjunção coordenativa adversativa, fá-lo, transfigurando um 5. A dicotomia coração/razão está presente na medida em que o
aspeto do reaL «Mas. todo purpuro a sair da renda, / Dos teus coração do poeta é o responsável pelo seu sentir, pelos seus
dois seios como duas rolas. / Era o supremo encanto da me- sentimentos dolorosos, mas a razão leva a que reflita sobre D
renda / 0 ramalhete rubro das papoulas!» - nada interessando que sentiu (com a ajuda do pensamento ou intelecto): Dos dois
tudo D resto, sobressai «todo purpuro» como um elemento podemos considerar, a partir da última parte, que é o coração
palpável que dá o mais superior encanto ao «píc-nic». que atua primeiro e vai «entreter» a razão.
L Este poema contrasta totalmente com os representativos da 51 Quem dá «corda* ao «comboio»/coração é claramente o sen-
cidade e seus tipos sociais, uma vez que retrata um cenário timento imediato, neste caso, o sentimento da «dor».
campestre, com personagens burguesas a degustar um mo- L 0 primeiro exemplo é «0 poeta é um fipgidor*. pois o poeta,
mento de lazer, comungando daquilo que a natureza tem para na sua função de criador, finge o mundo e todas as suas coi-
lhes oferecer. Não existe, portanto, a cidade sombria, ao en- sas e emoções. Estamos perante o denominado «fingimento
tardecer. recheada de multidões de trabalhadores populares e artístico». 0 segundo exemplo encontra-se nos versos «Esse
pobres, envoltos em sujidade e mau cheiro. comboio de corda que se chama coração*. 0 nome do órgão
1 a) «teus dois seios como duas rolas», cujü valor expressivo é humano é «coração», e não «comboio de corda», mas D coração
o de enfatizar a pureza e a brancura düs seios desta jovem, adquire as características de um comboio de corda, trabalha
b) «Houve uma cousa simplesmente bela» - a utilização de como um comboio movido a corda. Um e outro exemplo con-
«simplesmente» acompanha a inocência e pureza da jovem, bem firmam a presença constante de coração, pensamento e razãD.
como D ambiente campestre, igualmente simples e natural. 1 0 recurso que sobressai é a antítese pela colocação contígua
4. Trata-se de um poema compostD por quatro quadras. Cada de uma dor possuída e de uma dor não possuída.
verso é decassilábico. sendo a rima cruzada em todas as qua- I. Podemos dividir este título em três partes, «auto», «psico»,
dras, com o seguinte esquema rimático: obab cdcd efef ghgb. «grafia», e assim percebemos a sua tDtal adequação ao con-
teúdo. «Auto» remete para D próprio poeta, que sente; «psico»
FICHA 69 (p. 190) apresenta a sua mente/o seu intelecto, necessários ao «fin-
1. Os tipos socia is continuam a ser os membros do povo em con- gimento artístico»; «grafia» aponta para a escrita de uma dor
texto de trabalho na cidade. Desta vez, trata-se de «calcetei- não natural, mas já intelectualizada.
ros», «peixeiras», «gente pobrezita», «rapagões», «homens
de carga», «cavadores», todos eles resumidos como «Povo*.
FICHA 71 (p. 197)
Para testemunhar a sua caracterização, basta ler DS seguin- L A «ceifeira» é «feliz», encontrando-se a fazer duas coisas que
tes adjetivos: «terrosos ou grosseiros», «disseminadas*, o confirmam - vai trabalhando e simultaneamente cantando
«velhos», «morosos, duros, baços», «grossos», «gretadas» e uma bela melodia. Toda a Natureza em seu redor acompanha
«calosas». o seu estado de espírito, pois vemos o seu cantar «como um
2 a) Enumeração: está aD serviço da caracterização destes jo- canto de ave», assim como um «ar limpo*, porventura estan-
vens, que sofrem a trabalhar, porventura, mais do que a sua do sol e calor.
humanidade permite, b) Sinestesia: «vibrar» remete para L Ao vê-la e ouvi-la, o sujeito poético fica feliz e triste ao mesmo
audição ou tato, mas «claridade» remete para visão. Assim tempo («Ouvi-la alegra e entristece»), além de apreciar a sua
misturados estes sentidos, o espaço apresenta-se-nos como melodia («E há curvas no enredo suave / Do som que ela tem
total e abrangente, além de captador dos sentidos do próprio a cantar.»). Por Dutro lado, embrenha-se em reflexões sobre
leitor, c) Comparação-, realça o caráter «vidrentD» (logD, peri- a sua «inconsciência», ou seja, o seu cantar e D trabalhar sem
goso) do chão, que, eventualmente, pode provocar ferimen- pensar, como que estando a fazê-lü mecanicamente. Esta na-
tos aos trabalhadores curvados e envolvidos nas suas tare- tural felicidade desperta no eu lírico o contraste consigo mes-
fas árduas. mo, pois, como ele pensa, sofre.

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NITOCtâ 12? AM

3. A música tem um papel importantíssimo porque está associa- vibrantemente, estando próximo do sujeito poético, que passa,
da à felicidade de uma trabalhadora do campo, bem como à como podemos verificar em «E é tão lento o teu soar / (...) / Por
Natureza circundante por Dnde o som melodioso desse cantar mais que me tanjas perto / Quando passo, sempre errante.»
«Ondula como um canto de ave». 3. A infância é vista como longínqua («Soas-me na alma distante»)
4. A relação entre «consciência» e «ciência» é de sinonímia. uma e, porventura, tempo de uma vivência muito feliz, dado que. ao
vez que cada uma delas remete para D USO do pensamento e da recordá-la. o sujeito poético sente a saudade mais próxima e
razão, considerados dolorosos para o poeta. penetrante («Sinto mais longe o passado. / Sinto a saudade
mais perto.»). 0 presente afigura-se, por consequência, tempo
5. Segundo este poema, percebemos que a «dor de pensar» em
Fernando Pessoa ortónimo tem a ver com o facto de o sujei- menos feliz e mais doloroso para o sujeito poético - veja-se o
to poético não conseguir afastar o seu pensamento das suas que a saudade da infância (espelhada no som do sino) faz cres-
sensações diárias. Assim, sempre que os seus cinco sentidos cer no seu interior: «Dolente», «Tão como triste da vida».
lhe oferecem o que lhe devia trazer felicidade (como acontece 4. As reações prendem-se com uma saudade imensa, aliada à tris-
com esta «ceifeira»), imediatamente intervém o pensamento teza e â sensação de um passado feliz perdido para sempre.
que o leva a ser consciente e a sofrer. 5. «Dolente na tarde calma» - o adjetivo «dolente» (triste, ma-
goado) está a caracterizar não um ser humano, mas o sino.
FICHA 72 (p. 198) Com este recurso o sujeitD poético consegue transformar o
1. Podemos dividir este poema em três grandes partes. Na pri- DbjetD em pessoa e atribuir-lhe sentimentos que ele mesmo
meira (estrofe 1), o sujeito poético apresenta D seu sonho, tem ao ouvi-lo.
plasmado nessa «terra de suavidade»; na segunda (estrofe 2), 4 Depois de caracterizado o sino e o que ele representa, a última
dá continuidade à apresentação/descrição dessa terra sonha- estrofe surge como o culminar desse caminho de gradação - já
da e reflete sobre a felicidade do ser humano; na terceira (es- nãD se trata apenas de sentir forte vibração e tristeza, trata-
trofes 3-4)L continua o espaço de reflexão poética; e nos dois -se de algo mais poderoso: saudade.
últimos versos dá vida a uma constatação conclusiva sobre
7. Os últimos versos trazem um cruzamento de vocábulos e ideias
tudo D que foi objeto de reflexão.
que ajuda a compreender D distanciamento entre passado
2. Com base nas estrofes 1 e 2 a «terra de suavidade» é, porven- e presente e que prova também que D sofrimento do sujeito
tura. uma «mistura de sonho e vida», é esquecida pelo ser hu- poético é tal que ele verte nos versos uma certa confusão, re-
mano. por ser longínqua («ilha extrema do sul se olvida»). Por sultados da evidente dor nostálgica.
outro lado, sendo um lugar calmo e sereno, há apenas «palma-
res inexistentes», «áleas longínquas», que são sonhados e não FICHA 74 (p. 202)
podem existir na realidade.
1. As reflexões de Bernardo Soares a partir daquilo que vai ob-
3. 0 «sonho» é espaço fisicamente longínquo, mas de felicidade, servando. enquantD caminha pelas ruas de Lisboa.
por ausência de pensamento. Encontra-se espelhado «nessa
2. «A Rua do Arsenal, a Alfândega» (linhas 2-3), «cais quedos» {li-
ilha extrema do sul». E também sinónimo de jovialidade e amor
nha 4), que vão surgindo à medida que o sujeito passa.
(«a vida é jovem e D amor sorri»), desde que sempre sentido
apenas, não intelectualizado. A «realidade» é aquela que sur- 3. A hipálage serve para caracterizar o seu estado de espírito ple-
ge a partir do momento em que D pensamento intervém, como no de tristeza, colocando D adjetivo «tristes» a qualificar não o
se pode ler em «Mas já sonhada se desvirtua, / Só de pensá-la seu interior, mas as «ruas». E quase como se as ruas e Bernar-
cansou pensar». Assim, fazendo uso do pensamento, o sujeito do Soares fossem fragmentos de uma mesma entidade.
poético vê essa «terra» transformada em realidade, conotada 4. Soares afirma que há uma relação de semelhança entre si e
com maldade e frio («Sente-se o frio de haver luar / 0 mal não Cesário Verde relativamente â «substância» do que escreve.
cessa, não dura D bem»). Ora, isto quer dizer «conteúdo», «matéria», «assuntD» da es-
4 Essa «terra de suavidade» diz respeito, porventura, a uma uto- crita de cada um dos dois, «substância» essa que nasce a partir
pia, à felicidade e perfeição suprema de vida. PortantD, deixa da observação do real {«gozo de sentir-me coevo de Cesário
de ser apenas um lugar físico, transformando-se num estado Verde, e. tenho em mim, não outros versos como os dele, mas
de alma constantemente perfeito e feliz. A seleção do nome a substância igual à dos versos que foram dele.», I in has 6-8).
«crentes» confirma esta ideia porque traz ao poema todo o ser 5. Esta frase revela como Bernardo Soares se considera alheio a
humano que acredita e que sonha, afinal, com uma realidade tudo e inconsciente, durante o dia, isto é, «nulo». Tal contrasta
melhor. com o despertar da sua consciência quando chega o entar-
5. A última estrofe assume-se como uma reflexão final ou conclu- decer/anoitecer - «de noite sou eu». Este «eu» implica a sua
são, visto que o poeta acaba por compreender que essa terra totalidade, que inclui os cinco sentidos e o pensamento.
sonhada, apesar de conter vida e amor, não é panaceia (remé- fi. Tal como acontece com «as ruas para o lado da Alfândega»
dio universal de todos os males) porque é em cada ser humano (linha 11), também Soares é invadido pela mesma tristeza
que tudo existe, o ideal e o real e sotumidade (característica de ser sombrio). Até D desti-
4 «E em nós que é tudo.» é uma afirmação de que o sujeitD poéti- no de ambos é igual, ou seja, um fim «abstrato» envolto em
co se serve para explicar que o ser humano contém metafori- «mistério». A única diferença é o facto de Soares «ser alma»
camente tudo dentro de si, ou seja, tanto possui a capacidade e «elas serem ruas».
de sonhar, a constante luta por viver feliz e pleno, como tam- I EnquantD circula pela cidade. Soares passa da realidade ao
bém a capacidade de reconhecer as verdadíes/os factos que sonho, sendo que «DS [meus] próprios sonhos» não substituem
dão vida e forma á realidade, ao quotidiano. essa realidade, antes se tomam externos ao sujeitD e confi-
guram o real de modo imaginário, sempre servindo-se de ele-
FICHA 73 (p. 199) mentos urbanos/citadinos, como é o caso do «elétrico», «a VDZ
L A música vem não do canto de alguém, mas das badaladas do do apregDador noturno», «a toada árabe» (som/sonoridade) e
sino de uma igreja de aldeia. Essa sonoridade não é prova de «um repuxo súbito» (de água numa fonte da cidade).
inconsciência, mas antes meio através do qual se vão aproxi- I. 0 observador acidental é aquele que circula pela cidade e vai
mando do sujeito poético as lembranças da sua infância. registando fotograficamente (pouco a pouco e com rigor) o
2.0 «sino» é-nos dado a ver como triste e contínuo, espalhando- cenário (como um todo ou apenas as suas partes específicas).
-se pela «tarde calma». As suas badaladas são lentas e retinem IstD é o que acontece nestas linhas, donde sobressaem «casais

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