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Literatura / Poesia

Os 20 melhores poemas de
Florbela Espanca (com
análise)

Rebeca Fuks
Doutora em Estudos da Cultura

A poetisa Florbela Espanca (1894-1930) é dos


maiores nomes da literatura portuguesa.

Com poemas relacionados as mais variadas


temáticas, Florbela passeou na forma fixa e livre e
compôs versos de amor, de elogio, de desespero,
experimentando cantar os mais diversos
sentimentos.

Confira agora os vinte maiores poemas da autora.

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1. Fanatismo

Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida


Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer a razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!

Não vejo nada assim enlouquecida...


Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!

"Tudo no mundo é frágil, tudo passa..."


Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!

E, olhos postos em ti, digo de rastros:


"Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: Princípio e Fim!..."

Nos versos de Fanatismo o eu-lírico se declara


profundamente apaixonado. O próprio título do
poema alude para esse afeto cego, excessivo, que
arrebata o sujeito poético.

Aqui ele reconhece que no mundo há muitos que


dizem que os sentimentos são transitórios e
perecíveis, mas sublinha que o seu amor, ao
contrário do que afirmam, é atemporal.

O soneto composto por Florbela Espanca no


princípio do século XIX continua sendo
contemporâneo e falando de perto a muitos de nós.
Até os dias de hoje, estando num contexto
completamente distinto do da escritora, nos
sentimos retratados pelos versos quando nos
encontramos numa situação de profundo
enamoramento.

2. Eu

Eu sou a que no mundo anda perdida,


Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...
Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...


Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber por quê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,


Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!

Há nos versos acima uma tentativa, por parte do


sujeito poético, de se reconhecer e se identificar
encontrando o seu lugar no mundo.

Num exercício de busca constante, o eu-lírico se


aproxima de definições possíveis embora abstratas.
Há, porém, um tom sombrio no poema, um registro
taciturno, de solidão profunda, como se o sujeito se
sentisse um pária.

Os versos invocam uma atmosfera fúnebre, com um


ar pesado, sentido.

3. Torre de névoa

Subi ao alto, à minha Torre esguia,


Feita de fumo, névoas e luar,
E pus-me, comovida, a conversar
Com os poetas mortos, todo o dia.

Contei-lhes os meus sonhos, a alegria


Dos versos que são meus, do meu sonhar,
E todos os poetas, a chorar,
Responderam-me então: “Que fantasia,

Criança doida e crente! Nós também


Tivemos ilusões, como ninguém,
E tudo nos fugiu, tudo morreu!...”

Calaram-se os poetas, tristemente...


E é desde então que eu choro amargamente
Na minha Torre esguia junto ao Céu!...

O eu-lírico aqui se apresenta como um poeta que


tem consciência de pertencer a uma classe que já há
muito o antecede e, por isso, vai consultar os
antigos escritores, os mortos, sobre os seus desejos
e planos.

Os seus precursores, por sua vez, se identificam com


os ideais do jovem sujeito poético, mas mostram o
futuro, o que aconteceu com aqueles projetos que
tinham.

No fim do soneto o eu-lírico se revela afinal como


um sujeito solitário, amargo, que vive abandonado e
incompreendido numa torre simbólica.

4. Vaidade

Sonho que sou a Poetisa eleita,


Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!

Sonho que um verso meu tem claridade


Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!

Sonho que sou Alguém cá neste mundo...


Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a terra anda curvada!

E quando mais no céu eu vou sonhando,


E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho... E não sou nada!...

Os versos acima falam sobre autovalorização, e


parecem, a princípio, um elogio do sujeito poético a
si próprio.

Se nos primeiros versos encontramos um eu-lírico


que se vangloria da sua condição de poeta e do seu
labor lírico, nas estrofes finais vemos essa imagem
ser desconstruída.

Nos últimos três versos percebemos que tudo não


passou de um sonho e que, na verdade, o poeta é
mais alguém que sonha do que alguém que
propriamente é confiante em si mesmo.

5. A minha dor

A minha Dor é um convento ideal


Cheio de claustros, sombras, arcarias,
Aonde a pedra em convulsões sombrias
Tem linhas dum requinte escultural.

Os sinos têm dobres de agonias


Ao gemer, comovidos, o seu mal...
E todos têm sons de funeral
Ao bater horas, no correr dos dias...

A minha Dor é um convento. Há lírios


Dum roxo macerado de martírios,
Tão belos como nunca os viu alguém!

Nesse triste convento aonde eu moro,


Noites e dias rezo e grito e choro!
E ninguém ouve... ninguém vê... ninguém...

Os versos acima são típicos exemplares da poética


de Florbela Espanca: com um ar soturno há um
elogio a dor e a condição solitária do eu-lírico.

Para tentar representar o seu drama, o sujeito


poético tece uma metáfora com a arquitetura e faz
uso dos sonos e do clima religioso cristão como
pano de fundo.

A imagem do convento vem ilustrar esse cenário


perturbador e de profunda solidão onde o sujeito se
sente habitar.

6. Lágrimas ocultas

Se me ponho a cismar em outras eras


Em que ri e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...

E a minha triste boca dolorida,


Que dantes tinha o rir das Primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago...


Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...

E as lágrimas que choro, branca e calma,


Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!

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Nos versos de Lágrimas ocultas encontramos um


contraste entre o passado e o presente, entre a
alegria de outrora (os risos da primavera) e a tristeza
dos dias de hoje.

O sujeito poético então olha para trás e tenta


compreender o que se passou para que chegasse
nessa condição de isolamento e depressão tão
característica de um gênero de poetas no qual
Florbela se inclui.

7. Neurastenia

Sinto hoje a alma cheia de tristeza!


Um sino dobra em mim Ave-Marias!
Lá fora, a chuva, brancas mãos esguias,
Faz na vidraça rendas de Veneza...

O vento desgrenhado, chora e reza


Por alma dos que estão nas agonias!
E flocos de neve, aves brancas, frias,
Batem as asas pela Natureza...

Chuva... tenho tristeza! Mas por quê?!


Vento... tenho saudades! Mas de quê?!
Ó neve que destino triste o nosso!

Ó chuva! Ó vento! Ó neve! Que tortura!


Gritem ao mundo inteiro esta amargura,
Digam isto que sinto que eu não posso!!...

O título do poema - Neurastenia - faz referência a um


tipo de neurose que causa perturbações mentais
similares à depressão. O eu-lírico descreve
comportamentos típicos nesses casos: a tristeza, as
saudades do passado, a presença de uma amargura
que não se sabe bem de onde vem nem para onde
vai.

O tempo, do lado de fora (a chuva, o vento, a neve),


sintetiza o estado de espírito do poeta.

Os últimos versos do poema tratam da necessidade


de extravasar o sentimento, de partilhar com o
mundo a angústia sentida e de assumir a
incapacidade de seguir em frente.

8. Tortura

Tirar dentro do peito a Emoção,


A lúcida Verdade, o Sentimento!
- E ser, depois de vir do coração,
Um punhado de cinza esparso ao vento!...

Sonhar um verso de alto pensamento,


E puro como um ritmo de oração!
- E ser, depois de vir do coração,
O pó, o nada, o sonho dum momento!...

São assim ocos, rudes, os meus versos:


Rimas perdidas, vendavais dispersos,
Com que eu iludo os outros, com que minto!

Quem me dera encontrar o verso puro,


O verso altivo e forte, estranho e duro,
Que dissesse, a chorar, isto que sinto!!

O sujeito lírico em Tortura fala da dificuldade de


gerir os próprios sentimentos e da grande aflição
que carrega no peito.

O seu suplício é partilhado com o leitor, que


testemunha o tormento do fazedor de versos que,
apesar das dificuldades, em nenhum momento
desiste de escrever.

O poeta aqui critica aos próprios versos - os diminui


e menospreza -, ao mesmo tempo que almeja um
fazer poético pleno ("altivo e forte").

9. Amor que morre

O nosso amor morreu... Quem o diria!


Quem o pensara mesmo ao ver-me tonta.
Ceguinha de te ver, sem ver a conta
Do tempo que passava, que fugia!
Bem estava a sentir que ele morria...
E outro clarão, ao longe, já desponta!
Um engano que morre... e logo aponta
A luz doutra miragem fugidia...
Eu bem sei, meu Amor, que pra viver
São precisos amores, pra morrer
E são precisos sonhos pra partir.
Eu bem sei, meu Amor, que era preciso
Fazer do amor que parte o claro riso
Doutro amor impossível que há de vir!

Enquanto a maior parte dos poetas costuma dedicar


os seus versos ao amor que está nascendo ou em
crescimento, Florbela escolheu compor aqui um
poema dedicado ao final de uma relação.

O eu-lírico trata do fim de uma relação a dois que


terminou de forma inesperada, sem que o casal se
desse conta. Mas a abordagem é conformada, o
sujeito lírico reconhece que não há um único amor
possível na vida e que o futuro aguarda um novo
parceiro igualmente apaixonado.

10. Árvores do Alentejo

Horas mortas... Curvada aos pés do Monte


A planície é um brasido... e, torturadas,
As árvores sangrentas, revoltadas,
Gritam a Deus a bênção duma fonte!

E quando, manhã alta, o sol posponte


A oiro a giesta, a arder, pelas estradas,
Esfíngicas, recortam desgrenhadas
Os trágicos perfis no horizonte!
Árvores! Corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!
Árvores! Não choreis! Olhai e vede:

- Também ando a gritar, morta de sede,


Pedindo a Deus a minha gota de água!

O poema de Florbela Espanca tece uma


homenagem à região do Alentejo, situada no
centro/sul de Portugal.

Nos versos que levam o nome da zona o eu-lírico faz


um elogio à paisagem rural, às árvores e a topologia
campestre da região.

Há também uma alusão ao clima quente da planície


alentejana e uma capacidade de identificação do
sujeito poético com a paisagem que narra.

11. Minha culpa

Sei lá! Sei lá! Eu sei lá bem


Quem sou?! Um fogo-fátuo, uma miragem...
Sou um reflexo... um canto de paisagem
Ou apenas cenário! Um vaivém...
Como a sorte: hoje aqui, depois além!
Sei lá quem Sou?! Sei lá! Sou a roupagem
Dum doido que partiu numa romagem
E nunca mais voltou! Eu sei lá quem!...
Sou um verme que um dia quis ser astro...
Uma estátua truncada de alabastro...
Uma chaga sangrenta do Senhor...
Sei lá quem sou?! Sei lá! Cumprindo os fados,
Num mundo de vaidades e pecados,
Sou mais um mau, sou mais um pecador...

Com uma linguagem coloquial e um tom


descontraído, vemos um eu-lírico perdido, mas
desejoso de se encontrar.

Múltiplo e multifacetado, o sujeito poético aqui


lembra os heterônimos do também poeta português
Fernando Pessoa na sua busca por uma identidade
não fragmentada.

De volta à Florbela, em Minha culpa testemunhamos


um eu-lírico que é muitos, que está disperso,
espalhado, e que se vê sobretudo a partir de uma
ótica negativa.

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12. Amiga

Deixa-me ser a tua amiga, Amor;


A tua amiga só, já que não queres
Que pelo teu amor seja a melhor
A mais triste de todas as mulheres.
Que só, de ti, me venha mágoa e dor
O que me importa a mim?! O que quiseres
É sempre um sonho bom! Seja o que for,
Bendito sejas tu por mo dizeres!

Beija-me as mãos, Amor, devagarinho...


Como se os dois nascêssemos irmãos,
Aves cantando, ao sol, no mesmo ninho...

Beija-mas bem!... Que fantasia louca


Guardar assim, fechados, nestas mãos
Os beijos que sonhei pra minha boca!...

Um poema apaixonado, esse é Amiga, que remete a


uma relação de afeto aparentemente não
correspondida.

Apesar do objeto do desejo não retribuir o amor em


questão, ainda assim o eu-lírico deseja estar perto,
mesmo que seja só como amiga.

Embora essa proximidade implique sofrimento,


ainda assim o sujeito poético está disposto a ocupar
esse lugar com esperança de que o carinho se
transforme num amor romântico.

13. Voz que se cala

Amo as pedras, os astros e o luar


Que beija as ervas do atalho escuro,
Amo as águas de anil e o doce olhar
Dos animais, divinamente puro.
Amo a hera que entende a voz do muro,
E dos sapos, o brando tilintar
De cristais que se afagam devagar,
E da minha charneca o rosto duro.
Amo todos os sonhos que se calam
De corações que sentem e não falam,
Tudo o que é Infinito e pequenino!
Asa que nos protege a todos nós!
Soluço imenso, eterno, que é a voz
Do nosso grande e mísero Destino!...

O poema acima é uma celebração da vida e dos


menores elementos que muitas vezes passam
despercebidos no nosso cotidiano.

Aqui o eu-lírico declara o seu amor não por um


parceiro, mas pela paisagem que o cerca no dia a
dia: as pedras, as ervas, os animais que cruzam o
seu caminho ("Tudo o que é Infinito e pequenino").

Ao contrário de uma série de poemas de Florbela,


em Voz que se cala encontramos uma espécie de
grito de gratidão ao universo e reconhecimento da
beleza das pequenezas ao nosso redor.

14. Teus olhos (trecho inicial)

Olhos do meu Amor! Infantes loiros


Que trazem os meus presos, endoidados!
Neles deixei, um dia, os meus tesoiros:
Meus anéis. minhas rendas, meus brocados.
Neles ficaram meus palácios moiros,
Meus carros de combate, destroçados,
Os meus diamantes, todos os meus oiros
Que trouxe de Além-Mundos ignorados!
Olhos do meu Amor! Fontes... cisternas..
Enigmáticas campas medievais...
Jardins de Espanha... catedrais eternas...
Berço vinde do céu à minha porta...
Ó meu leite de núpcias irreais!...
Meu sumptuoso túmulo de morta!...

É um não querer mais que bem querer;


(Camões)

O longo poema Teus olhos, dividido numa série de


atos, traz nessa introdução inicial já a temática do
amor idealizado.

Na primeira parte dos versos encontramos uma


descrição física do amado, mais especificamente
dos olhos. Há também a presença de uma forte
componente imagética que ajuda a situar o leitor
nesse contexto do sonho e do poético.

Existe aqui igualmente já uma primeira menção ao


pai da literatura portuguesa, o poeta Luís de
Camões. É como se a lírica de Camões contaminasse
de certa forma o poema de Florbela Espanca,
trazendo um universo imagético bastante
semelhante ao que o poeta cantava.

15. O meu impossível

Minha alma ardente é uma fogueira acesa,


É um brasido enorme a crepitar!
Ânsia de procurar sem encontrar
A chama onde queimar uma incerteza!
Tudo é vago e incompleto! E o que mais pesa
É nada ser perfeito! É deslumbrar
A noite tormentosa até cegar
E tudo ser em vão! Deus, que tristeza!...
Aos meus irmãos na dor já disse tudo
E não me compreenderam!... Vão e mudo
Foi tudo o que entendi e o que pressinto...
Mas se eu pudesse, a mágoa que em mim
chora.
Contar, não a chorava como agora,
Irmãos, não a sentia como a sinto!...

Florbela registra nos seus versos o sentimento


humano tão frequente de se sentir perdido,
desorientado, abandonado.

Com um tom pesado e sombrio, lemos um eu-lírico


amargurado e isolado, sem conseguir partilhar a
sua dor nem encontrar uma saída possível.

São versos de lamento e de tristeza, marcados pelo


signo da incompreensão.

16. Desejos vãos

Eu queria ser o Mar de altivo porte


Que ri e canta, a vastidão imensa!
Eu queria ser a pedra que não pensa,

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