Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Tendo como fortes influências em sua obra grandes nomes da literatura da época,
como Byron, Goethe e Musset, a obra de Álvares de Azevedo se situa na chamada
segunda fase romântica (Ultra-Romantismo, também conhecido como Mal-do-século).
Sua principal temática é a morte, o sofrimento da vida e a donzela inalcançável, o que
não exclui outros assuntos, como será demonstrado mais tarde.
A obra que será utilizada para a elaboração deste trabalho é Lira dos Vinte Anos,
seu mais famoso livro, que é dividido em três partes: na primeira, predomina a poesia
sentimental, onde a morte, a família, a erotização metaforizada e a idealização da
mulher são temas principais, sempre ambientados pela noite fria e sombria; na segunda,
o autor muda de tom e toma uma postura irônica e reflexiva, mas sem deixar de lado as
características melancólicas e sentimentais, para dialogar com os outros poetas
românticos e repensar sobre sua própria estética; já a terceira parte, é como se fosse uma
retomada da primeira, com os mesmos temas: amor inatingível, morte, família e
sofrimento.
1
Doutorando em Estudos Literários e Interculturais na Universidade de Macau, Tradutor Chinês-
Português, Mestre em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo, Graduado e Licenciado em
Letras - Português/Chinês pela mesma instituição.
3
oprimem, que desafia a sociedade e o próprio Deus.”2. É o poeta genial, que a sociedade
não aceita, e por isso, é forçado a viver na solidão “desafiando o destino”.
2
Aguiar e Silva, Vitor Manuel de. “Rococó, Pré-Romantismo e Romantismo”, pag. 479. In: Teoria da
Literatura. São Paulo: Martins Fontes.
4
impregnou os poetas desta geração com a desilusão da vida. Entretanto, sendo
Lembrança de morrer o último poema da primeira parte de Lira dos Vinte Anos,
podemos analisá-lo como o processo de mudança de um estilo mais lírico e emotivo
para outro mais racional e irônico, que são as características que tomam conta da
segunda parte do livro.
Com este poema, Álvares de Azevedo inicia uma nova fase de sua poesia,
deixando para trás a predominância do emotivo e impulsivo, pois deixa de lado o
pessimismo diante da vida e a visão melancólica da morte para se utilizar de um jogo de
racionalização da própria obra, utilizando-se de uma metalinguagem para reorganizar
sua própria concepção de romantismo, apropriando-se de um tom reflexivo e irônico.
Este jogo entre o emotivo e o reflexivo são traços da binômia azevediana, que acaba por
redefinir a forma como as características românticas aparecem em seus poemas. A partir
daqui, o sujeito-poético não é mais ingênuo, desiludido e melancólico, mas sim, alguém
com um olhar crítico e racional acerca do fazer poético vigorado até então. É o poeta
titânico, rebelde que vai contra as “imposições” estilísticas. Devemos apenas tomar
cuidado para não achar que esta nova fase de Álvares de Azevedo o descaracteriza
como poeta romântico, pois mesmo sendo poemas mais reflexivos, o caráter emotivo
ainda permanece como tema recorrente.
Ao começar pelo título, já é possível perceber uma postura reflexiva, uma vez
que a palavra “lembrança” é um ato totalmente racional, ainda, esta “Lembrança de
morrer” é uma metáfora para esta mudança estético/temática que está para acontecer na
obra de Álvares de Azevedo, uma vez que, como já foi dito antes, este é o último poema
da primeira parte e prenuncia o que virá depois. É a “morte” do padrão romântico, a
ruptura dos costumes tradicionais do fazer poético para se entrar em uma nova fase,
dominada pela metalinguagem e ironia do titanismo. O velho precisa morrer para que o
novo nasça e prevaleça.
A “saudade” que aparece pela primeira vez na 4ª estrofe se refere aos tempos de
ingenuidade romântica, representado pelo “fogo insensato” e da qual o eu-lírico está
abrindo mão pela nova postura poética. Ingenuidade esta reforçada pela “amorosa
ilusão” no 4º verso. A lembrança dos pais e dos amigos será retomada na segunda parte
de Lira dos Vinte Anos, mas sob a nova ótica racional e reflexiva. O eu-lírico reforça
este apelo à reflexão do fazer poético quando compara o modo vigente com uma doença
que o fazia delirar, assim como aparece no 3º e 4º versos da 6ª estrofe: “Quando, em
5
noites de febre endoidecido, / Minhas pálidas crenças duvidavam.”. Aqui, “crenças” se
remete ao impulso emotivo, ao fazer poético sem reflexão alguma por parte do poeta,
que escreve apenas por ilusões e devaneios.
Esta idéia é reforçada na 9ª estrofe, onde o poeta diz: “Beijarei a verdade santa e
nua, / Verei cristalizar-se o sonho amigo...”. E este sonho é o de finalmente alcançar a
verdadeira poesia através da reflexão e do racional, caracterizada pela “verdade santa e
nua”. Aqui, o poeta está negando a ingenuidade, o sentimentalismo puro do romantismo,
e afirmando o tom racional pelo qual irá guiar sua obra a partir de agora. E é com esta
mudança que o poeta chegará até a musa inspiradora, representada pela virgem: “Ó
minha virgem dos errantes sonhos, / Filha do céu, eu vou amar contigo!”.
6
O aroma dos currais, o bezerrinho, Dêem-me as caldeiras do terceiro inferno!
As aves que na sombra suspiravam,
No inferno estão suavíssimas belezas,
E os sapos que cantavam no caminho!
Cléopatras, Helenas, Eleonoras;
Coração, por que tremes? Se esta lira Lá se namora em boa companhia,
Nas minhas mãos sem força desafina, Não pode haver inferno com Senhoras!
Enquanto ao cemitério não te levam,
Se é verdade que os homens gozadores,
Casa no marimbau a alma divina!
Amigos de no vinho ter consolos,
Eu morro qual nas mãos da cozinheira Foram com Satanás fazer colônia,
O marreco piando na agonia . . . Antes lá que do Céu sofrer os tolos! –
Como o cisne de outrora . . . que gemendo
Ora! E forcem um’alma qual a minha,
Entre os hinos de amor se enternecia.
Que no altar sacrifica ao Deus-Preguiça,
Coração, por que tremes? Veja a morte, A cantar ladainha eternamente
Ali vem lazarenta e desdentada ... E por mil anos ajudar a Missa!
Que noiva! ... E devo então dormir com ela? ...
Se ela ao menos dormisse mascarada!
Antes de começar a segunda parte de Lira dos Vinte Anos, Álvares de Azevedo
nos dá uma explicação do que podemos esperar dos poemas que se seguirão. No famoso
Prefácio, o autor nos adverte que, a partir deste momento, seus poemas deixarão de ser
puramente emocionais e passarão para uma postura mais lúcida em relação à realidade e
ao sentimentalismo excessivo do romantismo. É a binomia azevediana que tomará conta
dos poemas a partir daqui, que o autor explica da seguinte forma: “Duas almas que
moram nas cavernas de um cérebro pouco mais ou menos de poeta escreveram este livro,
verdadeira medalha de duas faces.”3. Explicando com outras palavras, o autor está
dividido entre o puramente emocional do romantismo convencional e a reflexão e o
racional do titanismo, e é através desta binomia que os poemas da segunda parte do
livro serão construídos.
3
Candido, Antonio. In: Coleção melhores poemas, Álvares de Azevedo. São Paulo: Global Editora, 2008.
Pag. 49
7
poetas românticos. Neste trecho, o autor quebra com o tom sério e melancólico do
romantismo satirizando o sofrimento amoroso dos poetas ao pedir para que cortem sua
tripa e a usem como corda para cantar “Os amores da vida esperançosa!”.
Assim como não poderia ser diferente de quaisquer outros poemas de Álvares de
Azevedo, Lembrança de morrer e O Poeta Moribundo são exemplos perfeitos para
demonstrar a grande genialidade de seu autor, poeta que se destacou durante o
movimento romântico como um dos mais inventivos e originais, e que soube como nem
um outro mesclar o sentimentalismo e a melancolia do romantismo com a ironia e a
reflexão do titanismo, através de sua extraordinária binomia.
Bibliografia
Candido, Antonio. In: Coleção melhores poemas - Álvares de Azevedo. São Paulo:
Global Editora, 2008.
Aguiar e Silva, Vitor Manuel de. “Rococó, Pré-Romantismo e Romantismo”. In: Teoria
da Literatura. São Paulo: Martins Fontes.
Pereira, Danglei de Castro. “Lembrança de morrer e o Guesa: Diálogos”. In: Terra roxa
e outras terras – Revista de Estudos Literários (Volume 10). Londrina: Universidade
Estadual de Londrina, 2007.