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COLÉGIO PEDRO II – Campus Tijuca II

PORTUGUÊS - Coordenadora: Eliane Mello 1ª SÉRIE / ENSINO MÉDIO


Professores: Felipe Forain e Sheila Jacob
Postada em 16/04/2021

GÊNERO LÍRICO

Na última aula, começamos a estudar os gêneros literários.


Como vimos, eles foram sistematizados por Aristóteles, que dividiu, em três grandes conjuntos,
textos de acordo com características de forma ou conteúdo comum. Começamos estudando pelo
GÊNERO ÉPICO/NARRATIVO, no qual se encaixa A metamorfose, o livro que estamos lendo
neste ano letivo.

Agora veremos o GÊNERO LÍRICO.

Esse nome vem da “lira”, um instrumento musical (representado na


imagem ao lado) parecido com uma harpa que antigamente
acompanhava esse tipo de texto, antes cantado/declamado. Até hoje
os textos do gênero lírico carregam características daquele tempo,
como a musicalidade, as rimas e a sonoridade.

Com relação ao conteúdo, a principal característica é a ênfase na SUBJETIVIDADE. Ou seja,


normalmente expressam-se emoções, impressões, anseios e sentimentos. Poemas e canções
pertencem a esse gênero literário.

ATENÇÃO!
Nesse tipo de texto não há narradores. A voz que fala é a do EU-LÍRICO, que não pode ser
confundido com o autor, aquele que assina o texto. O escritor português Fernando Pessoa tratou
dessa questão em seu “Autopsicografia”, um dos seus poemas mais conhecidos. Por meio da
metalinguagem, o eu-lírico apresenta uma reflexão sobre o fazer poético.

AUTOPSICOGRAFIA
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que leem o que escreve,


Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda


Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

(Fernando Pessoa. Obra poética, 1965, p. 164).

Agora vamos ver a ESTRUTURA dos textos que pertencem ao gênero lírico.
Cada LINHA corresponde a um VERSO, agrupado em um conjunto chamado ESTROFE.
Cada estrofe do poema de Fernando Pessoa transcrito acima possui 4 (quatro) versos.
Muitos poemas, como é o caso do “Autopsicografia”, possuem métrica e rimas.
Já outros possuem VERSOS BRANCOS (sem rimas) e LIVRES (sem métrica).
O texto “Vozes-mulheres”, que também é um exemplo de metalinguagem e foi escrito pela
brasileira Conceição Evaristo, é um exemplo de poema composto por versos brancos e livres.

VOZES-MULHERES

A voz de minha bisavó


ecoou criança
nos porões do navio.
ecoou lamentos
de uma infância perdida.

A voz de minha avó


ecoou obediência
aos brancos-donos de tudo.

A voz de minha mãe


ecoou baixinho revolta
no fundo das cozinhas alheias
debaixo das trouxas
roupagens sujas dos brancos
pelo caminho empoeirado
rumo à favela

A minha voz ainda


ecoa versos perplexos
com rimas de sangue
e
fome.

A voz de minha filha


recolhe todas as nossas vozes
recolhe em si
as vozes mudas caladas
engasgadas nas gargantas.

A voz de minha filha


recolhe em si
a fala e o ato.
O ontem – o hoje – o agora.
Na voz de minha filha
se fará ouvir a ressonância
O eco da vida-liberdade.

(Conceição Evaristo. Poemas de recordação e outros movimentos, 2017, p. 24).

Existem alguns poemas de forma fixa. Os mais conhecidos são os SONETOS.

Em nossa tradição de língua portuguesa, costuma-se produzir os SONETOS ITALIANOS ou


PETRARQUIANOS – pois teriam sido inventados pelo poeta Petrarca. Eles são compostos por
dois quartetos (estrofes de quatro versos cada) e dois tercetos (estrofes de três versos cada),
totalizando 14 versos decassílabos – ou seja, são 14 versos com dez sílabas métricas cada.

Os versos dos sonetos também são rimados, obedecendo ao(s) seguinte(s) esquema(s): ABBA /
ABBA / CDC (CDE) / DCD (CDE).

Em Portugal, dois dos principais autores de sonetos são Luís Vaz de Camões (século 16) e
Florbela Espanca (início do século 20).

CAMÕES FLORBELA

Amor é fogo que arde sem se ver; Eu sou a que no mundo anda perdida
É ferida que dói, e não se sente; Eu sou a que na vida não tem norte
É um contentamento descontente; Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
É dor que desatina sem doer. Sou a crucificada... a dolorida

É um não querer mais que bem querer; Sombra de névoa ténue e esvaecida
É um andar solitário entre a gente; E que o destino amargo, triste e forte
É nunca contentar-se de contente; Impele brutalmente para a morte!
É um cuidar que se ganha em se perder. Alma de luto sempre incompreendida!

É querer estar preso por vontade; Sou aquela que passa e ninguém vê
É servir a quem vence, o vencedor; Sou a que chamam triste sem o ser
É ter com quem nos mata, lealdade. Sou a que chora sem saber porquê

Mas como causar pode seu favor Sou talvez a visão que Alguém sonhou
Nos corações humanos amizade, Alguém que veio ao mundo pra me ver
Se tão contrário a si é o mesmo Amor? E que nunca na vida me encontrou!

No Brasil, merecem destaque os sonetos de Vinicius de Moraes. Alguns dos mais conhecidos são
o “Soneto de fidelidade” e o “Soneto de separação”.

SONETO DE FIDELIDADE SONETO DE SEPARAÇÃO

De tudo ao meu amor serei atento De repente do riso fez-se o pranto


Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto Silencioso e branco como a bruma
Que mesmo em face do maior encanto E das bocas unidas fez-se a espuma
Dele se encante mais meu pensamento. E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

Quero vivê-lo em cada vão momento De repente da calma fez-se o vento


E em seu louvor hei de espalhar meu canto Que dos olhos desfez a última chama
E rir meu riso e derramar meu pranto E da paixão fez-se o pressentimento
Ao seu pesar ou seu contentamento E do momento imóvel fez-se o drama.

E assim, quando mais tarde me procure De repente, não mais que de repente
Quem sabe a morte, angústia de quem vive Fez-se de triste o que se fez amante
Quem sabe a solidão, fim de quem ama E de sozinho o que se fez contente.

Eu possa me dizer do amor (que tive): Fez-se do amigo próximo o distante


Que não seja imortal, posto que é chama Fez-se da vida uma aventura errante
Mas que seja infinito enquanto dure. De repente, não mais que de repente.

CURIOSIDADE:
Apesar de muitas vezes falarmos como se fosse sinônimos, há sutis diferenças entre os termos
POEMA e POESIA. O “poema” está relacionado à estrutura/forma do texto, organizado em
versos – rimados ou não – e em oposição à prosa. Já a “poesia” tem a ver com o conteúdo, que
costuma ser repleto de subjetividade, plurissignificações e ambiguidade. É possível, portanto,
encontrarmos poesia na prosa (“prosa poética”) ou até mesmo em uma imagem.

As principais características estão listadas a seguir:

POEMA (estrutura/forma) POESIA (conteúdo/ideia)

Versos e estrofes; Linguagem conotativa;


Rima, métrica; Subjetividade, emoções;
Sonoridade; Função poética;
Opõe-se à prosa. Presente em poemas e
em outros tipos de texto.

No poema metalinguístico “O poeta e a poesia”, a escritora Cora Coralina nos ajuda a refletir
acerca da distinção entre os dois termos. Transcrevemos, a seguir, apenas as primeiras estrofes do
texto:

O POETA E A POESIA

Não é o poeta que cria a poesia.


E sim, a poesia que condiciona o poeta.

Poeta é a sensibilidade acima do vulgar.


Poeta é o operário, o artífice da palavra.
E com ela compõe a ourivesaria de um verso.

Poeta, não somente o que escreve.


É aquele que sente a poesia,
se extasia sensível ao achado
de uma rima, à autenticidade de um verso.

Poeta é ser ambicioso, insatisfeito,


procurando no jogo das palavras,
no imprevisto do texto, atingir a perfeição inalcançável.
[...]

(Cora Coralina. Vintém de cobre – meias confissões de Aninha, 1987,


p. 195).

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