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Religiões do Mundo I
Introdução à Religião Comparada
Aula 02
As Principais Religiões Do Mundo: Ramo Semítico, Ramo
Ariano, Ramo Extremo Oriental E Tradições Indígenas.
Hoje será feita uma descrição inicial dos principais ramos, ou principais
tradições religiosas. “Ramos”, na verdade, não é uma expressão muito boa,
porque dá a impressão de que as diversas tradições religiosas têm uma origem
comum. Embora elas possam ter uma origem comum no sentido sobrenatural,
elas não têm uma origem natural, ou histórica, comum – por exemplo, o
Hinduísmo e o Xintoísmo não são, de modo algum, ramos de uma mesma
árvore. “Ramos”, aqui, pode-se usar apenas no sentido conceitual, ou seja, as
diversas tradições religiosas são ramos concretos da idéia de religião. O que
caracteriza as diversas tradições – as tradições arianas, as tradições semitas, as
tradições extremo-orientais – é justamente a sua independência histórica:
existem religiões que são, de fato, ramos de uma tradição original. Por exemplo,
o Cristianismo, o Islamismo e o Judaísmo são ramos, de um modo ou de outro,
descendentes das tradições espirituais que se originam com Abraão. Do mesmo
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modo, o Hinduísmo e o Budismo são como que ramos das tradições que se
originam com os povos indo-europeus que migraram para o território hindu.
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Então vamos analisar duas polaridades que estão nos Vedas. A primeira
coisa que os Vedas dizem é que no começo do universo só existiam as trevas,
mas que por trás das trevas existia um Eu absoluto, um espírito absoluto, que
era um sujeito, e que esse sujeito iluminou as trevas e deu-lhes uma multidão de
formas. Essa multidão de formas são as imagens desse mesmo Eu para si
mesmo.
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O segundo conceito é o dos meios que o ser humano tem para entender
o mundo. Quando o ser humano olha para o mundo, ele tem para cada coisa um
nome; na medida em que ele tem nomes, ele é capaz de descrever o mundo e ele
mesmo – lembrem que nós falamos: a alma é do tamanho da sua linguagem.
Quando eles dizem: “a alma é do tamanho da linguagem”, não significa que tudo
que está na alma é linguagem, mas sim que você só tem acesso, você só percebe
algo na sua alma na medida em que você tem um nome para esse algo.
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canina, que, por si mesmas, não são sensíveis; nós temos alguns indícios dessas
características nos sentidos, mas elas não são por si formas sensíveis diretas.
Nós sabemos que um cachorro vê o mundo, mas não vemos a sua visão.
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você mesmo é esse espírito. A primeira resposta da tradição hindu sobre como
você faz para conhecer o Absoluto é simples: “o Absoluto é você mesmo; você
mesmo é o Absoluto” – isso quer dizer que você ignora a sua natureza.
Isso levou os comentaristas dos Vedas a dizer que existem quatro tipos
de natureza, quatro tipos de seres: a) existe o Absoluto, que não tem princípio
nem fim; b) no extremo oposto da realidade, existe rupa, as formas sensíveis, e
todas elas têm princípio e fim; c) existe a sua consciência individual, que tem
um princípio, mas não tem fim – isto é, em algum momento você passou a se
perceber como ser, e eles dizem que você nunca vai parar de se perceber como
ser, e nó já veremos por que; d) e existe uma quarta natureza misteriosa, que é a
avídia, ou ignorância – a ignorância não tem princípio, mas terá um fim. Eles
dizem que, para que você seja consciente de você como um ser humano,
primeiro você teve que esquecer que você era o Absoluto; por isso eles dizem
que a ignorância é tão antiga quanto o Absoluto, e que ela é como que uma
dimensão do Absoluto, que permite que Ele se desdobre criativamente no
universo. Mas ela tem um fim, porque você pode alcançar a consciência liberta,
ou seja, você pode descobrir o Absoluto em você mesmo, e, assim, eliminar a
ignorância. Eliminando a ignorância, a sua consciência evidentemente passa a
partilhar da infinitude do próprio Absoluto, e passa a ter uma existência
indefinida.
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percebo que é possível que Fulano de tal tenha um outro filho, e, portanto,
também não há uma identidade entre um conceito e outro.
Quando Deus falou com Abraão, qual era a diferença entre esse Deus
que falou com Abraão e os outros deuses? Qual era a diferença entre o Deus de
Abraão e os deuses dos outros? O que diferenciava os deuses dos outros do Deus
de Abraão, e o Deus de Abraão dos deuses dos outros? O Deus de Abraão não
tinha forma; não dava pra fazer uma figura do Deus de Abraão. Não é que toda
vez que um sujeito faz uma estátua de um deus, que ele pensa que aquela
estátua é o deus dele; mas ele afirma que existe uma analogia fundamental entre
essa estátua e o deus do qual ela é representação. A estátua é um rupa, quer
dizer, é uma forma sensível, e a toda forma sensível corresponde um naman, um
conjunto de conceitos que a descreve. Então quando você representa um deus
numa estátua, você está dizendo que esse deus é abarcado por um conjunto de
nomes; você está dizendo, simultaneamente, que ele é representável por um
conjunto de nomes, e que, portanto, num certo sentido, o seu psiquismo pode
esgotá-lo. Quando Abraão fala: “meu Deus não tem forma, não tem uma
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imagem, não dá pra fazer uma imagem, Ele é invisível”, essa invisibilidade
corresponde exatamente ao que os hindus fazem quando eles falam: o “Atman
supremo é o Eu; o Eu é o Atman e o Atman é o Eu”. Os dois – os sábios que
fizeram os Vedas, e Abraão – estão colocando o Absoluto fora da esfera de
naman e rupa. Isso é a mesma coisa que faz o Taoísmo quando, logo de cara, dá
um nome ao Absoluto – Tao –, e fala: “Tao significa ‘caminho’, ou ‘via’”, mas a
primeira coisa que ele [Taoísmo] fala sobre o Tao é que “o Tao que pode ser
trilhado não é o verdadeiro Tao; o caminho que pode ser trilhado não é o
verdadeiro caminho”. Quando o Taoísmo fala isto, ele está justamente
lembrando você da característica fundamental do Absoluto, que é estar além de
namarupa.
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Aluno: por que a compreensão não pode vir apenas pela forma escrita?
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Fulano tal coisa, e ele ouviu; aí este sujeito falou isto para um outro sujeito, que
falou para um outro, que falou para um outro, que falou, falou...”, e assim por
diante. É esta ligação vital que faz com que aquela religião seja uma religião
ainda; ela é uma imitação de um ato vital do próprio Deus. Por quê? Porque o
próprio Deus não pode ser abarcado conceitualmente. A experiência mais
comum é que a cada geração de qualquer tradição religiosa tenham que surgir
novos comentários à Escritura, ou à tradição anterior, porque a própria
Escritura não expressa o conteúdo para aquela geração. Por exemplo, se eu abrir
a Bíblia agora, se eu chegar em casa – [façamos de conta que] nunca ouvi falar
de Cristianismo, nem de Judaísmo –, se eu simplesmente abrir a Bíblia, como
eu faço para me tornar judeu ou cristão simplesmente abrindo a Bíblia? Não dá,
é impossível. Como eu faço para entender o que significava o Deus de Abraão
para Abraão? O único jeito de eu entender o que significava o Deus de Abraão
para Abraão é entender isso a partir de um sujeito que entendeu isto de um
outro sujeito, que entendeu de outro sujeito, que entendeu de Abraão, que
entendeu do próprio Deus. É por isso que as religiões são tradições: elas são
trazidas, de geração em geração, para a geração seguinte. Se o objeto último da
religião fosse esgotável pela mente humana, qualquer descrição suficiente dele
poderia ser resgatada duas ou três, ou cinqüenta gerações depois. Por exemplo,
vamos abrir aqui o Livro egípcio dos mortos. O que era o Absoluto para os
egípcios? Não tenho a menor idéia; ninguém tem a menor idéia.
Professor: a fala, como ato vital, inclui uma série de outras dimensões
da existência humana, que o mero registro escrito não inclui. O registro escrito é
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maximamente abstrato; ele tende muito mais para naman. Por exemplo, a
escrita não parece com o que você falou: lendo uma língua totalmente
desconhecida, você não tem a menor idéia de como ela soa. Se analisarmos,
aqui, um conjunto de letras árabes, você tem alguma idéia do seu som? Mesmo
que você possa entender, você não tem a menor idéia do som. Você não tem
idéia, por exemplo, da musicalidade daquela língua. Então existem notícias ali
que já foram cortadas.
Aluna: por mais que você descreva um cheiro, se você não tiver a
experiência vivida, você não saberá como é aquele cheiro.
Professor: exatamente, por que não mandou um e-mail pra Abraão? Por
que que Ele falou com Abraão? Porque a fala, além de ser um ato vital, como
que resume todos os componentes da individualidade humana: a fala tem desde
uma aparência sensível, quer dizer, a fala pertence a rupa, mas também
pertence a naman, porque ela tem um conteúdo inteligível, ela tem um
significado. A palavra é como que um resumo do próprio ser humano.
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Aluno: por isso que não basta o juiz ler um depoimento, ele tem de ouvir
o réu.
Professor: sim, por isso que o juiz tem de ouvir o réu. Há coisas que
ficam perdidas no registro escrito. Mesmo as religiões que põem ênfase num
livro escrito dizem: “primeiro isso foi falado, e, segundo, é importante que isso
não seja esquecido”. Por exemplo, no caso do Judaísmo, houve um tempo em
que eles perderam o seu alfabeto. Quando eles foram escravos na Babilônia,
passaram tanto tempo lá que esqueceram o seu alfabeto, e depois tiveram que
recriar um alfabeto, que é totalmente estranho à língua deles – mas eles não
perderam a narração oral dos hinos, da descrição dos ritos e tudo o mais,
porque sabiam que “se nós perdermos isso aqui, perdemos tudo; mas o alfabeto
não é tão importante assim”. Isso se dá exclusivamente no caso da religião;
qualquer outro componente da cultura humana só tem a ganhar com o registro
escrito. Isso significa que o Absoluto só pode ser captado como uma experiência
direta e individual; do mesmo modo que o “eu”, ou que uma coisa que não tem
forma alguma, como o Deus de Abraão – no começo não tinha nem um nome, e
é por isso que falavam “o Deus de Abraão”, porque ninguém sabia como Ele se
chamava –, ou o Tao que não pode ser trilhado, o caminho que não pode ser
trilhado. A expressão “um caminho que não pode ser trilhado” é algo que não dá
para imaginar, ou conceber abstratamente, e muito menos para ver.
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impossível de ser representado, Ele fala para Abraão: “faça isso”. Sem essa
fixação numa forma sensível também não é possível a existência de uma
religião. O Absoluto não é, de modo algum, fundar uma religião. A fundação de
uma religião é justamente a fixação do Absoluto numa forma compreensível.
Aluno: mas não por meio de criatividade, e sim por meio de uma
experiência real.
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meio do qual você irá perpetuar aquilo. No caso dos Vedas, é justamente a sua
recitação. A primeira coisa que os sábios falaram foi: “isso aqui foi o que Deus
falou, e, se você falar, você vai entender quem é o Deus que falou, e do quê Ele
falou”. No caso, por exemplo, da tradição abraâmica, é diferente. Abraão não
fala para o seu filho que ele [filho] fale as palavras que Deus falou pra Abraão,
mas ele [Abraão] ensina outro método de preservar aquela tradição, que é:
“Deus sempre dirá pra você abandonar alguma coisa. Se, a cada geração, nós
abandonarmos uma coisa específica que Deus mandou abandonar, nós nos
aproximamos Dele de novo”. Por isso que a história das tradições semíticas, até
elas se dividirem em ramos formalmente distintos, é uma história de renúncias.
De uma geração pra outra, Deus falando: “não faça isso”, ou “não fique em tal
lugar”, ou “não tenha tal coisa”.
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Professor: sim, claro, pode reforçar a sua crença, mas a crença ainda
não é tudo, ainda não é religião. Por exemplo, as religiões têm critérios
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diferentes para o que é a religião. Se você acreditar em tudo que diz na Bíblia,
em tudo que diz no Novo Testamento, você é cristão? Todos os autores cristãos,
de todos os tempos, falarão: “não”. Você é cristão se você for batizado, esse é o
primeiro passo.
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São raros os místicos que, numa certa medida indireta, têm alguma
experiência ligada a outra religião. Por exemplo, na Idade Média há o caso de
alguns santos que tiveram visões de cristãos e muçulmanos entrando no
paraíso; ou o caso de alguns sacerdotes hindus, os brâhmanes que receberam
São Francisco Xavier na Índia, que passaram dois dias discutindo com ele a
religião que ele ensinava, e que, depois desses dois dias, falaram: “você pode
pregar a sua religião para o povo, porque a sua religião é verdadeira”. Mas esses
casos são excepcionais. Normalmente você não terá uma experiência do
Absoluto que seja tão abarcante ao ponto de te tornar captar a experiência de
outra religião. A verdade é que dificilmente, no decorrer da vida toda, um ser
humano terá duas religiões – no decorrer da sua história. Ele podia pertencer a
uma comunidade religiosa, mas ele mesmo nunca teve a experiência daquilo.
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você aceita isso aqui, você é cristão. Pode haver um sujeito que foi batizado logo
que nasceu, e a vida toda ficou, toda semana, repetindo aquele credo, mas nunca
teve a menor percepção do que é aquilo. Em termos formais, ele é católico; mas
ele é realmente? Eu não sei. Só na medida em que isso – o batismo e a repetição
do credo – levou ele a uma experiência do que é significado por aquilo. Tanto é
assim que, na primeira geração, não havia aquele credo formalmente
estabelecido, e [no entanto] os apóstolos sabiam quem era cristão e quem não
era.
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coisa que você precisa ter é fé; você precisa querer aceitar essas verdades. Já no
Budismo eles falam: “essa é a religião que não precisa de fé, mas precisa de
outra coisa: você precisa querer se libertar definitivamente de todo e qualquer
sofrimento”. Esse é o pressuposto inicial para que você possa vir a ter a
experiência do que é ser budista. Já no Islã eles falam: “você pode não ter a
menor idéia do que é Deus, então, se você não tem a menor idéia do que é Deus,
você também não terá fé nenhuma, porque, evidentemente, a sua fé será mal-
direcionada. Mas se você quer pertencer a esta religião, primeiro você tem que
aceitar a Lei; primeiro submeta-se a esta Lei”. Todas as tradições religiosas, em
primeiro lugar, propõem um negócio para a sua vontade, mais do que para a sua
inteligência abstrata. Por quê? Porque a liberdade da sua vontade é o sinal mais
característico, na individualidade humana, do que é o Absoluto. Não poderia ser
a inteligência abstrata, porque você pode ser burro. Você pode ser minimamente
capaz de entender as coisas, mas, por mais burro que você seja, você ainda pode
escolher fazer isto ou aquilo, fazer ou não fazer – isto é algo que ninguém pode
tirar. O sujeito só se tornará, por exemplo, budista, se ele quiser, a todo custo, se
libertar de modo definitivo do sofrimento. O sujeito só se tornará, por exemplo,
cristão, se ele acreditar que Jesus Cristo era o filho de Deus, e que a Sua morte o
salva do inferno. A primeira coisa é acreditar nisso. Isso já torna alguém cristão?
Não, isso é um requisito para se tornar cristão.
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pior do que você queria ser. É isso que quer dizer quando o Cristo fala: “Eu vim
para os enfermos, e não para os sãos”. Se você nunca experimentou isso – você
queria ser um cara legal, mas você vai lá e faz uma canalhice –, não tem como
você ser cristão, porque o Cristianismo é a experiência de uma bondade divina
que transcende a tua própria maldade, que a engloba e a apaga. É por isso que o
Cristianismo fala: “aquele que diz que não tem pecado não está com o Espírito
Santo”. Percebam que essas são experiências humanas comuns, e é só essa
experiência original que permitirá que você tenha a experiência do Deus
daquela religião, do Absoluto como Ele aparece naquela religião. Então o sujeito
se torna cristão na medida em que ele percebe isso: “eu queria ser um cara legal,
daí eu fui lá e não fui [um cara legal], fui exatamente o contrário, e eu merecia
me ferrar, mas eu não me ferrei. Quem me ajudou?”.
Professor: sim, ele primeiro tinha que ter uma intenção bondosa à qual
ele não correspondeu. Ele tinha que, em algum momento, querer ser melhor.
Aluno: no momento em que o Lula disse que não tem pecado, é possível
que ele tenha essa percepção?
Professor: claro que é possível. Existem pessoas que não têm nenhuma
religião. Existem pessoas que não têm nenhuma percepção consciente do
Absoluto, é evidente [que existem tais pessoas]. É o sujeito que está no inferno
de todas as religiões.
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experiência que foi boa para ele a um princípio que foi pior do que a
experiência, que era pior do que a experiência, a um princípio que era mau. Não
é à toa que, desde o começo, por exemplo, no Cristianismo, para explicar essa
experiência, é necessário doutrinalmente explicar: “não existe sorte”. Desde o
começo o Cristianismo faz esta insistência; o próprio Cristo fala: “não cai uma
folhinha sem a concessão do Pai”. Quando você chama um negócio de “sorte” é
só porque você não sabe qual foi a causa original.
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