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GR Mendonça. VIII CIH.

1734 - 1739

A influência das concepções religiosa indo-europeia


Doi: 10.4025/8cih.pphuem.3435

Guilherme Reis Mendonça, UEM

Resumo

Pode-se afirmar, com efeito, que boa parte das religiões antigas e
mesmo as línguas faladas pelos povos antigos e atuais evoluíram do
mesmo núcleo comum, da cultura e da proto-religião indo-europeia. Este
estudo tem como objetivo expor, em um panorama geral, a influência da
proto-religião indo-européia nas tradições culturais e religiões que vieram
posteriormente, dando ênfase na Religião Grega e nas tradições religiosas
advinda dos ''vedas'' (o Brahmanismo e Hinduísmo). A busca desse traço
comum entre as religiões é bem retratada em alguns livros, como o de
Fustel de Coulanges, A Cidade Antiga (La Cité Antique), por isso, a
metodologia literária dessa pesquisa teve como base o estudo desta obra. A
Palavras Chave:
explicação de concepções religiosas como: animismo, culto ao fogo, crença
Religião; Conceitos;
no post mortem, os deuses e a religião doméstica ou subterrânea,
Indo-europeus; Gregos;
methenpsicose (reencarnação) e traços xamânicos entre outros, possibilita
Cultura.
o entendimento desse núcleo comum. Acredita-se que seja importante
esclarecer essas ligações, pois elas contribuem não apenas para o
entendimento das religiões, mas também da cultura e o que sucedeu
posteriormente, que foi a base para a formação cultural greco-romana,
sendo a moral e o direito.
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especificidades de determinadas religiões,


Introdução
mas enfatizar apenas as religiões Gregas
A real semelhança entre as (com breve extensão a Romana) e as
práxis religiosas e a personalidade das tradições religiosas Indianas (Dármicas).
deidades dos povos antigos, e diga se de A observação meticulosa sobre
passagem, dos atuais, sugere um núcleo o passado permite compreender que toda
comum entre elas. Acredita-se que a a formação social da praxe dos costumes
hipotética religião dos indo-europeus e princípios como dos Gregos e
tenha originado a maior parte das Romanos, mesmo em seu período mais
religiões antigas na Europa e na Índia. antigo, nem sempre existem em função
O estudo da mitologia de seu próprio tempo, mas muito antes
comparada tem exigido a cooperação de de sua época, talvez não da mesma
diversas ciências interdisciplinares, além maneira, mas na mesma essência.
da Linguística e da história como: a Os homens antigos adotavam os
Geografia, Antropologia, Arqueologia costumes e a cultura de seus
etc. antepassados, não por mero idealismo
A prova desse elo em comum futuro, mas em razão de sobrevivência e
pode estar no comparativo linguístico e a adaptação.
similaridade entre as práticas culturais e Figura sobre a família e língua
religiosas. Como prova desse núcleo, os
estudiosos do assunto, preferem os
estudos linguísticos, visto que costumes
religiosos e culturais podem assumir
evolução sem necessariamente um
princípio em comum. Os estudos
linguísticos referentes à língua proto-indo
europeia têm início no século XIX e é um
extenso trabalho de observação e
comparação de similaridades e diferenças
léxicas e morfológicas, principalmente da
Sobre os Indo-europeus
fauna e da flora, feito por vários
linguistas e filólogos como Franz Bopp, É interessante destacar que
Alexander Von Humboldt e Jacob denominam-se ''indo-europeus'' o um
Grimm. conjunto de povos ou grupo étnico do
Nesta pesquisa, nos voltaremos período neolítico (4000 a.C). Atualmente,
às práticas religiosas e tomaremos como entre os estudiosos, existe divergência
pressuposto que esse núcleo próximo quanto à origem geográfica desse
exista não que ele possa ser totalmente conjunto de povos, uma vez que, apesar
clarificado e delineado, como muitos de se caracterizem pelo intenso
procuram fazer com as religiões, até movimento migratório, provavelmente
porque o termo indo-europeu é mais um ocupavam uma grande extensão das
fator linguístico e não racial, um conjunto estepes no sul da Rússia entre o Mar
de povos heterogêneo. Negro e Mar Cáspio. Para muitos
estudiosos esse local é considerado o que
Neste trabalho, foi importante
deu origem à quase todos os povos
delinear alguns conceitos que facilitem o batizados de cultura de ''Kurgan''
entendimento acerca do assunto, visto
(tradução literal russa ''Túmulo'') em
que estudos nessa linha são difíceis de razão dos túmulos encontrados no sítio
encontrar no Brasil. Esse panorama não
arqueológico. Revistas especializadas e
pretende se aprofundar em termos ou nas pesquisas científicas como a do francês

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George Dumézil (1898) sugerem uma que é princípio essência primordial e


estrutura de sociedade hierarquizada em ainda o conceito de trindade e politeísmo
classes sociais, hipótese trifuncional e que falaremos adiante, apesar de todas
dividida em: Guerreiros, Sacerdotes e essas teorias estarem baseadas em
Fazendeiros. Constam-se esse tripartido conjecturas, convém especularmos.
também nas religiões advindas (brâmanes
É importante levarmos em
indo-arianos, colégios sacerdotais
consideração, que, muitos dos conceitos
romanos). Inicialmente, as atividades
apresentados aqui são muito mais antigos
destes povos consistiam e atividades
que a Religião Pública Grega e o
agropastoris sedentárias e posteriormente
gigantesco panteísmo hindu atual, e
o nomadismo de natureza guerreira,
muitos desses conceitos são excludentes a
sendo muito provavelmente os primeiros
outros, ou seja, não podem coexistir,
a domarem os cavalos.
como por exemplo, o culto aos mortos é
Até o apagar das luzes da história excludente a reencarnação. Entre as
da Grécia e de Roma, tradições religiosas hindus, esse fato é o
presenciamos a permanência, entre mais marcante devido sua pluralidade
homens, de certo conjunto de cultural, seu politeísmo, suas várias
pensamento e de hábitos com vertentes e seus milhares de anos.
certeza oriundos de época mais
remota, mas na qual já se pode Dies Pater
reconhecer o ideário original
concebido pelo homem a respeito O Indo-europeu usa um termo
de sua própria natureza, de sua para representar a ideia de Deus que
alma e do mistério da morte [...]
também representa o firmamento celeste
Até onde nos é dado remontar na
história da raça indo-européia. cósmico: Dyeus ou Deiwos, do radical
(Coulanges, 1864, p. 13). Di= Iluminar ou ainda céu iluminado
diurno (dia).
Migrando-se em grandes levas, e
certamente dando origem a outros Os indianos mencionam Dyaus
dialetos intermediários, inicialmente para ou Dyauṣ Pitā, Dyaus indra no Rig veda,
o sudoeste - rumo ao Irão (Irã) e a Índia, no sânscrito: ''द्यौष्पितृ '' tradução livre: pai
depois rumo à Grécia, Península Itálica, e do céu.
Espanha, França, Inglaterra ao norte Na Hélad, este deus chama
europeu, e Leste Europeu etc. Zeus, genitivo de Dios ou ainda Zeus
Pater que está conexo íntima e
Religião etimologicamente em latino como
Júpiter, iov-pater, Deus); No latim: Deus,
Quanto à religião, o fator mais Dius, Divus, Dies (piter) etc.
importante no trabalho consiste na
crença desse povo, os Indo-Europeus, Ainda nas línguas norueguês
em muitas divindades. Por onde este antigo, báltico, eslavo, persa (iraniano),
passou e deixou suas tradições, assim, é hitita, germânico islandês, celta-irlandês
possível encontrarmos o nome de muitos em muitas outras línguas e dialetos.
deuses (Politeísmo) em diferentes línguas
e termos. Muitos autores defendem a tese Geia Terra Mãe'
de um Deus único a princípio, teorizando
que os demais seriam seres figurativos a Mencionar todos os povos que
fenômenos, entidade, símbolos, etc, cultuavam essa Deusa representante da
defendendo um princípio comum, algo fertilidade e fecundidade com certeza
como algumas vertentes das tradições seria material para um livro, vemos em
religiosas védicas: como o culto Brâman, praticamente todas as culturas, e seu culto
é muito presente até hoje; mais do que

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atribuir como núcleo comum indo- ou ainda Céu, Homem e Terra, ainda
europeu, temos de levar em consideração temos as concepções tripartidas de
o que já foi dito anteriormente: os estrutura religiosa. É sabido que essa
homens antigos adotavam os costumes e estrutura não foi adotada entre os gregos
a cultura de seus antepassados, por razão e ficou restrita e eternizada na obra
de sobrevivência e adaptação, nesse caso literária de Platão “A República”, que,
a fertilidade agrícola e a fecundidade dos adotando o conceito da teoria da alma
rebanhos estava intimamente ligada a tripartida (intelectiva, irascível e apetitiva),
sobrevivência das famílias. propõe um modelo de sociedade
Na Grécia no segundo milênio, (guardiões, comerciantes e guerreiros).
possivelmente com a influência dos Entretanto, na religião Romana,
minoicos de descendência também indo- no período pré-capitolino foi adotado a
europeia, trouxeram o culto da Deusa tríade suprema: Júpiter (Soberano), Marte
Mãe, representando a fertilidade, fica (Guerreiro) e Quirino (Agrário). Alguns
quase explicita a concepção de que o céu termos foram substituídos na etrusca:
fecunda a terra que é intrinsicamente Marte por Juno e Quirino por Minerva. A
terra-mãe de tudo e todos. tríade também foi reverenciada pelos
germânicos antigos, ou seja, os Vikings.
Posteriormente esse mito
influência obras como a Teogonia de Sua principal tríade foi: Odin (Soberano),
Thor (Guerreiro) e Frey (Produção ou
Hesíodo, mito cosmogônico grego que
marcou profundamente a cultura grega, Fecundação).
tendo Gaia ou Geia (Mãe-terra) como No Hinduísmo notamos
figura feminina, e figura masculinas como também a presença de três divindades,
Urano (céu). que atualmente, é comumente conhecida
como a supremacia dos Devas. É
No Oriente, esse culto à Deusa
composta de Brahma (Criador), Vishnu
Mãe também é bem marcante, não
(Mantenedor) e Shiva (Destruidor).
apenas entre os Hindus, mas influencia
quase todas as tradições religiosas Apesar de existirem outras
orientais e filosóficas como o Budismo. vertentes como as tradições védicas que
Nessas religiões, o nome Pṛthvī Mātā acreditam na supremacia de Indra, é
''Amplidão'' é associado a terra, seu importante ressaltar a diferença entre
cônjuge Dyauṣ Pitā é responsável por Brahma e Brâman que é algo como a
fertilizá-la através da chuva e seus filhos essência, espirito divino, absoluto, na qual
são Agni (Fogo), Ushas (Aurora), Indra todos os deuses são parte.
(Clima) todos mencionados na Rigveda A partir daí no hinduísmo e em
(RV 3.25.1) (RV 4.14.4) outras religiões passa ser ligado a outros
conceitos de tempos cíclicos, metafísicos
Humus Terra e filosóficos como:
Esse termo aparece em - Tamas, Rajas e Sattwa (queda, expansão e
contraposição à ''celeste'' terreno ou ascensão)
terrestre que era o termo que - Yang, Ying e Tao no taoísmo
representava o homem: Ghem, ghton,
E ainda os três estados de
ghom, que significa ''terra'' no latim:
consciência e mantra sagrado do
humus, homo.
hinduísmo representado por '' Aum'' -
Tripartida e Trimurti a Divisão vigília, sonho e sono - '' ॐ ''
Ternária É importante também ressaltar
que os conceitos apresentados podem ser
Além de Deus, Homo, Natura válidos para outras vertentes e religiões

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além da grega e das tradições hindu. Elas túmulos ficavam na propriedade familiar,
figuram determinadas épocas, visto que, a poucos metros da casa.
podem também coexistir com outras
crenças como acontece entre os Hindus Acreditou-se, durante muito tempo
que acreditam em coisas que são ainda, que nessa segunda existência
a alma continuaria associada ao
excludentes. corpo. Nascida com o corpo, não
seria dele separada pela morte;
Culto aos mortos e deuses alma e corpo seriam encerrados
domésticos juntos no mesmo túmulo. [...]
Polidoro com estas palavras:
Nas tradições religiosas Hindus, “Encerramos a Alma no túmulo”
o culto dedicado aos ancestrais existe (Coulanges, 1864, p. 13).
desde antes a escrita dos vedas (Livros
Os rituais fúnebres eram muito
sagrado) e determinava que a refeição
importantes para os gregos. Acredita-se
(sradha) dependia do oferecimento aos
que a alma e corpo não poderiam se
antepassados. Geralmente essa cerimônia
separar e por isso, ela viveria junto ao
era reservada ao patriarca da casa
corpo em um túmulo. Assim, os túmulos
diariamente.
funcionavam como “casas” das almas.
Entre os Gregos, o culto aos Daí vem a ideia da vida subterrânea
mortos também tem origem primitiva destas almas. Nesse aspecto Coulanges
muito antes da consolidação dos Deuses, afirma
da Religião Pública e da crença na
metempsicose. Cabia também ao Ao término da cerimônia fúnebre,
patriarca, única e exclusivamente os havia o costume de chamar três
antiguíssimos costumes do culto fúnebre vezes a alma do morto pelo nome
que ele havia usado em vida,
e da conservação das leis, que na verdade
desejando-lhe vida feliz debaixo da
eram advindas da religião. terra. Dizia-lhe por três vezes:
O culto era extremamente Passe bem [...] No epitáfio,
particular, permitido apenas aos escrevia-se que o defunto ali
familiares. Esse culto havia de ser repousava: afirmação essa que
repassado ao primogênito sobreviveu às próprias crenças e
que, atravessando os séculos
obrigatoriamente antes do falecimento do chegou até nossos dias (Coulanges,
patriarca. Coulanges (1961) acredita que 1864, p. 13).
daí provém todas as regras do direito de
sucessão entre os gregos e romanos, e Nesse contexto, foi possível
posteriormente a lei. verificar que o túmulo era um fator
importante na morte, pois seria naquele
O antigo costume da
espaço que a alma viveria eternamente.
hereditariedade por parte do primogênito
remonta os primórdios da humanidade, Culto ao fogo sagrado
como é citado no livro dos hindus, O
Código de Manu. Essa obra é uma Coulanges (1864) menciona em
espécie de manual de jurisprudência e seu livro “A Cidade Antiga (1961)” que
explana o direito de sucessão não apenas os gregos tinham uma palavra bastante
no que tange a heranças de bens significativa para designar a família. Esse
financeiros, mas também na continuação termo era epístion, que em tradução
religiosa. literal, significa aquilo que está junto ao
Acreditava-se na vivência fogo. Era obrigação que recaia sobre o
subterrânea dos mortos, e tratavam-nos patriarca, tanto em Roma como na
como deus, por isso, diante de seus Grécia, a vigente conservação do fogo
túmulos construíam-se altares, esses sagrado e sobre ele ficava o altar. O fogo

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deveria manter-se puro, visto que não era religiosos basilares, mesmo que de forma
qualquer madeira a alimentá-lo, nem sintética. As características citadas neste
nenhum objeto impuro podia ser trabalho foram influenciadoras de
queimado, orava-se perante ele, e vertia diversas culturas posteriores, ou seja,
vinho, flores, frutas, essa era à hora de muitos povos acabaram por compartilhar
invocá-lo. de diversas práticas dos povos citados no
texto.
No Oriente, anterior a divindade
Brama, o culto ao fogo já tinha suas O estudo expos em um
raízes. Posteriormente acabou por ficar panorama geral a influência da proto-
em segundo plano, mas também deviam religião indo-européia nas culturas e
mantê-lo aceso com determinadas religiões que vieram posteriormente.
madeiras, e lhe vertia licores fermentados. Assim, foi possível observar como outros
A divindade do fogo na Índia tinha um povos e gerações foram influenciados por
nome específico e era celebrado nos essa cultura religiosa.
hinos védicos, chamava-se Agni.
Este artigo contribuiu para a
Uma prova cabal da antiguidade fomentação dessa vasta área de estudo
dessas crenças e dessas práticas é o interdisciplinar, uma vez que, que ao
fato de as encontrarmos ao mesmo iniciar a pesquisa, foi constatada uma
tempo entre os homens das dificuldade muito grande em se encontrar
margens do mediterrâneo e entre autores e pesquisadores brasileiros que
os moradores da península indiana. escrevem sobre a cultura e religião Indo-
Com certeza os gregos não européia. Nesse contexto, o trabalho
tomaram dos hindus essas práticas, proposto pôde se transformar em mais
nem os hindus as apreenderam dos
um material de estudo para aqueles que
gregos. Mas gregos, italianos e
hindus descendem de uma mesma se interessarem no assunto.
raça; os antepassados, em época
muito remota, viveram juntos na Referências
Ásia Central, onde pela primeira
vez se originaram essas crenças [...] COULANGES, N. F. de. A Cidade Antiga. Trad.
Frederico Ozanam Pessoa de Barros. São Paulo:
Quando as diversas tribos se Editora das Américas, 1961. Disponível em:
separam levaram consigo esse culto <http://ebooksbrasil.org/eLibris/cidadeantiga.ht
comum; umas até as margens do ml#B6>. Acesso em: 24 setembro de 2017.
Ganges e trazendo-o, outras, para
as costas do mediterrâneo Georges Dumézil in Artigos de apoio Infopédia [em
linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2017. [consult.
Assim, percebemos que vários 2017-09-26 16:10:50]. Disponível na
povos tiveram uma mesma origem, uma Internet: https://www.infopedia.pt/apoio/artigos
/$georges-dumezi
vez que percebemos que muitas práticas
religiosas estavam presentes nas culturas SILVA, Moacir. História Econômica I: teorias,
métodos e conteúdos .1. Ed. Maringá: Eduem,
hindus, gregas, etc. 2010
Considerações https://academiaprisca.org/indoeuropean/indo-
europeu.htm
Foi possível elencar em um
mesmo artigo elementos culturais e

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