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RESUMO
Os Papiros Mágicos Gregos contêm variados encantamentos e ensinamentos mágicos. A coleção foi
encontrada em diversas expedições arqueológicas durante os séculos XIX e XX nas regiões egípcias
de Tebas e do Fayum, principalmente. A maioria dos papiros dos PGM pertence aos séculos III e IV
d.C. Nesse período da história egípcia, parte do Império Romano, houve uma pluralidade religiosa
bastante expressiva e interessante de ser estudada. Atualmente, é possível acessar o conteúdo deles
por meio de obras de tradução. O Papiro IV, objeto de nosso estudo, contém encantamentos, como a
chamada “Liturgia de Mitra". Tal papiro apresenta temáticas mágicas que podem abordar da prática
de licnomancia ou hidromancia até um encantamento de amor ou de desejo erótico. Diante do
exposto, nosso estudo pretende elencar os primeiros apontamentos de uma pesquisa de Iniciação
Científica sobre os textos de magia presentes no Papiro IV. Estamos utilizando a tradução em língua
inglesa editada pelo professor Hans Dieter Betz para realizar tal estudo. Nossa metodologia envolve
a análise interna e e externa das fontes. Nesta comunicação, possuímos o objetivo de apontar os
elementos gerais e percepções sobre a documentação, além dos aspectos básicos sobre a coleção
supracitada. Portanto, pretendemos apresentar um panorama sobre a coleção de papiros e,
simultaneamente, elaborar algumas possibilidades de trabalho historiográfico com o Papiro IV.
Palavras-chave: Magia, Religião, Egito, Papiros, Cultura
ABSTRACT
The Greek Magical Papyri contain various enchantments and magical teachings. The collection was
found in various archaeological expeditions during the 19th and 20th centuries in the Egyptian regions
of Thebes and Fayum desert. Most of the PGM papyri belong to the 3rd and 4th centuries BC. This
period of Egyptian history, part of the Roman Empire, there was a religious plurality that was very
expressive and interesting to study. Currently, it is possible to access their content through translation
works, from Greek to another languages. Papyrus IV, the object of our study, contains incantations,
such as the so-called "Liturgy of Mithras." Such a papyrus presents magical themes that can approach
from the practice of hydromancy, an enchantment of love or erotic desire. The present study aims to
list the first notes of a research of Scientific Initiation on the magic texts present in the Papyrus IV,
using the English translation edited by professor Hans Dieter Betz to carry out such a study. Our
methodology involves the internal and external analysis of the sources. We have the objective of write
about general elements and perceptions about the documentation, as well as the basic aspects about
the collection, so we intend to present a panorama about the collection of papyri and simultaneously
to elaborate some possibilities of historiographic work with the Papyrus IV.
Key Words: Magic, Religion, Egypt, Papyri, Culture
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Percebemos que a sociedade egípcia esteve história foi a arte e arquitetura criada e
durante quase três milênios incluída nas desenvolvida por essa sociedade. Um belo
diversas dinâmicas históricas que ocorreram às exemplo da arte ligada à arquitetura é o templo
margens do rio Nilo e do Mar Mediterrâneo, de Karnak:
especialmente às cidades que circundavam o
delta do rio. Tanto o Nilo, quanto o
Mediterrâneo compuseram importantes
espaços geopolíticos de trocas econômicas,
políticas, culturais e simbólicas entre romanos,
gregos, persas, egípcios, hebreus e diversas
outras sociedades que legaram ao tempo
presente inúmeras contribuições. Nesse
imenso espaço de contatos socioculturais, as
sociedades egípcias fizeram com que suas
deusas e deuses viajassem além das águas do
Nilo e desbravassem novos horizontes,
influenciando boa parte da Europa Ocidental e
Oriente Próximo.
Nessa lógica, esses encontros entre culturas
Figura 01: Colunas do templo de Karnak. Egito.
romanas, gregas e egípcias no Egito durante o
início do 1º milênio d.C. nos permite situar o Essa imagem representa bem a
estudo da magia e da religião egípcia dentro de monumentalidade que aspirava a arquitetura
uma complexa dinâmica histórica pautada dos egípcios. Nesse sentido, Mario Curtis
pelas confluências religiosas entre as Giordani nos concede uma teorização mais
sociedades supracitadas, o que faz deste estudo pontual a respeito de tal espaço sagrado,
algo importante para a reflexão sobre segundo o autor (GIORDANI, 1983, p. 90) “A
encontros culturais, algo tão presente em todo famosa sala hipostila de Karnak possuía 134
processo histórico, inclusive em nossa colunas, muitas das quais atingiam a altura de
contemporaneidade. 21 metros.”
A história do Egito possui uma longa Professor Giordani prossegue ao mencionar
trajetória dentro das ciências humanas, o que dissera o explorador francês Jean-
diversos estudiosos dedicaram anos de François Champollion (GIORDANI, 1983, p.
pesquisa sobre esse local tão fascinante e 90 apud F.T.D , p. 43):
misterioso, habitado por homens, mulheres,
múmias, crocodilos e divindades. Banhado por Vagueai por entre esse labirinto de edifícios e
um voluptuoso rio que tudo fertilizava a destroços na hora em que os raios oblíquos de um
sociedade egípcia desfrutou de toda glória e de sol de fogo iluminam com fulgor deslumbrante,
todo fracasso. Povos hicsos, persas, romanos, tudo quanto avistais, ou quando a lua, quase
cheia, passeia o seu clarão sobre as ruínas
islâmicos, entre outros “dominaram” a região imensas, quando pilones erguem, no silêncio da
por bons anos e lá deixaram marcas históricas noite do deserto, suas massas ou brancas ou
profundas. Desde a ascensão dos grandes pretas, e então sentireis uma impressão de
faraós egípcios – como Tutankhamon e Menés majestade, de tristeza, de grandeza, como penso
- até o triunfar de Alexandre Magno e seus não se pode experimentar na terra outra igual.
exércitos sob terras imensas muitas coisas
aconteceram em solo egípcio.
Champollion, um famoso explorador
Arquitetura e Arte no Egito francês que viveu durante o século XIX, foi
estudioso da cultura e sociedade egípcia,
Uma das características do Egito que deixando diversas contribuições para a
surpreendera inúmeras pessoas ao longo da egiptologia. Champollion foi um dos
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responsáveis pela decifração dos hieróglifos, afastava os inúmeros insetos que ali viviam.
por exemplo. Além disso, eles acreditavam que a utilização
Nesse sentido, a frase supracitada expressa da maquiagem denotava poderes mágicos e de
o quão maravilhado o francês se sentia diante cura, principalmente.
de toda imensidão de uma obra artística e Dentre todas as divindades egípcias quatro
arquitetônica do Egito Antigo, assim como ele, delas possuem destaque em nossa pesquisa:
muitos turistas, atualmente, visitam o país e Osíris, Ísis, Hórus e Seth. Osíris e Ísis eram
partilham desse sentimento. considerados o casal fundador do Egito. Osíris
viajava pela região ensinando técnicas de
Religiosidades e Divindades Egípcias plantio e colheita para todas as pessoas. Além
disso, era considerado pelos egípcios o grande
De modo geral, a religiosidade dos antigos juiz do mundo dos mortos.
egípcios era pautada pelas representações de É nesse sentido de interpretação da
caráter antropozoomórfico das entidades mitologia que aponta Isaque Pereira de
mitológicas. Alguns famosos exemplos dessa Carvalho Neto ao refletir sobre o mistério e a
característica tratam-se da esfinge de Gizé, o repetição no mito de Ísis e Osíris (PEREIRA,
devorador de almas: Ammit/Ahmat (seu corpo 2015, p, 54)
era composto por metade leão, hipopótamo e
crocodilo) e o deus egípcio Sobek: Osíris é um deus egípcio associado à vegetação
e, sobretudo, ao Além, portanto, intimamente
relacionado com as crenças e com os dramas
rituais referentes à morte e à ressurreição
celebrados em muitos locais na Antiguidade,
nomeadamente em Abido, onde ficava o seu
principal santuário.
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deus associado à guerra, Seth. Sendo assim, a antigas nas sociedades contemporâneas. Nesse
divindade feminina realiza tal procedimento âmbito, o olho ferido de Hórus se tornou um
através de seus significativos conhecimentos famoso símbolo de proteção na cultura atual,
mágicos, bem como por meio do auxílio de inúmeras pessoas realizam tatuagens com a
Anúbis. figura de “Udyat”29 representada em seus
Ísis era muito popular entre os egípcios, corpos.
podemos considera-la o arquétipo da grande Abaixo a ilustração de uma figura que
mãe e de uma esposa fiel. Ainda segundo representa a divindade com ares de falcão,
Pereira Neto (PEREIRA, 2015, p. 54) Hórus:
29
Nome egípcio dado ao amuleto. O olho de Hórus e eram usados como representação
era um dos amuletos mais importantes no Egito Antigo, de força, vigor, segurança e saúde.
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negócios por meio da invocação de Hermes, costumes e culturas distintas daquelas que
até pedidos de imortalização como na Liturgia partilhamos atualmente.
de Mitra e a prática mágica onírica do Transe Levando todo esse debate em consideração,
de Salomão. podemos brevemente caracterizar o Papiro IV
Para que possamos pensar a magia, a e elencar as percepções sobre o conteúdo. O
religião e todos os inúmeros aspectos que as Papiro Parisino Supplementum Graecus 574
circundam de uma forma mais sistemática pertence a Biblioteca Nacional de Paris, foi
utilizamos algumas concepções de autores da editado por Karl Wessely e a datação
antropologia cultural. Sendo assim, ao arqueológica aponta para o século 4 d.C.
pensarmos a História da Magia com o auxílio No corpus documental dos Papiros Mágicos
da Antropologia podemos estudar mais há uma série bem diversa de práticas mágico-
profundamente as temáticas que influem nas religiosas, segundo consta na nota introdutória
diferenças e semelhanças culturais, bem como do livro de tradução dos Papiros Mágicos
pensar as relações existentes nas fronteiras. Gregos de Romero e Sanchez (SANCHEZ;
Magia e religião são conceitos demasiados CALVO, 1987, p. 08-47).
complexos, diante deles já se erigiram centenas Os autores articulam o texto no sentido de
de teorizações e definições válidas. Portanto, que existem 4 grandes grupos de práticas de
pretendemos, nesse momento, apenas navegar mágico-religiosas na documentação, por
entre estes tantos termos, não por meio da intermédio dessa explicação foi possível que
pálida certeza, e sim a bordo da mais sublime erigíssemos breves apontamentos, de maneira
curiosidade diante do mundo. resumida destacamos:
Nesse sentido, conceituamos a magia
enquanto um fenômeno sociocultural. Mais A) Práticas Instrumentais: são práticas que
precisamente, entende-se por magia (CORSI, servem para todo tipo de finalidade, um
2014, p. 144) “Práticas diversas que possuem exemplo seria a consagração do mago, que
em comum a pretensão de mudar os eventos consiste na busca pelo encontro com o divino.
por meio da utilização correta de Outro exemplo seria submeter um daimone
procedimentos, objetos e forças para que ele aja em teu favor.
sobrenaturais”. A perspectiva do antropólogo B) Práticas Mânticas: consistem em diversas
Bronislaw Malinowski também é relevante ações para fins de obter conhecimentos.
para pensarmos as práticas mágico-religiosas Discorreremos melhor sobre elas na sequência
no contexto do Egito enquanto uma província do texto.
do Império Romano (MALINOWSKI, 1984, C) Práticas de Submissão: aquelas que
p. 78) buscavam submeter alguém a vontade daquele
que a realizava ou pedia para que um mago
A magia nunca “teve origem”, nunca foi realizasse. Nesse grupo, encontram-se magias
construída ou inventada. Toda magia sempre mais vinculadas ao sentimento amoroso e ao
“foi”, desde o começo, um auxiliar essencial de
todas as coisas e dos processos de interesse vital
desejo erótico.
para os homens. D) Práticas para Conseguir Bens Externos:
eram realizadas para que se obtivessem êxitos
A partir da teorização de Malinowski – sem nos negócios. Seu foco de ação mágica estava
nos limitar a ela e utilizando o conceito de no espectro material da vida, nos papiros que
maneira interpretativa ampla - percebemos a estudamos ocorrem invocações ao deus
magia como um complexo fenômeno de Hermes, por exemplo.
sistemas simbólicos que se imiscuem nas Nossa abordagem dará mais ênfase para as
práticas religiosas. Portanto, o pensar mágico práticas de caráter mântico, que consistem na
pode conviver com o pensar religioso de tal busca do mago pelo conhecimento em vários
modo que se torna difícil tentarmos mapear as aspectos do saber, um exemplo interessante
fronteiras entre eles, ainda mais ao falarmos de disso é a oniromancia, licnomancia e
sociedades antigas, que partilhavam de ideias, hidromancia.
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A onimorancia – tema caro a Sigmund Lo que hay en las almas de todos los hombres,
Freud – consiste na interpretação dos sonhos egipcios, sirios, helenos, etíopes (...) de los que
hablan y de los que guardan silencio, para que les
como sinais divinos. A professora e revele el passado, y el presente, y su futuro, y
pesquisadora Hariadne Soares disserta a conozca sus artes, sus vidas, sus costumbres, sus
respeito de tal temática (SOARES, 2017, p. trabajos y sus nombres, y los de sus muertos y los
152): de todos.
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imensidão do universo. De outro lado, vê-se a Este estudo de iniciação científica está em
grama verde repleta de alimentos que foram sua fase inicial, portanto, até o presente
deixados para o daimôn. Durante este momento, fizemos um levantamento das fontes
momento o daimôn entraria em contato com o e realizamos leituras bibliográficas auxiliares à
mago e faria revelações para ele. Caso o pesquisa. Destarte, possuímos mais perguntas
daimôn não o fizesse ele manteria o besouroo do que respostas para a documentação. Ao
preso, caso ele realizasse o desejo do mago o longo do artigo elencamos os elementos gerais
escaravelho seria liberto imediatamente. sobre os papiros mágicos gregos, desfrutamos
Tendo isso em mente, podemos abordar a do universo religioso Greco-egípcio, de toda
captura do daimôn e por quais artifícios ela se sua arte, religiosidade, arquitetura e poesia e,
pauta. Tal captura ocorrerá mediante dois por fim, contemplamos a simbologia etérea
elementos de coação, no mínimo: que envolve o Escaravelho.
1) Sedução por meio da comida
2) A chantagem através do sequestro de REFERÊNCIAS
um escaravelho.
Nessa perspectiva, a interpretação desse [1] GIORDANI, Mario C. História da
ensinamento de magia chamou nossa atenção Antiguidade Oriental. Editora Vozes, 6ª ed,
pela utilização do elemento de coação em torno Petropólis, 1983, 90.
da figura do escaravelho. O escaravelho era
associado ao sol, a renovação e as coisas que [2] CARVALHO, Isaque P. Mistério e
renascem de si. Portanto, percebemos a Repetição no Mito de Osíris e Ísis. Impactum
possibilidade de estudo da simbologia mágico- Coimbra University Press, Centro de História
religiosa na qual estava inserido esse da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2015, 54.
importante símbolo solar egípcio. A seguir um
exemplar de amuleto egípcio em forma de [3] BETZ, H. D. (Ed.). The Greek magical
escaravelho: papyri in translation: Including the Demotic
spells. Chicago: The University of Chicago
Press, 1991.
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