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Panorama do
antigo testamento
Introdução
Talvez, por serem tão imanentes, os textos de sabedoria tendem a não ser os
mais procurados, com exceção dos Salmos, que são bastante populares em
abordagens devocionais e até exotéricas. Os estudos teológicos também não os têm
apreciado com a atenção merecida. Mas, a proximidade dos provérbios bíblicos com
a vida vivida, com o chão da experiência humana e suas possibilidades e limitações,
oportuniza entendermos como os antigos judeus liam o mundo, e agora, podem
contribuir com o debate atual, em torno de questões filosóficas, mesmo as de nosso
tempo.
O homo sapiens, desde as épocas mais remotas, tenta estabelecer um sentido
para a existência. O povo bíblico – assim como todos os outros que vieram antes,
durante e depois de sua passagem pelo mundo –, também fez perguntas
elementares, expressou sua angústia e maravilhamento, diante da Criação e da vida
cotidiana, e refletiu sobre o que lhes cercava, a partir da sabedoria que acumulavam.
Cobrindo o trabalho na terra e com animais, a partilha comunitária e a relação com
o sagrado, os escritos sapienciais representam uma coletânea do conhecimento
popular e dos sábios da corte.
O espaço da literatura de sabedoria e poética no Tanakh é estabelecido entre
os Escritos (Ketubim). São, entretanto, de diferentes tipos: um dos grupos é de
natureza poética: Tehillim (Salmos), Mishlei (Provérbios) e Iyov (Jó); outro, de uso
litúrgico, os “cinco rolos”: Shir Hashirim (Cântico dos Cânticos), Rute, Eikhah
(Lamentações), Qohelet (Eclesiastes) e Ester; e três de caráter histórico: Daniel, Ezra-
Nehemiahu (Esdras-Neemias) e Divrei Hayamim (Crônicas).
Na seleção canônica protestante, os livros de sabedoria são Provérbios, Jó e
Eclesiastes. Na versão católica, em adição, entram nessa categoria os
deuterocanônicos: Eclesiástico; e Sabedoria ou Sirácida. Em ambas as tradições,
todavia, a literatura poética é composta pelos Salmos e por Cantares.
serviço convergem numerosa parte dos salmos. Seu herdeiro, Salomão, foi aquele
que recebeu sabedoria do próprio Deus, tornando-o paraninfo da obra sapiencial.
Acertadamente, tanto no cânon hebraico, quanto nas bíblias cristãs, Salmos e
Cânticos estão agrupados entre os sapienciais. Tal se dá porque, nos livros poéticos
há características como a expressão de sentimentos humanos, de contemplação e
de experimentação do mundo criado e daquilo que lhe é próprio: as paisagens, os
animais, os sentidos, os elementos naturais, as relações interpessoais. A poesia
exalta os feitos do Criador, suplica por sua ajuda, expõe crises profundas,
sentimentos e emoções comuns à todas as pessoas.
Para fins didáticos, porém, deixaremos registrada a classificação aceita pela
maioria dos estudiosos, na qual os livros sapienciais são Jó, Provérbios, Eclesiastes,
Eclesiástico e Sabedoria; sendo, portanto, Salmos e Cânticos escritos poéticos.
No latim, a palavra que originou a nossa sabedoria é sapientia. Os livros
sapienciais reúnem, num estilo literário próprio, a síntese da sabedoria do antigo
povo judeu, refletida na forma com que se organizavam social, cultural e
religiosamente. É, de fato, da vivência cotidiana que emergem os provérbios, as
poesias e as canções. O assunto principal é o existir humano, é o viver no mundo
criado por Deus e as impressões da comunidade hebraica sobre o Criador, mais do
que sobre o que Deus teria a dizer, como era o caso da Torá.
Com relação ao conteúdo, além de permitir ao leitor uma compreensão
cultural daquele mundo, seus versos propiciam acessar uma amostra da
espiritualidade do dos antigos hebreus, para quem o todo, a integralidade, chamada
vida é o ponto no qual convergem, sem uma distinção muito clara, as crenças, as
técnicas e os sentimentos.
A razão bíblica se constrói a partir da vida concreta e prática; objetiva oferecer
ferramentas para aplicar o shalom à experiência cotidiana da existência. É um saber
que deve ser passado adiante, dos mais velhos para os mais jovens, por meio da
memorização, uma vez que a leitura e a escrita eram exclusivas para escribas e
alguns poucos religiosos. Não somente nos livros escritos em forma de poesia ou
provérbio, é possível afirmar, que todos os Escritos (Ketubim) têm algo de sapiencial:
são conselhos, opiniões, conclusões que sábios anônimos ou ilustres dão à
comunidade, através de diferentes gêneros literários.
Uma inserção tardia, já pelos idos de 300 a.C, causa uma importante mudança
no tom das expectativas sobre a justiça de Deus, em favor dos sábios que temem ao
Senhor. Trata-se daqueles que se tornaram os primeiros nove capítulos de
Provérbios na versão final. Do lado de fora do texto, as dinastias dos reis gregos
Seleuco (região da Síria) e Ptolomeu (do Egito) apertavam o cerco da opressão e da
exploração sobre tudo que se produzia e vivia na Palestina. Para além das
exorbitantes taxas, interviam constantemente na liberdade religiosa e nas
expressões culturais dos povos dominados.
Encontramos expressões paralelas de protesto na profecia de Joel, que
denuncia, com ares de apocalipsismo, a praga dos gafanhotos que devoram tudo
que é plantado. De semelhante modo, nos Salmos que pediam a Deus um basta
sobre a atuação dos inimigos contra a dignidade da vida do povo judeu. Nesse
sentido, a ética vai tomando contornos para além da trivialidade, abraçando uma
teologia de resistência, de viver sob a ótica da esperança transformadora depositada
na prudência. A mesma inconformidade dos de 1 a 9, aparece na tradição
revolucionária dos macabeus e encontrará ecos na época de Jesus, cujo discurso
messiânico, também confrontará a dominação imperialista romana.
Aliás, parte da pesquisa histórica vê um processo longo de composição do
livro até chegar na versão que chegaria até nós. O ponto inicial remontaria aos
tempos do rei Salomão, por volta de 970 a 930 a.C, e a conclusão em meados do
século 3 a.C. De acordo com a crítica, a parte mais antiga é 22.17 a 24.22, datando
do período salomônico. O segundo trecho, a ser redigido, são os capítulos 25 a 29,
que se insere já nos anos finais do reinado de Ezequias (730-700 a.C). Pouco mais
tarde, os traços deuteronomistas, em Pv 10.1 até 22.16, fazem crer que tenham sido
compilados, durante o governo de Josias (640-610 a.C). A última parte a ser
elaborada, os capítulos de 1-9 e 30-31, respectivamente a abertura e o fechamento,
são uma aparente finalização dos editores, na altura do século 3 a.C.
Pela atual orientação dos textos, podemos seccionar os capítulos de
Provérbios em cinco partes, de acordo com os assuntos e ênfases. Nos capítulos 1-
9, os últimos a serem escritos, e em 22.17 a 24.34, o compilador inclui um breve
preâmbulo e seleciona provérbios de ensinamentos sucintos por parte dos sábios
para a geração mais jovem.
O nome do rei, tradicionalmente reconhecido como sábio, empresta
credibilidade à segunda parte, que vai de 10.1 a 22.16 e a quarta parte, 25.1 a 29,27.
Ela é uma coleção de adágios de Salomão, acumulados ao longo de um período
significativo, e pinçados de contextos variados e sob diferentes perspectivas.
Panorama do antigo testamento – Unidade 3 – Livros de sabedoria e de poesia bíblicas
Além dos textos sapienciais que foram mantidos nos cânones judaico e
protestante, a tradição cristã católica, tanto ocidental, quanto oriental, preservou
dois livros que constaram nas bibliotecas sagradas do Antigo Testamento por muito
tempo, inclusive nas versões judaicas: Sabedoria de Salomão e Eclesiástico (ou
Sabedoria de Jesus Ben Sirac).
Panorama do antigo testamento – Unidade 3 – Livros de sabedoria e de poesia bíblicas
Ela é negra, talvez estrangeira. Seria moabita? Sua pele é queimada pelo sol, o
que sugere não ser alguém que se oculta, mas que sai em busca da sobrevivência,
que trabalha, que se expõe à dura vida do antigo oriente médio. Certamente, uma
mulher como todas as outras, ainda que muito diferente das demais. Não deixa de
aludir à Sabedoria, aquela mulher-Deus que anda pelas ruas e clama por quem possa
seguir seus passos. O grito feminino pela justiça e pela vida em plenitude, a voz do
gênero oprimido num mundo que celebrava os patriarcas e tinha, nas mulheres,
nada mais que uma propriedade, noção que ainda perdurava, após a reforma de
Esdras-Neemias.
O poema central de Cantares (cap. 3) assume expectativas messiânicas, pois
fala de períodos melhores, em que sacrifícios sobre-humanos não serão mais
necessários para a realização do amor. Este é um privilégio de rei que, talvez, apenas
Salomão tenha podido viver com sua amada Sulamita, ao mesmo tempo em seu
reinado fora marcado por opressão e desigualdade.
O amor entre duas pessoas é inspirado no amor divino pelo seu povo e na
resposta recíproca: o querido se lança pelos montes em busca de encontrar sua
enamorada, o amor arde como chama que consome de zelo e anseio pelo bem.
Na verdade, foi difícil reconhecer a canonicidade de Cantares, tanto entre
judeus, quanto entre cristãos, dada a sua abordagem honesta do amor e do desejo
humanos. Parece que isso só foi possível mediante interpretações metafóricas e
espiritualizantes do amor de Cristo pela Igreja ou de Javé por Israel, que em sua
maioria nada tinham a ver com o propósito de Cânticos.
Os poemas de Shir Hashirim foram reunidos após o ano 400 a.C, encontro
entre os tempos de dominação persa e a chegada dos macedônios helenistas, e
eram utilizados em celebrações nupciais. Embora atribuídos a Salomão, em razão de
sua fama de sábio compositor, o livro expressa um contexto posterior. Possui
elementos próprios das cortes reais e, também, das comunidades pastoris e
campesinas.
Síntese
Bibliografia
CHARPENTIER, Étienne. Para ler o Antigo Testamento. São Paulo: Paulus, 1986.
DRANE, John (org). Enciclopédia da Bíblia. São Paulo: Loyola – Paulinas, 2009.