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VI – As Escolas teológicas de Alexandria e Antioquia

6.1 – Os inícios das escolas cristãs

Quando falamos de escolas na antiguidade, devemos em primeiro


lugar, independentemente de outras diferenciações tanto no âmbito cristão
como não-cristão, fazer distinção entre escola como instituição de ensino e
escola no sentido figurado de uma determinada opinião doutrinária comum.
A formação Greco-romana, organizada em três níveis, começava pelos
6 ou 7 anos de idade com o ensino elementar (aprender a ler, escrever e
calcular) por um mestre doméstico ou na escola elementar do litterator/ludi
magister (γραμματής). Vinha A seguir o ensino com o grammaticus, que
ensinava a primeira das sete “artes liberais”, a gramática, isto é, os
fundamentos da linguagem, servindo-se das mais importantes obras literárias
da Antiguidade, sobretudo Homero e Virgílio. O rhetor levava adiante a
formação nas seis disciplinas restantes: dialética, retórica, aritmética,
música, geometria e astronomia. Até aqui os fundamentos escolares eram
comum a todas as pessoas instruídas da Antiguidade.
Embora muitos Padres da igreja (p. ex. Tertuliano) se queixasse de os
filhos dos cristãos terem de aprender nestas escolas os inúteis ou até mesmo
prejudiciais mitos pagãos, mesmo assim existiram na Antiguidade escolas
cristãs próprias de formação geral. A formação literária unificada constituía
a base para todas as profissões eruditas, todas elas exigindo um excelente
domínio da língua: rhetor (professor), advogado e político.
Acima desta encontrava-se, por fim, a “alta escola” do pensamento e
da compreensão do mundo, a filosofia, onde o conceito de escola era
diferente. Podia-se freqüentar as lições de um filósofo (a mais célebre e
importante escola filosófica, que durou de 387aC a 529 dC – e com isso, de
certo, a de vida mais longa em toda a história – foi, a academia platônica em
Atenas, onde estudaram também eminentes Padres da Igreja, como Basílio
Magno e Gregório de Nazianzo), mas mesmo sem isto alguém podia aderir
a uma opinião filosófica doutrinária (“escola”)1.
No âmbito cristão, desenvolveram-se ao longo do século III
escolas episcopais para instrução dos catecúmenos nos fundamentos da fé
cristã. Antes, e ao mesmo tempo que estas escolas institucionais, existiram
mestres e “filósofos” cristãos livres (como p. ex. Justino), que à maneira da

1
Drobner, Humbertus R., Manual de Patrologia, Petrópolis, Vozes,2003, p.133-134.
1
escola filosófica profana reuniam em torno de si discípulos cristãos ou não
cristãos, em parte com a intenção de convertê-los, em parte para aprofundar
a compreensão da fé, mas sempre para refletir sobre o sentido e a prática do
mundo e da vida. Não podemos nos esquecer que para os homens da
antiguidade uma religião racional como o cristianismo era considerada uma
“filosofia”, um sistema de interpretação do mundo e de conduta de vida2.

6.2 – Escolas teológicas e a pentarquia

Para melhor entender as escolas teológicas, tocaremos a organização


eclesiástica dos primeiros séculos, a pentarquia. As escolas teológicas
representam o pensamento cristão que se desenvolve nestes patriarcados.
No Antigo Testamento, o patriarca representa um líder espiritual e
institucional da comunidade judaica. Analogicamente, os “epíscopos”
recebem este título durante o período patrístico.
Os patriarcas eram autoridades superiores aos metropolitas. No
primeiro momento da vida da Igreja, destacam-se três grandes patriarcados:
Roma, Antioquia, e Alexandria. O Concílio de Calcedônia (451) erige mais
dois patriarcados: Jerusalém e Constantinopla. A figura do Patriarca designa
a autoridade eclesiástica que tem ascendência jurídica ou honorífica sobre
um território eclesial, um rito ou uma igreja. É o responsável por um
patriarcado. O Concílio Vaticano II atribui aos patriarcas das Igrejas
Orientais honras e privilégios, conforme as tradições antigas da Igreja. Ao
presidirem os sínodos, os patriarcas organizam e governam seus territórios
eclesiásticos, criam novas eparquias e nomeiam novos bispos. O conjunto
dos 5 patriarcas dos primitivos formam a “pentarquia” que é, na concepção
ortodoxa, um organismo colegiado da Igreja cristã universal. Diferentemente
do Ocidente, onde há um único patriarca, que é o Papa, bispo de Roma, no
Oriente há uma multiplicidade de patriarcas católicos, os quais respondem
pelos ritos e “famílias litúrgicas”3.
Por certo, são muitas as escolas teológicas do período patrístico. Não
eram normalmente instituições fixas duráveis, mas tinham, em alguns
períodos, fortes representantes da fé cristã, como teólogos, patriarcas e
líderes religiosos. Não tinham, naturalmente, jurisdição civil, pois eram fruto
de iniciativas de mestres e pastores. Estas escolas sustentavam os sínodos e

2
Idem.
3
VvAA. Patrística caminho da tradição cristã, São Paulo, Paulus, 2008, p.117.
2
os concílios e se tornavam importantes quando surgiram questões complexas
a serem elucidadas no tocante à fé e à doutrina. Prosperaram particularmente
no Oriente: Em Cesaréia (Palestina), em Edessa (Síria), Alexandria (Egito)
e Antioquia (Síria). Estas duas últimas foram as mais importantes, e as
Conheceremos mais profundamente em seu ambiente sociocultural, suas
características e seus principais representantes4.

6.3 – A importância de Alexandria

A importância de Alexandria para o cristianismo dos primeiros


séculos só se compreende se colocada em relação com as características
assumidas por esta metrópole no âmbito da cultura e política do Império
Romano.
A cidade foi fundada por Alexandre Magno (332-331 aC.). de quem
tomou nome. Ocupava uma estreita faixa de terra entre o Mediterrâneo e o
lago Mereotis, próximo à foz Canópica do rio Nilo que era unida ao lago por
um canal. Em grande parte, o porto era artificial; a sua obra principal era o
cais, que unia a cidade à ilha de Faro, na qual erguia-se o famoso farolo de
Alexandria, uma das sete maravilhas do mundo antigo. Alexandria foi tanto
a capital dos Ptolomeus, como a capital da administração romana do Egito.
Os antigos escritores louvavam-lhe a beleza, os amplos parques e suas
amplas ruas com pórticos. Ao lado de Roma e Antioquia, era uma das três
principais cidades do mundo romano. Em seu apogeu, talvez tenha alcançado
os quinhentos mil habitantes5.
Do ponto de vista cultural, com Atenas e Antioquia, era um dos pólos
da cultura de língua grega e, portanto, para quanto interessa aqui, centro
primário das ciências filológicas, filosóficas e teológicas.
Alexandria era famosa por sua biblioteca. A Biblioteca Real de
Alexandria ou Antiga Biblioteca de Alexandria foi uma das maiores
bibliotecas do mundo antigo. Segundo estudiosos a biblioteca de Alexandria
contava com cerca de 700 mil volumes. Ela floresceu sob o patrocínio da
dinastia ptolemaica e existiu até a Idade Média, quando foi totalmente (ou
quase) destruída por um incêndio.
Acredita-se que aquela biblioteca foi fundada no início do século III
a.C., concebida e aberta durante o reinado do faraó Ptolemeu I Sóter ou

4
Idem. P. 119.
5
Mckenzie, John l., Alexandria, in Dicionário Bíblico, São Paulo, Paulinas, 1984, p.22.
3
durante o de seu filho Ptolomeu II. Plutarco (46 d.C.–120) escreveu que,
durante sua visita a Alexandria em 48 a.C., Júlio César queimou
acidentalmente a biblioteca quando ele incendiou seus próprios navios para
frustrar a tentativa de Achillas de limitar a sua capacidade de comunicação
por via marítima. De acordo com Plutarco, o incêndio se espalhou para as
docas e daí à biblioteca.
No entanto, esta versão dos acontecimentos não é confirmada na
contemporaneidade. Atualmente, tem sido estabelecido que a biblioteca, ou
pelo menos segmentos de sua coleção, foram destruídos em várias ocasiões,
antes e após o século I a.C6.

6.4 – A comunidade judaica de Alexandria

Os papiros de Elefantina nos informam que a comunidade judia se


instalou em Alexandria depois da tomada de Jerusalém em 586 a.C. por
Nabucodonosor II, já que existem dados de assentamento na época de
Moisés.
Desde os reis ptolomaicos, os judeus da Diáspora se estabeleceram na
cidade atraídos pelo Museu, protegidos pela tolerância do mundo pagão em
matéria de diversidade religiosa, e criaram um foco intelectual ativo com um
centro de estudos hebraicos.
Os judeus gozavam de todos os direitos civis, como qualquer cidadão
grego, mas mantinham as prerrogativas concedidas pelos reis persas, e
constituíam uma comunidade política independente e autónoma, limitada
apenas pela subordinação aos Ptolomeus primeiro e aos romanos depois. À
sua frente tinham os cargos das comunidades da diáspora: arcontes, que
regiam os assuntos administrativos e judiciais, e o arquisinagogo a quem
correspondia tudo o referente ao culto, além de um etnarca com grandes
poderes civis que lhe permitiam tratar com os funcionários do Egito ou do
Império Romano. Constituíram assim um grupo étnico apartado da
população de Alexandria, com um isolamento linguístico, económico e
cultural que lhes permitiu conservar a sua raça e religião, fiéis à Lei e às
tradições ancestrais7.

6
Em http://pt.wikipedia.org/wiki/Alexandria. Acesso 06/10/2009 11h.
7
Idem.
4
Os romanos, que antes do Império tinham sido aliados dos judeus,
outorgaram-lhes mais alguns privilégios, como a celebração do shabat. No
entanto, o sentimento antijudaico foi alentado pelos escritores gregos
alexandrinos, que os acusavam de exclusivismo, grosseria e deslealdade.
Muitos judeus, helenizados na época macedónia, tiveram uma grande
influência sobre os seus correlegionários na época dos selêucidas e
asmoneus. Traduziram para grego a Bíblia hebraica , a chamada versão dos
Setenta ou Septuaginta nos séculos III e II a. C., além de produzir uma
abundante literatura hebraica em língua grega: epopéias, dramas, obras
moralizantes. As mais conhecidas são a Carta de Aristeia, os Oráculos
sibilinos, e o Livro da Sabedoria de Salomão. Entre os autores conhecidos,
pode citar-se Eupolemo, Artipon Demétrio, Aristeu e sobretudo Fílon de
Alexandria8.

6.5 – Os cristãos em Alexandria

É evidente que Alexandria foi desde o início um dos objetivos da


propaganda cristã. A tradição (acolhida pelo próprio Eusébio, HE II. 15,1)
atribui a primeira pregação ao evangelista Marcos, discípulo de Pedro, mas
não existe modo algum de sustentar historicamente esta tradição. Com efeito,
todo esse período, até o fim do século II, é envolvido pela mais completa
obscuridade no quanto se refere aos desenvolvimentos da Igreja cristã. A
partir de Demétrio (bispo de 188-231) a documentação torna-se rica
(sobretudo em Eusébio), encontramos de um lado, uma organização
eclesiástica bem formada (que, portanto, devia ter se desenvolvimento muito
tempo antes), de outro lado, uma escola de teologia catequética muito
importante.
A causa deste silêncio sobre as origens cristãs em alexandria, é
atribuida por alguns devido o fato de a Igreja de Alexandrina ter tido um
caráter gnóstico. Com efeito, no ambiente alexandrino se evidencia a
produção de muitos textos gnósticos, alguns dos quais são muito conhecidos
na tradução copta de manuscritos dos séculos IV e V (ver nag Hammadi).
Mas outros elementos levam a escolher essa hipótese. 9
Alexandria era invejada por muitas outras cidades e, por sua vez,
invejava Constantinopla, a nova capital do Império de Constantino e seus

8
Orlandi, T. Alexandria – cidade em DPAC, São Paulo, Pulus, 2002, p.72
9
Idem.
5
herdeiros. Assim como Antioquia, Alexandria queria dominar a igreja de
Constantinopla, pois quem tivesse influência junto ao bispo de
Constantinopla teria influência sobre toda a cristandade em virtude da corte
imperial. Daí a intenção de fazer com que seus “filhos prediletos” subissem
a altos cargos a fim de promover seu estilo de teologia. Portanto muito antes
das tensões teológicas os líderes cristãos já se olhavam com desconfianças
por questões políticas.

6.6 – A Escola Teológica de Alexandria

Desde o II século havia em Alexandria um predomínio cultural dos


gnósticos, sobretudo daqueles que professavam doutrinas filosóficas mais
elaboradas, que eram também as mais cristianizadas (Basílides, Valentino e
discípulos). O gnosticismo se apresentava como tipo de conhecimento
superior em relação àquele que era apanágio do cristianismo, e por isso, fazia
adeptos mais ambiciosos, da sociedade cristã que eram também os de
condições de vida mais elevada10.
Neste contexto, a comunidade cristã, sentia necessidade de uma
explanação mais sistemática das verdades reveladas, principalmente porque
crescia o número de convertidos, aos quais era preciso transmitir uma síntese
do credo cristão. Surgiu assim, por volta do ano 200 o Didaskaleion cristão
de Alexandria com aprovação e financiamento episcopal.
A Escola de Alexandria teve como fundador um certo Panteno, que
dirigiu a instituição até a morte. Foi sucedido por Clemente, homem de
grande cultura que contribuiu para dar à teologia um primeiro status
científico. Mas foi com Orígenes que a Escola se desenvolveu. Os resultados
da atividade de Clemente e de Orígenes foram decisivos para o retrocesso do
gnosticismo e contribuíram em larga escala para a penetração do cristianismo
entre os pagãos cultos, até então refratários.
A Escola alexandrina se caracterizou por cultivar intensamente os
sentidos alegórico, moral e anagógico11 da Escritura, isto é, tentava
descobrir um sentido mais profundo e secreto dos escritos bíblicos – uma
tendência ligada à valorização do cristianismo como “verdadeira gnose”, e
que não tem necessidade de livros esotéricos secretos mas que descobre os
mistérios nos escritos da tradição reconhecidos pela igreja. No aspecto

10
Cf. M. Simonetti, “Alexandria – Escola”, in DPAC, 72.
11
Forma de hermenêutica dos textos sagrados que permite apreender o seu sentido místico.
6
dogmático, a Escola alexandrina acentua de preferência a unidade das três
pessoas em Deus e das duas naturezas em Cristo12.

6.6.1 – Principais representantes

Os principais representantes da Escola teológica de Alexandria


são: Panteno, Clemente, Orígenes, Dionísio, Dídimo e Cirilo,

6.6.2 – A hermenêutica alexandrina

A interpretação bíblica da escola alexandrina foi estabelecida nas


heranças de Filon, teólogo e estudioso bíblico judaico, que acreditava que as
referências literais e históricas das Escrituras hebraicas tinham pouca
importância. Ele acreditava que descobrir e explicar o significado alegórico
ou espiritual das narrativas bíblicas caracterizava-se no maior objetivo do
exegeta. Filon acreditava que, mediante a interpretação alegórica, poderia
demonstrar a união subjacente entre o pensamento ético e filosófico grego e
a religião hebraica. Sua forma de hermenêutica influenciou vários
pensadores cristãos da época como Clemente e Orígenes.
Os alexandrinos justificavam esse método de interpretação apelando
ao próprio apostolo Paulo. Paulo empregou interpretação alegórica em
Gálatas 4,21-31 ao falar da lei e do evangelho. Na alegoria, Paulo equipara
Hagar, a escrava, com a lei outorgada no monte Sião e com o judaísmo sob
o domínio dessa lei, enquanto Sara a esposa de Abraão, e mulher livre, é
equiparada ao evangelho aos gentios, cujo ventre deu o filho da promessa.
Dessa forma uma personagem do Antigo Testamento corresponde a uma
realidade espiritual e teológica, e essa parecia ser então o grande propósito
da história no Antigo Testamento. Tanto estudiosos judeus quanto cristãos
aprofundaram-se em métodos de interpretação semelhantes a esse13.

6.6.3 – A cristologia alexandrina

Para Atanásio e outros alexandrinos, a natureza humana (ousia,


physis) de Cristo era passiva e impessoal. O modo típico de Atanásio e de

12
“cristologia da unidade”) (H.R. Drobner, Manual de Patrologia, 135.
13
Cf. Alexandre Tochetto, Perspectivas e meditações, a escola telógica de Alexandria, cap. IX, em:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Antioquia. acesso; 11/10/2009.
7
outros alexandrinos falarem a respeito da encarnação e da união entre Deus
e a humanidade em Cristo é chamado, às vezes, cristologia da Palavra-carne.
Isto é, o Logos (Palavra-Verbo) de Deus assumiu a carne humana sem
realmente entrar na existência humana em toda a sua plenitude14.

6.6.4 – A soteriologia alexandrina

Resumidamente, a ênfase na idéia de salvação alexandrina era


mais metafísica. Ela apegava-se ao conceito oriental tradicional de
deificação no decurso da salvação e seu alvo final – o mesmo pensamento
central de Orígenes e Atanásio. A idéia básica consistia em dizer que em
Jesus Cristo ocorreu “uma troca maravilhosa” pela qual a nossa natureza
divina pecadora foi curada pela natureza divina perfeita do Logos sem que a
natureza divina do Logos fosse tocada pelas limitações ou imperfeições das
criaturas. Os alexandrinos viam na salvação um mistério metafísico
maravilhoso levado a efeito pelo Logos mediante uma união com a
humanidade em Jesus Cristo15.

6.6.5 – Conseqüências históricas da escola teológica de Alexandria

A Escola de Alexandria deu sua incontestável contribuição à


formulação e desenvolvimento de vários tópicos importantes da teologia
cristã. Contudo ao mesmo tempo foi dali que fervilharam várias heresias para
dentro da igreja. Por ser um berço do conhecimento, sobretudo da filosofia,
as alegorias entraram no cerne da interpretação bíblica o que causou vários
erros doutrinários no futuro. Sua visão também da pessoa de Cristo era um
tanto distorcida ao desconfiar da encarnação verdadeira do Logos em Jesus
Cristo. Sabemos que Cristo é plenamente homem, bem como plenamente
divino.

6.7– Antioquia na Síria

14
Idem.
15
Idem.
8
Antioquia foi uma cidade antiga erguida na margem esquerda do rio
Orontes; é a moderna Antaquia, na Turquia. Atualmente é um sítio
arqueológico.
Antioquia, no plano geral, estava bem longe de ter o tamanho ou a
influencia de Alexandria. Entretanto, também tinha uma tradição antiga e
venerável, tanto cultural como teológica. Foi fundada por um dos generais
de Alexandre, Antíoco Epifânio, e nos tempos de Cristo e dos apóstolos foi
um grande centro de negócios e de comércio. O governador de Antioquia
governava a totalidade da Síria, o território romano que incluía a Palestina.
Antioquia ocupa um importante lugar na história do cristianismo. Foi
onde Paulo de Tarso pregou o seu primeiro sermão cristão (numa sinagoga),
e foi também onde os seguidores de Jesus foram chamados pela primeira vez
de Cristãos (Atos 11,26).
Escavações arqueológicas têm descoberto numerosas ruínas do
passado. O circo, um dos maiores dos templos romanos, a acrópole,
numerosos banhos, vilas e cemitérios romanos e belos pisos de mosaico que
datam do período apostólico.
Flávio Josefo descreve Antioquia como tendo sido a terceira maior
cidade do império e também do mundo, com uma população estimada em
mais de meio milhão de habitantes, depois de Roma e Alexandria. Cresceu a
ponto de se tornar o principal centro comercial e industrial da Síria Romana.
Era considerada como a porta para o Oriente. César, Augusto e Tibério
utilizavam-na como centro de operações. Era também chamada de
"Antioquia, a bela", "rainha do Oriente", devido às riquezas romanas que a
embelezavam, desde a estética grega até o luxo oriental.
Todavia, era também uma das mais sórdidas e depravadas cidades do
mundo, como todas as grandes metrópoles da época. O culto à deusa Astarote
pelas mulheres da cidade de Antioquia era tão indecente que Constantino o
aboliu mediante o uso da força. A maioria da população era síria (gentios),
embora houvesse numerosa colônia judaica. A cultura era tipicamente grego-
helenista.
A cidade conservou uma grande opulência e a Igreja continuou a
crescer enquanto durou o Império Romano. Em 538 d.C., o rei Cosroes da
Pérsia tomou e destruiu-a. O imperador Justiniano reconstruiu-a, mas no ano
635 d.C., os sarracenos a tomaram, e em 1084 passou para o domínio turco.
Excetuando o período decorrente entre 1068 e 1269, em que foi sede de um

9
reino cristão fundado pelos cruzados, o Principado de Antioquia, tem
continuado16.

6.8 – A comunidade cristã de Antioquia

Judeus-cristãos helenistas de Jerusalém, provenientes de Chipre e da


Cirenaica, pregaram aí o Evangelho: muitos os convertidos. Ali pela primeira
vez os discípulos de Jesus foram chamados cristãos (At 11,19-26). Não se
sabe a quem atribuir a paternidade deste nome (autoridades pagãs, a plebe,
os cristãos?). A comunidade cristã de Antioquia se define melhor tanto pela
afirmação da tese paulina da não circuncisão dos cristãos provenientes do
paganismo, como pela superação do “incidente de Antioquia” entre Pedro e
Paulo (Gl 2, 1-14). Para os cristãos do século I, Antioquia era muito mais
importante do que Alexandria. O brilhantismo teológico passou para a outra
cidade apenas no século II e III.
No século III Antioquia assume posição de destaque, junto com
Alexandria: sínodos episcopais presididos pelo bispo Paulo de Samósata,
sinal de sua importância eclesiástico-política.
Antioquia foi palco de grandes perseguições contra os cristãos,
especialmente sob os imperadores Dioclesiano, Licínio e Valente. Por volta
de 379-395, o bispo Malécio é desterrado pela terceira vez. A Igreja vê seus
bens confiscados e os cristãos “nicenos” punidos pelo imperador.
No ano de 390, João Crisóstomo a considera quase inteiramente
17
cristã . O aumento dos fiéis na cidade e evangelização dos campos
modificaram a estrutura da Igreja episcopal local de Antioquia,
especialmente depois da paz constantiniana (313), são construídos novos
edifícios para o culto, entre os quais a Grande Igreja, octogonal, com planta
central e cúpula dourada, começada por Constantino e concluída por
Constâncio II (337-361), esplêndida.
O Concílio de Nicéia (325). No cânon 6, juntamente com Alexandria,
Roma e Jerusalém, reconfirma para Antioquia os privilégios patriarcais. De
fato, daí nasceu os patriarcados, influenciados na sua origem pelo fato da
centralidade geográfico-político-econômica, pela importância cultural e pela

16
Cf. http://pt.wikipedia.org/wiki/Antioquia. Acesso: 11/10/2009.
17
Adv. Jud. PG 82, 1101-1108.
10
origem apostólica – “princípio petrino” – da própria Sé. Antioquia foi a Sé
de Pedro antes de ir para Roma18.

6.9 – A Escola Teológica de Antioquia.

A escola de Antioquia tinha uma presença muito significativa de


judeus-cristãos que deram características próprias à exegese e à teologia da
Igreja. Os fundadores desta escola foram os mártires Doroteu e Luciano de
Samósata. O método desta escola não é a alegoria e a especulação filosófica,
próprias da escola Alexandrina. Esta escola de Antioquia desenvolve a
exegese bíblica, com um senso de sóbria objetividade e caráter literal e
histórico, recorrem á filologia e à semântica. Ao lado do sentido literal,
serve-se algumas vezes da interpretação tipológica, expressando as relações
entre o Antigo e o Bono Testamento.
A escola de Antioquia influenciou a Escola de Edessa, onde figurou o
monge Efrém, o sírio19.

6.9.1 – A hermenêutica bíblica da escola de Antioquia

Antioquia destacou-se por ter um método hermenêutico mais literal e


histórico. Alegavam que as historias bíblicas não eram alegorias, a não ser
quando havia um bom motivo para sê-lo. O método antioqueno histórico-
gramatical é o mais influente no cristianismo moderno e ocidental, ao passo
que o método alexandrino alegórico-espiritual dominou boa parte do
pensamento cristão primitivo e continuou sua influência poderosa durante a
Idade Média, tanto no Oriente como no Ocidente. Suas linhas teológicas
diferentes marcaram o plano de fundo para a discussão sobre a explicação da
encarnação do Logos e de Jesus Cristo, plenamente Deus e plenamente
homem20.

6.9.2 – Principais representantes

18
Pasquato, O, Antioquia – História – in DPAC, p.110-111.
19
VVAA, Patrística caminhos da tradição cristã, São Paulo, Paulus, 2008. P. 128.
20
Cf. Alexandre Tochetto, Perspectivas e meditações, a escola telógica de Antioquia, cap. X, em:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Antioquia. acesso; 11/10/2009.
11
Doroteu, Luciano de Samósata, Teófilo de Antioquia, Diodoro de
Tarso, Teodoro da Mopsuéstia, Ário, Nestório, S. João Crisóstomo.

6.9.3 – A cristologia antioquena

Contra a cristologia alexandrina da Palavra-carne, os antioquenos


desenvolveram a cristologia que se tornou conhecida como Palavra-homem,
na qual a humanidade de Jesus Cristo não era passiva, mas ativa, como uma
pessoa integral e completa. Em de enfatizarem a união entre o divino e o
humano em Jesus Cristo, os antioquenos enfatizavam a distinção entre as
duas naturezas (physeis) nele. Diodoro de Tarso, um dos expoentes da escola
antioquena, chegou a afirmar em Jesus Cristo como “dois filhos”: o Filho de
Deus e o Filho de Davi21.

6.9.3 – A soteriologia antioquena

A soteriologia antioquena não diferenciava totalmente da alexandrina.


Ambas concordavam que um dos grandes aspectos da salvação envolve a
deificação ou divinização, curar a natureza humana para que ela compartilhe
alguns aspectos ou características divinas como a imortalidade. Entretanto
os antioquenos estavam muito mais preocupados que os alexandrinos com o
papel humano da salvação: traçavam até a própria encarnação esse papel tão
importante do livre-arbítrio humano.
Os antioquenos viam na salvação uma realização moral e ética maravilhosa
levada a efeito por um ser humano em nosso favor ao unir sua vontade à do
Logos divino, não deixando de enfatizar essa Obra como sendo do Filho de
Deus no homem Jesus e através dele. Queriam apenas deixar claro que a
mente e vontade do homem tinha que ser plenamente humano senão não
teríamos um modelo para nos mostrar como agradar a Deus22.

6.9.4 – Conseqüências históricas da teologia antioquena

Os antioquenos foram mais felizes nas suas concepções a respeito da


maneira correta de se interpretar a Bíblia. Tinham em mente uma pragmática
que foi corretamente acertada. A bíblia tem um significado em si ao menos

21
Cf. Alexandre Tochetto, idem.
22
Idem.
12
que o próprio texto demande postergar sua compreensão e interpretação para
possíveis profecias ou figuras lingüísticas. Entretanto também não foram de
todo corretos; cometeram erros ao conjecturarem sobre a pessoa do Filho.
Sua insistência radical da humanidade de Jesus levou à heresia um dos seus
fundadores, Paulo de Samósata com seu monarquianismo adocionista cujo
pensamento culminará com Ário e sua doutrina.

6.10 - Conclusão

A “escola alexandrina” e a “escola antioquena” ganharam importância


também em sentido figurado, sobretudo no tocante a seus métodos
exegéticos, assim como, a partir do século IV, nas discussões dogmáticas em
torno da doutrina trinitária e da cristologia. Na interpretação da Escritura os
antioquenos atribuíam um valor especial ao sentido histórico e literal (sem a
isto se limitarem). Já os alexandrinos cultivavam intensamente os sentidos
alegóricos, moral e anagógico da Escritura. Na dogmática os antioquenos
tendiam mais a realçar as diferenças em Deus e em Cristo (“cristologia da
separação”, enquanto os alexandrinos acentuavam de preferência a unidade
das três pessoas em Deus e das duas naturezas de Cristo (“cristologia da
unidade”).
Ambas as escolas produziram pensadores ortodoxos e hereges. Na
verdade os pensamentos deviam se completar e não se opor, pois do ponto
de vista da ortodoxia, numa heresia subjaz uma verdade de fé, aceita porém,
apenas de modo seletivo, sua parcialidade ou exageração radical. Foi
justamente o que ocorreu com alguns representantes destas escolas.
As escolas teológicas tiveram, no entanto, grande importância para
todo o desenvolvimento teológico posterior e, de alguma forma, enquanto
linha de pensamento, ainda subsistem. Infelizmente às vezes continuam a se
opor.

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