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Cisma do Oriente - A história de um longo Cisma

I- A Túnica Inconsútil de Cristo


II- São Pedro, chefe da Igreja
III- Antecedentes do Cisma – A Heresia Iconoclasta
IV- O Cisma de Fócio
V- A Conversão da Bulgária
VI- A Questão do Filioque
VII- Miguel Cerulário e o Cisma Definitivo

I. A Túnica Inconsútil de Cristo


A palavra cisma, do grego schisma, significa ruptura, divisão. Em linguagem teológica, o termo
expressa uma ruptura da união eclesial1.

Apesar de cisma e heresia serem coisas distintas e poderem existir separadamente, ambos,
segundo São Jerônimo, andam sempre de mãos dadas; o cisma normalmente leva à negação do
primado de Pedro2.

Desde o início a Igreja foi afetada por cismas. São Paulo adverte os cristãos de Corinto: “Ora,
rogo-vos, irmãos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que digais todos o mesmo e que
entre vós não haja cismas, mas sede perfeitos no mesmo espírito e no mesmo parecer” (Cor
1,12).

O próprio Nosso Senhor havia diversas vezes falado do perigo de divisão. Por exemplo, na última
ceia, quando reza ao Pai pedindo “para que todos sejam um” como o Pai e o Filho são um (Jo
17,21).

A união que Cristo deseja para Sua Igreja é simbolizada por sua túnica inconsútil. Narram os
Evangelhos que após a morte de Cristo, os soldados repartiram as vestes do condenado segundo
o costume da época. Ao verem que a túnica de Cristo não tinha costuras, mas era toda tecida
de alto a baixo sendo, portanto, de grande valor, não a dividiram mas lançaram sorte sobre ela
(Jo 19,23-24).

Como a túnica de Cristo, que não possuía costura nem remendos, assim é sua doutrina e sua
Igreja. A unidade é uma das notas da Igreja verdadeira. Aquele que atenta contra essa unidade,
atenta contra a Igreja tal qual Deus a quis.

Não basta, portanto, apenas expressar o desejo de pertencer à Igreja de Cristo. É preciso ir além
disso, crendo e professando as verdades reveladas por Cristo e ensinadas pela Igreja, além de
obedecer a seus legítimos pastores.

Torna-se cismático aquele que, ainda que desejando permanecer na Igreja de Cristo, se rebela
contra a autoridade legítima, mesmo que não chegue a rejeitar o Cristianismo em si, o que seria
apostasia.

1
Conf. Enciclopédia Católica, verbete “schism”
2
Idem

1
A pena para o cisma é a excomunhão ipso facto3.

II. São Pedro, chefe da Igreja


Fugiria aos limites deste breve trabalho tratar da questão do Primado de Pedro. Limitar-nos-
emos, pois, a enumerar, suscintamente, alguns de seus princípios para facilitar a apreensão do
tema que abordaremos.

Cristo entregou a Simão Pedro as chaves do reino dos céus.

Jesus havia perguntado aos apóstolos o que diziam os homens a respeito dele. O Espírito Santo
fala então pela boca de Simão que afirma ser Cristo o Messias prometido. Nessa ocasião, Jesus
muda o nome do apóstolo de Simão para Pedro, isto é, pedra e diz que sobre tal pedra Ele
edificaria sua Igreja (Mt 16,13-19).

No domingo de Páscoa, São João, tendo chegado antes ao sepulcro não entrou, mas esperou
São Pedro chegar e entrar primeiro. Pese-se aqui o fato de São Pedro, poucos dias antes e diante
do mesmo São João, ter negado Cristo por três vezes.

No Ato dos Apóstolos, vemos São Pedro conduzir o Concílio de Jerusalém (At 15,6-11).

Esses três fatos apontam par uma mesma conclusão: a Igreja de Cristo, a Igreja Católica, está
edificada sobre a pedra que é Pedro, sobre o Papa.

Desde sempre o Papa foi aceito como chefe da Igreja universal.

No ano 325, vemos que o legado do Papa São Silvestre, o bispo Ósio de Córdoba, conduziu o
Concílio de Niceia. “O Papa São Júlio e os historiadores gregos Sócrates e Sozomeno declaram
que era então uma lei da Igreja ‘que não se devia celebrar concílio algum nem decidir coisa
alguma sem o beneplácito do bispo de Roma”4.

Os concílios de Arles (314) e de Sárdica (343) também enviaram suas decisões aos Papas São
Silvestre e São Júlio respectivamente.

Os exemplos, no Ocidente e no Oriente, são incontáveis e provam fartamente que o Papa


sempre foi o chefe da Igreja Universal.

Entretanto, os imperadores cristãos, assim como os antigos imperadores pagãos, tinham uma
tendência à querer dominar a religião assim como dominavam a política5. Até mesmo nas
questões doutrinárias havia intervenções.

Com o fim do Império do Ocidente em 476, os patriarcas de Constantinopla, orgulhosos por


sediarem a capital do Império, passam a pretender rivalizar com romano pontífice. Foi esse o
início de um longo processo que, após diversos capítulos, resultou no maior cisma da história da
Igreja.

3
Ibidem
4
Conf. Rivaux, padre. Tratado de História Eclesiástica. Vol I. 1ª Edição. Brasília: Ed. Pinus, 2011. P.250
5
Conf. Arquillière, Mons. H. X. Histoire de l’Eglise. Édition Revue et Augmentée. Paris. Les Éditions de
l’École, 1963. P. 250.

2
III. Antecedentes do Cima – a Heresia Iconoclasta
O culto às imagens encontra amparo na própria natureza humana. Dotado de corpo e alma, o
homem necessita de elementos sensíveis para melhor compreender o mundo espiritual. Assim,
as imagens sempre foram usadas para afervorar a piedade.

Também nas Sagradas Escrituras, o culto às imagens é recomendado pelo próprio Deus quando
(Conf. Ex. 25,17-22 e Ex. 37,7) Ele ordena que sejam feitas imagens de querubins para serem
colocadas junto a Arca da Aliança.

Em Num. 21,7-9, Deus ordena a Moisés que faça uma serpente de bronze para curar os judeus
picados no deserto.

As catacumbas estão repletas de pinturas. Após a liberdade para a prática da religião católica,
concedida por Constantino em 313, a confecção de imagens tornou-se comum. Nas basílicas
eram confeccionados inúmeros mosaicos.

O culto às imagens nunca foi proibido pela igreja. São Gregório Magno (590-604) repreendeu
severamente o bispo Sereno de Marselha, primeiro iconoclasta da história, por ter destruído
algumas imagens. São Gregório defendeu seu culto, desde que feito sem idolatria, e
recomendou seu uso, porque as imagens, afirmava, eram como uma bíblia para os que não
sabiam ler 6.

No século VIII, o imperador Leão Isáurico, pleno de prestígio por ter vencido os árabes, salvando
Constantinopla e a civilização europeia, resolveu enveredar também pelos assuntos teológicos.

Em 726, ele deu início a uma campanha iconoclasta. Primeiro através de meios pacíficos e depois
por meios violentos, o imperador tenta coibir o culto às imagens. Em 727, o povo matou Jovino,
enviado de Leão Isáurico para destruir a imagem de Cristo chamada Antiphonetes, e que se
acreditava ter sido doada por Constantino Magno. O imperador, estão, puniu os habitantes
severamente.

Compreendendo que sem o apoio do patriarca, São Germano, e do Romano Pontífice ele não
teria sucesso, o imperador decide escrever ao Papa Gregório II (715-731) alegando que o culto
que os monges prestam às imagens é idolátrico e contrário às Escrituras. Numa das cartas ele
expressa seu cesaropapismo ao intitular-se imperador e sacerdote. O Papa lhe responde que
tanto direito tem o imperador de mandar na Igreja, quanto o Papa no palácio imperial7.

O novo patriarca de Constantinopla, o adulador Anastácio, cede. Muitas imagens são destruídas
para escândalo do povo.

O Papa Gregório III (731-741) convoca um concílio onde excomunga todos “os que desprezando
o uso fiel da Igreja, retiram, destroem ou profanam as imagens de Nosso Senhor Jesus Cristo, de
sua gloriosa Mãe Maria, sempre virgem imaculada, e de seus apóstolos e santos”.

São João Damasceno (+749), o último dos Padres do Oriente, defende o culto às imagens.

Constantino V, filho de Leão Isáurico, assume o trono com a morte deste. Mais fanático e herege
que o pai, ele faz guerra às imagens. Opunha-se não apenas às imagens, mas também às

6
Conf. Llorca, Bernardino. Historia de la Iglesia Católica. Vol II. 6ª Edição. Madri: BAC, 2003. P.180
7
Idem.

3
relíquias, a intercessão dos santos e à devoção à Nossa Senhora, que não podia, segundo ele,
ser chamada pelo título de Theotocos.

Quando se sentiu seguro do apoio dos bispos, convocou, em 754, um concílio do qual tomaram
parte 338 bispos sem, porém, contar com o apoio do Papa e dos quatro patriarcas orientais. Seu
presidente foi o arcebispo de Éfeso. O falso concílio definiu que as imagens são coisa
abominável. São João Damasceno também foi condenado.

A perseguição aos resistentes, sobretudo aos monges, foi brutal.

Em 24 de setembro de 787 foi inaugurado na igreja de Santa Sofia de Nicéia o VII Concílio
Ecumênico, assistido por 367 bispos. Após análise dos documentos pontifícios e das provas
patrísticas, foi proclamada a licitude do culto das imagens e esclarecida a diferença entre
adoração e veneração (proskynesis). A heresia iconoclasta foi condenada mas sobreviverá por
algum tempo até ser definitivamente vencida.

Uma nova perseguição ao culto das imagens ocorreu entre os anos 813 e 842. Iniciada pelo
Imperador Leão V, o Armênio (813-820). São Nicéforo (+820), Patriarca de Constantinopla,
colocou-se a favor do culto e foi desterrado pelo imperador.

Houve muitos mártires e confessores que defenderam o culto das imagens. Antes de morrer,
eles diversas vezes recorreram à Roma pedindo auxílio. São Teodoro Studita escreveu ao Papa
Leão III nestes termos: “Visto que Jesus Cristo deu a Pedro a dignidade de chefe dos pastores, é
aos sucessores de Pedro, como nos ensinaram os nossos pais, que devem denunciar-se todos os
erros novos que aparecerem na Igreja”. Doutra vez o santo refere ao Sumo Pontífice todas as
desgraças da sua pátria. “Vós que estais revestido do poder divino, escreve ele ao Papa Pascoal,
vós, que sois o depositário das chaves do céu, o pastor de todo o rebanho de Jesus Cristo, a
pedra sobre a qual está edificada a Igreja Católica, vinde em socorro das vossas ovelhas, que
nunca se viram tão expostas como hoje ao furor dos lobos. Foi a vós que o Filho de Deus
encarregou de confirmar os vossos irmãos; eis chegado o momento; estendei-nos a mão; tendes
esse poder, porque sois o primeiro de todos etc.”. Essas cartas de São Teodoro eram assinadas
pelos abades da maior parte dos mosteiros de Constantinopla e dos arredores.

A perseguição não se restringia às imagens, mas estendia-se também às relíquias.

Após a morte de Leão V houve certo período de paz até a subida ao trono do imperador Teófilo,
em 829. Este imperador era inimigo das santas imagens e da divindade de Jesus Cristo. Em seu
governo, a perseguição às imagens foi violenta. Os pintores de imagens tiveram as mãos
queimadas. Ele também fazia gravar sobre o corpo dos católicos, com punções incandescentes,
as sentenças que proferia contra eles.

Com a imperatriz Teodora haverá paz. Ela ordenou a reunião de um sínodo em Constantinopla
no ano 842 sob a direção do Patriarca São Metódio. Nesse sínodo são renovadas as decisões do
VII Concílio Ecumênico de 787.

No Ocidente não houve perseguição ao culto das imagens.

Uma das consequências dessa querela foi o distanciamento dos bispos do Oriente e do Ocidente.
Os italianos rechaçaram a dominação bizantina e o Papa aproximou-se dos reis francos. Tal
distanciamento se acentuará com o cisma de Fócio.

4
IV. O Cisma de Fócio
Foi curto o período de paz no Oriente. Santo Inácio sucedeu a São Metódio no patriarcado de
Constantinopla.

O irmão da imperatriz Teodora, chamado Bardas, trabalhava para ganhar a confiança de seu
sobrinho e futuro imperador, Miguel III, colocando-o contra a mãe. Bardas era corrupto e vivia
amasiado com a nora, Eudóxia, razão pela qual Santo Inácio o rechaçara publicamente da mesa
de comunhão na festa da Epifania.

Quando Miguel III assume o governo, sob a influência de Bardas e o com o apoio da parte
corrupta do clero, o novo imperador envia sua mãe para um convento. Santo Inácio é preso,
acusado de conspirar contra o Estado e desterrado. Isso ocorreu entre o final de 857 e início de
858.

A escolha do novo patriarca recai sobre um homem douto, hábil e ambicioso chamado Fócio.
Era de família nobre, porém, leigo. Pelo costume não podia tornar-se patriarca. O metropolitano
de Siracusa, Gregório de Asbesta, refugiado em Constantinopla durante a invasão sarracena,
suspenso e excomungado por Santo Inácio, conferiu a Fócio todas as ordens em seis dias. Sua
aceitação como patriarca, por pressão Bardas, foi quase unânime.

Fócio procurou, então, aproximar-se do Papa Nicolau II (858-867), escrevendo-lhe uma carta
onde professava a mais pura fé católica. Explica que, com a espontânea renúncia de Inácio a fim
de retirar-se a um mosteiro ele, Fócio, teve que aceitar, contra sua vontade, tão sublime cargo...

Ao mesmo tempo, o imperador Miguel III também escreve ao Papa anunciando a elevação de
Fócio ao patriarcado de Constantinopla e solicitando a convocação de um concílio a fim de
eliminar os últimos resquícios da heresia iconoclasta.

O Papa não se deixou seduzir pelas belas palavras, nem pelos finos presentes. Desconfiando do
silêncio de Santo Inácio envia, sem confirmar Fócio como patriarca, dois legados à
Constantinopla.

Fócio e Asbesta sabem trabalhar e convencem os legados papais a darem-lhe apoio. Mais que
conceder seu apoio, os dois legados mudam de lado e se constituem, contra a vontade do Papa,
juízes. Em abril de 861 presidem um sínodo de 318 bispos. Santo Inácio é trazido para o sínodo,
e nele é deposto. Fócio é proclamado legítimo patriarca. É o triunfo de Fócio e Bardas.

Nicolau I, contudo, não se deixa enganar. Descobre toda a intriga e traição, condenando Fócio
enquanto confirmava Santo Inácio como patriarca. Pouco tempo depois chegam ao Papa os
informes de Santo Inácio, além de dez metropolitas e quinze bispos, narrando detalhadamente
o que de fato ocorreu e apelando à jurisdição suprema de Roma8.

Um concílio foi convocado em Roma. Fócio foi condenado e deposto, seus atos anulados. Santo
Inácio é confirmado patriarca. Bardas escreve ao Papa uma carta violenta onde, dentre muitas
outras coisas, afirma que a nova Roma não era inferior à sede dos papas.

V. A conversão da Bulgária

8
Conf. Llorca, Bernardino. Historia de la Iglesia Católica. Vol II. 6ª Edição. Madri: BAC, 2003. P.208,209

5
É nessa época que mais um povo se converte e passa a fazer parte da Igreja, os búlgaros.

A Bulgária havia no passado representado por diversas vezes uma ameaça ao Império do
Oriente. Missionários germânicos e outros do rito bizantino vinham havia tempo abrindo
caminho ao Evangelho por entre esse povo bárbaro. Em 864, seu líder, Boris, decide ingressar
na Igreja Católica. É batizado por sacerdotes bizantinos enviados por Fócio tendo como padrinho
o imperador Miguel III.

Pouco depois, Boris pede à Fócio que estabeleça em sua nação uma hierarquia eclesiástica
completa. Fócio, temeroso de vê-los independentes, recusa o pedido. O rei búlgaro volta-se,
então, para Nicolau I a quem dirige, em agosto de 866, uma carta com questões sobre liturgia,
sacramentos etc.

O Papa percebe a boa ocasião e envia repostas satisfatórias, além de dois legados bispos. Um
deles, Formoso de Porto (futuro Papa) ficou amigo de Boris que o quis como arcebispo e
patriarca da Bulgária, o que não foi concedido pelo Papa. Boris, então, torna a voltar-se para
Constantinopla.

Com o assassinato de Bardas em 866, Fócio perde seu grande protetor. Isso não o detém nos
ataques a Nicolau I e ao papado em geral, que ficam mais violentos.

A distância entre Constantinopla e Roma aumentava.

VI. A questão do Filioque


Até então, as disputas entre Oriente e Ocidente estavam mais relacionadas a questões políticas.

Fócio, sempre astuto, procura dar à sua querela uma roupagem dogmática. Convoca um concílio
oriental em 867 a fim de julgar o pontífice de Roma. Na carta de convocação, ele condena a
atuação dos padres latinos na Bulgária. Concretamente, suas acusações contra os sacerdotes da
Igreja Latina eram: 1) que jejuavam aos sábados; 2) que, por outro lado, não jejuavam na
primeira semana da Quaresma, permitindo nessa semana o uso de laticínios; 3) que impunham
o celibato a seus sacerdotes e desprezavam os sacerdotes gregos que viviam em matrimônio; 4)
que não permitiam aos presbíteros administrarem a Confirmação, como se este poder fosse
exclusivo do bispo; 5) sobretudo, que haviam falsificado o símbolo apostólico, introduzindo o
erro de que o Espírito Santo procede não só do Pai, senão também do Filho (Filioque), colocando
assim dois princípios na Trindade.

Além disso, numa carta aos búlgaros, Fócio junta novas acusações: que os latinos raspavam a
barba; que preparavam o crisma com água ordinária; que promoviam os diáconos ao episcopado
sem ordená-los sacerdotes; que o primado romano havia caducado ao passar a residência
imperial da antiga Roma à nova, isto é, Constantinopla.

Vê-se que de todos os pontos levantados, o mais importante era o que tratava da questão do
Filioque. Com ela, Fócio pretendia ter descoberto o ponto chave para desacreditar o Papa e toda
a Igreja do Ocidente.

Embora os gregos preferissem a fórmula do II concílio ecumênico (Constantinopla, 381), que diz
o “Espírito Santo procede do Pai”, sempre se acreditou que o Espírito Santo procede do Pai e do
Filho, como explicaram Santo Agostinho e São Leão Magno (também Santo Tomás vai tratar,
posteriormente, da questão. Ver: FEDELI, Orlando - Das Processões Divinas

6
http://www.montfort.org.br/old/index.php?secao=cadernos&subsecao=religiao&artigo=proce
ssoes&lang=bra).

Com o Filioque estavam, no fundo, de acordo os Padres orientais que usavam a fórmula: “o
Espírito Santo procede do Pai pelo Filho (per Filium)”.

O Símbolo Quicumque, dito de Símbolo de Atanasiano, datado do século V, é bastante claro ao


afirmar que: “O Filho é só do Padre; não feito, não criado, mas gerado. O Espírito Santo é do
Padre e do Filho; não feito, não criado, não gerado, mas procedente” (Filius a Patre solo est, non
factus, nec creatus, sed genitus. Spiritus Santus a Patre et Filio, non factus, nec creatus, nec
genitus, sed procedens9).

Os espanhóis por sua vez, já em 380, rezavam De Patre et Filio. No século V, a expressão Filioque
já era usada até que foi inserida no Símbolo Constantinopolitano. Da Espanha, ela passou à
França e para outros lugares.

O costume de, no Ocidente, se cantar o Símbolo com o Filioque nunca causara protesto dos
orientais.

Foi com Fócio, que procurava um motivo de escândalo, que a questão tomou vulto. O tema foi
tratado no conciliábulo de Constantinopla em 867, o qual emitiu uma sentença de excomunhão
conta o pontífice de Roma. A ousadia de Fócio parecia desconhecer qualquer limite.

Uma adversidade, porém, pôs freios a seus projetos.

Em 867, Miguel III cai assassinado em uma conjuração preparada pelo assassino Bardas. Basílio
o Macedônio, que se torna imperador, ordena a restituição de Santo Inácio ao posto de Patriarca
e depõe Fócio.

O papa convoca um concílio ecumênico em Constantinopla. Fócio é condenado e seus escritos


queimados.

Um ponto de discussão continuava, no entanto, sendo a questão dos búlgaros. Se estes


deveriam depender de Roma ou de Constantinopla. O concílio decidiu que deveram estar ligados
à Igreja Oriental, ao que o Papa Adriano II (867-872) se opôs. Santo Inácio era de posição da
dependência de Constantinopla.

Pouco tempo depois, o Papa João VIII (872-882) envia legados à Constantinopla para tratar da
questão. Qual não foi a surpresa destes quando lá chegaram: Santo Inácio havia morrido como
um santo em 23 de outubro de 877. Em seu lugar sentara-se pacificamente ninguém menos que
Fócio.

João VIII, vendo-se pressionado pela ameaça de uma invasão árabe, vislumbra a possibilidade
de um acordo com o imperador. Fócio, mediante algumas condições impostas por Roma, que
incluía um pedido de perdão, é reconhecido como patriarca. Ao recitar o Credo, porém, escolhe
o Símbolo Niceno-Constantinopolitano, no qual não aparece o Filioque. O ponto central da
divisão estava mantido.

Com a morte do imperador Basílio, em 886, e a ascensão de Leão VI, filho adulterino de Miguel
III, Fócio é destituído e mandado para um convento. Não se sabe quanto tempo ainda viveu,
talvez dez anos. O fato é que morreu de forma ignorada. Seu nome caiu no quase completo

9
Conf. Catecismo Romano. Nova edição portuguesa baseada na edição autêntica de 1566. Petrópolis,
RJ: Editora Vozes, 1951. P.68.

7
esquecimento que durou até o século XI quando, por ocasião do cisma definitivo, seus escritos
e memórias foram resgatados. Ele passou então a ser venerado como um santo.

A Fócio sucede, no cargo de Patriarca, o irmão do imperador, Estevão, um garoto de dezesseis


anos...

VII. Miguel Cerulário e o Cisma Definitivo


Durante os séculos X e começo do XI as relações entre Roma e Constantinopla variavam ao sabor
da vontade dos patriarcas, quase sempre submissos ao imperador.

Em 1043, Miguel Cerulário torna-se patriarca de Constantinopla. Não consta que tenha enviado
à Roma carta noticiando sua nomeação.

Embora de escassa formação intelectual, era soberbo e nutria ódio contra os latinos. Em 1052
decide acabar com as igrejas e mosteiros latinos de Constantinopla, pois sua autonomia o
incomodava. Os templos são fechados e os monges que não aderem ao rito grego, expulsos.

A contenta chegou a tal ponto que um tal Nicéforo chegou a pisotear hóstias consagradas por
sacerdotes latinos, alegando que era inválida sua consagração.

Cerulário atacava os latinos: 1) pelo uso do pão ázimo na missa (contraditório ele importar-se
com isso, uma vez que afirmava que a consagração dos latinos era inválida); 2) por jejuarem aos
sábados; 3) por comerem carne de animais sufocados, além de outras miudezas insignificantes.

O Papa São Leão IX (1049-1054) ordenou ao cardeal Humberto que respondesse a cada um dos
pontos, o que este fez além de defender a supremacia de Roma.

O imperador Constantino IX acenou com benevolência para um acordo e o Papa então enviou
três legados à Constantinopla.

Os legados papais foram bem recebidos pelo imperador. Já Cerulário foi frio e displicente.
Incomodou-se com o fato dos legados terem ido ensinar a doutrina e não recebê-la.

Rompeu as negociações dogmáticas, alegando que as mesmas só podiam ser feitas em concílio
dos bispos orientais. Note-se o fato de ele não ter usado esse princípio quando atacou a igreja
latina. Por desdém, respondeu por escrito ao cardeal Humberto.

Vendo que o patriarca estava obstinado, os legados papais tomam uma grave resolução: em 16
de julho de 1054, diante de grande multidão de clero e povo reunidos na basílica de Santa Sofia,
depositam sobre o altar uma sentença de excomunhão10 contra o patriarca. Deixam em seguida
o templo sacudindo o pó de seus calçados.

Reunindo em sínodo os bispos orientais, Miguel Cerulário pronunciou anátemas contra os


latinos, particularmente contra os três legados papais. Copiava o exórdio da encíclica de Fócio e
procurava colocar contra Roma todos os patriarcas orientais. Acusava Roma de falsificar o
Símbolo da Fé acrescentando o Filioque. Despudoradamente, acusava os latinos de não
cultuarem as imagens e de não contarem entre os santos São Basílio, São João Crisóstomo e São
Gregório Nazianzeno. Repreendia-os por cortarem a barba, comer carne às quartas-feiras,
laticínios e ovos às sextas-feiras, por os bispos usarem anéis e irem para a guerra, além de outras

10
Tal sentença foi anulada pelo Papa Paulo VI em 7-XII-1965. E piu no dico...

8
acusações variadas. Tudo isso para concluir que não havia conciliação possível entre ambas
Igrejas e que só a nova Roma era a guardiã da fé e da ortodoxia.

Pedro III, patriarca de Antioquia, tentou intervir com moderação para ajudar a resolver a
contenda. Não obteve, porém, sucesso.

O prestígio de Cerulário só crescia até que, numa mudança de situação, foi deportado em 1057
pelo imperador Isaac Comneno, que não suportava ter ninguém acima de si. O patriarca foi
enviado para uma ilha no mar de Mármara. Morreu em dezembro de 1058 negando-se a
abdicar. O povo passou a cultuá-lo como santo.

Em Roma não se tinha ainda ideia da magnitude desse rompimento. O tempo, por sua vez,
mostrou que a divisão seria profunda e duradoura. Rasgara-se a túnica de Cristo.

André Melo

Bibliografia
Enciclopédia Católica; http://www.newadvent.org/

Rivaux, padre. Tratado de História Eclesiástica. Vol I. 1ª Edição. Brasília: Ed. Pinus, 2011.

Arquillière, Mons. H. X. Histoire de l’Eglise. Édition Revue et Augmentée. Paris. Les Éditions de
l’École, 1963.

Llorca, Bernardino. Historia de la Iglesia Católica. Vol II. 6ª Edição. Madri: BAC, 2003.

Catecismo Romano. Nova edição portuguesa baseada na edição autêntica de 1566. Petrópolis,
RJ: Editora Vozes, 1951.

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