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CAPÍTULO

Grandes Religiões e Suas Tradições


Escritas

1. INTRODUÇÃO
As religiões e suas tradições orais e escritas são fluídas. Isto ocorre porque a linguagem
da religião é permeada de símbolos, de metáforas e de imagens que constituem uma forma
especial de comunicação de ideias. A linguagem da religião, portanto, é simbólica, seja oral ou
escrita.
As tradições religiosas cuja oralidade foi fixada por meio do registro escrito se
relacionaram com suas fontes como sistemas interpretativos e classificatórios por meio
dos quais construíram identidade social e religiosa.
Assim, as tradições escritas das religiões servem como meios eficazes para se
estabelecer a coesão do grupo, o sentimento de pertença e os laços de solidariedade.

2. POLISSEMIA DA LINGUAGEM RELIGIOSA


As mitologias transcendem tempo e espaço e os símbolos aproximam as tradições. As
metáforas e símbolos causam uma espécie de identificação e podem ser chamadas de "receptá-
culos da verdade" porque são atemporais e não localizadas geograficamente, o que lhes permite
transmitir "verdades espirituais" para a humanidade. Decorre dessa afirmação que metáforas
e símbolos são recursos da linguagem religiosa partilhados por várias tradições religiosas e cul-
turais.
Para Ricoeur, o símbolo é pré-hermenêutico e dado ao pensar. Isto quer dizer que o sím-
bolo antecede as interpretações e se desprende delas. Nesse sentido, não pode ser contido
por uma interpretação. O símbolo trans-significa, isto é, oferece possibilidades de significados
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e é sempre atual (RICOEUR, 1969: 9). Isto Campbell explicou por meio da afetividade humana,
Durkheim considerou como "idéias elementares" e Jung denominou "arquétipos do inconscien-
te coletivo". Brevemente, podemos dizer que os símbolos são partilhados por diferentes civi-
lizações que lhe atribuem significados diversos. Isto é o que Ricouer considerou característica
do símbolo: a polissemia, do grego pólys, muitos e sêma, significados. Portanto, polissemia é a
qualidade das palavras que têm muitos sentidos.
Quando entendemos uma tradição mítica como polissêmica, a interpretação literal, que
tende à historicização do texto, implica na perda de uma importante característica que as narra-
tivas sagradas resguardam, que é a de misterium.
Deste modo, o termo mistério (misthérion) indica o sentido de "coisa secreta" ou "ação de
calar a boca". Trata-se de algo a respeito do que não se tem definição, algo sobre o qual não há
termos que exprimam com exatidão seu sentido. Por essa razão, as tradições orais manifestadas
nos mitos e a linguagem religiosa constituída por metáforas e símbolos, oriundos da experiência
e da tradição oral dos grupos sociais, são inapreensíveis: são mistérios.
As metáforas apenas aparentam descrever o mundo exterior do tempo e do espaço. Seu
universo real é domínio espiritual da vida interior. O propósito primordial de uma mitologia
dinâmica [...] sua função propriamente "religiosa" é despertar e conservar na pessoa uma expe-
riência de assombro, humildade e respeito ante o reconhecimento daquele mistério último que
transcende todo nome e toda forma (CAMPBELL, 1986, p. 37-44). As religiões e suas tradições
orais e escritas são fluídas. Isto ocorre porque a linguagem da religião é permeada de símbolos,
de metáforas e de imagens que constituem uma forma especial de comunicação de idéias. A
linguagem da religião, portanto, é simbólica, seja oral ou escrita.
As tradições religiosas cuja oralidade foi fixada por meio do registro escrito se relaciona-
ram com suas fontes como sistemas interpretativos e classificatórios por meio dos quais cons-
truíram identidade social e religiosa.
Assim, as tradições escritas das religiões servem como meios eficazes para se estabelecer
a coesão do grupo, o sentimento de pertença e os laços de solidariedade.
No processo histórico alguns grupos religiosos testemunharam a passagem da tradição
oral para a escrita.
As religiões e suas tradições escritas são importantes marcadores sociais para os indivídu-
os que as seguem. Elas são como redes fornecedoras de sentido, com seus nós, com seus laços
e com seus espaços vazios.

3. RELIGIÕES DO LIVRO
Segundo Rubem Alves (2000):
[...] coisas e gestos se tornam religiosos quando os homens os batizam como tais. A religião nasce com
o poder que os homens têm de dar nomes as coisas, fazendo uma discriminação entre coisas de impor-
tância secundária e coisas nas quais seu destino, sua vida e sua morte se dependuram (ALVES, 2000).

As religiões do livro são assim classificadas por terem sua revelação em forma de docu-
mento que registra a regra da sua fé. Ocorre dessa maneira com o Judaísmo (Toráh), com o
Cristianismo (Bíblia) e com o Islamismo (Alcorão).
Assim, essas três tradições possuem textos sagrados que pretendem estabelecer parâme-
tros de regulação para a experiência, fé e conduta de seus fiéis. Isso não desqualifica as religiões

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que se pautam por tradições orais, mas no limite, indica que "os textos sagrados servem como
referência para a doutrina e prática religiosa das pessoas seguidoras de tal proposta" (SILVA,
2004, p. 97).
Um texto é considerado sagrado quando um grupo social lhe atribui essa condição. Isso
acontece quando uma tradição apresenta valor especial, ligado ao transcendente e que confere
significado.
Nesses termos, assim como um texto escrito, um objeto, um animal, um alimento etc.,
podem ser considerados sagrados. Entretanto, o sagrado não invade o espaço do profano e vice-
-versa:
[...] a vela benta continua sendo vela e pode causar incêndio da mesma forma que a não benta. O vinho
consagrado, mesmo sendo sangue de Cristo, pode embebedar, do mesmo jeito que o não consagrado.
O carro abençoado pode causar um acidente da mesma forma que o não bento (SILVA, s/d., p. 98).

Por conseguinte, um texto pode ser considerado sagrado desde que assim seja considera-
do por um grupo.
Existem três formas pelas quais um texto é considerado sagrado:
• por meio de um profeta ou liderança carismática que recebe e transmite a revelação;
• por meio do uso e da leitura popular;
• por meio de um concílio1.


(1) Concílio: assembléia de prelados católicos em que se tratam assuntos dogmáticos, pastorais, dou-
trinários ou disciplinares.

As literaturas sagradas são reconhecidas como revelações ou inspirações divinas conce-


didas à humanidade com a intenção de norteá-la. Muitas tradições são consideradas infalíveis
e imutáveis por seus adeptos. Nesses casos, não é permitido que nada seja acrescido ao cânon
fechado; são consideradas literaturas à parte de outros textos, o que às vezes dificulta sua com-
preensão, em decorrência da precaução em relação às análises e estudos que primam pelo rigor
acadêmico.
Em geral, essas literaturas são consideradas fundamento da fé de seus fiéis, na qual se
constroem as religiões e seus dogmas. Nem sempre os círculos religiosos estão dispostos a dia-
logar com as conclusões da academia.
Em situações como essa, quando a marca da tradição escrita é o fato de ter origem divina
e seu decorrente valor sacro, os fiéis não admitem a mediação humana na redação dos textos:
a chamada revelação antropologicamente mediada.
Vejamos o que aconteceu com os relatos que compuseram o texto da tradição judaico-
-cristã.

4. BREVE HISTÓRIA DA BÍBLIA


As sociedades de tradição ocidental não dispensaram o uso da escrita, isto em função da
influência cultural helênica que deixou profundas marcas no pensamento social. Nesta pers-
pectiva, com sua forma romana também o cristianismo contribuiu, valorizando a escrita e seu
potencial de assegurar a memória da Lei e dos ensinos de Jesus de Nazaré.
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A importância da história da Bíblia não está relacionada somente a de livro antigo, à sua
recepção e interpretação, mas, também, às peregrinações dos textos e dos conteúdos bíblicos
no transcorrer da história e em diversas sociedades com seus códigos sociais.
Entretanto, este livro alimentou e inspirou grande parte das criações intelectuais da Idade
Média, apesar de ter sido longamente ignorado por historiadores e pesquisadores que sustenta-
vam aversão aos temas religiosos. Ainda, a despeito dos usos e abusos que teólogos cometeram
sistematicamente ao desprezarem questões históricas, sociais e antropológicas latentes nessa
literatura, a Bíblia sobreviveu e é considerada regra de fé para muitas tradições religiosas de
origem judaica e cristã, como os católicos e os protestantes.
De acordo com Le Goff, para os redatores de inventários, após a taxa de analfabetismo
ter diminuído ao final da Idade Média, a Bíblia era um livro, um objeto material presente em
diversos lugares, em todas as bibliotecas e em instituições eclesiásticas como igrejas, mosteiros
e confrarias, além das casas de clérigos, de leigos, de burgueses, de príncipes e de camponeses.
Desde sua passagem, do formato de códice para o de livro chapeado com páginas, a Bíblia tor-
nou-se mais acessível, principalmente após a invenção da imprensa. Todavia, isso não significa
que todos tivessem acesso a essa literatura.
A passagem de rolo para livro não acabou com todas as dificuldades. Os cristãos tornaram
sua Bíblia mais pesada do que a dos judeus (Hebraica), com a inclusão dos escritos do NT. Já nos
séculos 11 e 12, quando houve grande crescimento do cristianismo latino em função da deman-
da causada pela reforma religiosa, foram fabricadas Bíblias imensas.
Desde o século 9, prólogos passaram a ser acrescentados nos materiais do AT e do NT
pelos editores, com a intenção de introduzir os leitores nas discussões sobre as intenções dos
autores e copistas, no plano da obra e no seu significado eclesial. Nesta época, prólogos, listas
de cânones e interpretações de nomes hebraicos passaram a figurar nas Bíblias.
Como texto sagrado, a Bíblia gera diferentes tipos de relação. Alguns a lêem para inspira-
ção, outros para serem iluminados por Deus. Ainda há aqueles que pronunciam juramentos em
nome da Bíblia, assumem compromissos de fé e fazem promessas essenciais.
Mas a Bíblia também pode ser objeto místico. São Bonifácio carregava fragmentos dela consigo
em suas viagens missionárias. Relatos históricos dão conta que no período da escravidão muitos negros
cristianizados guardavam páginas da Bíblia dobradas dentro de patuás, como forma de proteção. Por
volta do ano 1000, a Bíblia era usada como horóscopo pelos eclesiásticos recém empossados; guerrei-
ros não hesitam em levá-la para o combate como proteção. Ainda hoje muitas pessoas, em suas casas,
deixam aberta a Bíblia nos salmos 23 e 91, como forma de protegerem suas residências.
A partir do século 11, a Bíblia começou a mudar de aparência. Nesta época, a Bíblia foi
definitivamente consagrada como manual para as comunidades cristãs. Até o século 12, nem
todas as paróquias possuíam os textos bíblicos completos, o que dificultava o acesso dos leigos
que tinham contato apenas com alguns trechos e com os evangelhos, utilizados nos períodos
devocionais. (LE GOFF, 2002, p. 105-117).

5. BÍBLIA HEBRAICA OU TANAK


A disciplina teologia bíblica sustenta que os livros presentes no cânon foram inspirados
por Deus (2 Pe 1,21; 2 Tm3,16). Assim, para que fossem conhecidos como tal, o povo de Deus
foi "iluminado" a fim de que os reconhecessem entre os vários escritos antigos do período (Jo
7,17; 1 Co 2,12-13).

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A Bíblia Hebraica, também conhecida como Texto Massorético (TM), é a mesma litera-
tura reconhecida pelos rabinos em Jamnia (90 d.C.). O mais antigo manuscrito completo da
Septuaginta (LXX) é de proveniência cristã (4º século d.C.) e contém livros reconhecidos como
inspirados pela Bíblia Católica Romana. As listas cristãs mais antigas seguem, principalmente, o
cânon hebraico da Palestina, por exemplo, a lista da Palestina em Alexandria, no Egito (cerca de
275-100 a.C.).
Entretanto, os primeiros cristãos geralmente usavam a LXX, considerando que:
a) os judeus da Palestina não reconheciam autoridade nos livros Tobias, Judite, 1 e 2 Ma-
cabeus, Sabedoria, Eclesiástico e Baruc, sobre os quais não havia acordo se eram ou
não inspirados. A lista da LXX continha essa literatura que foi aceita pela maioria dos
sínodos de 393 d.C., embora o voto de Jerônimo tenha sido contrário.
A Bíblia de bolso só surgiu no século 13 (1230) em função do crescimento das universida-
des. Os livros não reconhecidos como inspirados são geralmente classificados como apócrifos
ou pseudoepígrafos. Essa literatura é constituída de coleções judaicas do mesmo período dos
textos canônicos, porém, os autores reais são desconhecidos. Em geral, esses textos recebiam
nomes de autores conhecidos, mas não há evidência de que tenham sido realmente escritos por
esses autores. Conjectura-se que essa tenha sido a forma encontrada por editores menores para
que seus textos fossem aceitos.
b) em função do avanço do Império romano, muitos judeus foram helenizados e pas-
saram a falar somente grego. Por isso, a LXX constituía importante fonte de acesso à
tradição e ao passado de herança judaica.
A Vulgata é a versão latina da Igreja Católica Romana, completada em aproximadamente
450 a.C., e aceita plenamente por volta de 650 a.C. O arranjo da Vulgata segue a LXX, só que
1 e 2 Esdras são iguais a Esdras e Neemias. Os livros de 3 e 4 Esdras, assim como a Oração de
Manassés, são colocados no fim do NT.
Os reformadores do século 16 optaram pelo cânon hebraico. Calvino usou como argu-
mento não haver tradição unânime sobre a inspiração daqueles livros considerados por alguns
teólogos como apócrifos.
Em 1546, o Concílio de Trento aceitou como canônicos os seguintes livros:
1) Tobias;
2) Judite;
3) Sabedoria de Salomão;
4) Eclesiástico;
5) Baruc, 1 e 2;
6) Macabeus.
Além disso, o Concílio de Trento também aceitou adições aos livros de:
• Ester.
• Baruc (a Carta de Jeremias).
• Daniel (O Cântico dos três mancebos, A História de Susana, Bel e o Dragão e a Oração
de Azarias).
Já em 1592, a edição Vulgata (autorizada pelo Concílio de Trento) incluiu 1 e 2 Esdras e a
Oração de Manassés.
Desse modo, a Bíblia Hebraica (TaNaK) conta com o seguinte arranjo:
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A Lei (Torá)   Gn, Ex, Lv, Nm e Dt.


Os Profetas Os Anteriores Js, Jz, Sm (1 e 2 considerados em conjunto), Rs (1 e 2 em conjunto)
(Nebiin) Os Posteriores Is, Jr, Ez e o Rolo dos Doze: Os, Jl, Am, Ab, Jn, Mq, Na, Hab, Sf, Ag, Zc e Ml.
Poesia e Sabedoria Jó, Sl, Pr.

Os Rolos (Megilot), cada


Os Escritos Ct (Festa da Páscoa); Rt (Festa dos Pentecostes); Lm (9 de abibe); Ecl (Festa
um usado por ocasião
(Ketbîm) dos Tabernáculos); Est (Festa do Purim).
de uma festa específica.

História Dn, Esd, Ne, Cr (1 e 2 em conjunto).

13 a.C., até os últimos


A Bíblia Hebraica, desde a imigração dos israelitas na Palestina, no século
séculos antes da era cristã, conta a história do povo de Israel por meio de cânticos ou ditos vivos
gravados na memória do povo. Veja você que exemplo disso é a "canção de vitória" de Miram
(Ex 15,21) que canta a destruição dos egípcios no mar, ou a canção de Lameque (Gn 4, 23-24),
uma "fanfarronada" que fala de uma cruel vingança de morte. Temos, ainda, a "canção do po-
ceiro" (Nm 21,17-18) possivelmente cantada durante a cavação de um poço e a bela canção de
Débora (Jz 5) de tempos muito remotos.
Entretanto, tradições muito antigas foram conservadas na forma de provérbios populares
(1 Sm 24,14; Ez 16,44). Tais provérbios foram cultivados no Antigo Israel, quando, após o tra-
balho diário, as pessoas se reuniam junto ao portão. Esses provérbios foram conservados em
forma de coleção como se verifica em Js 10,13 e 2 Sm 1,18, no "livro do valente" e em Nm 21,14,
o "livro de guerra de Javé".
Há também os contos e as sagas (lendas) que guardam os vultos da história primeva de Israel
e que não têm objetivo histórico. "Nelas o passado está presente como parte integrante da pró-
pria história daqueles que as narram e ouvem. Reconhecem, naquilo que Abraão, Jacé e Moisés
experimentara, uma representação de suas próprias experiências (...)" (RENDTORFF, 1998, p. 8-9).
Para o judaísmo, a Bíblia Hebraica é o livro sagrado por excelência. Eles a Lêem, rezam e a
praticam com reverência. "A Bíblia Hebraica é também reconhecida como livro sagrado para os mu-
çulmanos. Abraão é respeitado como patriarca desse povo e referência de sua religião" (SILVA, 104).

6. BÍBLIA CRISTÃ: A INCLUSÃO DO NOVO TESTAMENTO


A Bíblia cristã é composta pelos livros da Bíblica Hebraica (o Antigo Testamento) e os livros
do Novo Testamento (os evangelhos, as epístolas e o Apocalipse), esses últimos constituem a
marca da Bíblia cristã. Tais escritos discorrem sobre Jesus de Nazaré, seus ensinos e sua procla-
mação sobre o Reino de Deus.
O Novo Testamento, ou Segundo Testamento, que discorre sobre a vida e os feitos de
Jesus no 1º século, possui amplo material composto por diversas formas e gêneros literários
dentre os quais destacamos: os evangelhos (palavra que significa "boa notícia") com narrativas,
genealogias, biografias e histórias, nas quais se inserem ditos de sabedoria, parábolas, contos,
escatologia, exortações e outros.
As formas e os gêneros literários expressam a genuína intenção dos autores em relatar por
meio da escrita com a mesma intensidade e subjetividade, os fatos ocorridos naquelas realidades.
Após a morte e o evento da ressurreição de Jesus, as tradições sobre ele circularam de
boca em boca, nas ruas, nos mercados, nas conversas informais. As histórias a seu respeito, bem
como seus ensinos, foram transmitidas não apenas por seus discípulos, mas também por meio
dos populares.

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O contexto histórico das origens cristãs reflete o período em que o movimento de Jesus
crescia em número de participantes e na vivência dos ensinos do mestre. As coleções de ditos
que circulavam nessa época projetavam a experiência religiosa de comunidades diversas entre
si, que não se apresentavam de modo unívoco.
Desta maneira, alguns grupos se destacavam pelo caráter apocalíptico, outros pela crítica
social-profética, outros pelas influências da cultura egípcia, outros, ainda, pela interferência da
sabedoria e cultura grega. A maneira como a identidade religiosa de cada grupo se estabelecia,
portanto, não se desenvolvia com base em regra fixa. Em comunidades, que eram próximas e se
declaravam seguidoras de Jesus, o elemento apocalíptico, a crítica social-profética e a sabedoria
poderiam se relacionar dinamicamente.
Por essa razão, pesquisadores de literatura bíblica têm sugerido que a primeira fonte sobre
Jesus teria sido uma coleção de ditos, sem qualquer narrativa. Apenas um registro das falas mais
eloqüentes e ensinos de Jesus. Geralmente curtos, os ditos são constituídos de informações que
servem para o entendimento de algum conteúdo específico. Podem ter origem no cotidiano, em
diversos contextos, e serem incorporados aos discursos com a função de sustentação de alguma
argumentação.
Após algumas décadas de pregação sobre o Reino de Deus ensinado por Jesus, alguns de
seus discípulos e seguidores mais próximos estavam morrendo por diversas razões, alguns pelo
envelhecimento natural, outros em função de hostilidades. Portanto, era necessário que essas
diversas tradições circulantes na Palestina e arredores fossem compiladas, a fim de que se pre-
servasse a origem da cristandade.
Um dos primeiros a propor a existência de certa coleção de declarações de Jesus, que aos
poucos teria sido incorporada aos evangelhos foi Schleiermacher (1768-1834). Por volta do século
19, essa fonte passou a ser conhecida como "Q" (em alemão Quelle que significa fonte). Ora, em
português a designação fonte não pareceu muito sonora aos pesquisadores, por isso, o termo
foi abreviado e alguns pesquisadores chamaram a hipótese da coleção de ditos de Jesus, como
Fonte Q ou Fonte dos Ditos (KÜMMEL, 1982, P. 45-46).
A Fonte dos Ditos possuiria aproximadamente 250 versos que constituiriam material co-
mum em Mateus e em Lucas. Parte desse material, mas não todo, é formado por ensinos que
demonstram alto grau de paralelismo verbal, característica importante, pois possibilita a hipó-
tese de ser uma fonte alternativa escrita em grego, que se diferenciou dos outros ensinos de
Jesus contidos nos sinóticos, principalmente quanto à forma. Segundo alguns estudiosos, essa
fonte teria cooperado para a composição dos evangelhos de Marcos, Mateus e Lucas, os três
evangelhos sinóticos.
Além dessa fonte, da qual não se tem vestígio, os evangelhos teriam ainda material fruto
de anotações particulares de cada autoria. O material neotestamentário, portanto, somente
começou a ser esboçado na segunda metade do século 1º e teria sido findado apenas por volta
da década de 90 da Era Comum.
Os cristãos do 1º século não disponham de um cânon para o NT. Inicialmente, dependiam
da pregação dos apóstolos e dos livros (rolos), que hoje conhecemos como o cânon do AT (CAR-
SON, 1997, p. 541-556).
Foram longos anos de compilação e edição que originaram evangelhos com conteúdo si-
milar, mas não igual. Cada um dos evangelhos apresenta narrativas, teologia, vocabulário e ênfa-
ses peculiares que estão relacionadas às intenções de cada autoria, preocupada com questões,
problemas e interesses diferenciados.
42 © Textos Sagrados

Desse modo, dos séculos 1º ao 3º da Era Comum, as várias tradições sobre Jesus que circu-
lavam pela Palestina, norte da África e regiões por onde o cristianismo se propagara foram sub-
metidas ao exame de vários concílios realizados a fim de se estabelecer um cânon2 cristão: um
conjunto de literaturas que expressasse o conteúdo normativo doutrinário e ético da fé cristã.
Por volta do século 4º da Era Comum, cânon passou a designar a lista de livros que constituem
Antigo e o Novo Testamento: "coleção encerrada de documentos que constituem Escritura au-
torizada".
A palavra cânon é o empréstimo semítico de uma palavra que, etimologicamente, significa
"junco", passou a designar "vara de medir" e, posteriormente, "regra", "padrão" ou "norma".
Um sentido tardio indica "lista" ou "tabela".
Já que não possuímos nenhum dos autógrafos do Novo Testamento, mas apenas cópias e algumas
delas distantes mais de dois séculos do original, a crítica textual objetiva a escolha do texto, entre todos os
manuscritos, que possua maior probabilidade de ser o original ou a forma primitiva do autógrafo.

Quanto mais distante dos autógrafos, seja no espaço de tempo ou no número de cópias, maior a
corrupção do texto, maior a soma de erros e menor a aparência de oralidade do texto em função do processo
de edição. No NT existem obras em que o copista interfere no texto intencionalmente, neste caso a corrupção
não está relacionada à distância que separa a cópia do original, "mas em função direta e inequívoca da
matéria a ser copiada".

Entretanto, quanto maior for o número de cópias, melhor será a análise do pesquisador, em função
da vastidão do material disponível. Isso significa "menor de perda" (BITTENCOURT, 1993 p. 61). Isso não
acontece da mesma maneira com os manuscritos clássicos. Entre esses manuscritos, a cópia mais antiga de
que se tem conhecimento é de um texto de Sófocles, datada de 1.400 anos após a morte do poeta.

muito mais numerosas que as dos clássi-


Por isso, a pesquisa bíblica considera que "há cópias
cos", entre manuscritos completos e outras partes escritas na língua original, são 5.366, segun-
do Kurt e Barbara Aland (1987).
A Bíblia é um livro sagrado que reúne diversas confissões religiosas em torno de si. Desde
quando suas tradições circulavam na forma oral até na atualidade, muitos são os grupos cristãos
que requerem para si sua autoridade, sua orientação e sua inspiração.
Em especial, a Bíblia constituída por Novo e Antigo Testamento conta com a adesão de
uma cristandade múltipla e diversa que atravessou séculos e encontrou pouso em muitas loca-
lidades ao redor do mundo.
No Brasil, a tradição religiosa cristã, dividida entre católicos, protestantes e evangélicos,
toma a leitura dos textos bíblicos como essencial para sua existência. A tradição bíblica é que
funda as ideologias, os costumes e as práticas de muitos sujeitos espalhados pelo território na-
cional. Isso é o que veremos a seguir.

7. BÍBLIA NO CATOLICISMO
Inicialmente, a tradição católica de leitura bíblica se circunscrevia àqueles que pertenciam
ao clero. Isto está explicitado na história e na hegemonia que a Igreja exerceu durante sécu-
los com relação à interpretação bíblica. Isto, no entanto, não faz da religiosidade católica uma
experiência à parte das Escrituras Sagradas. Ao contrário, a regra de fé e doutrina para a vida
que regula o comportamento religioso e social dos católicos sempre foi a Bíblia (Novo e Antigo
Testamento).

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© Grandes Religiões e suas Tradições Escritas 43

No Brasil, a leitura, a interação e interpretação dos textos bíblicos têm interferido na tradi-
ção religiosa católica e na realidade de vários grupos sociais há muitas décadas. Talvez possamos
dizer que, em especial, o século XX testemunhou um dos períodos de mais profícuo e eferves-
cente contato com o Livro Sagrado.

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No decênio 60 do século 20, as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) começaram a surgir no cenário histórico por
todo mundo. Na América Latina a presença desse movimento nascido no seio da Igreja Católica se fez substancial.
Após o Concílio Vaticano II, novas diretrizes foram apontadas para o desenvolvimento da prática católica. Essas mu-
danças diziam respeito, principalmente, ao catolicismo cotidiano e a modo como se interpretavam os textos bíblicos.
Neste período, a experiência religiosa católica passou por profundas mudanças na sua concepção de relacionamen-
to entre fé e vida.
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Neste contexto, observamos a significativa contribuição dos movimentos de resistência
dos "grupos minoritários" constituídos por negros, mulheres, homossexuais e outros. Havia
ebulição de idéias emergindo no cenário social e político e, na sua grande parte, tais ideais
refutavam o sistema de ordem vigente – o capitalismo excludente – com suas construções hie-
rárquicas e patriarcais de poder.
Deste modo, a ênfase estava focada sobre a igualdade e a justiça social. Esses eram os temas
que norteavam a interpretação e o estudo da Bíblia que, neste período, passou a ser vista como
tradição escrita marcada pela história de um povo excluído em busca da justiça e do reino de Deus.

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Já nos anos 50 do século passado, grupos de reflexão bíblica contribuíam para um catolicismo diferenciado, mas
somente a partir de 1963 as CEBs surgiram com força. Inicialmente em zonas rurais, com liderança de padres e
freiras e, em seguida, com a participação de católicos leigos membros de outros movimentos (ligas camponesas e
sindicatos rurais, Movimento de Educação de Base e da Ação Católica). Aos poucos, as CEBs e sua leitura bíblica
chegaram aos centros urbanos. Nesse contexto, verificamos espécie de dupla ação caracterizada pela "intelectua-
lidade" de esquerda e militante que impulsionou a igreja para as questões sociais e pela própria igreja que buscava
aproximar-se das questões sociais usando outros sistemas interpretativos (que outrora eram mantidos à distância)
como o marxismo acadêmico. Essa leitura da tradição bíblica iluminada por teorias sociais acabou cooptando uma
intelectualidade militante que desejava a transformação das sociedades capitalistas e excludentes em sociedades
mais justas. No Brasil, o auge desse movimento deu-se no final da década de 1970 e início da de 1980, quando
várias mobilizações foram desenvolvidas em atitude contestatória à ditadura militar.
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Teologicamente, as CEBs se fundamentaram na narrativa do Êxodo registrada no Antigo


Testamento. A leitura que se faz desse texto ressaltava o caráter relacional entre fé e vida. A
interpretação dessa tradição apontava para o povo judeu, escravizado e oprimido pelos vários
impérios a que foi submetido, que lutou incessantemente pela liberdade enfrentando o poder
estabelecido.
Veja você que em comparação e atualização à tradição, os pobres da sociedade moderna
deveriam enfrentar os sistemas políticos opressores por meio da resistência à injustiça e à su-
peração dessa condição por meio da igualdade de todas as classes sociais. Nessa perspectiva,
notamos a influência do materialismo histórico, o referencial teórico marxista. Nessa leitura, o
pecado é social e se chama capitalismo.
Já no Novo Testamento, as CEBs fundamentaram sua reflexão e leitura bíblica em Atos
dos Apóstolos e ressaltaram o perfil de uma igreja ideal, a qual comungava do mesmo senso de
igualdade e solidariedade e vivia segundo a perspectiva de terem tudo em comum.
Ainda com base no Novo Testamento, essa leitura bíblica da qual muitos protestantes par-
ticiparam, tomou Jesus de Nazaré como padrão de vida e de conduta, aquele que andou entre
pobres, doentes, prostitutas, cobradores de impostos e todos aqueles miseráveis e indigentes
da sociedade judaica antiga (PRANDI, 1998).
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8. BÍBLIA NO PROTESTANTISMO E NOS PENTECOSTALISMOS


Desde a Reforma Protestante (século 16), o protestantismo sempre caracterizou-se por
ser uma tradição religiosa pautada pela escrita. Em especial, a história conta que a ruptura com
o catolicismo se explica em função da luta pelo direito individual de leitura e interpretação da
Bíblia, isto é, sem a mediação do alto-clero
O caráter fundamental da Reforma foi a refutação da teologia vigente e da interpretação
bíblica intermediada pelos clérigos católicos representados pelo Sumo-pontífice. No entanto,
inicialmente o movimento da Reforma não pretendia o rompimento ou a divisão da igreja. Ao
contrário, o próprio Martinho Lutero pretendia reformar a estrutura da igreja cristã católica que,
no seu entendimento, havia sido corrompida pelas causas particulares humanas (RODRIGUES,
2006, p. 112).
O protestantismo que chegou ao Brasil foi influenciado pelos norte-americanos. Não hou-
ve migração direta da Europa para o Brasil. Esta influência tem caráter imprescindível à compre-
ensão dos evangélicos no Brasil, pois determina o protestantismo brasileiro como puritano e sua
ênfase na separação entre coisas do mundo e coisas de Deus.
Como se sabe, os EUA são grandemente norteados pelos princípios liberais, tais como:
1) autonomia do indivíduo;
2) liberdade de consciência;
3) liberdade religiosa;
4) respeito à propriedade privada, e outros.
Tais princípios constituíram as bases da democracia norte-americana, mas não excluiu o
desejo pela homogeneização e unificação do discurso religioso. Isto pôde ser verificado no mo-
vimento denominado WASP (White Anglo-Saxan Protestant). Este grupo foi responsável pela
marginalização de negros e de indígenas.
Portanto, percebe-se que a democracia não era para todos, mas apenas para brancos,
protestantes e anglo-saxões. Segundo Antônio Gouvêa Mendonça (1990): "Parece que essa am-
bigüidade está no cerne do protestantismo: ao mesmo tempo que conduz idéias libertárias e
proclama o livre exame, tende a enrijecer-se no dogmatismo".

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Basicamente, o protestantismo chegou ao Brasil por meio do movimento de missões, com imigrantes luteranos e
anglicanos (início do século 19) e, ainda, com os batistas, metodistas e presbiterianos (segunda metade do século
17). Este é o protestantismo geralmente caracterizado como histórico. Suas motivações eram o progresso social e o
desenvolvimento material. Tais intentos estavam associados à pregação e ao estabelecimento do reino de Deus na
terra. Civilização e progresso são sinais da presença do Reino de Deus. Se o Brasil não demonstrava progresso era
porque ainda não havia se rendido à proclamação do reino (VELASQUES, 1990, p. 209).
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O pentecostalismo teve início no Brasil em 1911, no Belém do Pará, com o surgimento da
Igreja Assembléia de Deus. Este movimento é caracterizado pelo chamado reavivamento da fé
(manifestado no ato de falar em línguas), pelo anti-catolicismo e pelo fundamentalismo religio-
so.
Entre 1909 e 1915 foi publicada a série de livretos (doze ao todo) intitulados The funda-
mentals (os fundamentos). O objetivo destes livretos, distribuídos gratuitamente, era salvar a
América do perigo do modernismo. Dentre os vários temas, dois se mostram mais importantes:
a inerrância da Bíblia e a escatologia milenarista. Havia a tentativa de ser fiel à tradição com base
na leitura literalista da Bíblia.

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© Grandes Religiões e suas Tradições Escritas 45

Segundo essa perspectiva, a Bíblia seria a verdade revelada de Deus, por isso, a investiga-
ção científica do texto bíblico é perigosa. Para eles, a fé é racional e cabe à teologia expressar a
racionalidade da fé.
O pentecostalismo encontrou solo fértil em terras brasileiras. Por causa dos cultos caracteri-
zados por orações, músicas e pregações efusivas, os protestantes históricos logo foram chamados
de "frios". Como se a fé desse grupo não fosse tão viva em função de terem desviado da Reforma.
O princípio da Reforma de que o ser humano é justo e pecador, isto é, o ser humano mes-
mo estando em Cristo pode pecar, foi esquecido. Outra característica é a concepção dualista de
mundo. Tudo que vem do mundo material é mal e o verdadeiro cristão apenas deveria se fiar
no que é espiritual. Como se houvesse total oposição entre estas esferas. Essa é uma marca do
início do protestantismo.
O primeiro missionário presbiteriano no Brasil, Ashbel Simonton (1833-1867), afirmou:
"O mundo apela para o que é sensual ... Para viver é necessário elevar-se a outra atmosfera,
absorvendo todo o poder de um mundo desconhecido de vista, e de Jesus, o Salvador invisível".
Se este princípio vale para o protestantismo histórico no Brasil, ele não se aplica para as igrejas
neopentecostais. Para estes novos movimentos religiosos, os bens materiais não têm nada de
ruim. Pelo contrário, estão aí para servir ao crente, desde que ele tenha fé.
Por fim, o fundamentalismo pentecostal e, mais recentemente o neo-pentecostal (a partir
da segunda metade do século 20) teve sucesso na forma de se ler e tratar a Bíblia no Brasil. A
adesão a princípios doutrinários parece nunca ter tido muito sucesso. A experiência sempre se
mostrou mais marcante e importante na vivência religiosa.
No Brasil, o fundamentalismo na leitura da Bíblia acaba se tornando ainda mais extremado
do que nos Estados Unidos. Se lá havia os inimigos liberais e modernistas, aqui eles são substitu-
ídos pelo catolicismo e, a partir da década de 1960, pelo socialismo. Neste movimento, a Bíblia
é vista como base do edifício dogmático e fonte de doutrinas éticas. Para desempenhar este
papel, a Bíblia não pode ser um texto condicionado historicamente e não pode ter contradições.
A inspiração verbal é defendida a unhas e dentes, pois ela é a garantia de que todo o edifício
dogmático está erigido sobre bases firmes e seguras (...) a Bíblia é utilizada para confirmar ver-
dades dogmáticas sobre temas importantes da teologia (PIRES, 2006: 39-40).

9. REVELAÇÃO DO ALCORÃO: O ISLAMISMO


O Islamismo é a religião muçulmana que teve origem na Arábia e seus seguidores obede-
cem a uma revelação específica dada por Deus ao profeta Maomé (Mohammad), que foi regis-
trada no Alcorão. O significado da palavra Alcorão é "recitação".
Existem muçulmanos em diversas regiões e espalhados por todos os continentes, a come-
çar pela:
1) África norte
2) Oriente Médio
3) Ásia Central
4) Parte da Índia
5) Indonésia (com mais de 160 milhões de fiéis)
Em língua árabe, a divindade cultuada pelos muçulmanos é Alá e o profeta Maomé é
aquele que recebeu e proclamou a "revelação" entregue a ele por Alá. Assim como para os ju-
deus e os cristãos, Jerusalém é considerada um local sagrado.
46 © Textos Sagrados

Para os muçulmanos, Meca (Makka) é a cidade santa onde se realizam freqüentes peregri-
nações. O muçulmano atribui absoluta importância a esse local e considera relevante visitá-lo ao
menos uma vez em sua vida. Além disso, sempre que reza, ele se volta para a direção de Meca.
Na tradição islâmica existem ensinos, preceitos e normas relacionadas no Alcorão, que
pautam e regulam a vida de seus fiéis. Não existe distinção entre conduta espiritual e conduta
temporal. A lei corânica pretende envolver a vida do islâmico de forma global.
O conjunto de dogmas, de crenças e de costumes islâmicos abrange a:
1) Vida Espiritual (por meio da religião).
2) Vida Cultural (por meio do estabelecimento de padrões sobre roupas, costumes, mú-
sicas, livros e escolas adequadas).
3) Vida Econômica (por meio da orientação sobre administração do dinheiro, das com-
pras, das vendas, do trabalho etc).
4) Vida política (por meio da orientação na escolha de líderes para a comunidade).
Segundo a tradição islâmica, Maomé nasceu em Meca por volta de 567–572, na tribo dos
coreicitas. Em função do falecimento de seus pais, Maomé viveu com o avô e em seguida com
um tio Abu Talib, cujo filho, Ali, foi um dos primeiros discípulos do profeta. Antes de ser conside-
rado o grande profeta, trabalhou no comércio e é lembrado por sua honestidade com o apelido
al-Amim, isto é, o confiável. Neste período, manteve contato com viajantes árabes, comercian-
tes e diversas pessoas que contribuíram para sua experiência e conjunto de conhecimentos que
usou em suas pregações.
Nos séculos anteriores, antes do islamismo, a península arábica conheceu o paganismo,
as tribos beduínas, o judaísmo e o cristianismo que tiveram alguma influência na formação do
profeta Maomé. Ele foi aplicado ao conhecimento da Torá e se colocou entre os profetas bíblicos
para os quais Deus havia se revelado. Aos 29 anos de idade, casou-se com Khadigia, um senhora
viúva e detentora de muitas posses para qual Maomé havia trabalhado.
Quando adulto, Maomé recebeu a "revelação". Segundo a tradição dos Hadith, tradições
das falas e dos feitos do profeta, certa feita Maomé estava sobre um monte, num retiro solitário,
quando o anjo Gabriel lhe apareceu e disse: "– Recita!" (a primeira palavra do Alcorão). A ordem
era para que Maomé pregasse e ensinasse o nome de Alá, único deus. Posteriormente, Maomé
recebeu outras mensagens de Alá e as transmitia com zelo, conforme entendeu ser sua missão.
Inicialmente, a mensagem de Maomé não foi bem recebida entre os aristocratas de Meca
e algumas tribos. Isto porque a pregação destacava o fim da divisão entre tribos árabes e do
politeísmo. Assim, as primeiras conversões despertaram na oligarquia dominante o medo de
desordem social. Embora não tenha sido bem sucedido entre ricos, o mesmo não aconteceu
entre os mais humildes. Muitos pobres ouviram e aceitaram as palavras de Maomé, o que gerou
temor e revolta nos mais abastados.
No ano 622, Maomé precisou mudar-se para outra cidade, Yatrib, que posteriormente fi-
cou conhecida como Medina (Madina), a cidade do profeta. Lá viveu e teve contato com pagãos,
cristãos e judeus.
Num período de dez anos, o grupo de discípulos de Maomé cresceu significativamente e
esses seguidores do profeta elaboraram as primeiras leis do Islã, e voltaram para Meca em 630.
Logo em seguida, em 632, Maomé faleceu em Yatrib, mas o grupo de muçulmanos continuou
crescendo em toda a Arábia e se espalhou pelo mundo. Nasceu assim uma nova religião, o islã
(ou islamismo), palavra que em árabe significa "submissão", "e muçulmanos, ou seja, aqueles
totalmente submissos a Deus, foram chamados os seus fiéis" (MONTANI, 1998, p. 73-78).

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Ó humanos, em verdade, Nós vos criamos de macho e fêmea e vos dividimos em povos e tribos para reconhecerdes
uns aos outros." (49ª Surata, versículo 13).
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Entretanto, o profeta Maomé foi aquele que recitou, que repetiu a verdadeira palavra de
Deus, revelada por ele próprio. A recitação foi feita na língua árabe, motivo pelo qual Maomé
entendia ser o profeta dos árabes, o último dos profetas, nomeado em cumprimento à revela-
ção expressa na Bíblia.
Os primeiros versos do Alcorão foram transcritos pelos seus seguidores que tomavam nota
enquanto o profeta pregava. Somente com a ordem do terceiro califa Abu Bakr, uma versão
ordenada foi selecionada como oficial; tratava-se da redação de Zayd (um dos seguidores mais
próximos do profeta), legitimada em função de relatos e testemunhos diretos de pessoas que
tiveram contato com Maomé. A codificação do Alcorão foi realizada um mês após a morte do
Profeta. Outras versões foram descartadas para que não houvesse discrepâncias.
O livro sagrado dos muçulmanos apresenta-se subdividido em capítulos, que se chamam suras, dispos-
tas não segundo a ordem cronológica da revelação, mas segundo sua extensão, assim, da mais longa
a mais curta, com exceção da primeira sura, chamada "abertura", que é muito breve. Além de conter
os fundamentos teológicos, éticos e jurídicos da religião islâmica, o Alcorão é considerado também um
perfeito exemplo de língua e de estilo; é a cópia terrena do arquétipo eterno que está nos céus com
Deus; segundo algumas escolas teológicas, até mesmo não criado. Graças ao alcorão e a fé dos conver-
tidos, o árabe está se tornando a língua oral e escrita na maior parte dos territórios em que se difunde
a religião islâmica (MONTANI, 1998, p. 79).

Alguns estudiosos sugerem que o Alcorão foi composto gradualmente, visto que o Profeta
recebia as revelações em fragmentos, conforme as necessidades que se apresentavam cotidia-
namente. Portanto, se em um dia alguém que fosse familiar ao profeta falecesse, a revelação
discorreria sobre a lei da herança. Em caso de roubo ou outro ato ilícito, a revelação trataria
acerca de penal. Essas revelações se deram durante vinte e três anos, treze anos em Meca e dez
em Medina. Uma revelação poderia consistir em uma Surata inteira, curta ou longa, ou poderia
se tratar de alguns poucos versículos que foram anotados pelos discípulos do profeta.
"Já vos chegou de Allah uma Luz e um Livro esclarecedor" (5ª Surata, versículo 15)
Recorda-lhes o dia em que faremos surgir uma testemunha de cada povo para testemunhar contra os
seus, e te apresentaremos por testemunha contra os teus. Temos-te revelado, pois, o Livro que é uma
explanação de tudo, é guia, misericórdia e auspício para os muçulmanos (16ª Surata, versículo, 89).

"Eis o Livro que te revelamos, para que os sensatos recordem seus versículos e neles me-
ditem" (38ª Surata, versículo 29).
"Este é o Livro (o Alcorão) veraz por excelência. A falsidade não se aproxima dele nem pela
frente, nem por trás, porque é a revelação do Prudente, Laudabilíssimo." (41ª Surata, versículo
41-42).
Embora, breve, essa apresentação nos mostra que "uma sociedade não é constituída me-
ramente pela massa de indivíduos que a compõem, o território que ocupam, as coisas que usam
e os movimentos que executam, mas acima de tudo está a idéia que ela forma de si mesma"
(DURKHEIM, 1912). E, nesse sentido, a religião bem como as tradições que fundam um sistema
interpretativo religioso é que concedem os sentidos e as redes de significados nas quais, os indi-
víduos passam a se mover na sociedade e a estabelecer suas relações sociais.
Compreender o papel e a função social das tradições religiosas, orais e escritas, torna-se
instrumental necessário às ciências da religião, ao estudioso de religiões, mas, também, a qual-
quer indivíduo que intente conhecer a alteridade.
48 © Textos Sagrados

10. REVELAÇÃO DO "ILUMINADO": O BUDISMO E SUAS TRADIÇÕES


O Budismo é considerada a mais antiga das grandes religiões, dos séculos VI e V antes de
Cristo. Ele alcançou inúmeros seguidores no Oriente e no Ocidente, encantados pelos caminhos
da contemplação, das práticas de jejum e de interiorização que sustentam essa filosofia de vida
que almeja a perfeição e o equilíbrio.
Essa religião teve início no Continente Asiático, mais precisamente no país Índia, na "re-
gião do meio", onde o profeta Buda recebeu a "revelação" da soberana divindade chamada
Brahma. O verdadeiro nome do profeta Buda é Sidartha5 Gautama6, ou Sakiyamuni7 que significa
o Iluminado, o Despertado, aquele que possui a verdade.

(5) Sidarta: nome pessoal.


(6) Gautama: nome de família;
(7) Sakiyamuni: Sakiya é o nome do clã ao qual sidarta pertencia; muni significa sábio, portanto, o
sábio do clã dos Sakiya.

O Budismo é uma religião considerada politeísta, isto é, caracterizada pelo culto a diversas
divindades, além de darem especial atenção às forças da natureza e às divindades guerreiras.
Podemos dizer de modo breve que os budistas:
• adoram deuses guerreiros;
• adoram forças da natureza (sol, lua, animais etc);
• possuem diversos rituais e cultos que prometem sorte e vida feliz aos seus praticantes.
Na Índia, a sociedade é dividida em rígidas castas, que são espécies de grupos que determinam
a condição social de um indivíduo dentro de uma sociedade e que não permitem mudança de status.
Assim, se um indivíduo nasce servo, guerreiro ou sacerdote, essa será sempre sua casta e isso implicará
na construção de sua identidade e no desempenho de certos papéis e funções sociais esperados.
A casta social dos guerreiros e a casta dos sacerdotes desempenhavam o papel principal:
estes administravam o culto e os sacrifícios, não considerando a religião como a expressão da fé
viva de cada um, mas apenas como uma série de cerimônias. Só a oferta dos sacrifícios e a fiel
observância dos deveres da própria casta asseguravam a assistência dos deuses e uma sorte feliz
no futuro (GHISLANDI, 1998, p. 3).
Dentre o complexo quadro de crenças e de doutrinas budistas, vale destacar que seus fiéis
crêem no renascer, isto é, na reencarnação; doutrina pela qual se entende que após a morte físi-
ca, o espírito de todas as pessoas retornam à essa vida por meio da reencarnação em diferentes
corpos (seja na forma de humano ou de animal irracional). Neste sentido, se o individuo tem
trajetória nesta vida marcada por boas ações, cumprimento dos deveres, equilíbrio espiritual e
busca pela paz, a cada retorno, ele pode reencarnar em formas de vida mais evoluídas, em dire-
ção à realização de seu carma (que podemos chamar missão).
Assim, o sofrimento humano é explicado como conseqüência dos atos incorretos pratica-
dos em função da falta de consciência das pessoas. Assim, quando reencarnam, as pessoas ad-
quirem oportunidade de agirem de forma mais consciente e, por mérito, alcançarem o nirvana.
Para atingirem esse estágio devem seguir caminho das oito regras, registrado na literatura SILA:
o livro de ensinamentos do Budismo.
A atenção e a submissão ao SILA podem proporcionar ao budista a obtenção do Nirvana,
estágio em que o indivíduo conquista a completa da extinção, do completo aniquilamento das
paixões, dos desejos, da materialidade e tudo o que pode ser considerado desvio, ilusão.

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Budismo, assim como outras religiões, é pródigo em tradições orais que foram contadas
e recontadas por seus seguidores. Dessa forma, há diversas versões acerca de Buda, da forma
como recebeu a revelação e de como teve início o budismo. O livro que guarda "a história das
vidas anteriores" de Buda é chamado Jataska.
Conforme a narrativa que se conhece, Buda vivia em um céu. Ao chegar a hora de voltar
para a Terra, do céu Buda escolheu uma nova mãe e ela foi avisada que seria mãe por meio de
um sonho. Neste devaneio, um elefante branco apareceu e ela o carregou nos braços carinhosa-
mente. A mulher se chamava Maya e era casa com Sudodana, um importante e rico rei.
Intrigado, Sudodana convocou oito sacerdotes e perguntou-lhes qual o significado do so-
nho. Eles responderam que chegaria ao mundo um chakravartim: o rei do universo. Ele deixaria
o glorioso céu, se transformaria em monge e salvaria todas as criaturas.
Certa feita, o rei Sudodana e sua esposa Maya viajaram para Kole, a fim de visitar os pais da rai-
nha. Durante a viagem, Maya parou perto de uma árvore próxima à cidade de Lumbini e buscou um
pequeno ramo de árvore. Nesta ocasião, nasceu Buda. Era o ano 560 a.C. E sua mãe, Maya, morreu.
No mesmo instante, um santo eremita de nome Asita Devala estava meditando quando sou-
be que na cidade de Lumbini havia nascido o menino Buda. Então, deixou os seus afazeres e foi até
o rei Sudodana com o intuito de contemplar o menino. Ao ver o menino, o santo eremita teve a
certeza que aquele seria o maior homem do mundo e, comovido, derramou lágrimas de emoção.
Ao explicarem o sonho da rainha Maya, os oito sacerdotes unanimemente concordaram
que o velho eremita estava certo e, então, declararam que o menino deixaria o palácio a fim de
ser monge após quatro acontecimentos:
1) ele encontraria um velho;
2) um doente;
3) um cadáver;
4) e um monge.
Tais palavras incomodaram profundamente o rei, que não apreciou a profecia. Assim, com
o objetivo de impedir sua realização, ele escondeu o menino a fim de que não se realizassem os
quatro encontros. Também construiu suntuosos e belíssimos castelos que colocou à disposição
de seu filho. Ensinou o menino a amar as coisas do mundo, as belezas, as riquezas e, principal-
mente, a soberania daqueles que desfrutavam de poder. Quando Sidartha Gautama completou
20 anos de idade, se casou e teve um filho.
Aos 29 anos, próximo de se tornar rei, Sidartha Gautama mergulhou numa profunda refle-
xão sobre a "decadência da existência", então, se deparou com a realidade da velhice, da doen-
ça e da morte. Foi quando conheceu um monge velho, magro, mas estranhamente sorridente.
Esse encontro marcou profundamente a vida de Sidartha, que decidiu deixar o castelo, a esposa,
o filho e a coroa para entregar sua vida à meditação e à mendicância.
Após ter deixado riqueza, família e poder, Sidartha Gautama viveu distante da cidade e de
seus amigos. Ele raspou a cabeça e vestiu um manto simples. Habitou uma cadeia montanhosa
das Vindhya, onde procurou mestres que pudessem ensinar-lhe a difícil arte da meditação e que
explicassem o mistério do sofrimento humano.
Desse modo, ele tornou-se expert no ioga. Gautama entendeu que para conseguir conhecer
um caminho novo era necessário viver igual aos pobres e distante das coisas materiais. Por isso,
submeteu-se a profundas penitências, pois desejava libertar seu espírito e conhecer a verdade maior.
Ele entendia que as práticas ascéticas e o aniquilamento do corpo cooperariam em seu intuito de
encontrar a verdade suprema. Mas beirando a morte, o eremita percebeu que a tentativa fracassara.
50 © Textos Sagrados

Com o tempo, Gautama percebeu que esse caminho não era o mais adequado e renunciou
à promessa. Isso fez com que os monges que o acompanhavam se decepcionassem e voltassem
às montanhas. Solitário, Gautama experimentou um pouco de vaidade ainda e então percebeu
que mesmo como monge poderia experimentar o orgulho, pois a ascese poderia ser impura e
não serviria completamente è libertação total e definitiva.
Na jornada, Gautama encontrou um homem simples e lhe pediu um pouco de grama.
Estava nas proximidades de Uruvela, Gaia. Sentado sob uma figueira, ele passou horas ali medi-
tando até que num momento eterno, veio a iluminação.
Apesar de um demônio, chamado Mara (o senhor do mundo) ter tentado atrapalhá-lo
mostrando-lhe e incitando-lhe desejos, egoísmo e inveja (raízes da ânsia de viver e causa da
dor), Gautama resistiu e não foi tomado pela corrupção, atingiu a plena iluminação. Essa ilumi-
nação é descrita no discurso de Benares. Desde aquele momento, ele se tornou Buda, o ilumina-
do, e passou a pregar e a ensinar a revelação que lhe foi entregue. (GHISLANDI, 1998, p. 5-11).

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Depois de atingir o nirvana, Buda teria sido tentado por Mara, o Deus do Mal, que ofereceu suas belas filhas, o domínio
sobre o mundo, e até mesmo sua própria vida, para que pudesse experimentar o nirvana. Todavia, tendo seus pedidos
negados por Buda, Mara tentou convencê-lo que seria demasiadamente difícil transmitir seus conhecimentos à huma-
nidade repleta de sentimentos vis. Embora Buda tenha ficado momentaneamente em dúvida, ele resistiu à tentação e
decidiu dedicar-se ao ensino do bom caminho a toda a humanidade. Por fim, Mara, não satisfeito, sugeriu que Buda não
teria direito algum sobre terra nenhuma. Mas, Buda não se desanimou e não sucumbiu à Mara, o tentador.

O que é, o irmão, a dor ? O que é a origem da dor ? O que é a eliminação da dor ? Qual é o caminho que conduz à
eliminação da dor?
Nascimento é dor, velhice é dor, doença é dor, morte é dor; aflição, desânimo é dor, não conseguir o que se deseja
ardentemente é dor.
Mas qual é, irmãos, a origem da dor ?
É esta sede de viver, alimentada pela satisfação: é o apego ao ser e ao bem-estar. Isso, irmãos, é a origem da dor.
Mas o que é, irmãos, a eliminação da dor ?
É a completa, total eliminação, a supressão, a negação dessa sede de viver.
Mas qual é, irmãos, o caminho que conduz à eliminação da dor ?
É o santo caminho das oito regras, isto é, reta consciência, reta intenção, reta palavra, reta ação, reta vida, reto es-
forço, reto saber, reto recolhimento (Extraído do Majjhima Nikaya apud GHISLANDI, 2007).
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Outros ensinos do Budismo estão elencados no livro SILA e estão distribuídos em três gru-
pos: que indicam como deve se portar o budista:
1) não matar os seres vivos;
2) não roubar;
3) não cometer atos impuros;
Cinco ensinamentos para
4) não mentir;
qualquer budista
5) não tomar bebidas embriagantes;

1) não comer nos tempos indevidos;


Dois ensinamentos
2) abster-se do canto, da dança, da música e de todo espetáculo indecente, não enfeitar a
para todos os budistas
3) sua pessoa com guirlandas, perfumes e pomadas;

1) não usar cadeiras altas e luxuosas; Três ensinamentos


2) não usar camas grandes e confortáveis ; obrigatórios para os
3) não comercializar coisas de ouro ou prata. monges

Vejamos, agora, tradição religiosa do hinduísmo.


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11. TRADIÇÃO RELIGIOSA DO HINDUÍSMO


Os Vedas9 são coleções de hinos sacrificiais que tiveram origem na tradição oral dos povos
arianos. À beira do rio Indo, surgiu a religião conhecida como Hinduísmo que seus fiéis identifi-
cam como Sanâtana Darma, que significa Religião ou Lei eterna.

(9) Vedas: da raiz vid que significa "saber" ou "conhecer".

Os hinos védicos foram concedidos por meio de revelação dada a poetas videntes, muitos
deles cegos, que foram chamados Rishis. "O som desses hinos expressa a Palavra criativa, o prin-
cípio dinâmico da criação, a mãe divina do som, a manifestação sonora do Brahman absoluto.
Segundo narram os Vedas, o universo foi criado em meio ao canto" (SILVA, s/d., p. 100).
Assim, existem quatro Vedas:
1) Rig Veda (1.028 hinos dirigidos ao fogo);
2) Yajur Veda
Fórmulas rituais litúrgicas e terapêuticas.
Fórmulas rituais litúrgicas e terapêuticas.
3) Sama Veda
4) Atharvana Veda
Além desses Vedas, existem as escrituras secundárias chamadas Smriti. Trata-se de comentá-
rios aos Vedas que têm por finalidade atualizá-los. Geralmente, são distribuídos em cinco grupos:
1) Dharmashastra (antigos códigos de leis).
2) Itihasa, Ramayana e Mahabharata (duas epopéias nacionais) e Bhagavad Gita (o texto
sagrado mais conhecido na Índia, "a canção do amado" em que Khrisna mostra ao
guerreiro Arjuna a sabedoria do yoga).
3) Puranas (crônicas e lendas sobre os feitos dos deuses e reis antigos).
4) Ágamas (manuais de instrução e de culto).
5) Dárshanas (esposição das escolas filosóficas) (SILVA, s/d., p. 101).
Desde o terceiro milênio antes de Cristo, o Hinduísmo existiu na forma de tradições orais
que foram registradas por meio dão sânscrito antigo; portanto, constituem a literatura mais
antiga do Oriente. Essa religião se difundiu pela Índia, pelo Paquistão, por Bangladesh e pelo
Nepal. O hinduísmo é a religião praticada pela grande maioria dos hindus, trata-se do Brahma-
nismo, crença caracterizada pela veneração da trindade:
• Brahma (o criador).
• Visnú (o conservador).
• Shiva (o destruidor).
No Hinduísmo, verificamos a crença na reencarnação da vida humana. De acordo com
essa crença, as pessoas reencarnam (voltam a viver) em corpos que exprimem estados supe-
riores e inferiores, conforme o grau de perfeição que tenham alcançado em cada uma das suas
vidas anteriores.
Também no Hinduísmo se verifica a doutrina do "carma", segundo a qual cada pensamen-
to, atitude ou ação de uma pessoa redunda em conseqüências boas ou más para as pessoas que
as executaram. Assim, caso alguém cometa um assassinato ou um roubo, no futuro sofrerá as
conseqüências de seus atos.
Como podemos perceber, essa crença se vincula diretamente à realidade do sistema de cas-
tas e coopera para a manutenção dessa organização social, em que os hindus são distribuídos em
52 © Textos Sagrados

quatro castas sociais, subdivididas em vários grupos. Cada uma dessas castas corresponde a um
conjunto de tarefas, de afazeres e de funções religiosas e sociais que necessitam ser cumpridas.
Acima de todas as castas estão os sacerdotes Brahmanes, em segundo os guerreiros e os
governantes (Kshatriyas) e, em terceiro, os comerciantes e os agricultores (Vaisyas). Logo abai-
xo, seguem aqueles que formam a casta trabalhadora (Shudras).
Conforme acreditam os hindus, a salvação é dada apenas as três classes superiores. À par-
te desse sistema estão, ainda os intocáveis e os parias da sociedade.

12. CONSIDERAÇÕES
Por meio da leitura e do estudo desta unidade, verificamos que algumas religiões, cujas tra-
dições foram registradas nos chamados "livros sagrados", servem à iluminação espiritual (religio-
sa) e à ordenação social dos sujeitos religiosos. Portanto, tais escrituras são assumidas como espé-
cie de regra que funda os limites do comportamento social, político e econômico das sociedades.
Decorre dessa constatação que as tradições religiosas e suas fontes escritas constituem sis-
temas interpretativos e classificatórios por meio dos quais os grupos sociais constroem sua iden-
tidade social e religiosa. Portanto, as tradições escritas das religiões são meios eficazes para se
estabelecer a coesão do grupo, o sentimento de pertença e os laços de solidariedade que fazem da
comunidade de fiéis, uma sociedade com norma e parâmetros reguladores da experiência social.

13. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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Centro Universitário Claretiano


© Grandes Religiões e suas Tradições Escritas 53

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