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OS GREGOS E A ÍNDIA:

OS GIMNOSOFISTAS E SUA INFLUÊNCIA SOBRE FILOSOFIA GREGA

THE GREEKS AND INDIA


The Gymnosophists and their influence on Greek Philosophy
Francisco Jose da Silva1

Resumo: Estabelecer as relações entre os gregos e os pensadores hindus parece muitas vezes
problemático, principalmente pelo reduzido número de fontes. Em geral, os historiadores da filosofia
não consideram que haja uma ‘Filosofia Oriental’ no mesmo sentido que usamos no Ocidente, mas
é possível estabelecermos o paralelo e as influências que algumas formas de pensamento oriental
exerceram sobre os primeiros filósofos gregos. A proposta deste trabalho é mostrar, a partir de
algumas fontes antigas (Diógenes Laércio e Plutarco) e comentadores contemporâneos, a influência
dos chamados Gimnosofistas (ou sábios nus) da Índia sobre o pensamento filosófico grego das
origens, destacando os filósofos Pitágoras, Demócrito e Pirro, como os autores cujas relações com
estes sábios se apresenta mais evidentes.

Palavras-chave: Filosofia - Gimnosofistas – Índia

Abstract: Establish relations between the Greeks and Hindu Thinkers often seems problematic,
especially when it comes to philosophy. In general, historians of philosophy do not consider that
there is an ‘Eastern philosophy’ in the same sense that we use in the West, but it is possible to
establish the parallel and the influences that some forms of Eastern thought had on the early
Greek philosophers. The purpose of this paper is to show, from some ancient sources (Plutarch and
Diogenes Laertius) and contemporary commentators, the influence of so-called Gymnosophists (or
naked sages) of India on the origins of Greek philosophical thought, highlighting the philosophers
Pythagoras, Democritus and Pirro, as the authors whose relations with these sages appears more
evident.

Key-words: philosophy - gymnosophists – India

1 Professor Adjunto do curso de Filosofia da Universidade Federal do Cariri (UFCA), doutorando em Filosofia (UFC).
franz.silva@ufca.edu.br
Recebido em: 17 de maio de 2017, Aceito em: 30 de setembro de 2017.
Introdução

Entre as grandes discussões da tradição filosófica, podemos indicar uma


que tem sido retomada por vários autores contemporâneos2, embora ainda
inconclusiva como todas as grandes questões da filosofia, a saber, a que diz
respeito à possibilidade de uma filosofia oriental. Nossa proposta é apresentar
evidências indiretas de uma influência do pensamento indiano nas concepções
dos primeiros filósofos gregos (em especial Pitágoras, Demócrito e Pirro) por
parte dos Gimnosofistas ou Ginosofistas, chamados ‘sábios nus’.

O pensamento oriental3 sempre tem sido visto com distância por parte
dos filósofos ocidentais, para alguns deles as filosofias orientais não passam
de sabedorias ou tradições morais e religiosas, mas nunca filosofias no
sentido rigoroso, embora tenhamos exemplos de grandes diálogos entre
filósofos ocidentais e filosofias orientais, tais como aqueles levados a cabo por
Malebranche, Leibniz, Voltaire, Schopenhauer e Hegel4. Esses diálogos muitas
vezes redundaram em influência direta e indireta nas discussões destes autores,
embora nem sempre haja reconhecimento. Também não podemos desconsiderar
o papel e influência de figuras do século V-VI a.C., como Lao Tsé, Confúcio,
Buda, Mahavira, e posteriormente no séc.VIII, através do pensamento monista
do sábio hindu Shankara, inclusive no pensamento ocidental.

No que diz respeito especificamente à Índia e sua tradição milenar, podemos


destacar a existência de seis doutrinas ou escolas ‘filosóficas’ (chamadas
Darsanas) de influência Védica5, são elas: Yoga, Samkhya, Vedanta, Vaiseshika,
Nyana e Mimamsa6. Essas doutrinas são semelhantes a várias concepções
filosóficas ocidentais, muitas já foram comparadas aos sistemas de pensamento
grego e a determinadas partes da filosofia, como a lógica (Nyaya), cosmologia
atomista (Vaisheshka), etc. Não podemos subestimar os pensadores védicos
em suas elaborações metafísicas e psicológicas, embora autores como Hegel as

2 Recentemente tem surgido várias publicações no Brasil (livros, artigos), bem como encontros de pesquisa que
buscam tratar da relação entre filosofia ocidental e oriental. É digno de nota o surgimento do GT de Filosofia Oriental
no interior da ANPOF (Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia), apontando para uma tendência que tem
crescido e se consolidado, no sentido da pesquisa e intercambio entre pensamento oriental e filosofia ocidental.
3 O pensamento do Oriente aqui é tomado a partir das tradições filosóficas que se inserem nas regiões que
compreendem o extremo Oriente, especialmente a Índia, China e Japão.
4 O período moderno e o avanço dos intercâmbios entre Ocidente e Oriente permitiu a possibilidade desse diálogo
com os pensadores de ambas as tradições.
5 Os Vedas são os livros sagrados da tradição hindu (o termo Veda tem origem no sânscrito Vidya, conhecimento).
6 Zimmer, H. Filosofias da Índia, tradução Nilton Almeida Silva e Claudia Geovani Bozza, SP, Palas Athena, 2008.

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vejam como ‘filosofemas’ que estão ligados mais diretamente à religião7 do que
propriamente à filosofia.

As “filosofias bárbaras” e os gregos

Em primeiro lugar, vejamos a origem, a doutrina e a influência dos


Gimnosofistas no pensamento grego antigo, em segundo lugar poderemos
rastrear quais os pensadores gregos tiveram contato direito ou indireto com
estes “sábios nus”. Entre as primeiras referências aos Gimnosofistas na Filosofia
antiga, temos a denominação de ‘filósofos bárbaros’, que remonta ao historiador
grego Diógenes Laércio (séc.III), em sua obra “Vidas e doutrinas dos filósofos
ilustres”, nela ele os cita ao lado dos Caldeus8, dos Magos9 e dos Druidas10, como
os primeiros sábios dos povos não-gregos. Segundo ele,

Segundo alguns autores o estudo de filosofia começou entre os bár-


baros. Esses autores sustentam que os persas tiveram seus Magos,
os babilônios ou assírios seus Caldeus, e os indianos seus Ginosofis-
tas: além disso, entre os celtas e gálatas encontram-se os chama-
dos Druidas ou Veneráveis (LAERTIOS, 1988, p.13).

Apesar de ser uma obra eivada de anedotas e historietas supostamente


desinteressantes do ponto de vista doutrinal, devemos reconhecer que as
biografias sobre as vidas dos filósofos na antiguidade eram cheias de referências
simbólicas presentes em ditos, gestos, atitudes e anedotas, o que deve ser visto
de forma cuidadosa por parte do pesquisador, em vista de não perder detalhes
da doutrina presente de forma simbólica11. Em todo caso, vale atentar para a
equivalência que se percebe entre os chamados sábios (Sophos) das culturas
não-gregas e os filósofos gregos, muitos dos quais eram considerados sábios e

7 Hegel, GWF. Lições sobre a História da Filosofia, Mexico, Fondo de Cultura Economica. Vale lembrar, no entanto,
que embora Hegel seja um dos primeiros filósofos a introduzir o pensamento oriental em suas Lições de História da
Filosofia, sua compreensão destas filosofias é limitada devido o acesso indireto às fontes, em especial por meio das
traduções inglesas.
8 Os Caldeus seriam os sacerdotes e astrólogos da Babilônia, na região da Caldeia.
9 Os Magos ou ‘magoi’ são os sacerdotes da Pérsia que seguem os ensinamentos da religião de Zoroastro (Sec.VII a.C),
considerada uma religião monoteísta com estrito ascetismo. No Novo Testamento são citados como sábios astrólogos
(astrônomos) do Oriente que seguem a estrela de Belém e vão visitar o recém nascido Jesus (Mateus 2,1-12).
10 Druidas eram os sábios que exerciam a função de mestres, sacerdotes, juízes, médicos e filósofos entre as tribos
celtas da região desde a península Ibérica até a Anatólia. A palavra vem de uma junção dos termos ‘deru’ (carvalho)
e ‘wid’ (saber), “aqueles que detém o saber do carvalho”.
11 Gazzineli, G. A vida cética de Pirro, SP, Loyola, p.30-38.

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só posteriormente foram denominados filósofos ou amigos da sabedoria12.

Podemos perceber que havia uma discussão já na antiguidade a respeito


das origens e fontes da filosofia, segundo Diógenes Laércio, entre os ‘bárbaros’13
podemos encontrar possíveis escolas de filosofia, os Magos entre os Persas,
os Caldeus entre os Assírios, os Gimnosofistas entre os Indianos e os Druidas
entre os Celtas. Já entre os gregos encontramos os sete sábios (Tales, Sólon,
Bias, Pítaco..), os precursores do pensamento filosófico e seus fundadores, os
Pré-Socráticos. Há na discussão contemporânea pelo menos três perspectivas a
respeito das origens da filosofia grega, a questão da ruptura/continuidade com
o Mito, a origem a partir do pensamento dos sete sábios da Grécia e por fim, a
origem oriental da Filosofia14. Não pretendemos abraçar a ideia de que a filosofia
tem sua origem no pensamento oriental, mas que há profundas influências
do pensamento oriental na filosofia antiga, neste caso especifico da parte dos
Gimnosofistas.

Caracterizando de forma mais detida as doutrinas dos Gimnosofistas,


Diógenes Laércio apresenta alguns pormenores:

Os Ginosofistas pregam a justiça e consideram ímpia a prática da


cremação, porém acham lícito o casamento com mãe ou filha...além
disso praticam a adivinhação e prognosticam o futuro, alegando que
os próprios deuses lhes aparecem. Eles dizem ainda que o ar está
repleto de formas que se propagam como o vapor e penetram nos
olhos dos adivinhos de visão aguçada; esses Ginosofistas também
proíbem adornos pessoais e o uso de ouro. Suas roupas são bran-
cas, eles dormem no chão e se alimentam de vegetais e pão rústico;
seus bastões são de junco, e esses homens, segundo consta costu-
mam usá-los para apanhar com sua ponta o pedaço de queijo que
comem (LAERTIOS, 1988, p.13).

Essas são as doutrinas atribuídas aos Gimnosofistas por Diógenes Laercio, a


humildade, a austeridade, o desapego às riquezas e a relação com as questões
metafísicas, é preciso, no entanto, considerar que entre os ‘filósofos bárbaros’,
os Gimnosofistas são os que maior influência exerceram no pensamento dos
filósofos gregos, exemplo disso são as referências a estes na vida dos filósofos
Pitágoras, Demócrito, Pirro e Plotino, como veremos a seguir. Vale reiterar
que foi Pitágoras uma das maiores figuras do pensamento pré-socrático que

12 Como sabemos o termo “filósofo” remonta a Pitágoras, o qual não se considerava um sábio (Sophos), mas “um amigo
da sabedoria” (philos + sophia).
13 Bárbaros são os povos que não falam a língua grega. O termo se refere ao falar supostamente sem sentido dos
estrangeiros que parece um balbucio (bar bar).
14 Soares, Antonio Jorge. Considerações sobre a origem da Filosofia, in: Revista Direito e Liberdade, vol.6, numero 02,
pags.61-68, jan/jun 2007, Mossoró (RN).

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supostamente primeiro travou contato com os ‘sábios nus’ na Índia, além de ter
viajado para a Babilônia e Egito.

As raízes da filosofia dos Gimnosofistas encontram-se no período anterior


a constituição do pensamento Védico (XX a XV a.C.), e de forma heterodoxa a
este, surgiram as doutrinas do Jainismo e do Budismo (séc. V a.C.), como suas
principais correntes. Os chamados Gimnosofistas são originários do pensamento
jainista e trazem a marca da heterodoxia em relação aos Vedas. O Jainismo
foi fundado por Vardhamana Mahavira15, e segundo alguns estudiosos jainistas
ele teria sido na verdade o 24º dos Tirthankaras (os Autores da travessia do
Rio), o primeiro teria sido Parsva. O Budismo por sua vez é o resultado da
libertação acontecida na vida de Sidarta Gautama (séc.VI a.C.), o Buda (de
buddhi, desperto), o qual se distancia do ritualismo dos brâmanes e da vida
ascética dos eremitas.

O Jainismo é dividido em duas seitas, os Svetambara e os Digambara.


Os ‘Gimnosofistas’ (ou sábios nus) seriam os partidários de uma seita jainista
chamada ‘Digambara’ (os vestidos de nuvens)16. Destacamos aqui a influência
de certo ceticismo dos Jainistas, uma vez que nesta corrente filosófico-religiosa,
segundo a concepção de Parsva, seria impossível assentir a qualquer doutrina,
porque o sábio se torna sem opinião, sua vida é inativa, e isto gera a felicidade,
que por sua vez é a negação da inquietude. Podemos perceber aí claramente os
princípios que estariam na base da atitude cética de Pirro, ou seja, ‘agnosia’, o
sábio seria ‘adoxastos’, tendo uma vida baseada na ‘apraxia’ e na ‘ataraxia’17.

Pitágoras e o Oriente

Fazemos aqui um parêntese para relacionar o pensamento oriental e os


Gimnosofistas com um dos primeiros filósofos gregos, Pitágoras de Samos (séc.
VI a.C.). Pitágoras foi mais um dos filósofos gregos que sofreram influência,
mesmo que indireta, do pensamento indiano. Como sabemos os primeiros

15 Mahavira viveu no séc.V a.C., tendo sido contemporâneo de Buda.


16 Zimmer, R. Filosofias da Índia, p. 201 (nota 26).
17 No século VI a.C. percebemos o desenvolvimento de linhas de pensamento criticas ao vedismo e ao brahmanismo,
oposição em relação à eficácia e necessidade dos elaborados rituais litúrgicos, bem como a pluralidade infinita de
divindades no seio da religião hinduísta. Nesse sentido, vários sistemas de pensamento se desenvolvem, entre as
quais monistas, ateístas, agnósticos e ceticistas, alguns deles influenciados pelo desenvolvimento da argumentação,
da silogística e dos debates em torno de vários aspectos do saber religioso, entre estes grupos podemos citar o
pensamento de Goshala, do qual Mahavira recebeu influência, bem como dos lokayatas. Nesse sentido, estabelecemos
relação entre estes primeiros pensadores céticos e agnósticos na Índia e os filósofos gregos que são citados como
seus ‘seguidores’, é digno de nota o desenvolvimento da argumentação e da dialética entre os gregos justamente no
período posterior a esses céticos da Índia, ou seja, o século V a.C.

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filósofos foram viajantes que tiveram contatos com diversas culturas do mundo
antigo, como o Egito, a Babilônia, a Pérsia e mesmo a Índia. É conhecida sua
suposta viagem a Índia para entrar em contato com o saber dos hindus.

Segundo Peter Gorman, em Pitágoras, uma vida:

Essa opinião de que o pai de Pitágoras era um estrangeiro se ajus-


ta perfeitamente ao outro mito do sábio, no qual se afirma que ele
adotou trajes orientais, como calças. Além disso, muito se escreveu
sobre o relacionamento de Pitágoras com o Oriente, especialmente
com a Índia. Sua ancestralidade bárbara também pode explicar a
aparente facilidade com que ele se relacionava com os povos do
Levante, pois obviamente teria aprendido fenício com o pai (...)
Apolônio de Tiana moldou sua vida segundo Pitágoras e visitou não
só o Egito e a Babilônia, mas também a Índia (GORMAN, 1990).

Pitágoras, assim como Apolônio de Tiana18, seu grande admirador,


encontraram entre os orientais a fonte de um saber milenar e místico encoberto
sob a capa da religião exótica dos hindus. Essa religião ou conjunto de crenças
sincretizadas trazia em seu bojo profundas especulações lógicas, psicológicas
e metafísicas, bem como incisivos questionamentos céticos a respeito do
conhecimento do real.

Segundo Mead, biógrafo de Apolônio de Tiana:

Os gregos antigos diziam francamente que Pitágoras foi à Índia. Po-


rém, como as afirmações foram feitas por escritores neopitagóricos
e neoplatônicos posteriores a Apolônio, objeta-se que as viagens
deste ultimo sugeriam não só este item na biografia do grande fi-
lósofo de Samos, mas diversos outros, ou mesmo que o próprio
Apolônio, em sua biografia de Pitágoras, tenha sido o pai do rumor.
A íntima semelhança, no entanto, entre muitos aspectos da disci-
plina e doutrina pitagóricas e do pensamento e pratica indo-arianas
fazem-nos hesitar em rejeitar inteiramente a possibilidade de que
Pitágoras tenha visitado a antiga Ariavarta (MEAD, 2000, p.30).

Uma vez que Apolônio teria seguido os mesmos passos de Pitágoras em sua
formação filosófica e mística, poderíamos supor a possibilidade desta viagem de
descoberta por parte do filósofo de Samos, uma vez que este assumia ser um
“amigo da sabedoria”, um eterno buscador da verdade.

18 Mead, G.R.S. Apolônio de Tiana, sábio, profeta e renovador dos mistérios, Brasília, Editora Teosófica, 2000. Como
nos informa Mead: “Apolônio foi à Índia com um propósito e regressou com uma missão distinta; e provavelmente
suas constantes inquirições co relação aos “homens sábios” que estava procurando, levou Dâmis a imaginar que eles
eram os únicos ‘gimnosofistas’, os ‘filósofos desnudos’, se devemos tomar o termo em seu sentido literal, da lenda
grega popular, que atribuía por ignorância a todos os ascetas hindus as peculiaridades gritantes de um numero muito
pequeno destes ascetas” (p.72).

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Ainda sobre Pitágoras, segundo Peter Gorman:

No que se refere às biografias escritas por Diógenes Laércio, Porfírio


e Jâmblico, deparamo-nos coma singular dificuldade de terem sido
redigidas numa época em que o interesse da cultura helênica estava
muito voltada para o Oriente. Basta lembrar as viagens empreendi-
das por Apolônio e Plotino ao Oriente e os inúmeros relatos sobre fi-
losofia oriental que se infiltraram no centro comercial de Alexandria
durante os séculos II e III d.C. Havia, nessa época, um particular
interesse pelos magos persas e pelos gimnosofistas ou filósofos nus
(sadhus) da Índia (GORMAN, 1990, p.57).

Faz-se necessário um estudo pormenorizado dos sistemas de pensamento


da Índia, para termos a dimensão de sua originalidade frente ao pensamento
grego, bem como de suas distinções, para que possamos avaliar de forma
contextualizada o que é propriamente grego ou indiano.

Segundo vários biógrafos antigos, existia uma ‘moda oriental’ que influenciou
não apenas Pitágoras, mas também Plotino (Séc.II), entre outros filósofos da
época, algo que se tornou mais frequente depois do domínio e das viagens
de Alexandre Magno na região da Índia, como podemos perceber o fascínio
pelo oriente não é uma novidade contemporânea, como podemos perceber. O
discípulo e biógrafo de Plotino, Porfírio de Tiro (234-304), relata sobre uma
estátua andrógina do deus Shiva que tem ligação com o conceito de uma dualidade
que emerge da unidade como traço comum entre o pensamento neoplatônico
e indiano, serve como um dos elementos que permitem traçar paralelos e uma
possível influência mútua entre pensamento grego antigo e indiano19.

Os Gimnosofistas nas origens do atomismo e ceticismo gregos

Assim como já afirmamos, as doutrinas dos Gimnosofistas tem semelhanças


com as ideias do ceticismo antigo, especialmente no que diz respeito à suspensão
do juízo (epokhé), o não-assentimento a qualquer verdade dogmática, e não-
ação (apraxia) e a felicidade entendida como tranquilidade (ataraxia). Neste
sentido, vários filósofos, segundo a obra de Diógenes Laércio, parecem ter sido
influenciados pelos sábios indianos, entre eles destaca-se a figura de Demócrito
de Abdera, entre as semelhanças está a doutrina do atomismo:

Demétrio nos Homônimos e Antístenes na Sucessão dos filósofos


dizem que Demócrito viajou também ao Egito a fim de aprender
a geometria com os sacerdotes, e foi ainda a Pérsia para visitar

19 Lacrosse, Joachim. Uma passagem de Porfirio relativa ao Siva andrógino dos brâmanes da Índia (tradução), in:
Kriterion, Belo Horizonte , Nº 117, Jun/2008, pp.219-233.

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os Caldeus e o mar Vermelho. Conserva-se também uma tradição
segundo a qual Demócrito conviveu com os ginosofistas na Índia e
chegou até a Etiópia (LAERTIOS, 1988, p.260).

Como foi relatado anteriormente, os Jainistas tinha uma concepção


atomista da realidade, o que serve de reforço a nossa insistência em relação à
influência destes sobre o pensamento de Demócrito. Neste sentido, o atomismo
de Demócrito não seria uma “invenção” do filósofo grego, mas uma adaptação
das ideias dos pensadores hindus que exerceram profunda influência sobre o
mesmo.

Também é muito forte a semelhança entre as ideias dos sábios da Índia


e as do cético Pirro de Élis (360-270 a.C.), entre as principais destacamos os
tropos (modos) céticos, a influência de Demócrito (que como já vimos também
teria tido contato com os gimnosofistas), e o conceito de ataraxia, a ideia de
imperturbabilidade:

Pirro de Élis era filho de Pleistarcos, de acordo com o relato de


Dioclés. Segundo o testemunho de Apolodoros em sua Crônica, de-
dicou-se inicialmente à pintura e foi discípulo de Brison, filho de
Stilpon, como atesta Alexandros na Sucessão dos filósofos. Depois
seguiu Anaxarcos e o acompanhou a toda parte em suas viagens,
tendo tido a oportunidade de conviver com os ginosofistas na Índia,
e com os magos. Esta convivência estimulou-lhe consideravelmen-
te as convicções filosóficas e parece que o levou ao caminho mais
nobre da filosofia, pois Pirro introduziu e adotou os princípios do
agnosticismo e da suspensão do juízo (epokhê), como diz Ascanios
de Abdera (LAERTIOS, 1988, p.267).

É digno de nota que, Diógenes Laércio afirme que, com eles (os
Gimnosofistas), Pirro seguiu o caminho mais nobre da filosofia, sendo ao que
parece a ideia de suspensão do juízo (epokhê). A suspensão do juízo é o ato
de evitar qualquer afirmação sobre o conteúdo da realidade. Já o agnosticismo
reitera essa suspensão no que diz respeito à questão da existência de Deus.
Em comparação com a doutrina cética temos os princípios da não-opinião
(adoxastous), não-ação (apraxia) e indiferença ou imperturbabilidade (ataraxia).

Apesar de algumas críticas ao exagero em relação à suposta influência do


pensamento oriental na filosofia de Pirro, uma vez que esta relação é em geral
considerada simbólica20, devemos realçar que os temas parecem profundamente

20 Gazzinelli, G.G. A Vida cética de Pirro, p.135-136.

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conectados, em especial no que diz respeito aos temas morais e da fragilidade
da racionalidade humana. Os filósofos do período posterior a Platão e Aristóteles,
do helenismo, desenvolveram seus sistemas na prioridade da busca da
felicidade, enquanto vida boa e virtuosa. O ponto de partida lógico é a base
para a consolidação do edifício ético, o qual neste período estava no centro das
discussões, em especial com os filósofos epicuristas e estóicos.

Como sabemos, Pirro esteve presente na campanha de Alexandre o grande


a Ásia. Plutarco de Queroneia, em sua obra Vidas Paralelas, nos fala sobre o
encontro de Alexandre, o grande, com os sábios da Índia, em Vida de Alexandre:

“(Alexandre) Fez prisioneiro dez Ginosofistas que muito haviam con-


tribuído para a revolta de Sabas, tendo sido causa de muitas contra-
riedades para os Macedônios. Como fossem famosos pela exatidão
e sutileza de suas respostas, o rei formulou umas questões que
pareciam insolúveis, declarando que faria morrer primeiro aquele
que respondesse mal, e os outros sucessivamente; e escolheu o
mais velho dentre eles para ser juiz. Perguntou ao primeiro qual era
o maior numero – o dos vivos ou dos mortos: ‘O dos vivos – foi-lhe
respondido; pois os mortos já não existem’. Ao segundo, se era a
terra ou o mar que produzia animais maiores: ‘A terra, pois o mar é
apenas uma parte dela’. Ao terceiro, qual era o menor dos animais:
‘Aquele – foi a resposta – que ainda não é conhecido pelo homem’.
O quarto, interrogado acerca do motivo pelo qual haviam instigado
Sabas à revolta, respondeu: ‘Para que vivesse com gloria ou mor-
resse miseravelmente’. Alexandre perguntou ao quinto se existiu
primeiro o dia ou a noite: ‘O dia – foi a resposta – mas só de um
dia precedeu este a noite’. Estranhando o rei essa resposta, o filóso-
fo acrescentou que perguntas extraordinárias precisavam respostas
extraordinárias (...) Alexandre fez vários presentes aos Ginosofistas
e despediu-os (PLUTARCO, 2002, p.80-81).

Como podemos perceber, os sábios nus são mestres na arte da sutileza


e exatidão nas respostas a perguntas difíceis. Ao contrario do que podemos
conceber como uma característica do pensamento grego, os sábios hindus são
como podemos perceber os precursores das discussões e dos debates lógicos e
céticos.

Entre as influências possíveis que podemos inferir no que diz respeito ao


ceticismo grego, está a ideia presente no pensamento jainista a respeito das
várias manifestações das opiniões ou do caráter não determinado da verdade, o
que pode ser uma primeira forma do que denominamos ‘epoché’. Como exemplo
dessa concepção, podemos citar os chamados ‘tropos’ de Pirro.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como conclusão a respeito da relação e influência dos Gimnosofistas


sobre a filosofia na antiguidade, devemos considerar que, a interlocução entre
as culturas indiana e grega foi não apenas um evento fortuito e pontual, mas
um encontro de culturas que tornou possível o desenvolvimento das formas de
pensar filosófico que posteriormente tanto influenciaram o mundo ocidental,
embora este tenha se distanciado dos saberes do mundo denominado oriental.

Infelizmente ainda carecemos de fontes e pesquisas em português que


possam nos dar uma dimensão dessa presença do pensamento oriental na
filosofia antiga, mas aos poucos surgem novas traduções e estudos que nos
ajudam a rastrear melhor esse processo intercultural. As figuras emblemáticas
de Pitágoras, Pirro e Demócrito nos dão uma noção mínima da amplitude desta
influência que se expandirá com as correntes filosóficas deles oriundas, tais
como, o pitagorismo, a filosofia de Platão e o neoplatonismo de Plotino, bem
como o ceticismo e o atomismo posteriores.

REFERÊNCIAS

GAZZINELLI, G. A vida cética de Pirro, SP, Loyola, 2009.

GORMAN, P. Pitágoras, um vida, SP, Circulo do Livro, 1990.

HEGEL, GWF. Lições sobre a História da Filosofia, México, Fondo de Cultura Economica, 1995.
HENRIQUES, A. Iniciação ao orientalismo, RJ, Record Nova Era, 2000.

JAIN, J.C. Vida e Obra de Mahavira Vardhamana, SP, Palas Athena, 1982.

LACROSSE, Joachim. Uma passagem de Porfirio relativa ao Siva andrógino dos brâmanes da Índia
(tradução), in: Kriterion, Belo Horizonte , Nº 117, Jun/2008, pp.219-233.

LAERTIOS, D. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. Tradução e notas Mario da Gama Kury, Brasília,
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MEAD, G.R.S. Apolônio de Tiana, sábio, profeta e renovador dos mistérios, Brasília, Editora Teosófica,
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PLUTARCO, Alexandre e Cesar, vidas comparadas. Trad. Hélio Vega, SP, Ediouro, 2002.
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VALLE, G. Filosofia Indiana. SP, Loyola, 1997.

ZIMMER, H. Filosofias da Índia, tradução Nilton Almeida Silva e Claudia Giovani Bozza, SP, Palas
Athena, 2008.

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