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Resumo: Estabelecer as relações entre os gregos e os pensadores hindus parece muitas vezes
problemático, principalmente pelo reduzido número de fontes. Em geral, os historiadores da filosofia
não consideram que haja uma ‘Filosofia Oriental’ no mesmo sentido que usamos no Ocidente, mas
é possível estabelecermos o paralelo e as influências que algumas formas de pensamento oriental
exerceram sobre os primeiros filósofos gregos. A proposta deste trabalho é mostrar, a partir de
algumas fontes antigas (Diógenes Laércio e Plutarco) e comentadores contemporâneos, a influência
dos chamados Gimnosofistas (ou sábios nus) da Índia sobre o pensamento filosófico grego das
origens, destacando os filósofos Pitágoras, Demócrito e Pirro, como os autores cujas relações com
estes sábios se apresenta mais evidentes.
Abstract: Establish relations between the Greeks and Hindu Thinkers often seems problematic,
especially when it comes to philosophy. In general, historians of philosophy do not consider that
there is an ‘Eastern philosophy’ in the same sense that we use in the West, but it is possible to
establish the parallel and the influences that some forms of Eastern thought had on the early
Greek philosophers. The purpose of this paper is to show, from some ancient sources (Plutarch and
Diogenes Laertius) and contemporary commentators, the influence of so-called Gymnosophists (or
naked sages) of India on the origins of Greek philosophical thought, highlighting the philosophers
Pythagoras, Democritus and Pirro, as the authors whose relations with these sages appears more
evident.
1 Professor Adjunto do curso de Filosofia da Universidade Federal do Cariri (UFCA), doutorando em Filosofia (UFC).
franz.silva@ufca.edu.br
Recebido em: 17 de maio de 2017, Aceito em: 30 de setembro de 2017.
Introdução
O pensamento oriental3 sempre tem sido visto com distância por parte
dos filósofos ocidentais, para alguns deles as filosofias orientais não passam
de sabedorias ou tradições morais e religiosas, mas nunca filosofias no
sentido rigoroso, embora tenhamos exemplos de grandes diálogos entre
filósofos ocidentais e filosofias orientais, tais como aqueles levados a cabo por
Malebranche, Leibniz, Voltaire, Schopenhauer e Hegel4. Esses diálogos muitas
vezes redundaram em influência direta e indireta nas discussões destes autores,
embora nem sempre haja reconhecimento. Também não podemos desconsiderar
o papel e influência de figuras do século V-VI a.C., como Lao Tsé, Confúcio,
Buda, Mahavira, e posteriormente no séc.VIII, através do pensamento monista
do sábio hindu Shankara, inclusive no pensamento ocidental.
2 Recentemente tem surgido várias publicações no Brasil (livros, artigos), bem como encontros de pesquisa que
buscam tratar da relação entre filosofia ocidental e oriental. É digno de nota o surgimento do GT de Filosofia Oriental
no interior da ANPOF (Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia), apontando para uma tendência que tem
crescido e se consolidado, no sentido da pesquisa e intercambio entre pensamento oriental e filosofia ocidental.
3 O pensamento do Oriente aqui é tomado a partir das tradições filosóficas que se inserem nas regiões que
compreendem o extremo Oriente, especialmente a Índia, China e Japão.
4 O período moderno e o avanço dos intercâmbios entre Ocidente e Oriente permitiu a possibilidade desse diálogo
com os pensadores de ambas as tradições.
5 Os Vedas são os livros sagrados da tradição hindu (o termo Veda tem origem no sânscrito Vidya, conhecimento).
6 Zimmer, H. Filosofias da Índia, tradução Nilton Almeida Silva e Claudia Geovani Bozza, SP, Palas Athena, 2008.
7 Hegel, GWF. Lições sobre a História da Filosofia, Mexico, Fondo de Cultura Economica. Vale lembrar, no entanto,
que embora Hegel seja um dos primeiros filósofos a introduzir o pensamento oriental em suas Lições de História da
Filosofia, sua compreensão destas filosofias é limitada devido o acesso indireto às fontes, em especial por meio das
traduções inglesas.
8 Os Caldeus seriam os sacerdotes e astrólogos da Babilônia, na região da Caldeia.
9 Os Magos ou ‘magoi’ são os sacerdotes da Pérsia que seguem os ensinamentos da religião de Zoroastro (Sec.VII a.C),
considerada uma religião monoteísta com estrito ascetismo. No Novo Testamento são citados como sábios astrólogos
(astrônomos) do Oriente que seguem a estrela de Belém e vão visitar o recém nascido Jesus (Mateus 2,1-12).
10 Druidas eram os sábios que exerciam a função de mestres, sacerdotes, juízes, médicos e filósofos entre as tribos
celtas da região desde a península Ibérica até a Anatólia. A palavra vem de uma junção dos termos ‘deru’ (carvalho)
e ‘wid’ (saber), “aqueles que detém o saber do carvalho”.
11 Gazzineli, G. A vida cética de Pirro, SP, Loyola, p.30-38.
12 Como sabemos o termo “filósofo” remonta a Pitágoras, o qual não se considerava um sábio (Sophos), mas “um amigo
da sabedoria” (philos + sophia).
13 Bárbaros são os povos que não falam a língua grega. O termo se refere ao falar supostamente sem sentido dos
estrangeiros que parece um balbucio (bar bar).
14 Soares, Antonio Jorge. Considerações sobre a origem da Filosofia, in: Revista Direito e Liberdade, vol.6, numero 02,
pags.61-68, jan/jun 2007, Mossoró (RN).
Pitágoras e o Oriente
Uma vez que Apolônio teria seguido os mesmos passos de Pitágoras em sua
formação filosófica e mística, poderíamos supor a possibilidade desta viagem de
descoberta por parte do filósofo de Samos, uma vez que este assumia ser um
“amigo da sabedoria”, um eterno buscador da verdade.
18 Mead, G.R.S. Apolônio de Tiana, sábio, profeta e renovador dos mistérios, Brasília, Editora Teosófica, 2000. Como
nos informa Mead: “Apolônio foi à Índia com um propósito e regressou com uma missão distinta; e provavelmente
suas constantes inquirições co relação aos “homens sábios” que estava procurando, levou Dâmis a imaginar que eles
eram os únicos ‘gimnosofistas’, os ‘filósofos desnudos’, se devemos tomar o termo em seu sentido literal, da lenda
grega popular, que atribuía por ignorância a todos os ascetas hindus as peculiaridades gritantes de um numero muito
pequeno destes ascetas” (p.72).
Segundo vários biógrafos antigos, existia uma ‘moda oriental’ que influenciou
não apenas Pitágoras, mas também Plotino (Séc.II), entre outros filósofos da
época, algo que se tornou mais frequente depois do domínio e das viagens
de Alexandre Magno na região da Índia, como podemos perceber o fascínio
pelo oriente não é uma novidade contemporânea, como podemos perceber. O
discípulo e biógrafo de Plotino, Porfírio de Tiro (234-304), relata sobre uma
estátua andrógina do deus Shiva que tem ligação com o conceito de uma dualidade
que emerge da unidade como traço comum entre o pensamento neoplatônico
e indiano, serve como um dos elementos que permitem traçar paralelos e uma
possível influência mútua entre pensamento grego antigo e indiano19.
19 Lacrosse, Joachim. Uma passagem de Porfirio relativa ao Siva andrógino dos brâmanes da Índia (tradução), in:
Kriterion, Belo Horizonte , Nº 117, Jun/2008, pp.219-233.
É digno de nota que, Diógenes Laércio afirme que, com eles (os
Gimnosofistas), Pirro seguiu o caminho mais nobre da filosofia, sendo ao que
parece a ideia de suspensão do juízo (epokhê). A suspensão do juízo é o ato
de evitar qualquer afirmação sobre o conteúdo da realidade. Já o agnosticismo
reitera essa suspensão no que diz respeito à questão da existência de Deus.
Em comparação com a doutrina cética temos os princípios da não-opinião
(adoxastous), não-ação (apraxia) e indiferença ou imperturbabilidade (ataraxia).
REFERÊNCIAS
HEGEL, GWF. Lições sobre a História da Filosofia, México, Fondo de Cultura Economica, 1995.
HENRIQUES, A. Iniciação ao orientalismo, RJ, Record Nova Era, 2000.
JAIN, J.C. Vida e Obra de Mahavira Vardhamana, SP, Palas Athena, 1982.
LACROSSE, Joachim. Uma passagem de Porfirio relativa ao Siva andrógino dos brâmanes da Índia
(tradução), in: Kriterion, Belo Horizonte , Nº 117, Jun/2008, pp.219-233.
LAERTIOS, D. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. Tradução e notas Mario da Gama Kury, Brasília,
EdUnb, 1988.
MEAD, G.R.S. Apolônio de Tiana, sábio, profeta e renovador dos mistérios, Brasília, Editora Teosófica,
2000.
NANAJIVAKO, B. The Indian origin of Phyrro’s philosophy of epoche, in: Indian Philosophical Quarterly,
vol.XII, n.4, Oct/Dez 1985.
ZIMMER, H. Filosofias da Índia, tradução Nilton Almeida Silva e Claudia Giovani Bozza, SP, Palas
Athena, 2008.