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A filosofia nasce grega. Este pequeno povo do mediterrâneo oriental, que nunca
constituiu um grande império, lançou as bases da civilização ocidental através de um modo
de pensar completamente original que veio a se chamar filosofia. Este modo de pensar se
distingue tanto da religião e suas tradições como do senso comum.
Se a filosofia nasceu grega, se somente este povo até então teve a intuição de
procurar uma explicação para as coisas deste modo, evidentemente houveram condições
históricas e espirituais para que isso ocorresse. Evidentemente isto é um fenômeno
extremamente complexo e muito estudado e para o qual os historiadores já tem algumas
conclusões. A organização social e política dos gregos, entre os séculos VII e VI a.C.,
sofreu profundas transformações que a tornaram algo completamente diferente em
relação a todos os povos da antigüidade e isso permitiu que se questionasse aquilo que até
então era domínio da religião e das tradições. Foi neste ambiente que alguns homens se
destacaram e foram por seus contemporâneos chamados “sábios” (sóphoi) e como tal
lançaram as bases do que posteriormente se chamou philo – sophía, amor à sabedoria.
Os pensadores originários, em quase toda a literatura filosófica, são chamados “pré –
socráticos” e por serem assim denominados, sempre foram encarados como uma espécie de
preparação para os grandes sistemas da chamada “filosofia clássica” que surge com
Sócrates, Platão e Aristóteles.
Esta perspectiva traz implícito um preconceito de que, como toda preparação, como
tudo aquilo que vem antes, uma vez chegado o principal, pode ser dispensado. Os pré –
socráticos foram muitas vezes entendidos como pensadores “ingênuos”, já que não
conseguiram uma formulação e uma resolução dos grandes problemas que a filosofia
começava a se colocar. Isso é um crasso engano. Pelo contrário, o que estes pensadores
dizem já é de pleno direito, filosofia, e de certo modo, até mais filosofia que os clássicos,
já que são eles os criadores da filosofia, ao estabelecer a pergunta pelo fundamento de
todas as coisas, ao cunhar os termos principais, ao elaborar esta nova linguagem, distinta
tanto do senso comum, como da religião e dos mitos. São eles os que colocaram a base do
grande edifício, continuamente construído e reconstruído, que é o pensamento, a
especulação, a reflexão.
Os pensadores originários pertencem a um período da história grega de intensas
modificações econômicas, políticas, sociais e culturais. Os gregos, de um povo pequeno e
insignificante, voltado para si, se transforma em um povo de navegadores, comerciantes e
colonizadores, levando a sua língua e a sua cultura por toda a bacia do mediterrâneo, bem
como sofrendo o influxo das antigas civilizações ali existentes. Isto tudo fez com que o
tradicional modo de organização política e social dos gregos, a CIDADE – ESTADO = Pólis,
baseada, ainda no poder aristocrático, sofresse profundas modificações, em que
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completamente distinto de todas elas, como fizeram os judeus mais ou menos na mesma
época, ou seja, o conceito de Deus como o têm a religião judaica e cristã não foi conhecido
pelos gregos. A Physis é divina sem ser uma divindade. Assim, quase todos os pensadores
originários pretenderam escrever um “tratado” das coisas divinas, aos quais denominavam
Peri Phýseos = sobre a física, ou sobre a natureza. Portanto, é mais do que adequado
chamar os escritos dos pensadores originários de Theo-logía, discurso sobre coisas
divinas, sem que isto expresse o que hoje entendemos por teologia.
A filosofia não nasce na Grécia continental, mas na costa da Ásia Menor, na região da
Jônia, na cidade de Mileto, próspera colônia dos atenienses onde o clima de liberdade
política e intelectual permitiu o florescimento das primeiras expressões do pensamento
filosófico.
Tales é considerado tradicionalmente como o primeiro filósofo, além de
conhecimento matemático, a quem devemos o teorema de Tales, bem como desenvolveu
intensa e importante atividade política em sua cidade. Que se saiba, não deixou nenhum
escrito, mas foi o primeiro a afirmar que Arché, o princípio que rege todas as coisas, seria
a água. Os que vieram depois dele, dizem que ele teria chegado a esta conclusão observando
que o alimento de todas as coisas é úmido, bem como a semente de todas as coisas tem um
caráter úmido. A terra por sua vez, flutuaria sobre a água que assim a sustentaria. Esta
idéia não é distante dos mitos da origem do mundo, que na mitologia grega confere à
divindade chamada “Oceano” a origem do cosmo, porém, Tales, ao dizer que a água é o
princípio de todas as coisas, apela para a observação e a razão.
Tales também teria dito que “tudo está cheio de deuses”, o que pode ser
interpretado no sentido de que tudo está impregnado pela água, princípio primeiro e divino
e como tal anima todas as coisas, permanecendo sempre o mesmo, ainda quando as coisas se
desfazem, e como tal, é imortal.
Heráclito foi apelidado “o obscuro” devido o caráter difícil de seus escritos e de sua
personalidade. Também escreveu um poema de nome Perí Phýseos, em forma de aforismas,
ou seja, sentenças livres de conteúdo denso e difícil interpretação. Heráclito depositou seu
escrito no templo da deusa Artémis de Éfeso, e dele nos chegou algumas dezenas de
frases.
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O Pitagorismo
Das costas da Ásia Menor a especulação filosófica se desloca para a região da Magna
Grécia, hoje sul da Itália e Sicília, região igualmente rica e próspera, onde na cidade de
Eléia surge uma escola que terá a mais formidável intuição da história da filosofia e que
determinará o seu destino. A idéia de que a Arché ou princípio coincide com o Ontos, ou
ser.
Mas o que é o ser? Ora, o ser é tudo aquilo que é! O homem é, a pedra é, a árvore é...
Mas o que faz com que as coisas sejam o que são?! Ora, o ser, entendido em sentido mais
amplo possível. Tudo que existe são entes. O que é um ente? É o ser “sendo” isso ou aquilo.
Em grego, ser se diz Ontos e ente, Ón. No latim, respectivamente Esse e Ens, donde na
nossa língua, ser e ente. O ser é portanto o que faz o ente ser. Se o ser faz com que todas
as coisas sejam o que são, intuíram os eleatas que só o ser é! Portanto, o que é a Phýsis?
Ela é a totalidade do ente manifesto. Como o ser é o que faz os entes serem, então a
Arché, o princípio é o ser... portanto, só o ser é, e como tal pertence-lhe a imutabilidade, a
eternidade, a unidade. Assim, tudo aquilo que é mutável, perecível e múltiplo não é! Ora,
isso quer dizer que tudo o que os nossos sentidos atestam, isto é, a multiplicidade dos
entes em seu constante devir ou vir-a-ser não passa de ilusão! Esta são as linhas gerais do
eleatismo, cujo representante mais importante é Parmênides.
Parmênides foi iniciado nos princípios do pitagorismo e como seus antecessores
escreveu um poema de nome Perí Phýseos, no qual ele fala das três vias ou caminhos:
- Via da verdade bem redonda
- Via das opiniões dos mortais, em que não há certeza veraz
- Via das aparências ou dos fenômenos
1)Via da verdade ou do Ser: “estí gar einaí, méden ho ouk estí “
O Ser é, e não pode não ser e por isso o Ser pode e deve ser afirmado. O Não – Ser
não é e não pode ser de modo algum. O Não – Ser deve ser negado. O Ser é o puro positivo
(afirmativo), absolutamente privado de qualquer negatividade. O Não – Ser é o absoluto
contraditório deste absoluto positivo.
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O que Parmênides quer dizer com tais afirmações? Lembremo-nos que para ele a
Arché, ou seja, o princípio que governa todas as coisas, é o Ser. Isto quer dizer que só o
princípio é que é em sentido estrito. Só ele é a verdade e todo o resto não passa de ilusão e
aparência. Portanto o princípio, deve e precisa ser sempre afirmado. Por sua vez, o Não –
Ser é o que apresenta a mudança e a ilusão e como tal, para que permaneçamos na verdade,
é necessário que o Não – Ser seja sempre negado, para que não caiamos no erro, na
contradição e na ilusão.
Em grego, verdade se diz Alétheia; Léthes quer dizer esquecimento, velamento,
ocultação. A – Létheia, por sua vez quer dizer não – esquecimento, desvelamento,
manifestação. O Ser, que por sua vez é a verdade, é portanto lembrança, desvelamento,
manifestação, presença. Como então o Ser pode se dar sem estar em devir, isto é, em
mudança e portanto no erro? Ora, enquanto pensamento! Daí a segunda grande afirmação
de Parmênides, a partir da qual nasce a ontologia ou doutrina do Ser:
“tó gar noein estín te kaí einai” : pois o mesmo é pensar e ser.
acrescentado ou tirado algo, ele não seria ainda, ou já teria deixado de ser. Por isso o Ser é
dito perfeito.
O Ser é igualmente Uno e Indivisível. Se ele fosse divisível, ele teria partes e
portanto seria múltiplo, o que é contraditório com a idéia da sua absoluta unidade, pois toda
multiplicidade é ilusão e contradição. Os gregos não conseguiam entender a multiplicidade
como algo positivo.
Parmênides diz também que o Ser é redondo ou esferiforme. Com isso ele compara o
Ser à perfeição do círculo ou da esfera, no qual todos os pontos estão a igual distância do
centro, como na perfeição do Ser.
O Atomismo: Leucipo (c. 480 – 420 a.C.) e Demócrito (c. 460 – 380 a.C.)
- O Ser não é uno, mas composto de uma infinidade de corpúsculos invisíveis em pequenez e
volume, estes sim, unos e indivisíveis, os átomos: a – tomos = não divisível.
- Estes corpúsculos estão em contínuo movimento no vazio.
- Os corpúsculos, reunindo-se, geram as coisas e separando-se, as destroem.
- Os corpúsculos estão em constante interação, dando origem às coisas.
Para os atomistas, ocorre destruição quando o vazio se insinua no meio sólido. Os
átomos por usa vez, diferem uns dos outros pela sua forma geométrica. Os átomos, apesar
de múltiplos, guardam, individualmente as características do Ser – Uno de Parmênides: são
imutáveis, indestrutíveis, eternos.
A multiplicidade de dá então ao nível dos fenômenos e não a nível dos átomos, que
permanecem individualmente sempre os mesmo, ao mesmo tempo que, sendo muitos e
entrando em constante composição, explicam a multiplicidade dos fenômenos.
Um átomo diferencia-se de outro não só por sua forma geométrica (figura), como por
sua ordem e posição em relação aos outros. O átomo é indivisível porque é invisível (os
gregos entendiam que o que é visível é sempre passível de divisão), porém poderiam se
“vistos” pelo intelecto, já que possuíam uma figura semelhante às formas visíveis. Dos
átomos derivam não só a multiplicidade das coisas, como suas afecções, qualidades e
quantidades pelos átomos que entram na sua composição.
Diferentemente de Empédocles, não haveria nenhuma outra força fazendo com que
os átomos se juntem ou se separem, mas todas as suas composições derivariam do
movimento intríseco de que os átomos são dotados. Este movimento, a princípio anárquico e
desordenado, diferencia-se gradualmente em um movimento em aspiral, de forma que os
átomos vão se agrupando pela sua semelhança e se agregando, concentrando-se os mais
pesados no centro e os mais leves nas beiras, como o movimento da bateia do garimpeiro.
Como há infinitos átomos, há uma quantidade infinita de mundos, num processo de
formação e destruição contínua. A causa da formação das coisas e dos mundos seria o
próprio movimento, sem haver nenhuma finalidade neste movimento.
Também o homem é constituído de átomos e sua “animação” seria resultado da
composição de átomos leves, lisos e esféricos, de natureza ígnea, isto é, semelhantes ao
fogo, que se propagariam por todo o corpo, vivificando-o por serem leves, tenderiam
constantemente a sair do corpo, sendo continuamente reintegrados ao corpo pela
respiração. Se a respiração cessa, os átomos ígneos escapam e sobrevém a morte.
O conhecimento acontece pela emanação dos átomos a partir das coisas, que assim
entram em contato com os sentidos: átomos que saem das coisas impressionam os átomos
semelhantes nos sentidos, produzindo-se as sensações por semelhança.
30 anos. Quando da morte deste, foi processado por impiedade (desrespeito às divindades)
e expulso da cidade.
Para Anaxágoras, haveriam “sementes” (spermata) de todas as coisas, em quantidade
e qualidade infinitas. Estas sementes não teriam limite em sua grandeza. Uma vez divididas,
guardariam sempre as suas características e propriedades. Os autores posteriores
chamaram estas sementes de Homeomerias, aquilo que dividido permanece sempre o
mesmo. As homeomerias estariam, a princípio, todas juntas, numa mistura em que uma
seria indistingüível da outra. A Divina Inteligência (Nous) teria posto as homeomerias em
movimento, surgindo daí as diferentes coisas. Toda e cada coisa não seria mais do que uma
mistura , em que predominaria um tipo de semente em uma determinada coisa, e outra
semente em outra. Assim, em cada coisa haveria a presença de todas as outra, o que
explicaria o crescimento dos seres: estes ao alimentarem-se, retirariam do alimento a
“semente” necessária para o seu crescimento, daí TUDO ESTAR EM TUDO E TUDO
PODER NASCER DE TUDO. Cada coisa contém, em diferentes proporções, todas as
outras.
Considerando-se a totalidade das homeomeiras, o seu somatório seria sempre o
mesmo, salvando-se assim o princípio eleata da imutabilidade e unidade do Ser.
A Divina Inteligência (Nous), por sua vez seria ilimitada, independente e não
misturada com nada. Seria a mais sutil e pura de todas as coisas, com pleno conhecimento
de tudo e possuidora de imensa força, a tudo dominando, movendo e ordenando e dando
origem ao cosmos por composição, separação e divisão.
O Nous não seria uma natureza espiritual, pois ainda no se tinha chegado à
compreensão deste tipo de realidade, mas seria uma outra força da natureza, capaz de se
misturar com tudo sem necessariamente entrar na composição.
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A Sofística
Protágoras
A sua famosa frase: "O homem é a medida de todas as coisas: das que são pelo que
são e das que não são porque não são" é a expressão mais acabada de todo o movimento
sofístico. Protágoras introduz o relativismo na filosofia: nega a possibilidade de princípios
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Górgias:
Tese básica de Górgias: Não existe o Ser; a rigor nada existe. Mesmo que existisse o
Ser, ele não seria compreensível e se fosse compreensível, não seria comunicável de pessoa
a pessoa. Com isto desaparece o critério de verdade, pois do inexistente, do incognoscível e
do inexprimível, não há possibilidade de juízo.
1-A rigor nada existe: O Ser não é; O Ser é não - ser. Para justificar sua tese Górgias diz:
do ser já foi dito que é uno e que é múltiplo; que é ingênito e que é gerado; que é móvel e
que é imóvel. Assim, o ser se existisse, não seria nem uno nem múltiplo, nem gerado, nem
ingênito, nem móvel, nem imóvel. Por isso as investigações dos filósofos da physis se anulam
e o objeto que eles investigam, o ser, não pode ser daí, o ser é não - ser.
2- Parmênides colocara que ser e pensar são o mesmo. Porém nos é evidente que podemos
pensar coisas inexistentes. Logo Ser e não - Ser são igualmente pensáveis.
3- A palavra nunca pode exprimir exatamente o que uma coisa é. Palavras são sons. Como
elas podem pretende exprimir formas, cores, movimentos? Igualmente, como uma mesma
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Hípias
Este preocupa-se não com a antilogia (Protágoras) ou a retórica (Górgias), mas com a
polimatia, ou seja, um saber enciclopédico, capaz de discorrer sobre qualquer assunto e
para consegui-lo, Hípias ensinava técnicas a memorização.
Hípias ensinava que os homens são iguais por natureza e não por lei. O que os une é o
fato de todos terem a mesma natureza humana. As leis, ao contrário de tornar os homens
iguais, os divide e os opõe e esta natureza comum é destruída. Assim, ele é o primeiro a
pregar um ideal cosmopolita e igualitário, o que para os gregos era algo novo e
revolucionário.
Antifonte
Pródico
Mestre na arte de fazer discursos, seu método consiste na sinonímia, isto é, sobre a
distinção dos vários sinônimos e a precisa determinação das nuances de significado entre as
palavras. Assim a linguagem se torna o instrumento de incontáveis jogos de semelhanças e
diferenças que permite dizer (ou não dizer...) todas as coisas. Isto era extremamente útil
nos tribunais e assembléias, pois pela distinção do significado das palavras, "confundia-se"
o adversário e ganhava-se a causa.
É de Pródico o chamado "mito de Herácles na encruzilhada" em que um jovem se
pergunta qual o caminho seguir na vida. A virtude revela-se como a busca do útil, que traz a
felicidade e o prazer duradouros e não a felicidade e prazer transitórios. Deve-se buscar,
pelo autodomínio e a reflexão o prazer mais intenso e duradouro.
Pródico explica a origem na crença nos deuses, como uma espécie de divinização das
coisas úteis: a terra, a chuva, a alegria, pois é divino aquilo que mais vale.
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PLATÃO
Biografia:
Platão nasceu em Atenas, em 427 a.C.; seu verdadeiro nome era Arístocles e Platão é
um apelido, pois “platos” em grego quer dizer “largo”, pelo fato dele ter um tórax muito
largo e porte atlético. Tanto por parte de pai como de mãe era de família nobre.
Foi discípulos do heraclitiano Crátilo, mas também conheceu as idéias de Parmênides,
Empédocles, Anaxágoras e dos atomistas. Conheceu Sócrates por volta de 407 a.C. e
freqüentou suas lições por cerca de 10 anos, visando aprimorar sua formação política. Entre
404 e 403 a.C. dois parentes seus, Cármines e Crítias participaram do governo oligárquico
de Atenas, tendo Platão por esta ocasião se decepcionado com a vida política.
Em 399 a.C. Sócrates é condenado à morte quando então estava no poder o partido
democrático. Para evitar perseguições, Platão, junto com um grupo de socráticos, vai viver
na cidade de Megara, onde desfrutam das lições do famoso geômetra Euclides. Teria
também estado em Cirene, no norte da África, onde entrou em contato com o matemático
Teodoro e depois foi para o sul da Itália, onde tomou lições com os pitagóricos Filolau e
Eurico em 388 a.C.
Nesta ocasião, conhece Dionísio, governante da cidade de Siracusa, em quem
pretende aplicar suas idéias educativas do rei – filósofo, desenvolvidas em seu diálogo de
nome “Górgias”. Os dois acabam se desentendendo e Dionísio expulsa Platão de Siracusa e o
faz embarcar para a cidade de Égina. Como Égina e Atenas estavam em guerra, Platão é
preso e vendido como escravo, mas é logo resgatado por um amigo, Anicérides de Cirene.
Retorna a Atenas onde funda sua escola, a Academia, num ginásio dedicado ao herói
ateniense Academo (daí o nome “academia”). Nesta ocasião teria escrito o diálogo Mênon.
Angaria muito discípulos e sua escola se torna famosa.
Em 367 a.C. Dionísio e Platão se reconciliam e novamente aquele convida Platão a
voltar a Siracusa para formá-lo filosoficamente. No entanto Dionísio mantém Platão quase
prisioneiro, que foge e volta a Atenas. Em 361 a.C. Díon, sobrinho de Dionísio, convence
Platão a ir Siracusa uma terceira vez, mas acontece uma nova briga e Platão volta para
Atenas em 360 a.C. e lá permanece até a morte em 347 a.C. com a avançada idade de 80
anos.
A Obra de Platão
Os escritos de Platão nos chegaram quase todos: 36 diálogos, que foram reunidos em
nove tetralogias (grupos de quatro), sem seguir uma ordem cronológica, o que dificulta o
estudo de Platão, pois é impossível traçar um desenvolvimento claro de suas idéias, ao longo
dos mais de 40 anos que duraram sua produção literária.
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Outro fator que dificulta o estudo de Platão é a existência de uma obra esotérica
(isto é, só para os de dentro da academia, e que era passado oralmente) e uma obra
exotérica (isto é, para “os de fora”, obras dedicadas a publicação, mas que não contém os
principais pontos de sua doutrina filosófica). Da doutrina esotérica não nos chegou nada; da
doutrina exotérica, praticamente tudo, os famosos “Diálogos”. Assim, embora o conteúdo
dos “Diálogos” seja riquíssimo, os elementos mais importantes do pensamento platônico não
estão lá expostos de modo explícito. Platão preferia o ensino oral ao escrito, pois para ele o
saber está na palavra viva. O escrito não alimenta o saber, serve apenas para trazer à
memória o que já sabemos. O escrito é sem alma, não tem como se defender dos críticos. O
discurso é sempre vivo, enquanto o escrito é como uma imagem da realidade. Isto faz com
que as suas principais doutrinas não tenham sido escritas!
Outros, antes e depois de Platão usaram esta forma literária, mas nenhum com o
brilho e o estilo de Platão. Os diálogos representam conversas idealizadas entre o herói,
isto é, Sócrates, e algum ou vários debatedores ou opositores. Assim Platão coloca na boca
de Sócrates, diversas ideias, que este jamais teve.
1-A unidade e o sistema – tratando-se de uma obra vasta heterogênea, fica difícil
estabelecer a unidade do corpo de doutrinas de Platão. Por outro lado não há um sistema
filosófico em Platão, mas diversas questões de caráter ético, político, ontológico,
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gnoseológico, etc. e cada diálogo acentua mais um aspecto do que outro. Não é raro
encontrar contradições entre o conteúdo dos diálogos e uma mesma doutrina sofre mais de
uma versão.
2-A influência Socrática – Sócrates e Platão conviveram cerca de 10 anos, mas todos os
diálogos de Platão foram escritos depois da morte daquele. Que doutrina é originalmente
de um e que doutrina é originalmente de outro é algo difícil de determinar. Platão ouviu de
Sócrates principalmente o método de filosofar: a ironia, o “não saber”, a maiêutica, e
confutação....
3-A ordem dos escritos – algo que facilitaria muito o estudo de Platão seria a
determinação da ordem cronológica em que os diálogosforam escritos, pois isto permitiria
acompanhar o desenvolvimento e amadurecimento do pensamento platônico. Assim, após
vários estudos comparativos é possível chegar a este esquema:
-Diálogos da juventude – os chamados diálogos socráticos curtos.
-primeiros escritos – Górgias, Mênon, Crátilo, Protágoras.
-Diálogos da fase média – Banquete, Fedon, República, Fedro.
-Diálogos da fase madura – Teeteto, Parmênides, Sofista, Político, Timeu, Filebo, Crítias,
As Leis.
4-A relação entre mito e logos em Platão – para transmitir certos conceitos filosóficos
complexos, como a doutrina da reminiscência ou da metempsicose, freqüentemente Platão
se utiliza de mitos, para os quais é difícil determinar que nível de veracidade Platão
pretende lhes dar. Em alguns casos, eles são como que “imagens de compreensão”,
“metáforas”, para perpassar certos conceitos que uma compreensão imediata é difícil se
não impossível.
5-As tendências do pensamento platônico – é possível separar, ainda que de modo
artificial, três grandes tendências na obra de Platão. Uma de caráter ontológico e
gnoseológico, a mais original e base para as demais. Uma de caráter místico e religioso, que
teve grande desenvolvimento na época do neoplatonismo (Séc. IV e V a.C.) e a partir daí,
todo o cristianismo. Uma de caráter ético e político, mais estudada modernamente, para a
compreensão das origens da política entre os gregos.
A METAFÍSICA DE PLATÃO
A)a doutrina das idéias: de cada coisa particular existe um gênero ou essência que existe
em si e por si, como realidade espiritual, embora o acesso a esta realidade não seja fácil
nem imediatamente comunicável.
B)a teoria dos primeiros princípios que explicaria a origem, desenvolvimento e inter-
relacionamento das idéias. Destes princípios Platão não fez uma formulação escrita
completa.
C)a doutrina do Demiurgo – o artífice e Pai do Universo, que organizou o cosmo sensível a
partir do modelo inteligível. Segundo Platão, é impossível falar a todos a respeito dele. O
Demiurgo é a noção mais próxima do Deus judaico – cristão.
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Para nós, hoje, idéia quer dizer um conceito, um pensamento, uma representação
mental, que se dá ao nível psicológico ou do conhecimento. Para Platão, a idéia é o objeto
específico do pensamento, aquilo para o qual a alma, o pensamento está voltado, aquilo que
faz o pensamento ser pensamento. A rigor a idéia é aquilo que realmente é e existe, como
uma realidade em si mesma, a natureza específica de cada coisa, sua essência, que se dá
como puro inteligível. Para os gregos até Platão, a palavra idéia descrevia tão somente a
forma visível das coisas, a sua forma exterior, que se capta com os olhos. Como se nota,
Platão produz uma inversão do sentido original da palavra: o que até aquele momento
designava a forma exterior das coisas, passa a designar a sua realidade interior, íntima,
transcendente, objeto do puro pensamento e não mais da visão imediata.
As idéias de Platão são o originário qualitativo e imaterial das coisas, são realidades
de caráter não físico, mas meta – físico. Assim Platão postula, ao lado da visão das coisas
materiais (uma visão corpórea) uma visão das coisas espirituais, uma visão da mente, da
alma, que capta as formas puras e inteligíveis das coisas. O que importa não é a visão em si
ou a coisa vista, mas a forma espiritual, o Ser.
O “Ser” das idéias é um tipo de ser puramente inteligível e incorpóreo, que não nasce
nem perece, que é por si e em si em sentido pleno e somente este Ser pode ser dito
verdadeiro e portanto, cognoscível. O mundo sensível em que o Ser está misturado à
mudança pode ser objeto apenas de opiniões (doxa). Somente do inteligível se pode dizer
que há ciência (epistéme) e sabedoria (sophia).
As idéias, não devem estar sujeitas ao vir – a – ser, à mudança, mas devem ter como
ser próprio delas aquele ser que permanece sempre o mesmo. O vir – a – ser das coisas
sensíveis se explica por sua composição material e toda a estabilidade e permanência que
possuem, tomam emprestado ao ser das idéias. Assim como que há uma explicação para as
posturas antagônicas de Heráclito e Parmênides. A observação de Heráclito de que tudo
está em perpétua mudança se refere ao mundo sensível. A observação de Parmênides de
que nada muda se refere ao mundo inteligível. Com isto suplanta-se o relativismo de
Heráclito que proclama o fluxo perene e radical de todas as coisas e dos sofistas, que
faziam as coisas depender da observação particular de cada sujeito.
As idéias tem uma realidade que não é arrastada pelo vir – a – ser das coisas, que não
é relativa ao sujeito que observa, implicando uma firmeza e estabilidade estruturais. Se
não fosse assim, todo o nosso conhecimento e avaliações morais estariam carentes de
significado e nosso falar não teria sentido algum.
O verdadeiro conhecimento consiste em unificar a multiplicidade numa visão
sinóptica, capaz de reunir a multiplicidade sensorial na unidade da idéia da qual o sensível
depende. O filósofo é aquele que é capaz de saber ver o conjunto e o que capta a unidade
na multiplicidade.
O Dualismo Platônico
a)O sensível é “mímesis”, isto é, imitação do inteligível. O sensível “imita” o inteligível sem
nunca conseguir igualá-lo, já que está em perpétua mudança, enquanto o inteligível é sempre
igual a si mesmo.
b)O sensível é “metéxis”, isto é, participação do inteligível. É pelo inteligível que o sensível
realiza a sua essência própria, para ter parte com a idéia e é só assim que o sensível pode
ser conhecido.
c)O sensível é “Koinonía”, isto é, comunhão com o inteligível. Tudo que o sensível tem de
ser e de inteligibilidade o recebe do inteligível por comunhão com ele.
d)O sensível é “parousía”, isto é, presença do inteligível, na medida em que a causa está na
coisa causada, em que o princípio está na coisa principiada, a condição na coisa condicionada.
Esta participação do sensível no inteligível é feita pela inteligência ordenadora, isto
é, o Demiurgo, o artífice que molda a matéria segundo o modelo das idéias.
A COSMOLOGIA DE PLATÃO
necessária a ação da díade como princípio da diferenciação sobre o ponto, segundo as idéias
de “curto” e “longo” produzindo-se a linha, que se torna assim um novo princípio de unidade.
Da ação da díade, sobre a linha segundo as idéias de “largo” e “estreito” produz-se o plano,
que se torna um novo princípio da unidade. Da ação da díade segundo as idéias de “alto” e
“baixo” produz-se o sólido, base para a formação das figuras geométricas. Da combinação
de números e linhas surgem os entes matemáticos: triângulos, retângulos, circunferência,
etc. Da combinação das idéias de números, linhas, planos, surgem os entes matemáticos
“sólidos”: esfera, cone, pirâmide, etc.
Daí a importância dos seres matemáticos e da matemática de um modo geral no
sistema de Platão, porque eles são os intermediários entre os dois diferentes gêneros de
ser: o ser eterno, sempre igual a si mesmo, imutável, etc. e o ser que sofre mudança,
geração e corrupção, o vir – a – ser ou devir, do mundo sensível. Os entes matemáticos,
combinando-se com outras idéias e moldados pelo Demiurgo na matéria indiferenciada é
que produz o mundo sensível.
Para Platão, tudo o que está sujeito ao processo de geração e corrupção, isto é, ao
devir, ou vir – a – ser, como é o mundo sensível exige uma causa (Aitía) porque toda coisa
gerada precisa de algo que a gere. Esta causa é o Demiurgo ou Artífice do Universo, ou, em
termos metafísicos é a causa eficiente, ou seja, o que “faz”. Assim como o barro precisa do
oleiro para que se produza o vaso, a matéria precisa de Demiurgo para que o mundo sensível
aconteça. Assim como o oleiro produz o vaso segundo o modelo que está em sua mente, o
Demiurgo produz o universo a partir do modelo que é o mundo inteligível, pela combinação
das diversas idéias. Assim, toda beleza, harmonia e ordem que há no mundo sensível deriva
do modelo tirado do mundo inteligível. O mundo é belo porque Demiurgo, ao construí-lo,
seguiu o modelo eterno e imutável. O mundo em sua totalidade é a mais bela de todas as
realidades criadas e o Demiurgo o melhor de todos os artífices, pois ele realiza a mais
perfeita das idéias, a do Bem/ Uno ao nível mais ínfimo de ser, a matéria.
O mundo inteligível é o mundo do Ser enquanto tal, imperecível, eterno, sempre igual a
si mesmo. O mundo sensível é o mundo do vir - a - ser que possui o ser em sentido parcial e
derivado, sujeito à mudança, à geração e à corrupção. Embora não constitua um "mundo" ou
realidade, pode-se falar do "não- ser", como aquilo que é contraditório ou diverso, que não
pode ser pensado se não como contradição.
Se por um lado, a dependência do nível inferior é necessária, não quer dizer que ela
seja suficiente, pois se por um lado o nível ontológico superior explica a ordem e a unidade
do nível inferior, não explica sua diferença interna, isto é seus aspectos de multiplicidade e
pluralidade. Assim, em todos os níveis, além do princípio de unidade, há necessidade de ação
de um princípio de diferenciação, que é a determinação da díade.
Por exemplo: o ponto representa o uno ao nível do universo matemático; dele todos
outros entes geométricos dependem. Mas ele por si mesmo não pode criá-los. Torna-se
necessária a ação da díade como princípio da diferenciação sobre o ponto, segundo as idéias
de "curto" e "longo" produzindo-se a linha, que se torna assim um novo princípio de
unidade. Da ação da díade, sobre a linha segundo as idéias de "largo" e "estreito" produz-se
27
o plano, que se torna um novo princípio da unidade. Da ação da díade segundo as idéias de
"alto" e "baixo" produz-se o sólido, base para a formação das figuras geométricas. Da
combinação de números e linhas surgem os entes matemáticos: triângulos, retângulos,
circunferência, etc. Da combinação das idéias de números, linhas, planos, surgem os entes
matemáticos "sólidos": esfera, cone, pirâmide, etc.
Daí a importância dos seres matemáticos e da matemática de um modo geral no
sistema de Platão, porque eles são os intermediários entre os dois diferentes gêneros de
ser: o ser eterno, sempre igual a si mesmo, imutável, etc. e o ser que sofre mudança,
geração e corrupção, o vir - a - ser ou devir, do mundo sensível. Os entes matemáticos,
combinando-se com outras idéias e moldados pelo Demiurgo na matéria indiferenciada é que
produz o mundo sensível.
Para Platão, tudo o que está sujeito ao processo de geração e corrupção, isto é, ao
devir, ou vir - a - ser, como é o mundo sensível exige uma causa ( Aitía) porque toda coisa
gerada precisa de algo que a gere. Esta Causa é o Demiurgo ou Artífice do Universo, ou,
em termos metafísicos é a causa eficiente, ou seja, o que " faz". Assim como o barro
precisa do oleiro para que se produza o vaso, a matéria precisa do Demiurgo para que o
mundo sensível aconteça. Assim como o oleiro produz o vaso segundo o modelo que esta em
sua mente, o Demiurgo produz o universo a partir do modelo que é o mundo inteligível, pela
combinação das diversas idéias. Assim, toda beleza, harmonia e ordem que há no mundo
sensível deriva do modelo tirado do mundo inteligível. O mundo é belo porque o Demiurgo,
ao construí-lo, seguiu o modelo eterno e imutável. O mundo em sua totalidade é a mais bela
de todas as realidades criadas e o Demiurgo o melhor de todos os artífices, pois ele realiza
a mais perfeita das idéias, a do Bem/ Uno ao nível mais ínfimo de ser, a matéria.
Ao nível inteligível a determinação do Uno/ Bem sobre a Díade indiferenciada é
suficiente para produzir as idéias e os entes matemáticos, mas ao nível do sensível, a Díade
é representada pela matéria indiferenciada e o Demiurgo representou o Uno/ Bem, que
assim "imprime" na matéria indiferenciada as "marcas", o "selo" derivado das idéias. Esta
impressão se dá sempre segundo princípios numéricos e geométricos. O que o princípio
material recebe não são as Idéias eternas diretamente, mas como que "imagens" mediadas
pelos seres matemáticos.
O princípio material:
As Idéias não estão num "espaço" e o mundo das idéias não é um "lugar", mas para que
as coisas sensíveis venham a existir é necessário que elas se dêem num espaço
( Chora) e num determinado lugar ( tópos) do espaço. Cada coisa sensível tem seu "lugar" ou
"sede" e só as coisas sensíveis, que são geradas, ocupam lugar no espaço. As idéias não
estão no espaço.
Além da espacialidade, o princípio material tem a característica de ser o receptáculo
da forma inteligível ( assim como o barro pode adquirir as mais diversas formas, ele mesmo
28
não tendo uma forma definida) e por isso a matéria quenão tem forma alguma e é dita "
indiferenciada" : para acolher toda e qualquer forma, a matéria não pode ter forma alguma.
Segundo Platão, este princípio material "primitivo" e indiferenciado antes de receber
a determinação pelo Demiurgo era uma espécie de "massa", ou "caldo" em constante
processo de agitação e movimento, trazendo em si os traços dos quatro elementos
primordiais ( ar, água, terra, fogo). O princípio material seria como que um feixe de forças,
agitações, movimentos desordenados e caóticos.
Assim, pode se dizer que o princípio material é a Díade indeterminada ao nível do
sensível. Neste estado material, ela se torna pouco moldável pelo Uno/ Bem isto é, pelo
inteligível e o racional, que não consegue submetê-la totalmente, dando origem às falhas,
desordens e descomedimentos próprios do mundo sensível.
O Demiurgo enquanto é "Bom" em sumo grau, opera atuando o Uno/ Bem na matéria,
colocando ordem no seio da desordem. O Demiurgo atualiza a unidade na multiplicidade, por
meio da medida e proporção e das relações numéricas e geométricas. Ordenar o universo é
basicamente produzir ou introduzir relações numéricas no princípio material. A atividade de
Demiurgo consiste em levar as coisas que estão em condições de desordenadas a uma
medida, a uma ordem, a uma proporção.
vida atual, as verdades que agora estão veladas. Assim a teoria do conhecimento de Platão
recebeu influências não só órfico-pitagóricas, como também da maiêutica socrática e a
doutrina da anamnese tem como conseqüência a doutrina da metempsicose (transmigração
das almas ou reencarnação).
Uma prova para Platão da doutrina de anamnese é a existência dos conceitos
matemáticos: a experiência sensível do que seja o maior ou menor, o que seja um círculo, um
quadrado, esfera é capaz de produzir em nós uma noção muito mais perfeita de cada um
destes entes, de forma que os conceitos ideais a que a alma chega, são muito superiores
aos que lhes vem pelos sentidos, o que demonstra que de algum modo a alma já possuía
estes conhecimentos perfeitos. Os sentidos só nos dão conhecimentos imperfeitos.
Conhecimentos perfeitos a alma o que os retira de si mesma, interiorizando-se, pois que os
possui originalmente. Não só os conhecimentos matemáticos, mas também os éticos e
estéticos: o que é belo, bom e verdadeiro, o justo, o santo, a alma não retira estes
conhecimentos da experiência sensível, mas é capaz de reconhecê-los, o que indica que já
os possui.
A reminiscência supõe uma espécie de "impressão" na alma das idéias de todas as
coisas, uma espécie de "visão" metafísica originária da verdade, do mundo ideal/ inteligível.
A alma porém, ao ligar-se ao corpo esquece, mas não totalmente, os conteúdos que
contemplou no mundo das idéias.
Na alma possuiríamos uma intuição originária do verdadeiro. O conhecimento por sua
vez é proporcional ao ser. O ser que esta no mundo ideal é cognoscível. O sensível por sua
vez por trazer em si a "mistura" do ser e do não- ser, do que é e do que não é, só pode ser
objeto de opinião ( Doxa). O conhecimento do ser ( e portanto da realidade supra sensível)
é sempre ciência ( epistéme). A opinião por sua vez, divide-se em uma imaginação e crença.
Ao nível do inteligível a ciência se divide em conhecimento mediano e intelecção pura ou
sabedoria ( sophía). Os homens comuns estão presos à imaginação e à crença.
O destino da alma Platão e descreveu em termos míticos, que ele auriu dos órfico -
pitagoricos. Em linhas gerais, todos os mitos para explicar a origem e destino da alma tem
em comum as seguintes idéias: o homem está sobre a terra como que de passagem e sua
vida terrena é como uma provação. A verdadeira vida está no além, no Hades ( o "céu" dos
gregos). Após a morte a alma é julgada segundo os critérios da justiça e da injustiça, da
temperança e da devassidão, da virtude e do vício. Se a alma viveu mais na justiça, na
temperança e na virtude, ela irá para a "ilha dos bem- aventurados", caso contrário irá para
o tártaro. Se viveu parte uma coisa, parte outra será temporariamente punida.
A Metempsicose:
pois isto se lhes tornou natural. Daí procuram ligar- se logo a corpos e não só de homens,
mas também de animais, na proporção da virtude ou do vício em que viveram.
As almas teriam sido criadas em número limitado, de modo que, se todas recebessem
um prêmio ou castigo eternos, chegaria o momento em que não haveria mais almas sobre a
terra. Por isso em certos textos de Platão postula-se que o prêmio ou castigo não seriam
eternos, mas que durariam um tempo, mil anos, ao final dos quais as almas voltariam e
encarnar-se sobre a terra, de modo que sempre haveria almas indo e vindo do paraíso ou do
tártaro e a terra estaria sempre habitada.
O homem não é livre para escolher entre viver e não viver, mas é livre para escolher
como viver, segundo a virtude ou o vício. No entanto esta escolha depende da capacidade
de cultivar o conhecimento e a ciência, que é o que dirige a vida para o bem e para o mal.
Daí a importância da filosofia, para que a alma se cultive e se encaminhe para a libertação
do ciclo de reencarnações e ascenda ao paraíso.
Originalmente as almas estariam junto aos deuses, levando uma vida divina e bem-
aventurada. O fato de serem lançadas à terra e ligadas a um corpo significa que teriam
cometido uma ofensa ou uma revolta contra estas divindades superiores, recebendo assim
este castigo e devendo purgar esta culpa.
Os matemáticos conseguem chegar ao conhecimento mediano ( dianóia), mas só os
filósofos conseguem chegar a intelecção pura (noésis). Há portanto uma dialética
ascendente no processo do conhecimento. A medida que nos livramos dos sentidos e das
coisas sensíveis, somos conduzirão à contemplação de realidades ideais cada vez mais
superiores, e de idéia em idéia, chega-se a Idéia Suprema, o Bem/ Uno.
A alma é o princípio de movimento e este como tal nunca pode cessar. As almas são
geradas pelo Demiurgo, tendo portanto um nascimento, mas não estão sujeitas à morte,
como tudo que procede do Demiurgo: o mundo também é eterno.
A existência e a imortalidade da alma só tem sentido se admite um ser, uma realidade
supra- sensível, espiritual, tal qual é o "mundo das idéias". Isto significa em última analise
que a alma pertence a dimensão do inteligível, do meta- empírico, do incorruptível e esta é a
natureza última do homem.
O Destino da Alma
A Ética de Platão
A palavra ética vem do grego, "éthos" e significa costume, como no latim, moral, vem
do "mores", que igualmente significa costume. A ética é a reflexão racional sobre os
fundamentos do comportamento individual e social do homem, isto é, os costumes e leis,
escritos ou não, que reagem nossas relações uns com os outros e com a "cidade", isto é, a
comunidade política.
A ética está entre as principais preocupações de Platão que desenvolveu amplamente
em alguns de seus diálogos: Fédon, República, Górgias, Leis... e é marcadamente dualista,
devido as relações entre a alma ( psyché) e o corpo ( somma), pois se fundamente sobre a
metafísica das relações entre o mundo sensível e o inteligível, o material e o espiritual. Aos
princípios metafísicos vem somar o componente religioso, dos cultos órficos e mistéricos,
acentuando a oposição estrutural entre as duas partes que compõe o ser humano, o corpo e
a alma. A união entre o corpo e a alma para Platão não é natural, mas, pelo contrário é anti-
natural. O corpo é entendido como túmulo ou cárcere da alma. Enquanto temos e estamos no
corpo, estamos mortos, pois o que nós somos em última instância é a nossa alma. A alma
enquanto está ligada ao corpo, está como que encerrada num túmulo: a morte é a libertação
da alma.
O corpo para Platão é a fonte de todo mal: dos amores insanos, das paixões,
inimizades, discórdias, ignorância, desregramentos, vícios e loucuras. A salvação da alma é
fugir o mais possível de tudo o que for corporal. Por isso, a filosofia é antes de tudo uma
busca, uma procura da morte! A verdadeira filosofia é um exercício de morrer, pois ao
morrer, a alma é libertada e pode realizar sua essência última no mundo inteligível, que é
viver na contemplação das realidades eternas e do Bem- Uno. Mas isto não é uma apologia
do suicídio! Não adianta morrer, se a alma não estiver cultivada! O filósofo, continuará
neste mundo e nesta vida, num esforço de cultivo de sua alma e mortificando seu corpo,
pois se assim não fizer, não poderá escapar ao ciclo da reencarnações. Se morrermos
"apressadamente" sem termos cultivado nossa alma, de nada adianta... A vida neste mundo é
fazer morrer o que é corporal e cultivar a alma, para que quando a alma se separar do
corpo, não queira mais ficar ligada a ele e busque logo o mundo inteligível. O filósofo de
cultivar a fuga do mundo ( sensível) e isto significa buscar e cultivar tudo o que é virtuoso
e procurar assemelhar-se ao que é divino.
A Tábua de valores:
- Acima de tudo estariam os seus valores " religiosos", que para Platão não era
nenhuma religião em particular, mas a busca e o cultivo das Idéias, principalmente a do
Bem/ Uno.
- Seguem-se os valores chamados "espirituais", que para Platão é tudo aquilo
relacionado ao conhecimento, a busca da ciência e da sabedoria: o cultivo das letras, da
musica, da matemática, da geometria, etc...
- Mais abaixo estão os valores ditos "vitais", ou seja os que conservam e promovem a
vida, pois enquanto a alma esteja ligada ao corpo, este deve ser o mais saudável possível,
daí o cultivo da medicina, da ginástica, etc.
- Ao nível mais inferior esta aquilo que de certo é exterior ao homem e como que lhe
adere de modo transitório e são os valores ligados à busca da honra, da distinção e da
riqueza.
Para Sócrates e para alguns sofistas, a busca do prazer não era em si um mal, desde
de que com regramento e mesmo adiantamento, pois um prazer desfrutado com inteligência
pode ser muito mais intenso e satisfatório que um buscado de modo apressado e
indisciplinado. No entanto Platão diz que o prazer é a antítese do bem, pois sujeita a alma
ao sensível e com isso escraviza-a. Daí ele propor a ascese no lugar do hedonismo ( busca do
prazer). O desprezo do corpo leva ao desprezo do prazer e de todas as suas satisfações.
A composição da alma:
A alma para Platão possuía uma estrutura tripartite e cada uma delas buscava sua
satisfação segundo sua natureza.
- A parte concupiscível da alma busca a satisfação na posse de coisas materiais.
- A parte irascível da alma busca a satisfação na posse de coisas relacionadas à honra!
- A parte racional da alma busca a satisfação na posse do conhecimento e da
sabedoria.
O que é buscado pelas partes irascível e concupiscível não pode ser retido na alma e
portanto não lhe é co- natural. Ao contrário, o que nos vem pelo conhecimento e pela
sabedoria é retido e não pode ser mais tirado. Platão propõe uma vida “mista” as partes
inferiores da alma tem seu valor e função enquanto se ordenam para o bem de parte
superior, racional- "mista" em que os prazeres podem ser lhe permitidos, desde que
condicionados pela parte racional da alma.
A Purificação da alma
Bem supremo. Ninguém erra senão por ignorância: saber é conhecer, saber á possuir a
virtude, a moralidade.
Platão desenvolve este tema em duas obras: o Banquete ( também chamado Simpósio)
e no Lísis. A philia é o amor em que está ausente a paixão e eros é o amor apaixonado e
ardente, o delírio amoroso.
A amizade surge não em relação ao que nos é semelhante ou dessemelhante mas é algo
intermediário, é o gosto por aquilo que não é bom, nem mau. Mas o que é intermediário, o
que é ao mesmo tempo bom e mau. O que se busca na amizade não é o amigo em si, mas algo
posterior. A amizade está em função de um "primeiro amigo" ( próton phílon), que é o Bem/
Uno. É sempre ele que buscamos na amizade, mesmo que de certo modo não percebamos. A
amizade que liga os homens entre si só é autêntica se revela-se um meio para alcançar o
Bem/ Uno.
A busca e a fascinação pela beleza é o primeiro passo da amizade platônica, pois o belo
é o primeiro sinal do Bem. Começamos por amar as corpos belos, para depois buscar a
beleza por si mesma. Amamos o belo que há no outro, antes de amá-lo por ele mesmo.
O amor por si mesmo não é belo nem bom, mas é sede de beleza e bondade e é
descrito como filho da pobreza/ carência e da vontade de aquisição e posse, tendo esta
dupla natureza. O amor se relaciona com a filosofia ( philos sophía): a sabedoria ( sophía) só
a divindade possui, aos homens só é possível a amizade, o amor à sabedoria, pois igualmente
o homem nunca é plenamente sábio ou ignorante.
O que os homens chamam de amor não é mais do que uma parte do amor, que é o
desejo do belo, do bem, da sabedoria, da felicidade, da imortalidade, do absoluto. O amor
físico é o primeiro passo na busca da imortalidade, pois os corpos ao se unirem, originarão
outros corpos. Mas os amantes devem ser fecundos na alma, na arte do cultivo das
virtudes, da justiça, das leis e da ciência. A busca beleza é a lembrança das realidades
eternas que um dia a alma contemplou.
Na Carta VII de Platão, ele revela que a política foi a paixão de toda sua vida. Ele
desenvolve esta temática nos diálogos Górgias, República, Político e Leis. Seu ideal é a
formação do rei- filósofo ou filósofo- rei, aquele que guiado pela sabedoria, procuraria
moldar o bem na vida política. A filosofia é a chave para a atividade política. Sua
experiência com Dionísio da Siracura mostrou-nos o quanto ele foi tenaz nesta idéia:
somente após três fracassos, desistiu de aplicar na prática, ou com pelo menos neste
personagem, sua idéia de educar o rei- filósofo. Platão tem a atividade política no mais alto
grau porque a verdadeira política tem por fim o bem do homem, o cuidado da sua alma. A
falsa política tem como fim tão somente o bem do corpo, pela busca do bem- estar material.
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Devemos notar que a política nas cidades gregas era completamente diferente da
política dos estados modernos, que por sinal tem por fim exatamente proporcionar o bem-
estar de seus cidadãos. Entre os gregos o indivíduo não contava, o que importava era o bem
e a sobrevivência da cidade, para a qual todos deveriam se esforçar. Platão acha que para
reformar a cidade e a política seria necessário começar pela reforma da vida doméstica, o
que incluía as relações familiares e econômicas.
É o mais longo e famoso diálogo de Platão, composto de 10 capítulos nos quais trata de
diversos assuntos, mas principalmente da construção da cidade ideal e da forma de governo
ideal.
- A relação entre a ética e a política - para Platão o homem só se explica
moralmente, se em primeiro lugar se o explica politicamente: assim a ética se submete à
política e formar o estado é formar o homem e vice- versa.
Esta obra de Platão serviu ao longo da história para calorosos debates, pois mesmo
que suas idéias nunca tenham sido postas em prática, foi a primeira reflexão sobre a
natureza do estado da nossa civilização. A posse comum dos bens por todos, uma das
proposições da República, foi vista por muitos como uma antecipação da proposta
comunista, que tanto influenciou este século. É claro que não se pode cair em reducionismos
e exageros, ao comparar-se o mundo do século IV a. C. com nosso mundo hoje. Um pensador
contemporâneo, Karl Popper, é critico da República, por achá-lo a primeira obra a propor
uma "sociedade fechada", isto é, onde tudo é controlado pelo estado e, como tal, o mais
remoto antepassado das diferentes formas de totalitarismo, como nazismo e comunismo.
Platão não foi profeta e não pode ser responsabilizado pelas loucuras do nosso tempo.
O que ele acreditava era que o estado era uma projeção ampliada da alma e portanto a
política seria a criação de uma "cidade interior" na qual tudo estivesse em ordem e
harmonia.
- A crítica à sofística - o inicio da República é uma discussão entre Sócrates e um
sofista, sobre o que é a justiça; Para o sofista, a justiça é o poder do mais forte; para
Sócrates é dar a cada um o que lhe é de direito e a cada um segundo as suas capacidades.
Deste ponto vão surgindo os outros temas.
- A origem do Estado - a organização social, o Estado surge da necessidade ( ananké)
pois nenhum homem basta-se a si mesmo e consegue suprir todas as suas carências.
- Necessidades de sobrevivência- daí precisar-se de agricultores, pastores, artesãos e
comerciantes, e estas são atividades fáceis de se aprender, que não necessitam de
educação especial.
- Necessidades de defesa- que é a atividade dos guerreiros. Já estes precisam de uma
educação e treinamento específico.
- Necessidades de governo- e aqui Platão propõe a formação do filósofos- estadistas,
que receberiam uma educação especial, totalmente voltada para a condução do estado.
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conhecimentos produzem os efeitos do bem, mas não o conhecimento do bem. Servem para
transmitir ordem, disciplina, harmonia, etc.
Dos 12 aos 20 anos o jovem receberia uma educação baseada na aritmética, geometria
e astronomia, através de jogos e problemas. Dos 20 aos 30 anos além destas matérias os
jovens deveriam realizar a articulação destas diferentes disciplinas, para se descobrir
quais os que realmente tem caráter para o comando, através da dialética: por cinco anos
deveria se desenvolver a capacidade de ver o conjunto, de entender as coisas por inteiro e
o todo.
Dos 35 aos 50 anos seriam enviados a realidade empírica, para o exercício das
diferentes formas de comando. Somente depois de 50 anos estava terminada a formação
do guardião que poderia então desenvolver a atividade política propriamente dita,
prestando seu serviço para o bem de todos, pois para Platão o poder político é antes de
tudo um Serviço.
Platão percebera, anos após escrever “A República” que a aplicação histórica das
idéias da "República" era impossível e se propõe a realizar uma forma de governo a partir
das existentes, melhorando-as.
No diálogo " O Político", Platão busca a definição do que seja o homem de estado ( o
estadista) e qual é a sua arte específica. Ele deve responder a um problema: O homem de
estado está acima da lei ou é a lei que é soberana? Platão responde que, como não há
homens de estado que fossem a encarnação da lei e da justiça, deve-se dar a primazia à lei
escrita em lugar do homem de estado. Como as leis são compostas em constituições, Platão
divide as constituições em sete modelos:
- Se um homem governa com justiça temos a monarquia, mas se governa com injustiça
temos um mau governo, a oligarquia.
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Esta é a última e mais complexa obra de Platão, escrita na velhice e supõe para sua
composição uma enorme soma de conhecimentos. " As Leis" são um exemplo de como a
tarefa de escrever constituições deveria ser feita e neste sentido é bem mais realista que
a República. Platão mantém seu ideal de que a constituição deveria eliminar tudo que
levasse à diferença entre os cidadãos, principalmente ao nível de posse de bens, pondo tudo
o que fosse possível em comum.
As Leis seriam uma imitação da constituição perfeita e seria mista, tentando unir as
vantagens da monarquia e da democracia, em que autoridade seria harmonizada com
liberdade e assim se teria a justa medida. A liberdade seria sempre uma liberdade
proporcional à condição social do indivíduo. Os gregos viam a desigualdade entre os homens
como algo natural. Assim, a liberdade só é possível entre os iguais, entre os desiguais ela é
arbítrio e injustiça.
O Bem/ Uno deve ser a medida de todas as coisas e as coisas só se tornam boas na
medida em que definidas e ordenadas, realizando a unidade no seio da multiplicidade.
Assim, a comunidade de homens e mulheres, filhos e bens é uma forma de realizar a
unidade entre os homens. Nada no Estado deveria ser próprio ( meu, teu, seu) pois isso é o
princípio da desordem e da multiplicidade.
A essência do justo e da justiça consiste em instaurar a unidade no meio da
multiplicidade e a Sabedoria é a arte sobre a qual a unificação se fundamenta. Não só a
cidade realiza seu bem na unidade, mas também cada homem pode realizar seu próprio bem,
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unificando harmonicamente as diferentes partes da sua alma, bem como a sua atividade.
Para isso, cada homem não deve realizar mais do que uma atividade e não várias: isto leva a
multiplicidade e ao vício.
A capacidade de produzir a "mistura", a unidade na sua multiplicidade, no "tecido" que
é a sociedade política é a medida perfeita que o político deve procurar.
Deus é a medida de todas as coisas, pois Ele é capaz de desdobrar um em muitos e
unificar muitos em um.
Biografia
Escritos
Aristóteles passou de discípulo da teoria das idéias de Platão a seu crítico, ao longo
de uma evolução intelectual, pouco conhecida por nós. Suas obras não eram destinadas à
edição, mas antes apontamentos dos cursos que dava e por isso é difícil saber como se deu
esta “evolução” no pensamento de Aristóteles, pois a sua crítica ao platonismo se dá
exatamente sobre as famosas “doutrinas não escritas” de Platão, do que sobre os diálogos.
Aristóteles continua a crença nas realidades puramente espirituais, como Platão, mas
de uma maneira completamente distinta deste, negando a doutrina do Demiurgo e a idéia do
Bem, substituindo-a pelo Motor Imóvel.
Por outro lado, Platão não se interessava pelos problemas físicos e a estrutura do
mundo sensível, ao contrário de Aristóteles para quem o inteligível é imanente ao sensível,
embora concorde com Platão que o sensível não se explica sem o inteligível e para tal cria os
conceitos do Motor Imóvel, As Esferas Celestes, A Doutrina da Alma, etc.
O Mundo Supra – Sensível para Aristóteles é o mundo da Inteligência (Enteléchia). A
Inteligência suprema é o Bem. Os fenômenos são explicados de uma maneira mais coerente,
pela participação em graus cada vez maiores do ser, das formas imanentes aos objetos.
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A Metafísica
Para Aristóteles o número de causas deve ser finito. A causa é o que funda, o que
condiciona, o que estrutura as coisas. A causa formal nos dá a forma ou essência das
coisas. A causa material, aquilo de que elas são feitas. Estas duas juntas servem para
explicar as coisas estaticamente. A causa eficiente ou motora nos diz como e quem fez
esta coisa. A causa final nos dá a finalidade para a qual a coisa foi feita. Estas duas últimas
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servem para explicar a coisa dinamicamente, sua origem e fim. As causas respondem
respectivamente a quatro perguntas:
- O que é? Ou seja, qual é a forma ou essência.
- De que é feito? Ou seja, a matéria que a compõe.
- Quem fez? Ou seja, de onde provém, quem fez, quem é o autor.
- Para que serve? Ou seja, o fim das ações, aquilo para o qual algo tende, a função do que é
feito, aquilo que faz o bem de cada coisa.
Parmênides reconhecia um único sentido ao Ser: aquilo que permanecia sempre igual a
si mesmo. Do sentido unívoco do Ser se deriva a sua unidade: O Ser é Uno. Já Platão
entendeu o Ser como um gênero transcendente, a idéia, que seria sempre una e da qual a
multiplicidade dos seres sensíveis participaria.
Aristóteles propõe:
a) Não há um único sentido para o Ser, mas diversos. Por isso o seu sentido não ser unívoco,
mas polívoco.
b) O Ser não depende do gênero, como a Idéia de Platão, mas é um conceito mais amplo que
o de gênero ou espécie.
c) O Ser tem diversos significados, mas todos eles se referem a uma única realidade, a algo
que é uno, e isto é a Substância ou ousía. Todos os demais significados do Ser se referem
a Ousía. O Ser enquanto Ser será sempre a Ousía ou Substância.
Os Sentidos do Ser
a) Enquanto Substância e Acidente: o Ser pode ser dito em sentido acidental, quando não
exprime a essência da coisa, mas algo que lhe ocorre como um puro acontecer. Oposto ao
ser no sentido acidental é o Ser em sentido essencial, ou Ser por si e neste sentido ele
pode ser dito idêntico à substância ou Ousía.
b) Enquanto Verdadeiro e falso: este é o sentido do ser enquanto resultado de um Juízo,
é seu sentido Lógico. Se afirmarmos algo de alguma coisa e isso é verdadeiro, dizemos que
ela tem ser, isto é, é verdadeiro. De modo oposto, se dizemos algo de alguma coisa e isso
não é verdadeiro, dizemos que é falso, ou Não – Ser. Este significado só existe na razão,
que é quem realiza os juízos.
c) Enquanto Potência e Ato: o Ser em potência é o Ser que pode vir a ser: há a
potencialidade para realizar algo que não está realizado agora. O Ser em ato é o Ser
realizado, pronto, perfeito, acabado, pelo menos sob o aspecto em que está sendo tomado.
Por isso o Ser no sentido de ato e potência pode estar em potência em relação a um
aspecto e em ato em relação a outro aspecto.
d) Enquanto as diferentes figuras das categorias: as categorias são diferentes formas das
coisas apresentarem-se. O Ser pode ser predicado das diferentes categorias, mas sempre
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A Substância
A substância pode ser entendida de três maneiras: como a Forma, como a Matéria,
como o composto de Matéria e forma.
Deve-se entender a Forma, não só como a forma exterior ou figura das coisas, mas
como sua natureza ou essência íntima. A Matéria, como entra na composição das coisas
sensíveis, pode ser chamada de substância das coisas, mas de modo analógico. No entanto,
não existe matéria sem forma, ou seja, uma matéria indeterminada, muito embora possa
haver formas sem matéria. O composto hileomórfico (composto de matéria e forma)
também pode ser chamado de substância das coisas, principalmente em relação aos entes
concretos ou sensíveis.
Características da substância
- A substância não se insere ou não se predica de outra coisa, mas pelo contrário, é dela
que se predicam todos os demais modos do Ser.
- A substância só pode ser chamada substância em um ente que pode subsistir por si mesmo
ou separadamente (a folha da árvore).
- Só pode ser chamada substância algo determinado. Um atributo geral, o universal e o
abstrato não pode ser substância.
- A Substância deve ser algo intrinsecamente unitário, e não um agregado de partes ou uma
multiplicidade qualquer.
- Só pode ser substância o que é ato ou em ato.
A Matéria
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- Não subsiste por si, pois toda matéria para ser, precisa estar informada, isto é, ter
recebido uma forma.
- Não é algo determinado, pois só é determinado o que possui uma forma.
- Não é unitária, pois a unidade deriva da forma.
- Não é em ato, mas sempre em potência.
- Só possui a primeira característica da substância, ou seja, ela não se predica de outra
coisa.
A Forma e o Composto Hileomórfico por sua vez, possuem, embora não de maneira
idêntica, todas as características da substancialidade.
A Forma
- Não deve o seu ser a outra coisa e não se predica de outra coisa.
- Ela pode ser separada da matéria, já que é ela que dá forma à matéria, bem como há
substâncias que são puras formas, não tendo necessidade de matéria.
- Ela é algo determinado, e mais do que isto, é o determinante, pois é ela que faz as coisas
serem o que são.
- Ela é o princípio de unidade por excelência: é ela que dá a unidade à coisa. A forma é o
princípio da unidade das coisas e a matéria o princípio de sua multiplicidade. Os indivíduos
são diferentes entre si por causa de sua matéria e não de sua forma.
- Ela é em ato por excelência. É a forma que dá o ato, tanto que forma e ato podem ser
entendidos como sinônimos.
O Composto Hileomórfico
Resumindo:
- A Substância é, num sentido impróprio, a matéria; num sentido mais próprio, o composto
hileomórfico, e, por excelência, a forma.
- Assim, o Ser é, pois, a Matéria. O Ser é, em seu sentido mais elevado, o Composto. E o
Ser é, em sentido mais forte, a Forma.
O conceito de Substância (ousía) de Aristóteles é totalmente diferente da Idéia de
Platão: enquanto esta só existe de modo pleno transcendentemente, isto é, além e acima de
toda realidade sensível, como uma forma universal, da qual os indivíduos particulares são
cópias imperfeitas, a Substância aristotélica só se realiza imanentemente, isto é, a partir
dos entes sensíveis. O universal ou o gênero para Aristóteles não tem uma existência
separada como as idéias platônicas, mas é tão somente um termo comum abstrato, que
existe somente enquanto pensado, pela e na mente humana. Assim, enquanto estrutura
ontológica, a substância não é o universal, mas enquanto pensado e abstraído pelo intelecto
humano, a substância é idêntica ao universal.
Ato e Potência
inteligência sem ser atraído por ela. Assim o inteligível atrai e move a inteligência sem ele
mesmo se mover.
Assim é que o motor imóvel move o universo sem Ele mesmo se mover, agindo como
um objeto de desejo e amor, que atrai o amante sem Ele mesmo padecer qualquer atração
pelo que Ele é atraído. Ele permanece impassível e esta é a condição necessária para que
Ele seja motor imóvel: se Ele fosse afetado em algum grau pelos demais entes do universo,
significaria uma alteração e uma carência n`Ele, uma necessidade.
A causalidade com que o motor imóvel move o universo é uma causalidade do tipo
final e não eficiente, isto é, não foi motor imóvel que “criou” o universo como causa
eficiente, o universo sempre existiu e existirá. O universo, embora viva sob o influxo do
motor imóvel, não teve começo nem terá fim. Se o universo tivesse tido começo, houve um
momento em que ele foi pura matéria e pura potência. Mas isso entra em contradição com o
princípio que o ato e a forma tem primazia sobre a potência e a matéria. O universo, como o
motor imóvel são coeternos. Eles sempre existiram, o motor imóvel sempre moveu o
universo e ambos sempre foram o que são.
O motor imóvel move diretamente somente o primeiro móvel, o céu das estrelas
fixas. Porém entre o céu e a terra existem outras esferas concêntricas, encerradas umas
dentro das outras. Duas possibilidades se colocam para explicar o movimento do universo:
ou o movimento se transmite mecanicamente de uma esfera a outra, ou cada esfera seria
movida por uma substância suprassensível, semelhante ao motor imóvel.
48
O movimento
identificaram o movimento ao Não – Ser. Aquilo que passa de um estado a outro, antes não
era, e agora é, ou agora é e vem a deixar de ser. Se só o Ser é, no sentido eleata, todo
movimento é Não – Ser...
Aristóteles resolve a questão da seguinte maneira:
1- O Ser pode ser compreendido através de seus diversos significados e um deles é o ser –
como – potência e o ser – como – ato. O ser em potência não é um ser relativo, mas um ser
real e que pode efetivamente passar da potência ao ato. O movimento portanto não é
passagem do não – ser ao ser, mas passagem do ser (em potência) ao ser (em ato).
Segundo as figuras das categorias, pode ou não haver movimento. A relação não o
admite. Ação e passividade já são por si movimento e não pode haver movimento de
movimento. O tempo “quando” também já é uma determinação do tempo. O movimento ou
mudança ocorre então: na substância (por geração e corrupção); na qualidade (por
alteração), a quantidade (por aumento ou diminuição) e o lugar (por translação). Aristóteles
chama de geração a matéria assumir uma forma e corrupção, a matéria perder esta forma.
Só os compostos de matéria e forma podem mudar, porque a matéria implica potencialidade.
Portanto, a matéria e a potencialidade são a raiz de todo movimento.
Matéria e forma são causas intrínsecas do devir. Causa extrínseca ou externa é o
agente ou causa eficiente: só ocorre a mudança se a causa eficiente estiver presente.
Precisa haver um motor ou movente em ato para que ocorra a passagem da potência ao ato.
A causa final também indica o sentido positivo do devir, que é a realização da forma.
O Espaço
O Tempo
50
O Infinito
A Quintessência
O Conceito de alma
A doutrina aristotélica sobre a alma está principalmente no tratado sobre a alma (De
Anima). A alma é o que caracteriza essencialmente os seres vivos e o que os distingue dos
seres inanimados. A alma é um princípio que comunica a vida. Neste sentido, os corpos não
são vivos, mas possuem a vida. Como tudo o que existe neste mundo é composto de matéria
e forma, sendo a matéria potencial e a forma atual, assim a alma é a forma dos corpos vivos
e o corpo da sua matéria. Os corpos vivos têm vida, mas eles não são a vida.
O conceito de alma de Aristóteles distingue-se tanto do conceito dos pré –
socráticos, que a identificavam com um dos princípios físicos, como do conceito platônico,
em que a alma está artificial e forçosamente unida ao corpo, enquanto que Aristóteles
ensina uma união substancial e necessária entre a alma e o corpo, pois é ela que estrutura o
ser vivo enquanto tal e lhe dá unidade.
Apesar de Aristóteles conceber a alma como estruturalmente ligada ao corpo, ele
igualmente percebe sua capacidade de chegar a conceitos e realidades puramente
espirituais e divinas, o que aponta, pelo menos para a parte intelectiva da alma humana, uma
sobrevida após a morte do corpo.
A Tripartição da alma
Platão faz uma tripartição da alma tendo por base o comportamento moral do homem,
distinguindo uma alma concupiscível, uma irascível e uma intelectiva. A tripartição da alma
em Aristóteles tem por base as funções essenciais do ser vivo, e essas são: a) de caráter
vegetativo, como nascimento, nutrição e crescimento; b) de caráter sensitivo – motor, com
a sensação e o movimento e c) de caráter intelectivo, como conhecimento, deliberação e
escolha. Assim fala Aristóteles em três faculdades da alma: vegetativa, sensitiva e
intelectiva ou racional. As plantas possuem só a primeira; os animais, a primeira e a
segunda; e o homem, as três. Muito embora se fale em “partes” da alma, o termo mais
adequado é sempre “faculdades”.
A Alma vegetativa
A Alma sensitiva
estímulos, passa da potência ao ato. Os sentidos por sua vez recebem as formas sensíveis
sem a matéria.
Os sentidos próprios são os cinco sentidos, cada um com a capacidade de receber o
estímulo que lhe é específico (cor, som, gosto, etc.). Os sentidos comuns são percebidos por
mais de um sentido e nos transmitem as sensações de movimento, repouso, figura,
grandeza, etc. Os sentidos específicos em geral nunca falham, mas o que é apreendido
pelos sentidos comuns pode ser fonte de enganos.
Da sensação deriva a fantasia ou representação sensível, que acontece na imaginação,
parte da alma sensitiva que produz uma imagem da coisa. Esta imagem ou fantasia ou
representação sensível é a matéria para o conhecimento intelectual ou racional. A imagem
ou fantasia por sua vez, pode ser guardada na memória, onde é conservada e pode ser
evocada, também esta uma parte da alma sensitiva.
Além da sensação, a alma sensitiva é responsável pelo apetite e o movimento. O
apetite é desejo, ardor e vontade e todos os animais os têm, pois possuem no mínimo o
sentido do tato, que nos dá basicamente as sensações de dor e prazer. O desejo é assim o
apetite do aprazível. O movimento surge nos seres vivos como a capacidade de buscar,
alcançar e realizar seus apetites e necessidades.
A Alma Racional
A Ética de Aristóteles
Ética significa o estudo dos costumes (éthoi) e das leis (nómoi) que regem a conduta
individual, social e política do homem e como tal é, juntamente com a política, uma ciência
prática, isto é, não tem fim em si mesmo, mas está ordenada a uma finalidade prática.
Aristóteles escreveu três obras éticas. A primeira e mais importante delas é chamada
Ética a Nicômaco, pois a dedicou a seu filho, que tinha este nome e é muitas vezes chamada
simplesmente Nicomaquéia. A segunda se chama Ética Eudemo, também chamada Eudêmica
e por fim a grande Ética, que permaneceu inconclusa.
Na perspectiva aristotélica e grega de um modo geral, a ética se subordina à política,
ou seja, o indivíduo se subordina à sociedade, à Polis. A política cumpre segundo Aristóteles
uma função arquitetônica, isto é, ela deve determinar a organização das diferentes
“ciências” que regem a vida da cidade, no caso as ciências poiéticas, ou do “fazer”, ou, como
diríamos hoje, as diferentes profissões ou atividades. Mesmo que ao longo da evolução do
pensamento de Aristóteles haja uma gradativa relativização do lugar do Estado frente ao
indivíduo é um fim em si mesmo e que a sociedade política se ordena para o seu bem.
O homem, como qualquer coisa, tende para o seu fim, que se configura como um bem.
Pensamos nos bens sempre em função de um bem maior, porém não podemos ir
infinitamente na busca dos bens: assim torna-se necessário que no caso do homem todos os
bens aos quais ele busca estejam ordenados a um bem último e supremo. Este é a felicidade
(eudaimonía).
O que é a Felicidade?
Para muitos, ela está no prazer e no gozo. Para Aristóteles isto seria reduzir os
homens a escravos ou animais. Para outros, mais ocultos e evoluídos, a felicidade está na
honra que se alcança na vida política e militar. Mas se assim fosse, a felicidade seria ainda
algo exterior ao homem, pois dependeria do reconhecimento público da bondade e da
virtude do sujeito. Logo, a bondade e a virtude são superiores à honra.
Para outros ainda, a felicidade está no acúmulo e gozo de riquezas, na vida dedicada
ao comércio. No entanto Aristóteles acha que esta atividade à contrária à natureza última
do homem, pois o lucro e a riqueza são sempre meios e não fins em si mesmos e isto não é
plausível. A busca de prazeres ou honra poderia ser um fim em si mesmos, mas nunca a
busca das riquezas.
A felicidade consiste na busca do bem, não num bem universal e transcendente, como
a idéia do bem de Platão, mas num bem imanente ao homem, realizável e atuável pelo e para
o homem. O conceito de bem, como o conceito de ser e Aristóteles tem diferentes
sentidos. Assim, o bem do homem consiste em realizar a obra que lhe é peculiar, na obra
que só ele possa realizar.
54
Esta obra não pode ser o simples viver, pois isto é próprio dos seres vegetativos.
Também não pode consistir no sentir, nos prazeres, pois isto é próprio dos animais. A obra
peculiar do homem é a razão, ou a atividade da alma segundo a razão e a virtude. Como há
muitas virtudes, deve-se buscar a melhor e mais perfeita delas.
Nota-se assim uma continuidade entre Sócrates, Platão e Aristóteles, no que supõe a
alma como a parte essencial do homem e deste, a sua parte racional ou intelecto.
Igualmente como em Sócrates e Platão, os valores verdadeiros não poderiam, para
Aristóteles, ser os bens exteriores (riquezas) ou corporais (prazeres), mas os bens
relacionados com a parte mais nobre da alma, os bens espirituais e assim, conclui
Aristóteles, que a felicidade consiste numa atividade própria da alma: a “cura” ou cuidado
da alma é a vida que leva à felicidade.
Aristóteles considera que para realizar esta felicidade é necessário ser dotado de
certos bens exteriores e meios de fortuna, o que implica também a participação de certo
grau de satisfação ou prazer, que vem como uma espécie de coroação da vida virtuosa.
Igualmente as desventuras, independentemente de qualquer opção podem comprometer a
felicidade.
As virtudes éticas
algo tipicamente grego: nada em excesso! A via média! O meio é o melhor! O limite é a
perfeição! Mediana não é sinônimo de mediocridade, mas ao contrário é o cume, o ponto
mais elevado a partir do valor. As principais virtudes éticas para os gregos são: a coragem,
meio termo entre covardia e a temeridade; a temperança, meio termo entre a
insensibilidade e a dissolução; a liberdade, meio termo entre a avareza e o esbanjamento.
As virtudes éticas, segundo a ética a eudemo são doze (cf. pg. 415-416 livro texto).
A virtude ética é a justa medida que a razão impõe a sentimentos, ações e atitudes
que, sem o controle da razão, tenderiam para um outro excesso.
De todas as virtudes éticas, a justiça (diké) é a mais importante, pois ela é a
submissão e respeito à lei do Estado e na lei do Estado, para os gregos, se concentra toda a
vida moral grega. “Na justiça estão todas as virtudes. A justiça é a justa medida com a qual
repartimos os bens, as vantagens e os ganhos ou seus opostos: os males, as desvantagens e
os prejuízos”.
As virtudes dianoéticas
Estão acima das virtudes éticas e relacionadas com a parte mais elevada da alma,
isto é, a racional, a dianóica (Nous, Noésis = conhecimento). Duas são as funções da alma
racional:
a) A que conhece as coisas contingentes e variáveis, ou razão prática, cuja principal virtude
é a prudência (phrónesis).
b) A que conhece as coisas necessárias e imutáveis, ou razão teorética, cuja principal
virtude é a sapiência (sophía).
A Prudência: consiste em saber dirigir retamente a vida, deliberar sobre o que é bem e o
que é o mal em cada situação. Consiste em deliberar/discernir sobre os verdadeiros fins,
embora não seja ela que dite os fins. A determinação dos fins cabe às virtudes éticas. Esta
é a virtude que faz a ligação, a articulação entre todas as virtudes éticas e as unifica. Se a
virtude é o agir conforme a reta razão, e só o sábio possui a reta razão é a prudência que
nos indica os meios para alcançar as virtudes e os fins que elas almejam.
A Sapiência: consiste na captação intuitiva dos princípios primeiros e das coisas divinas,
através do intelecto. Esta virtude procura as coisas que estão acima do homem e por isso
mesmo coincide com as virtudes teoréticas, principalmente a Metafísica.
A Amizade (Philía)
Para Aristóteles o prazer não tem o sentido pejorativo de uma mudança de estado ou
movimento, o que para os gregos significava uma diminuição ou carência, mas o prazer seria
uma atividade em todo o tempo perfeita, isto é, ela acompanha e permanece junto ao ato,
quando esta termina. O prazer acompanha toda a atividade, seja ela sensível, prática ou
teorética e não só acompanha a atividade mas a aperfeiçoa.
Quando agimos, fazemos algo passar da potência ao ato, isto é, realizamos algo
naquilo que lhe é próprio e o prazer acompanha esta realização. A vida, enquanto realização
57
O Ato Moral
A Política de Aristóteles
A política de Aristóteles está na obra de igual título, com oito livros, divididos em
capítulos e parágrafos, que se apresentam como a síntese do seu pensamento político.
58
A Família
A família, como núcleo orgânico do qual se compõe o Estado, é constituída por quatro
elementos: a) as relações entre marido e mulher; b) as relações entre pais e filhos; c) as
relações entre o senhor e os escravos e d) a arte de obter as coisas úteis, as riquezas, que
Aristóteles denomina cremarística.
Para Aristóteles, o artesão e o escravo são instrumentos que precedem e
condicionam os outros instrumentos e servem à produção de determinados bens em geral.
Ele é um ferrenho defensor da naturalidade da escravidão. Ele a justifica de modo que, no
homem deve dominar a alma e o intelecto sobre o corpo, mas naqueles homens em que isto
não acontece, estes foram destinados para serem dominados. Igualmente esta é a razão
pela qual a mulher deve obedecer, pois que no homem a razão domina sobre o sentimento e
na mulher não. Para ele, foram destinados a obedecer todos os robustos de corpo e frágeis
de intelecto.
Estas posturas de Aristóteles não são isentas de contradições: se o homem é por
natureza corpo e alma racional, esta permanece nele, apesar de sua condição social.
Aristóteles justificava a escravidão pela guerra, pois o escravo era basicamente o
prisioneiro de guerra ou seu descendente, e como perdera a guerra, estava justificada sua
inferioridade. No entanto, como justificar este fato, no caso de uma guerra injusta, ou de
prisioneiros de elevada estirpe, ou instruídos? Estas questões colocavam-se só na relação
entre gregos e xxx , pois entre gregos e bárbaros haveria a natural superioridade dos
primeiros. Os bárbaros são naturalmente inferiores aos gregos e como tal, sujeitos à
escravidão.
A obtenção de riquezas
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Aristóteles fala de três modos de obtê-las: a) de modo imediato e natural, pela caça,
pastoreio e agricultura; b) de modo intermediário, pela troca dos bens e c) de modo não
natural, pelo comércio mediado por dinheiro, que Aristóteles condena por estimular o
acúmulo indiscriminado de riquezas, fonte de todos os desequilíbrios na vida do Estado. Só
seria lícito o que se obtém para se satisfazer as reais necessidades e estas são limitadas
pela natureza. Igualmente ele condena a usura e o investimento.
O Cidadão
O Estado
O Estado torna-se atual por ter uma constituição. Está é o que estrutura e dá ordem
à Cidade, estabelecendo o funcionamento de todos os encargos, e sobretudo, da autoridade
soberana.
O poder soberano pode ser exercido: a) por um só homem e se ele age no interesse
comum, temos a monarquia, mas se age no interesse privado temos a tirania; b) por poucos
homens, e se estes agem no interesse comum, temos a aristocracia, mas se agem no
interesse privado, temos a oligarquia; c) por todos os homens, e se eles agem no interesse
comum, temos a politéia, mas se agem no interesse privado, temos a democracia. Quando se
visa o bem comum e os governantes são excelentes e virtuosos, tanto a monarquia, como a
aristocracia como a politéia são boas. Aristóteles diz que o governo de um só é sempre o
melhor, mas como é raro tê-lo, é melhor confiar num número grande de homens bons,
devendo-se preferir a politéia. Esta é a via – média entre a oligarquia e a democracia, pois
deve-se confiar numa multidão suficientemente numerosa, mas não muito, para dela tirar os
que servirão ao exército e à justiça. Estes encontram-se igualmente no estrato médio da
sociedade.
O Estado Ideal
Aristóteles enumera as condições ideais que deveriam dar lugar a um Estado feliz.
a) A população não deve ser demasiado exígua nem muito numerosa, mas na justa medida.
60
A Poética de Aristóteles
É uma das obras mais vivas do filósofo; se de todos seus escritos, nos tivesse
chegado só este, isto já seria suficiente para fazer dele um dos maiores pensadores
analíticos. O termo Poética (poietiké) refere-se tanto às artes úteis como às belas artes,
em oposição às artes da vida e a ciência. A poética pertence ao gênero da imitação, que é co
– extensivo às belas artes, sejam aquelas que imitam pela cor e pela forma, como as que
imitam pela voz: a poesia “latu sensu”, bem como a música e a dança.
A imitação (mímesis)
retrata as coisas elas mesmas, isto é, as idéias, as coisas sensíveis. A arte é a imitação do
sensível.
Aristóteles não combate diretamente esta opinião, mas deixa claro que o que a arte
imita são os caracteres, as emoções e as ações, ou seja, o mundo do espírito humano. A arte
imita o humano. De todas as artes, a música é a menos imitativa, pois não reproduz nada. No
entanto, para Aristóteles ela seria a mais imitativa, pois é a mais expressiva.
Todas as artes imitam a ação, mas o drama ou tragédia a reproduz de uma maneira
completa. A poesia é mais filosófica e séria que a história, pois a primeira exprime o
universal, enquanto a história expressa acontecimentos particulares. A poesia não deve
visar a reprodução de uma coisa individual, mas dar um novo corpo a uma verdade universal.
Os objetos da imitação se prendem aos tipos de homens que se imita: os que estão
abaixo do nível comum, os que são ao seu nível e os que estão acima do nível comum, o que se
reflete assim três gêneros respectivamente: a comédia, a tragédia e a epopéia.
- A comédia visa o defeito particular e produz o ridículo.\
- A tragédia descreve os caracteres bons, mas não tão superiores a nós a ponto de
perderem nossa simpatia. Neste ponto Aristóteles está influenciado pela tendência de
fazer da poesia uma crítica moralizante, mas não tão fortemente como era em Platão.
Os modos das imitações dividem a poesia em imitações narrativas e dramáticas, que é
o que distingue a epopéia da tragédia ou drama, que é uma ação imitando a ação.
A origem da poesia e do drama em particular se deve a dois instintos primitivos do
homem: a) o instinto da imitação e b) o instinto de sentir prazer nas imitações feitas pelos
outros. Estes dois instintos nos estimulam a conhecer qual é a origem de todo o progresso
mental. O prazer consiste em reconhecer o que a obra de arte quer representar. Outro
aspecto deste prazer é alegria sensível que nos dão as coisas como a cor, a melodia e o
ritmo. Os homens começaram estão a imitar as ações nobres ou as ações vis, originando
assim a tragédia e a comédia. Posteriormente foram incluídas as partes faladas, os coros e
os interlúdios.
A tragédia se distingue da epopéia por esta ser escrita em um só tipo de métrica, no
caso, o verso heróico e por não ter um limite de tempo, ao contrário da tragédia que deve
ter uma unidade de tempo, para propiciar uma unidade na ação. As suas partes são
diferentes, além da tragédia usar a melodia e o ritmo.
A tragédia é portanto a imitação duma ação boa, completa nela mesma,
compreensível, numa linguagem ornada de acessórios agradáveis, numa forma dramática e
não narrativa, com incidentes provocando a piedade e o terror, visando produzir a purgação
de tais emoções, fazendo-se o uso da melodia somente nas partes corais.
A ação representada deve: a) ser completa, deve ter um começo, um meio e um fim;
b) ter limites (dimensões) bem determinadas, para poder ser gravada na memória, pois
caso contrário despertará a fadiga.
A Catársis (purgação)
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Esta palavra chave tem tido as mais diversas interpretações: a) uma metáfora tirada
da purificação ritual, de modo que a tragédia teria uma função moral; b) uma metáfora
tirada da medicina, visando a purgação dos humores corporais, de modo que a tragédia teria
uma função não moral, mas “terapêutica”. O fim imediato da tragédia é produzir a piedade
e o terror. A piedade o espectador experimenta pelo herói e o terror, ele experimenta por
si mesmo, como uma vaga apreensão da sorte obscura que aguarda a cada um de nós.
Para Platão, exatamente por produzir o terror e a piedade é que a tragédia era
perniciosa, pois deixaria as pessoas mais emotivas e mais fracas, ao que Aristóteles
argumenta que o objetivo final da tragédia não é nos tornar mais emotivos, mas nos purgar
do que há de excessivo em nossa emoções.
Na política Aristóteles fala de certos gêneros de música chamados “orgiásticos ou
entusiasmáticos” que tem por objetivo produzir a catarse, pois todos temos necessidade de
nos purgar de certas emoções. As melodias catárticas se distinguem das melodias éticas,
que têm por fim a “instrução”, isto é, a melhora do caráter. Assim, o fim para o qual tende a
tragédia é uma espécie de prazer, mas um prazer distinto do relaxamento e do
entreterimento, mas a liberação da piedade e do terror.
O sentido da “purgação” das emoções significa sua expulsão, não no que elas teriam
de inferior, mas no que elas tem de excessivo. Outra interpretação da função da tragédia
seria a de propiciar, nas pessoas que não experimentam em suas vidas, a piedade e o terror,
a altura e o abismo destes sentimentos humanos e propiciar o conhecimento de si mesmo. A
purgação teria uma função essencial naquelas naturezas que tendem a se tornar oprimidas
pelo lado sombrio da vida. Aristóteles não se agrada de “finais felizes”. Suas tragédias
prediletas são Edipo – rei e Medéia...
Elementos da tragédia
Deve-se evitar duas coisas: a) o homem bom se torna mal; b) o homem mau que se torna
bom. A primeira situação é odiosa e a segunda é a menos trágica que pode existir.
Aristóteles desconhece a situação de “redenção”.
O sentimento de piedade surge devido ao mal imerecido e o terror pelo mal que
poderia ter acontecido a nós. Os verdadeiros heróis trágicos não se distinguem nem pela
virtude nem pela justiça, como os que caem na desgraça não por perversidade, mas por erro
de julgamento. Situações que produzem terror ou piedade: quando a trama é feita entre
amigos e parentes, com ignorância da amizade ou parentesco. A descoberta produz-se em
meio a um incidente que pareça verossímil.
Aristóteles divide os poetas em duas classes: a poesia exige da parte daquele que a
pratica um talento especial ou senão uma certa loucura. No primeiro caso o poeta pode
adotar com facilidade a posição desejada. No segundo, ele pode, pela emoção, ficar fora de
si.
As quatro características do caráter: a) o herói deve ser virtuoso, mas não muito; b)
suas ações devem ser apropriadas; c) deve haver semelhança como o original da lenda; d0
devem ser conseqüentes com ele mesmo, apesar de suas incoerências.
As características do pensamento (linguagem): dicção, combinação de clareza e
dignidade, mistura de linguagem coloquial e formas fora do uso comum e sobretudo,
metáforas. A metáfora implica a percepção intuitiva de coisas entre si dessemelhantes.
Comparação entre a poesia épica e a tragédia: a) elas diferem em duração pois a
forma narrativa permite descrever um grande número de incidentes simultâneos. Já a
tragédia exige de um só olhar, se possa entender toda a história. b) pela métrica: na
epopéia o verso é pesado e grave. c) a epopéia deixa um campo maior para o inverossímil e o
maravilhoso; tragédia deve ser mais realista d) para Aristóteles contrariamente a opinião
vigente a tragédia é superior a epopéia, pois a tragédia é mais rica pelo uso da música e do
espetáculo; ela é mais viva mesmo à leitura, é mais concentrada, tem uma maior unidade de
ação, produz melhor o efeito específico da poesia que são o terror e a piedade.
Na poética haveria um capítulo sobre a comédia e uma exposição mais completa sobre
a catarsis. A comédia seria apresentada como a purgação de nossa tendência a rir. A poesia
lírica é apenas mencionada e é provável que Aristóteles a considerasse como pertencente à
teoria da música.
A poética não contém uma teoria estética, mas reúne as idéias mais fecundas sobre a
arte que qualquer outro autor. A poética marca o fim de duas idéias: a) a tendência de
confundir julgamentos estéticos com juízos morais; b) a tendência a considerar a arte como
simples reprodução da realidade. Aristóteles reconhece implicitamente, na beleza um bem
independente dos interesses materiais e morais.
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O Helenismo
Alexandre Magno, em um período de cerca de dez anos (334-323 a.C) submeteu toda
a Grécia ao seu domínio, bem como o império persa, criando o maior império que existiu na
antigüidade. Do ponto de vista do modo de vida tradicional grego, isto significou uma
grande mudança, pois o surgimento dos reinos helenísticos, que sucederam ao império de
Alexandre, levou ao fim a mais importante instituição grega, que era a pólis, a cidade –
estado, que perde daí em diante sua autonomia política, absorvida nos novos impérios, pois
os novos monarcas reuniram em suas mãos todo o poder, retirando dos corpos
representativos sua a autonomia.
Isto teve grande repercussão na filosofia, pois desde os pré – socráticos, até Platão
e Aristóteles, era a existência da cidade – estado o valor fundamental que animava a vida
espiritual dos gregos. As grandes obras de Platão e Aristóteles, respectivamente a
República e a Política praticamente perdiam o sentido de ser, já que não existia mais a
realidade que elas tratavam, a pólis.
Até então, identificavam-se duas coisas: ser homem era ser cidadão, membro ativo
de um corpo vivo que era a cidade. Agora, no período helenístico, ser homem era ser súdito.
Ele é tão somente um expectador diante das decisões da coisa pública, que são tomadas
sem sua colaboração. As antigas virtudes cívicas do bom soldado e do bom orador não tem
mais sentido, já que a coisa pública passa a ser assunto do funcionário e do mercenário, que
trabalham por dinheiro e não pelo sentimento de honra, ligado ao exercício das armas e da
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metafísica. A virtude mais importante a ser cultivada não é mais a sabedoria, a sophía, mas
a prudência, a phrónesis.
A filosofia deste período é uma “arte de viver”, uma sabedoria prática, que retoma
algumas intuições do pai da filosofia, Sócrates. Epicuro, por exemplo, tira de Sócrates a
idéia de que a filosofia é uma “medicina da alma”, um remédio para os males da existência.
Os céticos tomarão de Sócrates o valor da dúvida e do não – saber, para justificar sua
recusa de qualquer saber que se pretenda dpgmático. E todos por sua vez verão, como
Sócrates, a filosofia como arte de bem viver e bem morrer. As “obras primas” dos
filósofos deste período não serão tanto seus escritos, mas seu modo de vida: homens que
viveram de pleno acordo e coerência com as doutrinas que pregaram, como Sócrates, que
morreu por suas idéias.
Este ideal de vida é marcado pela noção de autonomia. Cada homem deve viver
extraindo os recursos unicamente de si mesmo: ele deve bastar-se a si mesmo. Não se
podia depender dos bens, dos amigos ou da política, pois as reviravoltas do destino eram
constantes. De uma hora para outra, alguém rico e independente podia ver-se reduzido à
escravidão. Todas as escolas vão procurar fazer o homem indiferente aos caprichos do
destino, a tyké.
Para ficar indiferente aos caprichos do destino, torna-se necessário tornar-se
indiferente frente a todos os desejos, paixões e sonhos. A felicidade está na ataraxía, na
paz de espírito, através da renúncia, da indiferença e da insensibilidade. Para conseguí-la,
os filósofos pregam uma vida simples, sem luxo ou sofisticações, numa vida campestre,
voltada para a natureza e a solidão. O lema de Epicuro era: “vive escondido” e isto é a
antítese do período clássico, que via na atividade política a maior realização do homem.
Comum a todas as escolas helenísticas é o ideal do sábio, o qual é exaltado até
tornar-se um mito. Ele é o portador de todas as virtudes e como tal o modelo do homem
feliz, alguém que se torna semelhante aos deuses. Armado desta sabedoria divina, o sábio
não tem nada a temer sobre a terra, nem mesmo a morte. Igualmente nada se tem a temer
ou a dizer sobre a vida depois da morte. Eles não se perguntam pela imortalidade da alma,
pois a única felicidade possível está nesta terra. O fato de terem vivido em absoluta
concordância com seus ideais, fêz com que os fundadores e alguns representantes destas
escolas, fossem admirados por seus contemporâneos e por muitas gerações, pois afinal
estas escolas estiveram vivas por cerca de cinco séculos.
O fundador da escola cínica foi Antístenes, mas foi Diógenes de Sinope (não
confundir com Diógenes Laércio), o representante mais típico e símbolo deste movimento,
pois ele, com suas atitudes radicais, até hoje impressiona, das quais a mais típica talvez
seja esta: Diógenes caminhava, em pleno dia, com uma lanterna na mão, pronunciando a
frase: “procuro o homem”, que com provocadora ironia queria significar exatamente isto:
procuro o homem que viva segundo a sua mais autêntica essência, para além de toda
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sábio, bem como a libertação das paixões. O ideal supremo é bastar-se a si mesmo e não ter
necessidade de nada, pois é próprio dos deuses não ter necessidade de nada.
Diógenes louvava os que chegavam ao ponto de se casar e não se casarem, os que se
preparavam para empreender uma viagem marítima e a ela renunciavam, os que estavam
para se dedicar à vida política e não se dedicavam, os que queriam constituir família e não o
faziam, os que ganhavam a graça dos poderosos e em seguida afastavam-se deles. Há maior
grandeza na renúncia a um bem do que na sua posse e desfrute. Conta-se que certa vez
Diógenes tomava sol e aproximando-se dele Alexandre, o grande, lhe disse: “pede-me o que
quizeres”, a que ele respondeu: “deixa-me o meu sol”. Assim Diógenes criticava a inutilidade
do poder de Alexandre e afirmava que a felicidade vem do interior do homem. Os cínicos
não aceitavam a instituição do matrimônio: as mulheres e os filhos deveriam ser comuns.
Aceitavam no entanto o pacto entre um homem e uma mulher. O cínico não tem necessidade
de uma cidade nem de um Estado. Embora reconhecesse a utilidade da comunidade
ordenada, afirmavam que a única constituição reta é a que rege o universo e proclamava-se
“cidadão do mundo”.
Diógenes sustentava que o sábio não tem necessidade nem dos auxílios divinos, nem
dos prêmios depois da morte. Mesmo acreditando na existência da Divindade, dizia que não
precisávamos buscá-la, pois tudo está cheio da sua presença. Com base nestas convicções,
Diógenes precisava pedir a outros o que precisava e chegava a mendigar, mas com orgulho e
altivez, pois achava que o que lhe davam eram uma justa restituição e dizia: “tudo pertence
aos deuses; os sábios são amigos dos deuses; os bens dos amigos são comuns. Por isso os
sábios possuem todas as coisas”.
Diógenes era chamado “o cão” e vangloriava-se do apelido e dizia: “balanço
festivamente a cauda para quem me dá alguma coisa, uivo contra quem não me dá nada,
mordo os inescrupulosos”.
“A vida basta a si mesma”. Eis a mensagem que os homens da era helenística
aprenderam de Diógenes e, de vários modos repensaram e aprofundaram. Mesmo na era
imperial, essa mensagem continuou a atrair os espíritos e teve uma vida longa. A denúncia
cínica das três grandes ilusões que futilmente agitam os homens, vale dizer, a busca do
prazer, o apego à riqueza, o desejo de poder serão reafirmadoras pelos estóicos, céticos e
epicuristas e tornar-se-ão um lugar comum repetido pelos séculos. A exaltação da
autarquia e da apatia, entendidas como condições essenciais da sabedoria e portanto, da
felicidade, tornar-se - à até mesmo o motivo condutor do pensamento helenístico.
A menor vitalidade que o cinismo demonstrou com relação às demais escolas é devida
ao seu extremismo e portanto, ao seu desequilíbrio de fundo e à sua objetiva pobreza
espiritual. O seu extremismo nada poupa da contestação e por sua vez, não propõe nenhum
valor alternativo positivo. Ao reduzir o homem à animalidade, nega-lhe sua característica
mais própria: a espiritualidade, com o mundo da ciência e da cultura, não conseguindo
justificar-se.
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O Epicurismo
Epicuro nasceu na ilha de Samos em 341 a.C., de pai ateniense que para lá emigrara
como colono. Aos 18 anos veio para Atenas para o serviço militar, embora já antes tenha
tido contato com a filosofia através de um discípulo de Platão. Mas a influência principal
sobre Epicuro veio com Nausífanes, discípulo dos Atomistas. Ensinou filosofia em Mitilene e
Lâmpsaco e entre 307/306 a.C. estabeleceu-se em Atenas onde fundou sua escola, que
ficou conhecida como “o jardim”.
Epicuro foi escritor muito fecundo, conta-se que era autor de mais de 300 volumes
mas pouco chegou até nós: três cartas, uma coleção de sentenças, as “máximas capitais”
conservadas por Diógenes Laércio e uma segunda antologia de máximas, as “Sentenças
Vaticanas” e vários outras fragmentos recolhidos em diversos autores. A primeira edição
completa de suas obras foi feita em 1887, na edição Ulsener, depois acrescida, dos achados
feitos em Herculano.
Epicuro percebe isto muito bem: é impossível ressuscitar aquele passado. O ponto de
referência passa a ser o homem individual, o homem privado e não mais o homem como
cidadão, ou seja, fora de uma convivência numa comunidade política, por ele condenada
como uma ocupação inútil e propondo como ideal o viver na obscuridade.
Epicuro tem aversão a toda a cultura tradicional, seja a ciência, a poesia ou a
retórica, pois todas elas estão de certo modo ligados aos valores da cidade – estado, agora
em crise. O que não significa uma anti cultura, como foi a postura dos cínicos, pois como
vimos, Epicuro escreveu mais de 300 volumes... Enquanto Sócrates ensinava nas praças e
Platão e Aristóteles em ginásios, Epicuro ensinava num jardim (diríamos hoje uma chácara)
nos subúrbios de Atenas, longe do tumulto da vida política e próximo do silêncio do campo.
Daí os epicuristas serem chamados “os do jardim”.
As posturas fundamentais dos “discípulos do jardim”, podem ser resumidas em cinco:
1) a realidade é perfeitamente penetrável e conhecível pela inteligência humana; 2) nas
dimensões do real há espaço para a felicidade do homem; 3) a felicidade é ausência de dor
e de perturbação, é paz de espírito; 4) para alcançar essa felicidade e essa paz o homem só
precisa de si mesmo; 5) não lhe servem, portanto, a cidade, as instituições, a nobreza, as
riquezas, nem mesmo os deuses: o homem deve bastar-se a si mesmo.
Esta mensagem torna todos os homens iguais, o que fez que “o jardim” abrisse suas
portas para todos: nobres e não nobres, livres e não livres, homens e mulheres e mesmo
prostitutas procurando mudar de vida. Não foi um movimento de moda, mas o apelo a um
modo de vida completamente novo. Epicuro comportava-se e vivia quase como um profeta ou
santo em seu jardim, a casa de onde os discípulos faziam uma intensa “propaganda
missionária”. Ainda no seu tempo de vida, suas idéias já tinham alcançado longínquas
regiões. Sua filosofia foi a que mais perdurou na antigüidade, por sua fé no real e no
conhecimento, na conquista da felicidade, vencendo a ânsia pelo sobrenatural. Ela só se
extinguirá com o fim do próprio mundo antigo. A doutrina do jardim divide-se em canônica,
física e ética.
A canônica epicurista
A escola de Epicuro ignorou completamente a grande aquisição que fora a lógica de
Aristóteles, reduzindo a lógica a uma espécie de crítica do conhecimento, princípios muito
elementares que serviam de introdução à sua física, não passando portanto de uma
metodologia. Epicuro, no seu cânon, afirmava que os critérios da verdade são três: as
sensações (aísthesis), as antecipações (prolépsis) e os sentimentos (pathé).
Como critério fundamental ele punha a sensação, para a qual ele reivindicava uma
certeza objetiva, considerada o principal critério para o julgamento. As sensações são
sempre e inteiramente verdadeiras, sem exceção. A certeza de um só dos sentidos já é
suficiente para nos dar a certeza de todos.
A sensação é uma afecção e portanto passiva, não se produz por si, mas deve ser
produzida por alguma coisa da qual é o efeito; e, se é produzida por alguma coisa, deve ser
72
também correspondente a ela. É necessário que subsista o objeto que a produz e que este
corresponda à sensação que produz.
A sensação é objetiva e verdadeira porque é produzida, garantida pela estrutura
atômica da realidade, pois de todas as coisas emanam complexos de átomos que constituem
imagens das coisas e as sensações são produzidos pela penetração de tais imagens em nós.
O engano que nossos sentidos sofrem se deve à distância do objeto e da imagem por ele
emanada. O erro não é da sensação mas do julgamento.
A sensação é a - racional (anterior a qualquer julgamento), desprovida de memória,
não se auto – produz, mas é produzida por outro; ela não tem condições de tirar de si nem
de se dar o que quer que seja, mas é objetiva, ou seja, não surge da atividade do sujeito. A
sensação é irrefutável porque não se lhe pode opor nada: nem outra sensação igual, porque
tem o mesmo valor; nem uma sensação diferente, porque se refere a um objeto diferente;
nem a razão, porque esta depende da sensação e não o contrário.
Como segundo critério da verdade, Epicuro punha as antecipações ou pré – noções
ou prolépses, que são as representações mentais das coisas, o correspondente sensitivo do
conceito, uma idéia geral impressa em nós, memória daquilo que nos é mostrado de fora; são
imagens das coisas nascidas das percepções e formadas através da repetição das mesmas
percepções e a sua conservação na memória. São chamadas antecipações porque podem ser
chamadas a qualquer momento, pois estão na mente como um selo das sensações passadas, o
que nos permite reconhecê-las antecipadamente, sem precisarmos tê-las novamente diante
de nós e percebê-las agora. Elas precedem e condicionam qualquer forma de reflexão, de
raciocínio e atividade racional. É a estreita ligação da antecipação com a sensação que lhe
garante a veracidade, pois também elas são produzidas pela ação das coisas sobre a alma.
Além disso, os nomes que constituem a nossa linguagem referem-se a essas prolepses e
isto é algo natural. Os nomes são expressões por meios fonéticos das nossas percepções e
afecções.
O terceiro critério de verdade para Epicuro eram as afecções ou sentimentos de
prazer e dor, chamados também de “sentidos internos”, que possuem uma importância
particular, pois permitem discriminar o verdadeiro do falso, o ser do não ser, o critério
fundamental para discriminar o valor do contravalor, o bem do mal e portanto constituem o
critério da escolha ou não escolha, ou seja, a regra do nosso agir.
Sensações, antecipações e sentimentos tem seu valor de verdade na evidência
imediata e se acolhemos o verdadeiro não podemos errar. O raciocínio, sendo algo não
imediato, dá origem à opinião e com ela a possibilidade do erro. São verdadeiras as opiniões
que : a) recebem atestado comprobatório da experiência e da evidência e b) não recebem
atestado contrário, ou seja, desmentido da experiência e da evidência e são falsas as
opiniões que: a) recebem atestado contrário, ou seja, são desmentidas pela experiência e
pela evidência e b) não recebem atestado comprobatório, não recebem confirmação da
experiência e da evidência. A evidência é aquela do fenômeno, tal como aparece aos
sentidos e não tal como aparece à razão.
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A Física epicurista
A grande “Epístola a Heródoto” e os fragmentos até agora descobertos do grande
tratado “Sobre a natureza”, nos permitem descobrir o seguinte da física de Epicuro: “Nada
nasce do não - ser”, porque, do contrário, qualquer coisa poderia absurdamente gerar-se de
qualquer coisa sem necessidade de qualquer semente geradora; e “nada se dissolve no
nada”, porque, do contrário, neste momento, tudo já teria perecido e nada mais seria. E
dado que nada nasce e nada perece, então o todo, isto é, a realidade na sua totalidade, foi
sempre tal como é agora, e será assim sempre; com efeito, além do todo, não há nada no
qual este possa transformar-se, nem há nada do qual este possa ser transformado.
Aqui é reafirmado o ponto de partida dos eleatas, tal como foi assumido pelos
atomistas: o “todo” é a totalidade da realidade e é determinado por dois elementos
essenciais: os corpos e o vazio. A existência dos corpos é provada pelos sentidos e a
existência do vazio é inferida pela existência do movimento, pois este acontece pelo
deslocamento dos corpos no espaço vazio. Além dos corpos e do vazio, nada mais é pensável
que seja por si existente e que não seja afecção dos corpos. Esta postura de não distinguir
diferentes planos de significação para o ser é um repúdio às idéias de Platão e Aristóteles.
A realidade, tal como é concebida por Epicuro é infinita, em primeiro lugar infinita
como totalidade. Assim, infinitos devem ser os princípios constitutivos; infinitos devem ser
os corpos e infinita a extensão do vazio; se fosse finita a extensão dos corpos, eles se
dispersariam no vazio infinito e se fosse finito o vazio, ele não poderia conter os infinitos
corpos. Retoma-se assim a noção de infinito já levantada pelos jônios e adotada pelos
eleatas.
- Os átomos – alguns corpos são compostos, outros, ao contrário são simples e indivisíveis.
Somente estes últimos são originais, compactos e indivisíveis. Se os corpos fossem
divisíveis ao infinito, eles se dissolveriam no nada e isso não é admissível. O princípio de que
nada nasce e nada perece é válido para os corpos simples ou átomos. Já os corpos
compostos, estes se geram e se corrompem. Deve-se portanto distinguir as características
dos corpos enquanto compostos e os corpos simples ou átomos.
As características estruturais do átomo são a forma ou figura, o peso e a
grandeza. Os atomistas antigos indicavam como características estruturais dos átomos a
figura, a ordem (a disposição espacial do átomo em relação aos outros) e a posição. As
formas diferentes dos átomos são necessárias para explicar as diferentes qualidades
fenomênicas das coisas que nos aparecem. A grandeza dos átomos (o peso) é necessária
para explicar o movimento dos átomos.
Os átomos, para poderem gerar todas as diferenças que encontramos na realidade,
devem ter figuras muito diferentes e numerosas, mas não infinitas, sendo finito o número
dos átomos para cada uma das formas existentes. Este é outro ponto no qual Epicuro
afasta-se dos antigos atomistas, que sustentavam infinitas formas ou figuras dos átomos.
- A doutrina dos mínimos – a grandeza dos átomos tem um limite. Se eles pudessem ter
toda espécie de grandeza eles se tornariam visíveis, bem como se eles pudessem diminuir
em grandeza ao infinito, se dissolveriam no nada. Tanto um princípio como o outro são
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incompatíveis com a definição do átomo. Sendo os átomos maiores ou menores eles podem
ter partes que por definição não são separáveis, mas lógica e idealmente distinguíveis.
Assim, também a grandeza das partes não pode diminuir ao infinito, devendo ter um limite,
que Epicuro chama de mínimo e se torna a unidade de medida. Epicuro fala dos mínimos
não só referindo-se aos átomos, mas também ao espaço (o vazio), ao tempo, ao movimento
etc. Os mínimos para cada uma destas situações constitui a unidade de medida analógica.
- Características do vazio – o vazio possui características antitéticas às dos corpos. Ele é
o espaço que acolhe os corpos e permite-lhes moverem-se, reunirem-se e separarem-se. É
dito vazio em oposição aos corpos que são plenos. O vazio é também chamado de “natureza
intangível”, ao contrário dos corpos, que são tangíveis, isto é, podem ser sentidos. O vazio
também não tem capacidade de agir ou padecer, pois estas são características da
corporalidade.
Falar de seres incorpóreos, como as idéias de Platão, a Inteligência Divina de
Anaxágoras ou as almas, para Epicuro é absurdo, pois todo ser é homogêneo e corpóreo. Só
o vazio é incorpóreo.
- O movimento – as qualidades até agora examinadas são estáticas. Os átomos têm
também um caráter dinâmico: estão sempre em contínuo movimento, e que Epicuro chamava
de movimento de queda para baixo. No infinito não existe acima ou embaixo. Para falar
deste movimento, Epicuro faz referência às nossas sensações. No entanto, se os átomos
são invisíveis, como podemos deles ter sensações !
O nascimento de novos mundos pode ter lugar, seja no espaço que separa um mundo
do outro, chamado por Epicuro “intermundo”, seja no interior de cada mundo, quanto este
esteja em vias de dissolução. Depois de ter alcançado o ponto culminante do crescimento e
do equilíbrio, começa a perder átomos e, portanto, dissolve-se, e os átomos dos quais era
composto passam a gerar novos mundos.
No universo de Epicuro, a negação não só de toda finalidade, mas também de toda
racionalidade, é levada ao extremo, além do limite a que chegaram os atomistas. Epicuro
quer desmentir sobretudo a teoria platônica do Demiurgo construtor do mundo. No
universo de Epicuro há tão somente o casual e o fortuito, que são o irracional. Epicuro é o
filósofo que “pôs o mundo por acaso”.
- A explicação dos fenômenos celestes – na sua explicação da realidade, Epicuro quer
demonstrar que o todo depende nem de um Deus ou de deuses, mas unicamente do acaso e
da necessidade. Isto visa livrar o homem de todos os temores. Procura explicar os
fenômenos celestes com uma multiplicidade de causas, sem fazer nenhuma interpretação
metafísica, como fez por exemplo Aristóteles. Pelo contrário, as múltiplas explicações que
dá aos problemas físicos, servem-lhe tão somente para corroborar a sua tese de que eles
não são produzidos por nenhuma natureza inteligente ou seres divinos. Não havia, por assim
dizer, um interesse “científico” nas especulações de Epicuro, pois para ele, tais
especulações não tem nenhuma aplicação no problema prático da vida, que é o que lhe
interessa.
- A Alma – a alma, como todas as outras coisas, é um agregado de átomos, ígneos,
aeriformes e ventosos, os quais constituem a parte irracional da alma e por átomos
“diferentes” aos quais não dá um nome específico, que constituem a parte racional da alma.
Esta por sua vez, como todos os demais agregados de átomos, não é eterna, mas mortal e
isso é uma conseqüência dos princípios materialistas do sistema de Epicuro. Perceba-se que,
mesmo negando o caráter espiritual de alma, defendido por Platão e Aristóteles, ele aceita
a divisão deles da alma numa parte irracional e outra racional, esta constituída por átomos
que ele não sabe como qualificar, e que seria responsável pelo pensamento e demais
atividades superiores. Para explicar o psiquismo, deveria-se discutir as características
destes “átomos diferenciados”. Outra coisa: para Epicuro, a alma possui sensação enquanto
está ligada ao corpo. Morto o corpo, os átomos que constituem a alma dispersam-se e
desaparece toda sensibilidade, sentimento, pensamento e consciência. No entanto, a
unidade da consciência, que constitui a pessoa, não se explica nem com a agregação nem
com a desagregação dos átomos que constituem a alma. A grande descoberta de Sócrates,
da alma como sede da inteligência e da individualidade, é desprezada e esquecida por
Epicuro, que não percebe um dos dados mais importantes da história da humanidade.
- O conhecimento – a sensação e o processo do conhecimento são explicados por Epicuro,
a partir do atomismo, como emanações das coisas. De tudo o que há, surgem imagens ou
“simulacros” que reproduzem os seus traços e, penetrando em nós, produzem as sensações
e o pensamento. As percepções sensíveis são sempre verdadeiras porque procedendo das
coisas, oferecem a realidade delas mesmas. Os sonhos e os delírios seriam estas imagens
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decompondo-se e recompondo-se, e não algo produzido pela nossa própria mente. Epicuro
não sabe explicar o pensamento autônomo de qualquer sensação, mas diz que esta é a causa
do erro nos nosso julgamento. Igualmente Epicuro não sabe como explicar a sede da
liberdade e da vontade.
- Os deuses e o divino – neste universo de átomos, do vazio, do movimento em queda
livre, sem uma dimensão espiritual, não há espaço para a Divindade e seres divinos. Um dos
objetivos de Epicuro é libertar os homens do temor dos deuses. No entanto, e de modo
paradoxal, Epicuro não nega a existência do Divino e dos deuses, mas do modo como eles
eram comumente entendidos, ou seja, acreditar que eles se ocupem e se preocupam com os
homens e com os seus afazeres públicos ou privados. Igualmente nega que os deuses sejam
os autores e organizadores do cosmo e dos corpos celestes, bem como não se identificavam
com estes corpos celestes. Em que se baseia então a “teologia” de Epicuro? Para ele, temos
um conhecimento “evidente” dos deuses. Esta evidência resulta do fato de todos os
homens em todos os tempos creram nos deuses. Esta crença não seria algo fantasioso, mas
da mesma natureza do conhecimento que temos das coisas: os deuses, como as, coisas,
emitem “representações” deles mesmos que se fazem sentir em nossas almas. É o que
Epicuro chama a “premonição do divino”. Assim a realidade, na sua infinitude é governada
por uma lei de equilíbrio ou compensação, que pressupõe a existência de seres divinos.
Assim como infinita é a multidão dos homens, infinito deve ser o número dos deuses
imortais e estes deuses tem figuras (corpos) iguais aos homens, porque a figura humana é a
mais bela existente na natureza. Mas se os deuses tem corpo, são constituídos de átomos e
como tais, devem se compor e se dissolver. Como então podem ser imortais? Epicuro fala
então de um “quase corpo”, de que seriam formados os deuses, de átomos que não se
dissolveriam. Ora, assim como Epicuro, dentro do seu materialismo, tem dificuldade para
explicar a alma racional, igualmente o tem para explicar a natureza dos deuses.
A concepção dos deuses de Epicuro é excêntrica em relação a todo o pensamento do
helenismo. A fé popular admitia os deuses para explicar as dificuldades da vida, enquanto
os filósofos admitiam a divindade para explicar o cosmo e a realidade. Epicuro rejeita estas
duas motivações, mas mantém algumas crenças do pensamento teológico antigo: o
antropormofismo. Por sua vez guarda de Aristóteles a convicção da impassibilidade dos
seres divinos. Ora, os deuses de Epicuro são os ideais de sua ética: vivem sem preocupações
e perturbações, dedicam-se a sábias conversações, em plena amizade e respeito mútuo.
Trata-se de uma projeção ideal da própria escola de Epicuro, do seu “Jardim”. A honra que
se devia aos deuses significava honrar o ideal de vida que emanava daquela escola, que
Epicuro pregava aos homens e que constituía a marca da sua própria existência.
A Ética epicurista
A filosofia moral, a partir de Sócrates, como vimos, fixou perfeitamente o estatuto
da ética. Esta deve estabelecer a essência do homem, a sua areté peculiar, o seu bem
específico e, portanto, o modo de viver para alcançar esse bem que o torna feliz. Epicuro
participa desta concepção de ética, mas se separa da tradição clássica (Sócrates – Platão –
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componente que o diferencia do ser puramente material, físico e atômico. Mesmo negando,
implicitamente Epicuro deixa aberta a instância do espírito.
O prazer para Epicuro não é o prazer dos dissolutos, pois os meios para conseguir
certos prazeres trazem muito mais tormentos que prazeres. Igualmente diz que se o
prazer dissoluto fosse a suprema felicidade, ele deveria nos libertar dos temores do
destino, da morte e da doença, o que não acontece. Não se trata portanto de viver de festa
em festa, de orgia em orgia, mas da busca da ausência de dor no corpo e de perturbações
na alma. O não sofrimento do corpo (aponía) é o prazer catastemático, estável, em
quietude, enquanto a não perturbação da alma é o prazer da alma, que se liga ao anterior.
Esses prazeres e só esses, garantem o viver feliz. Porém outra conclusão se impõe: a
função de direção da vida moral não é exercida pelo prazer como tal, mas pela razão, pelo
raciocínio, pelo cálculo aplicado aos prazeres para estabelecer não só os que produzem
mais prazer, como os que comportam menos dores, pois há prazeres úteis e prazeres
danosos. O cálculo das utilidades, o juízo que dissipa os erros e faz a justa avaliação dos
prazeres é a phrónesis ou sabedoria prática: não é possível viver prazeirosamente a não ser
vivendo sabiamente e de maneira justa. A phrónesis ou sabedoria prática é a virtude
suprema, que diferentemente da sophía, que é a sabedoria contemplativa, está ligada à
vida prática.
Epicuro distingue três grandes classes de prazeres: a) prazeres necessários e
naturais; b) prazeres naturais, mas não necessários; c) prazeres não naturais e não
necessários. Devemos nos satisfazer sempre do primeiros tipo, usar com moderação os
segundos e nunca ceder aos terceiros. Aqui Epicuro manifesta uma tomada de posição quase
ascética diante da variada multiplicidade dos prazeres. Frente os prazeres naturais e
necessários, ele coloca unicamente aqueles ligados à conservação da vida do indivíduo,
tirando a dor do corpo: comer quando se tem fome beber quando se tem sede e repousar
quando se está cansado. Ele exclui desse grupo o prazer do amor: o sexo só deve ser
praticado quando não traga nenhum prejuízo.
Entre os prazeres do segundo grupo, ele põe todos os desejos e prazeres que
constituem, por assim dizer, as variações supérfulas dos prazeres naturais: comer bem,
beber bebidas refinadas, vestir-se com elegância, etc. Os prazeres do terceiro grupo,
Epicuro os denomina “vãos”, pois oriundos das vãs opiniões dos homens: os prazeres ligados
aos desejo de riqueza, poder, honras e semelhantes.
Mesmo os prazeres do primeiro grupo, eles tem um preciso limite, que consiste na
eliminação da dor; alcançando isso, o prazer não cresce indefinidamente. Os desejos e
prazeres do segundo grupo já não têm este limite. Como eles não tiram a dor corporal, mas
são tão somente variação do prazer, se usufruídos com exagero, podem causar um notável
dano. Há uma alegria na moderação do uso dos prazeres, disponível a todos que queiram
seguir a natureza e contentar-se com pouco. A natureza fez as coisas necessárias fáceis e
encontráveis e as não necessárias, difíceis de encontrar. Limitemos pois, os nossos desejos,
reduzamo-los àqueles essenciais e teremos riqueza e felicidade copiosa, porque para nos
dar aqueles prazeres, bastamos a nós mesmos e neste bastar-se a si mesmo (autarquia)
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felicidade. Os prazeres advindos da vida política são ilusórios: poder, fama e riqueza não
são prazeres nem naturais, nem necessários. A vida política dissipa e desvia o homem, que
deve viver separado das multidões, se quer ser feliz. O lema de Epicuro era: “vive
escondido”, retirando-se em si mesmo e buscando a tranqüilidade, a paz da alma e a
ataraxia que é o bem supremo. Direito, lei e justiça têm sentido e valor unicamente quando
estão ligados a algo útil. A justiça deixa de ser algo absoluto, como queira Platão, mas algo
relativo, pois o estado e a lei nascem de simples contrato, tendo em vista da utilidade,
sendo meio de tutela dos valores vitais, criando condições favoráveis, mas nunca
suficientes, para a vida moral.
Enquanto a filosofia de Platão visava criar homens políticos, que deveriam
redimensionar a cidade – estado, a filosofia de Epicuro ao contrário, visava criar homens
que se tornassem tão somente indivíduos, que aprendessem a cuidar tão somente de si
mesmos. A única ligação que Epicuro admitia era a amizade, por ser livre e eletiva,
surgindo entre os que sentem, pensam e vivem do modo idêntico. Na amizade nada é
imposto de fora e de modo não natural e portanto, nada viola a intimidade do indivíduo. O
epicurista vê o amigo quase como um outro eu.
A amizade no platonismo era um meio que ajudava a construir a cidade – estado. Para
Epicuro ela é um fim em si mesmo, muito embora não fuja da lei da utilidade, sendo neste
sentido também um meio para realizar o indivíduo, pois nada na ética epicurista foge da
necessidade do prazer e do útil. Ainda assim ela é algo desejável por si mesma. Em suma:
primeiro busca-se a amizade para conseguir determinadas vantagens alheias a ela. Depois,
uma vez nascida, torna-se ela um prazer ou uma fonte de prazer. Por isso ele reconhece que
de todas as coisas que a sabedoria oferece, o maior bem é a amizade. De fato, estes
princípios praticados pelos epicuristas, fizeram do “Jardim” um lugar procurado por
pessoas de grande nobreza, de estirpe e de caráter e mesmo mulheres eram admitidas
nestes círculos, algo novo na sociedade grega. A condição para o cultivo desta amizade é a
sabedoria prática que reconhece como iguais os membros desta sociedade de sábios.
Epicuro forneceu aos homens o que ficou conhecido como quádruplo remédio: 1) são
vãos os temores dos deuses e do além; 2) é absurdo o temor da morte; 3) o prazer quando
buscado corretamente está à disposição de todos; 4) o mal ou é de breve duração ou é
facilmente suportável. O homem que saiba aplicar esse quádruplo remédio adquire a paz de
espírito e a felicidade, que nada nem ninguém pode corromper. Tendo-se tornado senhor de
si, o sábio nada mais tem a temer e o comprovou pela sua própria vida: entre as dores que o
levavam à morte, escreveu a um amigo um último adeus, proclamando a vida doce e feliz.
Aos homens de seu tempo, privados daquilo que havia tornado a sociedade grega
segura e atormentados pelo medo e insegurança, Epicuro lança este caminho para a
felicidade, que consistia neste desafio à sorte e a à fatalidade, pois a felicidade pode vir
de dentro de nós, independentemente de como as coisas estão fora de nós. O verdadeiro
bem é a vida e para mantê-la, basta pouquíssimo e isto está à disposição de todos: tudo
mais é vaidade. A vida é para Epicuro o verdadeiro absoluto, quase uma religião.
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Epicuro foi uma das vozes mais autênticas da antigüidade. Seu pensamento e sua vida
tornaram-se um paradigma. O sucesso de sua filosofia estendeu-se por cinco séculos. A
cidade de Alexandria tornou-se a pátria dos epicurista. Esta escola buscou o equilíbrio
espiritual que é o maior ideal da eudaimonía grega; buscou a harmonia e perfeição que se
expressou nas estátuas de Praxisteles e Lisipo, as mais belas que nos chegaram. Epicuro
ensinou não só com sua vida, como por sua morte: aceitou-a serenamente, em meio a dores
atrozes, ainda assim louvava a vida.
Os pontos centrais do pensamento de Epicuro tornaram-se dogmas a serem
apreendidos e defendidos, quase como verdades de religião. Enquanto o Estoicismo e o
ceticismo experimentaram várias fases, o epicurismo teve somente um ciclo doutrinário,
permanecendo imutável.
Na segunda metade do século I a.C. o “Jardim” de Atenas já estava morto, mas o
discurso epicurista já se tinha difundido em toda a parte, no oriente e no ocidente. Em
Roma, o epicurismo encontrou uma segunda pátria, sobretudo através do poeta Lucrécio,
que soube cantar as máximas epicuristas com a mais elevada e comovida poesia. O seu “De
rerum natura” é considerado o maior poema filosófico de todos os tempos.
O Estoicismo
principal deste, ou seja, a proposição de realidades puramente espirituais e não menos que
Epicuro, adotou posturas nitidamente materialistas. As idéias, para Zenão, são simples
conceitos da nossa mente e não realidades subexistentes em si, como queria Platão.
Igualmente Zenão negou a existência de uma alma espiritual ou as “inteligências imateriais”,
como o Demiurgo de Platão ou o Motor Imóvel de Aristóteles. A natureza da alma para ele,
é material, pois só assim se explica a influência que ela exerce sobre o corpo e vice-versa.
A alma é pneuma e fogo: sobrevive por certo período à morte do nosso corpo, mas depois
se dissolveria no todo.
Corpóreo também é o Deus de Zenão, o qual coincide com o princípio ativo do
universo e é imamente ao próprio universo. Deus é um “fogo eterno”. Corpórea é também a
inteligência, a ciência, as virtudes: qualquer coisa, sem distinção se é ser, é corpo. Zenão
não se limitou a ouvir os filósofos da sua época, mas leu e meditou os livros dos filósofos
antigos, de modo particular Heráclito, de quem herdou a idéia do fogo, que é physis, lógos
e deus. Este fogo dirige o curso de todas as coisas.
Estas posturas de Heráclito foram repensadas por Zenão, pois não era mais possível
pensar-se a physis como fizeram os pré – socráticos, depois das aquisições de Sócrates,
Platão e Aristóteles. Zenão, como Epicuro, negou o espiritual, o imaterial, o supra – sensível
e determinou a physis em sentido materialista, corpóreo e sensista. Porém, ao contrário de
Epicuro que retira suas idéias do atomismo mecanicista, Zenão retira as suas de Heráclito,
com conseqüências de caráter vitalista, organicista e panteísta. Que tudo seja vivo, que a
matéria seja instrísecamente dotada de vida, que tudo seja organismo vivo, que tudo seja
Deus e que Deus seja coincidente com o cosmo, são teses implícitas nos pré – socráticos,
mas que só com os estóicos tornam-se explícitas e temáticas. Se se nega a dimensão
espiritual, Deus, se admitido como existente, deve ser imanentizado e identificado com o
cosmo e com a natureza. Os estóicos são os primeiros panteístas, os primeiros a
identificar Deus e natureza.
Algo que influenciou profundamente Zenão, foi a fundação do “Jardim”, a escola de
Epicuro, o que trouxe uma verdadeira revolução intelectual em Atenas. Em relação à nova
escola, Zenão nutriu sentimentos contraditórios. Tinha em comum com Epicuro o desejo de
fazer da filosofia uma “arte de viver”, o que era imperfeitamente realizado pelas demais
escolas. No entanto, as soluções propostas por Epicuro serão ferrenhamente rejeitadas por
Zenão, de modo especial a redução do mundo e do homem a mero amontoado de átomos e a
identificação do bem moral com o prazer. No entanto, isto impulsionou Zenão no rumo de
fundar sua própria escola. Sua visão de mundo levava-o a propor não os átomos, mas o lógos
para explicar todas as coisas, sem no entanto apelar para a metafísica de Platão e
Aristóteles. Igualmente, rejeitando o individualismo epicurista, Zenão prega o interesse
pelo outro e o empenho social e a felicidade não como busca do prazer, mas como empenho
pela paz espiritual.
Zenão não era cidadão ateniense e como tal, não tinha direito de adquirir um edifício.
Por este motivo dava suas aulas num pórtico. Daí sua escola se chamar “o pórtico”. Pórtico
em grego se diz stoá, daí a expressão estóicos. No pórtico de Zenão, à diferença do
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jardim de Epicuro, foi admitida a discussão crítica em torno dos dogmas do fundador da
escola e por este motivo, eles foram submetidas a aprofundamentos, revisões e
repensamentos. Enquanto a filosofia de Epicuro não sofreu modificações ao longo de cinco
séculos, a de Zenão sofreu notáveis inovações e consideráveis evoluções.
Os estudiosos já esclareceram suficientemente que na história do “Pórtico” é
necessário distinguir três períodos: 1) o período do “antigo pórtico”, no qual a filosofia do
pórtico é gradativamente desenvolvida e sistematizada, por obra dos seus três principais
representantes: Zenão, Cleanto e sobretudo Crísipo, que escreveu mais de 700 obras e
fixou a doutrina desta primeira fase da escola, que por sua vez se estende do final do
século IV ao final do século III a.C.; 2) o período chamado de “médio pórtico”, se
desenvolve entre os séculos II e I a.C. e se caracteriza por infiltrações ecléticas na
doutrina original; 3) o período do “pórtico romano” ou “novo pórtico”, que se situa já na era
cristã, na qual a doutrina torna-se essencialmente meditação moral e assume fortes tons
religiosos.
As distinções entre estes três períodos, comporta a necessidade de examiná-los
separadamente, pois cada um deles revela características peculiares, que se desenvolveram
ao longo dos quinhentos anos que durou a escola. O pensamento dos primeiros
representantes é dificilmente delimitável, pois foi toda absorvida na obra de Crísipo, que a
recheou com habilidades refinadas de dialética, bem como, se Crísipo não tivesse existido,
o pórtico teria desaparecido depois de Cleanto. Quanto aos pensadores do médio pórtico,
Panécio e Possidônio, os testemunhos precisos são escassos, embora os dois sejam bem
diferenciáveis. Quanto aos período romano, possuímos obras completas, numerosas e muito
ricas, como as de Marco Aurélio, o imperador – filósofo e Epicteto, o escravo filósofo.
Zenão e o Pórtico aceitam a tripartição da filosofia, estabelecida pela academia de
Platão (lógica – física – ética), e também adotada por Epicuro. O todo da filosofia é
comparado por Zenão a um pomar, em que a lógica corresponde ao muro que delimita o seu
âmbito e serve, ao mesmo tempo, de baluarte de defesa; a física representa as árvores,
aquilo sem o qual não existiria o pomar e por fim os frutos, o fim para o qual existe todo o
conjunto, que representa a ética. Essa imagem exprime bem tanto a premazia da ética e a
sua privilegiada posição, como a imprescindibilidade das outras partes da filosofia.
Os estóicos, diferentemente das outras escolas, souberam indicar, pelo princípio do
Lógos, o fundamento que solidamente liga as três partes: o Lógos é o princípio de verdade
na lógica, o princípio criador do cosmo na física e princípio normativo imanente na ética e,
escolheram não o termo nous, isto é, inteligência ou pensamento, como Xenofontes,
Parmênides, Anaxágoras, Platão e Aristóteles, mas Lógos, derivado de Heráclito, pois este
expressaria uma polivalência de significados, resumindo o momento subjetivo e o objetivo, o
antropólogo e o cosmológico, o gnoseológico e o ontológico e portanto podendo servir de
denominador comum entre sujeito e objeto.
Pohlenz, o maior estudioso da filosofia estóica, esclarece o significado que davam ao
Lógos: “para os gregos, a essência do Lógos não se esgota no conhecer e no falar. Não se
pode só dizer o que uma coisa é, mas o também que uma coisa deve ser. O lógos não termina
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no conhecimento, mas contém ainda um impulso para o agir. Somente partindo desta função
podemos compreender por que o lógos tornou-se o conceito fundamental da filosofia de
Zenão e teve um significado que o Nous nunca pôde alcançar. Para Zenão, o lógos não
representa somente a razão pensante e cognoscente, mas também o princípio espiritual que
dá forma a todo o universo, racionalmente e com base num plano rigoroso, e fixa para cada
criatura singular sua destinação. Para Zenão, como para Heráclito, o lógos reina tanto no
cosmo, como no homem e fornece-nos a chave para captar não só o significado do mundo,
mas também da nossa existência espiritual, e para conhecer o nosso destino efetivo. Deste
modo ele indicava também a via para se chegar a uma compreensão do devir cósmico, de
modo a satisfazer em igual medida o pensamento racional de Zenão e o seu sentimento
religioso”.
Fica assim esclarecido o que dissemos acima, a saber, que o lógos constitui o princípio
unitário que com os seus três valores distintos, gera as três partes da filosofia: o lógos
como princípio de verdade, com suas leis do pensar, do conhecer e do falar, constitui o
objeto específico da lógica; o lógos como princípio ontológico do cosmo, constitui o objeto
da física, entendida no sentido original, pré – socrático; e enfim, o lógos como princípio
finalizador, ou seja, como princípio que determina o sentido de todas as coisas e portanto,
também o fim e o dever ser do homem, constitui o objeto da ética.
A lógica estóica
À lógica estóica cabe o lugar metodológico e didático e portanto deve ser tratada em
primeiro lugar. Os estóicos muito mais que os epicuristas estão firmemente convencidos de
que o homem tem a possibilidade de alcançar a certeza e a verdade absolutas e que a paz
de espírito só pode vir do acesso e da posse plena delas: e a lógica, no seu momento
culminante, é a elaboração e fundação do critério da verdade e da certeza absolutas. O
estóico não só sente que está na verdade, como também se proclama capaz de demonstrá-la
aos outros. São os filósofos mais dogmáticos da era helenística. Em polêmica com os
céticos, que defendem postura oposta, desenvolveram ainda mais a sua lógica, ao contrário
dos epicuristas que apresentaram pouco interesse por esta disciplina. Ainda assim, os
estudos levados a cabo desde o século XIX, avaliaram negativamente os resultados destas
escolas, em tudo inferiores às descobertas de Platão e Aristóteles.
Em tempos mais recentes têm-se notado o quanto a lógica estóica é diferente da
Aristotélica, chegando mesmo a tomar direções opostas, com elementos das escolas
socráticas menores, de modo particular a megárica. A lógica aristotélica é toda dependente
da noção de substância, da qual dependem todas as outras e donde se deriva a essência, a
qual pode existir separada do pensamento. Zenão, por sua vez, dividia a lógica em dialética
e retórica, enquanto reconhecia só duas possibilidades para o discurso: a de proceder por
argumentos e a de desenvolver-se de maneira oratória.
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Para os estóicos, a alma é originalmente, como uma “tabula rasa”, e por ação da
experiência, adquire pouco a pouco os seus conhecimentos. A sensação e a representação
sensorial são o momento inicial, o ingresso da alma no conhecimento. A representação é o
critério da verdade, pois a sensação é uma impressão provocada pelos objetos sobre os
órgãos sensoriais e esta impressão se transmite à alma através dos sentidos e nela se
exprime, gerando assim a representação (phantasma). Zenão e Cleanto estenderam a
impressão como verdadeira marca material na alma, enquanto Crísipo fala de um alteração
qualitativa. O critério da verdade como dissemos não é a sensação, como era para os
epicuristas, mas a representação cataléptica ou compreensiva, pois implica um assentir,
um consentir e um aprovar provenientes do lógos que está na nossa alma. A impressão não
depende de nós, já que depende da ação de objetos sobre os nossos sentidos e nós não
somos livres para acolhê-los ou evitá-los, mas somos livres para tomar posição diante das
impressões a representações que se formam em nós, dando-lhes o assenso do nosso lógos,
ou recusando-lhes esse assenso. Só quando damos o nosso assentimento acontece a
apreensão. A representação que recebeu o nosso assentimento torna-se representação
compreensiva ou cataléptica e só esta é critério e garantia de verdade.
Os estóicos estão bem longe de pensar que o lógos tenha, com relação à sensação
uma autonomia ou uma função reguladora, bem como de achar que a representação seja uma
espécie de síntese ou um tipo de mensuração que o espírito opera sobre os dados
sensoriais. A liberdade de assenso é o ato de dizer sim à evidência objetiva e o ato de
rejeitar é dizer não à não – evidência.
A convicção dos estóicos é que, na realidade, quando estamos efetivamente diante de
algum objeto, produzem-se em nós uma impressão e uma representação dotadas de tal
força e evidência, que, naturalmente, nos levam ao assenso e portanto à representação
compreensiva, e se damos assenso a uma representação, estamos realmente diante de um
objeto real e isso se deve a uma modificação material e corpórea da nossa alma.
O conhecimento não se esgota no âmbito da sensação e da recordação de
representações sensíveis, mas implica a capacidade de pensar e raciocinar, ou seja, formar
representações intelectivas ou conceitos, de conectar essas representações e proceder a
inferências de diversos modos. Os epicuristas preocuparam-se sobretudo com reportar as
“opiniões” à experiência e, para estabelecer a validade de uma opinião, não indicavam outro
critério que não fosse a simples “confirmação” e o “não desmentido” pelas sensações e
experiências, não reconhecendo a importância e a fecundidade da autonomia própria do
pensar e do raciocinar e consequentemente não elaboram uma teoria das formas do pensar
e do raciocinar, ou seja, uma verdadeira lógica. Ao contrário, os estóicos reconheceram ao
pensamento a autonomia e, portanto, puderam elaborar uma verdadeira lógica, por eles
denominada “dialética”.
Tudo o que é concebido pelo intelecto é concebido de dois modos: ou por um contato
e por uma imediata evidência ou por uma passagem (ou inferência) de coisas evidentes e
esta última acontece de três modos: ou por via de semelhança, ou por via de composição ou
por via de analogia. Por contato e imediata evidência, concebemos no intelecto o branco e o
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preto, o doce e o amargo, etc. Por passagem ou inferência, a partir de coisas evidentes,
concebem-se as noções ou por via da semelhança (da imagem de uma coisa à coisa) ou por
via de composição (da composição da imagem de um homem e um cavalo chego ao centauro).
Por analogia concebemos as noções de dois modos: por aumento ou diminuição (por aumento:
de homens comuns, chego à noção de um gigante e por diminuição a de um pigmeu).
Se primeiro não temos as sensações, não podemos ter representações intelectivas e
conceitos. Da sensação passa-se à intelecção, em primeiro lugar, com uma operação
imediata. Por exemplo: deste branco que vejo à noção geral de branco; desta cor à noção
de cor. Em segundo lugar, por passagem mediada, ou seja, operando por via da associação,
combinação ou divisão sobre as noções obtidas por imediata evidência e, assim,
transformando-as de várias maneiras. Os estóicos, como os epicuristas, admitiam a
existência de prolepses, concebendo-as como natural concepção dos universais, pelo qual a
criança, já a partir dos sete anos, é capaz de chegar de modo natural.
Aquelas prolepses e noções que se encontram em todos os homens são conceitos ou
noções universais. Os estóicos falaram até de noções ou prolepses congênitas na natureza
humana, a propósito de alguns critérios morais, efeito do lógos universal no lógos do
homem.
Qual a natureza dos “universais”, ou seja, daquilo que o pensamento pensa, reúne e
separa de vários modos? Os epicuristas só admitiam as coisas que são corpóreas e
individuais e as palavras que são igualmente corpóreas e individuais e sustentava que as
palavras se referem imediatamente às coisas. Epicuro suprimia o problema do universal. Os
estóicos deram-se conta de que aquela eram uma solução simplista e admitiam, além das
coisas existentes e das palavras significantes, também um terceiro termo, ou seja, os
conteúdos de pensamento, que afirmaram ser simples lékta, meras “coisas expressas” ou
“enunciados” e tais coisas seriam “incorpóreas”. Isto se aplica levando-se em conta o
seguinte: o ser é sempre e tão somente corpo e como tal, individual. Os conteúdos do
pensamento predicam-se de muitos indivíduos e, portanto, não são indivíduos e não podem
ser corpos e, assim, realidade. Consequentemente eles são não corpóreos, não no
significado espiritual e portanto positivo, mas no sentido negativo de falta da
característica que é típica da realidade e do ser, que, para os estóicos, só é a corporeidade.
A posição dos estóicos é conceitualista e nominalista, enquanto reconhece o universal como
algo que depende do nosso pensar e falar, mas recusa-lhe uma existência real ou um
fundamento na realidade.
No contexto do materialismo estóico, a concepção da relação causa/ efeito é
particular e não possui uma exata correspondência em todo o pensamento antecedente. Só
a causa é realidade, é ser, é “corpo”; o efeito é, ao contrário, mero acidente, desprovido de
realidade corpórea e portanto, “incorpóreo”. Os efeitos são considerados simples
“predicados” e portanto “incorpóreos” e “exprimíveis”. Por exemplo a faca é corpo e a
carne é corpo, mas o ser cortado, que é efeito, não é corpo. O fogo é corpo e a madeira é
corpo. O ser queimado é efeito, é incorpóreo. Os estóicos reconhecem ser realidade só a
substância/ substrato e a qualidade, que são corpos. O resto são simples “modos” e “modos
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relativos”. Ora, os efeitos não são substâncias nem qualidades (a qualidade é concebida
como algo que penetra na substância, logo são um “evento” exterior, uma modalidade
acidental, privada de verdadeira realidade e de ser, isto é, “incorpóreo”.
O “predicado” é definido como “o que é conjugado a uma ou mais coisas”. Ora, se e
conjugado a “mais coisas” não é individual e, portanto tem uma universalidade e por essa
razão é contada entre os exprimíveis (lékta), que são universais.
Quanto à dialética, os estóicos a definiram de maneira socrática: é a ciência do
discutir retamente sobre argumentos através de pergunta e resposta. Ora, o discutir tem a
ver com palavras e com noções, com coisas significativas e com significados. Por
conseqüência, a dialética ocupa-se destas duas coisas. A dialética estóica divide-se
portanto em duas grande seções: uma diz respeito à linguagem e à sua estrutura, a outra às
formas do pensamento. No estudo da linguagem os estóicos lançaram as premissas para o
estudo científico da gramática. A teoria da declinação, com a determinação dos casos foi
sua mais significativa descoberta. Na sua dialética sobre a linguagem, eles não se limitavam
a tratar das partes do discurso, da sua estrutura e das questões de estilo. Eles incluíram
as questões sobre a definição, o gênero, a espécie. A rejeição estóica a uma estrutura ideal
do real, os leva a um certo nominalismo, a considerar esses problemas prioritariamente
como problemas de palavras e de linguagem.
Na outra seção da dialética, os estóicos ocuparam-se das formas do pensamento.
Esta segunda seção ocupava-se dos “predicados”, que segundos os estóicos são os verbos.
São estes chamados “exprimíveis elípticos” ou “incompletos”. Por ex.: escreve, fala, corre.
As razões porque os estóicos deslocaram seu interesse do sujeito ao predicado,
privilegiando – o, deve ser buscado na sua ontologia. Segundo seu materialismo, o sujeito de
um juízo deve ser entendido como um indivíduo e não como outro conceito. O juízo é sempre
singular: João escreve; João fala; João corre. A lógica dos estóicos busca estabelecer não
os laços que unem entre si conceitos, mas os laços que unem entre si eventos e os verbos
exprimem “eventos” e por isso são “incorpóreos”.
A proposição ou juízo é um “exprimível completo” ou seja, um exprimível que tem
sentido determinado e completo, enquanto liga o predicado a um sujeito. Como para
Aristóteles, para os estóicos o verdadeiro e falso são ligados estruturalmente ao juízo.
Paradoxalmente, eles têm a seguinte doutrina: a verdade é corpo; o verdadeiro é, ao invés
incorpóreo; o verdadeiro é um juízo, o juízo é enunciável, portanto incorpóreo. Por outro
lado, a verdade parece ser a ciência que afirma todos os verdadeiros, mas a ciência não é
senão um modo de ser da parte principal de razão; como a razão é corpo, a verdade é, no
seu gênero, corpórea.
No estudo dos raciocínios, os estóicos privilegiaram os silogismos hipotéticos e
disjuntivos, porque esses são os mais idôneos para ligar eventos, e não conceitos. Crísipo
individuou cinco esquemas fundamentais de dedução, que são evidentes por si e não tem
necessidade de ulterior demonstração: 1) Se A é, também B é; mas A é, portanto também B
é. 2) Se A é, também B é. Mas B não é; portanto tampouco A é. 3) A e B não podem ser ao
mesmo tempo; mas A é; logo B não é. 4) Ou A é, ou B é; mas A é logo B não é. 5) Ou A ou B
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é; mas B não é; logo A é. Esses tipos de silogismos hipotéticos foram considerados mais
“modernos” e mais fecundos do que os aristotélicos. No entanto, a sua dialética, é
demasiada ligada aos fatos para ser fecunda. Ela não é capaz de sair do fato bruto nem
mediante a idéia (que ela nega), nem mediante a lei que liga os fenômenos (descoberta da
ciência moderna), mas deve contentar-se com o repetir indefinidamente o dado factual.
Quanto à retórica, os estóicos a concebem como modo fundamental do falar e como
tal faz parte da lógica e atribuíram-lhe um valor subordinado à dialética. Com isso, de
instrumento de convencimento político, tão exaltado pelos sofistas e por Platão, a retórica
torna-se a arte do falar com elegância, modo sistemático de dizer a verdade. Isto se
explica pela nova condição histórica. Com o fim da cidade – estado, não restava à retórica
outro papel senão ser “a forma bela do verdadeiro”.
Concluindo, qual foi a incidência da lógica estóica sobre a realidade, tal como a
conceberam e sobre o seu sistema filosófico, em particular a ética? A incidência foi
mínima, devido principalmente à evolução da escola, que tenderá a desinteressar – se pela
lógica, para cair numa espécie de “intuicionismo”. A dialética estóica não capta o ser e a
ciência das coisas, mas só os “incorpóreos”, entendidos como irreais, passando pela
superfície das coisas e só captando os “ocidentes” delas. Mesmo quando busca os “eventos”
e os “fatos”, acaba caindo em meras tautologias.
A representação cataléptica, que é o conhecimento sensível, é a única forma de
conhecimento que nos faz captar a realidade para os estóicos e ela é um contato íntimo e
imediato com as coisas corpóreas e é, ela mesma, corpórea. O pensamento e a razão, na
doutrina estóica, não captam o ser, apenas o tocam. Com o tempo e o desenvolvimento da
escola, houve um “desprezo pelo incorpóreo” que levou ao abandono da lógica discursiva em
benefício dos desenvolvimentos da atividade moral e religiosa. Com isso, a física, como já
acontecera no epicurismo, se sobrepõe à lógica e a ética por sua vez sobrepõe – se à lógica
e à física, como uma nova intuição emocional dos valores.
A física estóica
A física para os estóicos, como para os epicuristas, não é como para Platão e
Aristóteles, uma doutrina sobre um setor da realidade, mas uma doutrina sobre a physis,
em sentido pré – socrático, de uma explicação sobre a totalidade da realidade, os princípios
e leis que constituem o seu fundamento. Há profundas analogias entre a física dos
epicuristas e dos estóicos, bem como contrastes radicais, pois que dão soluções opostas
para os mesmos problemas. Neste sentido pode-se falar de um corpo a corpo entre estas
duas filosofias.
Epicuro repropôs o pluralismo atomista; os estóicos, ao contrário, o monismo. Os
epicuristas sustentam uma total falta de finalismo; os estóicos sustentam uma teologia.
Epicuro afirma o mecanicismo: os estóicos, o vitalismo. Epicuro defendeu a infinidade dos
mundos; os estóicos a existência de um único mundo e finito. Epicuro sustentou a existência
do átomo e a impossibilidade da divisão ao infinito da matéria e os estóicos a doutrina do
contínuo dinâmico e a possibilidade de divisão ao infinito. Epicuro fêz do vazio um princípio;
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os estóicos negam que no mundo exista o vazio. Epicuro negou a penetrabilidade dos corpos;
os estóicos afirmam a penetrabilidade dos corpos. Epicuro pôs os deuses totalmente fora
do mundo e sem qualquer relação com ele; os estóicos identificam Deus como o princípio
constitutivo do mundo e com o próprio mundo. Epicuro negou qualquer providência; os
estóicos fazem da providência um dogma fundamental; Epicuro negou o destino; os estóicos
fazem do destino a outra face da providência.
Tais oposições brotam de duas opostas visões de mundo: as mais opostas que
possamos imaginar num espaço deixado à comum negação da transcendência. As físicas
epicurista e estóica são duas formas do materialismo antigo, que negam os êxitos da
descoberta do mundo espiritual feitos por Platão.
O materialismo do pórtico é um monismo panteísta, diferente das posturas de
alguns pré – socráticos, pois é constituído depois das distinções entre os conceitos de
corpóreo e incorpóreo, matéria e espírito, imanência e transcendência. Os estóicos, como
os epicuristas, negam a existência de qualquer realidade puramente espiritual. Platão
considerava real somente o que era capaz de exercer e/ou sofrer uma ação e os estóicos,
como os epicuristas, diziam que esta capacidade só pertence ao que é corpóreo e material.
O ser, portanto, enquanto tal é materialidade e corporeidade. Corpo é Deus, corpo é alma,
corpo é o bem, corpo é o saber, corpos são os vícios e corpos são as virtudes.
Corpo para os estóicos é um conceito complexo. Para eles corpo é matéria e qualidade
(forma) unidas entre si de tal maneira que uma é estruturalmente inseparável da outra e
vice-versa. A qualidade – forma é a causa ou o princípio ativo, enquanto a matéria é o
princípio passivo. A primeira é sempre imanente à segunda e em nenhum caso pode ser
separada dela e existir independentemente.
A matéria é finita e substância comum de toda coisa existente; divisível e sujeita a
toda forma de mutação, prestando-se à composição de toda espécie de figura, mas nunca se
apresenta senão juntamente e inseparavelmente ligada a alguma qualidade/forma, que lhe
confere um espírito e vigor eterno que a move segundo a razão, causa de toda mutação no
universo. Esta natureza movente é a alma que dá vida ao mundo sensível e imprime-lhe a
beleza da qual ele depende. Este princípio que penetra toda matéria informa-a e a plasma,
move-a e agita-a inteiramente, assume diferentes nomes: mente, alma, natureza e mesmo
Deus, demiurgo criador de todas as coisas.
A penetração de Deus (que é corpóreo) em toda a matéria e em toda a realidade (que
também é corpórea) é possível no estoicismo em virtude do dogma da comissão total dos
corpos. Por esta doutrina, as partes dos corpos podem interpretar-se e unir-se
intimamente, formando novos corpos. Este materialismo, diferentemente do mecanicismo
epicurista, é hileomórfico, pois exige a matéria sempre unida à qualidade/ forma, de modo
inseparável. Existe uma única matéria, a qual traz em si o princípio da vida e da
racionalidade, que faz germinar da matéria todas as coisas. Princípio ativo e princípio
passivo, matéria e razão, mente, Deus não são duas entidades separadas. São lógica e
conceitualmente distinguíveis, mas ontologicamente inseparáveis. São portanto uma única
matéria e uno é o princípio ativo, uno é o cosmo que abarca em si tudo. Isto é inseparável da
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matéria e dado que não há matéria sem forma, Deus está em tudo e Deus é tudo. Deus
coincide com o cosmo. Nisto consiste o panteísmo estóico.
Cosmo tem, para os estóicos, um tríplice significado: primeiro, Deus mesmo, cuja
qualidade é idêntica à de toda substância do universo; ele é, por isso, incorruptível e
ingênito, criador da ordem universal, que, com determinados períodos de tempo, absorve
em si toda a substância do universo e, por sua vez, a gera de si.
Quanto ao incorpóreo, os estóicos os resumem no lugar, no tempo, no infinito e no
vazio. O lugar é entendido como o que é ocupado inteiramente por um corpo, é incapaz de
agir ou de sofrer uma ação, é o resultado, o efeito do simples “estar – aí” de um corpo. O
tempo é o intervalo ou dimensão do movimento. Como tal, ele não tem capacidade de agir ou
de sofrer uma ação, é o efeito do mover-se dos corpos. Ele é incorpóreo pela ulterior razão
de que é infinito (enquanto passado ou futuro) e nenhum corpo, para os estóicos, pode ser
infinito. O vazio, concebido como “ausência de corpo”, é posto fora do cosmo e é
igualmente infinito, pois comporta a ausência de limites. Estas noções do “incorpóreo”
criam inumeráveis aporias, pois como foi dito que só o corpóreo é ser, alguns estóicos
criaram um gênero mais universal que o ser, para incluir estes incorpóreos, a que eles
chamavam “algo”. Esta hipótese cheia de contradições, nunca foi plenamente entendida ou
esclarecida.
regenerado. Com isso toda a mitologia dos cultos tradicionais podia ser alegoricamente
interpretada e considerada como expressão poética de realidades físicas.
O Deus estóico, na medida em que se identifica com a natureza, não pode ser
pessoal, como o Deus judaico – cristão. Consequentemente, a oração não tem sentido e o
homem, para realizar a sua vida não tem nenhuma necessidade de ajuda de Deus. No
entanto, na evolução do estoicismo, o lado religioso se acentuará, passando de um
cosmoteísmo, a um teísmo, como nos atesta o “Hino a Zeus”, de Cleanto.
defenda que Zenão, que era de origem semítica, tivesse levado esta noção, bem como a de
providência deste povo. Seja como for, só com os estóicos esta concepção se impôs.
O homem
O homem ocupa, no sistema estóico uma posição proeminente porque ele participa do
lógos divino mais do qualquer outro ser vivente, pois, além do corpo, possui a sua alma que é
um fragmento da alma cósmica. O homem é portanto um fragmento de Deus. É certo, que
como já vimos, a alma não é uma substância espiritual, mas corporal, porém um corpo
privilegiado, o pneuma, que é um fogo. A alma penetraria todo o organismo, vivificando-o. O
fato da alma ser também um corpo não é problema para que ela penetre o corpo, já que os
estóicos admitem a interpretação dos corpos. Ao penetrar todo o organismo, ela preside às
funções essenciais e os estóicos dividem a alma em oito partes: uma central, chamada
hegemônica, que coincide essencialmente com a razão, cinco partes que constituem os
cinco sentidos, além da parte que preside a fala e a que preside a geração (reprodução).
Além das oito partes, elas distinguiam numa mesma parte, diferentes funções. O
hegemônico por exemplo teria a capacidade de perceber, assentir, desejar, raciocinar. A
morte é a separação da alma do corpo, separação puramente física, em que a alma
sobreviveria ainda algum tempo, antes de dissolver-se.
Assim, o destino da alma para os estóicos está numa solução intermediária entre a de
Platão e a de Epicuro: a alma sobreviveria à morte do corpo, mas não para sempre. O
término último da alma seria o momento da conflagração universal, mas haviam opiniões
discordantes entre o tempo intermediário entre a morte e a conflagração. Para Cleanto
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todas as almas sobreviveriam até a conflagração universal. Outros como Crísipo achavam
que só a alma dos sábios teriam este privilégio: as almas “débeis”, dos incultos,
permaneceriam pouco tempo; as dos sábios, até a conflagração. O lugar destinado às almas
parece situar-se sob a lua. Elas mantêm suas faculdades cognitivas e teriam uma função nas
advinhações e nos sonhos. De certo modo, pode-se falar de uma imortalidade da alma, pois
no processo de palingênesis, cada alma, assim como cada coisa, reconstitui-se, e a
existência de cada alma e cada homem recomeça ao infinito. Note-se que o renascimento e
a sobrevivência da alma, como sábio ou como homem inculto não é o resultado de
recompensa ou castigo pela vida moral. A virtude e o vício são premiados já aqui na terra.
Para eles, a vida terrena era a única e verdadeira vida e a felicidade alcançável na terra a
única e verdadeira felicidade.
a sua racionalidade, escolhendo o que a favorece e fugindo do que a prejudica. O fim último
do homem é portanto o incremento da sua racionalidade.
Os estóicos contrapõem, ao princípio epicurista da busca do prazer e da fuga da dor,
um princípio mais radical e fundamental, pois o que é bem e mal não pode basear-se em algo
tão fugidio como o prazer e a dor. Portanto é bem o que conserva e incrementa o nosso ser
e mal, o que o danifica e o diminui. Como o homem é animalidade e racionalidade, no
processo avaliativo do que é o bem ou o mal, não são as mesmas coisas o que fornece a
conservação e o incremento da vida animal e o que favorece a conservação e incremento da
vida da razão.
Na classificação hierárquica dos bens, os estóicos tenderão a considerar verdadeiros
e autênticos bens exclusivamente os que incrementam a razão e verdadeiros e autênticos
males exclusivamente os que se opõem à natureza racional do homem. Só os primeiros
podem ser chamados bens morais e tornam o homem virtuoso e portanto feliz e mal o que é
vicioso, resumindo-se tudo nesta famosa frase: “bem é só a virtude e mal é só o vício”.
Como então considerar o que traz benefício para o corpo e o seu contrário? No
fundo, os estóicos tendem a considerar estas coisas nem bens, nem males. As coisas
relativas ao corpo, quer o prejudiquem, quer o ajudem são considerados indiferentes (em
grego, adiáphora) ou moralmente indiferentes. Assim a vida, a saúde, a beleza, a riqueza
etc. tem o mesmo valor da morte, doença, feiúra ou pobreza. Assim os entes podem ser
bons, maus e indiferentes. Bons são a justiça, a inteligência, a temperança, a fortaleza, os
males são a estupidez, a devassidão, a injustiça, a baixeza; indiferentes são a vida, a morte,
a celebridade, a humildade, a dor, o prazer, a riqueza, a pobreza, a enfermidade, a saúde,
etc.
Com estas noções, a moral estóica queria proteger seus adeptos das conseqüências
dos perigos, inseguranças e adversidades provenientes das convulsões políticas e sociais, da
penúria e da doença, pois tudo isto era negado, pois classificado entre os “indiferentes”. Os
bens e males derivam tão somente do interior do homem e nunca do exterior. Assim a
felicidade poderia ser sempre alcançada, independentemente e indiferentemente aos
acontecimentos externos.
No entanto esta “indiferença” é atenuada pela doutrina dos “preferíveis”, pois é
positivo tudo que incrementa, garante e conserva a vida (saúde, força, vigor etc.) e que os
estóicos chamavam valor ou estima (em grego, axía), enquanto o oposto negativo chamavam
falta de valor e de estima (apaxía). Portanto os “intermédios”, situados entre os bens e os
males deixam de ser totalmente indiferentes e tornam-se, do ponto de vista físico, valores
e desvalores. Portanto, para nossa natureza animal os primeiros tornam-se objeto de
preferência e os segundos de aversão. Assim há os “indiferentes preferíveis” e os
“indiferentes não preferíveis” ou rejeitáveis.
Resumindo: 1) são bens verdadeiros só os bens morais, isto é, os que conservam e
incrementam a racionalidade e o lógos e vice-versa, são males só os males morais, isto é, os
que diminuem a razão e o lógos; 2) esses bens são valores em sentido absoluto e o mesmo
se diga dos males morais, que são desvalores em sentido absoluto; 3) os “indiferentes”, se
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estão todos no mesmo plano do ponto de vista moral, não estão do ponto de vista físico,
pois incrementam ou prejudicam a vida; 4) existirão portanto coisas que mesmo sendo
moralmente indiferentes, serão do ponto de vista físico, valores ou desvalores ou serão
completamente neutras; 6) os bens morais têm valor absoluto e por isso diante deles não
tem sentido a classificação de “preferidos”, estando acima de qualquer relação com outros
valores.
Nos estóicos, como nos gregos em geral, a virtude humana (areté) é a perfeição do
que é peculiar e característico do ser humano e dado que a característica do ser humano é
a razão, a virtude é a perfeição da razão. Portanto, “viver segundo a natureza” coincide
com o “viver segundo a razão” e “viver segundo a virtude” e a virtude é a vida bem
aventurada ou felicidade. Os estóicos combatiam tanto a tese epicurista que subordinava a
virtude ao prazer, como a concepção escatológica, que ligava a virtude a um prêmio
ultraterreno. A virtude é em si mesma um bem, um prêmio, a felicidade e deve ser buscada,
amada e cultivada em si e por si. O estóico cultiva o ideal da autarchéia: não ter
necessidade de prazeres, pois estes não aperfeiçoam a sua natureza, são apenas fenômenos
que acompanham certas situações, sobre as quais não temos nenhum poder e não ter
necessidade de uma recompensa futura, pois a perfeição já é possuída com a virtude e
ninguém pode arrancá-la de si. Com esta virtude, o homem chega ao vértice absoluto, sente-
se igual aos deuses. Com esta virtude o estóico sentia-se protegido contra todos os males e
adversidades de sua época.
Na ética estóica é evidente o componente intelectualista, nascida com Sócrates,
pois coloca o lógos como o princípio ontológico regulador de todas as coisas. Como tal, a
virtude pode ser considerada uma ciência ou conhecimento dos bens e dos males e o vício,
uma ignorância dos bens e dos males. Eles, como Sócrates, não fizeram uma nítida distinção
entre conhecimento e vontade, como faculdades espirituais independentes e o papel de
cada uma na vida moral.
Como Platão, os estóicos fixaram em número de quatro as virtudes cardeais: a
prudência, a temperança, a fortaleza e a justiça. Todas as demais virtudes, que foram
meticulosamente distintas, foram subordinadas a estas. No entanto, todas são reduzidas a
uma única virtude, a ciência. Assim se explica a célebre frase dos estóicos, segundo a qual
“quem possui uma virtude, possui todas”, pois elas não só se acompanham umas às outras,
mas são todas emanações particulares da suprema virtude, a ciência do bem e do mal, isto
é, a phrónesis ou prudência.
Os estóicos tiraram deste princípio conseqüências revolucionárias, de certo modo
impensáveis para Platão e Aristóteles: a igualdade fundamental entre todos os homens:
homens ou mulheres, escravos ou livres, pobres e ricos, pois se a natureza humana é capaz
de sabedoria, esta pode ser ensinada a todos, no sentido de criar uma multidão de sábios,
ensinando a filosofia a todos os que pudessem compreendê-la, pois a virtude não está
vedada a ninguém.
Os estóicos não se limitaram a considerações gerais sobre a essência da virtude e do
vício, mas impulsionados pelo seu acentuado interesse ético, chegaram a um atento exame
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de conduta moral, das ações que a constituem e dos diferentes valores morais que as ações
humanas podem ter, criando conceitos novos e originais. Quem possui a virtude, ou seja, o
lógos, harmonizado de modo perfeito, só poder realizar ações perfeitas, vale dizer, ações
que correspondem totalmente às instâncias do lógos perfeito: toda ação leva consigo a
carga de perfeição da fonte da qual derivam, presentes até nos traços do rosto e nos
sonhos. A virtude, quando possuída, manifesta-se em todas as ações e comportamentos e
até no inconsciente. Daí os estóicos falarem da “ação perfeita”, ou “ação reta”, ou “ação
virtuosa”, a que denominam katórthoma, como a ação que radica a virtude, pois inspirada e
sustentada por um lógos perfeito. Por isso não se pode julgar a retidão da ação, pelo fim
que visa, mas pelo seu ponto de partida ou intenção, pela disposição espiritual interior.
Igualmente não se pode julgar se uma ação é reta ou não pelos seus traços intrínsecos ou
exteriores, pois um sábio e um tolo podem realizar a mesma ação exteriormente boa, mas
só o primeiro realizou uma reta ação pois a realizou segundo a razão, o lógos. Em
conseqüência, nenhum tolo realiza ações retas, pois para realizá-las, primeiro deve tornar-
se sábio e igualmente a massa é incapaz de retas ações, pois não é sábia.
No seu conjunto, as ações humanas podem ser divididas com nítida distinção entre
ações retas ou virtuosas e ações viciosas ou erros, mas entre as primeiras e as segundas há
uma ampla faixa de ações intermédias, dotadas de um valor relativo ou de um desvalor
relativo e são ações que dizem respeito ao componente natural e físico do homem. Quando
estas ações são realizadas segundo a natureza ou de modo racionalmente correto, são
chamadas ações convenientes ou deveres. Neste sentido, também as ações dos animais
são ditas convenientes porque são conforme a sua natureza. Igualmente as ações do homem
comum, que não é sábio, mas que cumpre o que dele se espera, entram nesta categoria, por
exemplo, honrar os pais, os irmãos, a pátria, ter boas relações com os amigos, cumprir bem
a própria profissão. Por fim, há ações que trazem o sinal do desvalor e são inconvenientes,
como a não realização destes comportamentos acima. Por fim há as ações indiferentes nem
boas, nem más.
Resumindo: 1) entre as ações perfeitas e virtuosas e as ações racionais, há a esfera
das ações médias, entre as quais surgem as convenientes ou deveres, que são ações
dotadas de valor relativo, em contraste com as ações virtuosas, dotadas de valor absoluto.
2) Sempre no âmbito das ações médias distinguir as ações opostas às convenientes ou
deveres, ou seja, as ações inconvenientes. 3) Destas serão ulteriormente distintas as
ações absolutamente indiferentes, isto é, totalmente neutras. 4) Os deveres tornam-se
deveres ou convenientes perfeitos se lhes é acrescentada a sabedoria e neste caso os
deveres perfeitos coincidirão com as ações retas ou katorthómata. 5) O espaço no qual
situam-se os deveres é portanto o intermédio e o seu valor é sempre relativo.
No que se refere às leis humanas, longe de serem convenções, para os estóicos elas
são a expressão de uma lei eterna e indestrutível, provenientes do lógos eterno. O sábio,
ao sentir e obedecer estas lei como boas, segundo uma disposição interior, realiza a
perfeita ação moral. Ao tolo, incapaz de perceber a bondade intrínseca da lei, ao obedecê-
la, evitará para si muitas culpas. Neste sentido, as leis são especialmente úteis aos homens
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comuns, incapazes de perceber a bondade da lei, mas obedecendo-a, realizam o bem comum.
O sábio não precisaria da lei, pois pela sua disposição interior, ele já é a encarnação da lei.
Assim é que os estóicos elaboraram o conceito de dever (kathékon), tão importante para o
desenvolvimento espiritual do ocidente.
Para Epicuro, a lei e a justiça eram expressão de acordos transitórios estabelecidos
entre os homens para garantir a segurança da vida, para fins estritamente utilitários. Para
os estóicos, diferentemente, com a sua intuição de um lógos imanente, foi possível
compreender o problema da lei numa perspectiva metapolítica e universalista: A lei
humana não é senão a expressão de uma lei natural e eterna, que nasce do próprio
lógos e plasma todas as coisas. O lógos, em virtude da sua racionalidade, estabelece o
que é o bem e o que é o mal e impõe obrigações e proibições. Neste sentido os estóicos são
os criadores do jusnaturalismo: a lei divina do próprio lógos divino que rege o universo e o
direito é um “dado de natureza” e o direito positivo humano (as leis) é a explicitação desse
fundamental direito natural. Lei (nómos) e natureza (physis) não mais se opõem, mas são
expressões das instâncias da physis.
Também o individualismo e o egoísmo com que Epicuro interpreta a natureza humana
são contestados pelos estóicos, pois o instinto de preservação, comum a todos os homens,
os levam imediatamente a dirigir-se aos filhos, aos parentes e mesmo a todos os seus
semelhantes. A natureza, impondo ser amada, impõe que amemos a quem geramos e quem
nos gerou e é a natureza que nos impulsiona a unir-nos aos outros e beneficiá-los.
De ser que vive fechado na sua individualidade, como queria Epicuro, o homem volta a
ser um “animal comunitário”, não exatamente o “animal político” que falava Aristóteles, que
visava antes de tudo o âmbito da pólis, mas uma comunhão com todos os homens, criando
assim um ideal cosmopolita, que não se confunde com o Estado, realidade ainda em processo
de formação, mas realmente com uma “comunidade”, que incluiria os sábios e mesmo os
deuses, para além de todas as divisões entre os homens. Os estóicos, mais do que qualquer
filosofia da antigüidade, rejeitou os ideais de nobreza de sangue e superioridade de raça,
bem como a escravidão: todos os povos e todos os homens são capazes de alcançar a
virtude e nenhum homem é por natureza escravo (como sustentou Aristóteles). O homem
verdadeiramente livre é o sábio e o verdadeiramente escravo, o tolo. O lógos estabeleceu,
pelo menos no nível do pensamento, a fundamental igualdade entre os homens.
As paixões e a apatia
Assim como para Epicuro, a dor e as falsas opiniões sobre os bens e os males eram o
que fundamentalmente podia perturbar o homem; igualmente para os estóicos, as paixões,
com suas causas e efeitos, são a fonte de toda infelicidade. Tratava-se de explicar como a
vida moral é cegada e a razão arrastada por motivos irracionais presentes em nós. A
solução de Sócrates foi associar a paixão a um erro de discernimento. Platão supõe que
estas forças não – lógicas são expressão da parte concupiscível da alma, rebelde à parte
racional. Já os estóicos, procurando explicar tudo a partir do lógos e da razão, vão levantar
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duas posições: a) é possível dizer que as paixões nascem por causa e em conseqüência de um
juízo errôneo; ou b) é possível até mesmo identificar a paixão com o próprio juízo errôneo.
Como as paixões são a mais grave ameaça à paz de espírito e à felicidade, é
necessário poder dominá-las inteiramente e em todos os casos com a razão. Zenão explicou
a paixão do seguinte modo: em conseqüência de uma determinada representação, por
exemplo, a da riqueza, manifesta-se me nós uma tendência que, se não controlada por um
lógos reto e forte, que a julgue como coisa indiferente (algo que não é bom nem mal e útil
tão somente na medida que é requerido pelas necessidades da vida), mas pelo contrário, é
justificada por um lógos fraco, que supervaloriza a riqueza, torna-se uma falsa opinião da
qual surge um movimento irracional na alma, contrário ao reto lógos, que faz surgir a
paixão: a cobiça e a avareza.
Zenão não identificou as paixões com os juízos, mas com as contradições, ampliações,
exaltações e depressões dos juízos, admitindo uma força não – lógica, capaz de
desenvolver-se, se a razão deixar o espaço livre. Já Crísipo faz a paixão coincidir com o
próprio juízo. Os estóicos distinguiam quatro espécies fundamentais de paixões: desejo,
medo, dor e prazer e uma série de sub – espécies subordinadas a estas quatro. O desejo
depende de uma falsa opinião, de um falso juízo sobre um mal futuro; a dor depende de
uma falsa opinião, de um falso juízo sobre um presumível bem presente. Ao desejo estão
ligadas as paixões como a ira, desprezo, irritação, ressentimento, rancor, cólera, avidez,
cobiça, ambição etc. Ao prazer, os gozos desenfreados e a má vontade; ao medo as
exitações, angústias, temores, terrores etc.; à dor ligam-se a inveja, ciúme, compaixão, etc.
Como as paixões são erros do lógos, não tem sentido para os estóicos moderá-las ou
circunscrevê-las, mas elas devem ser destruídas, extirpadas completamente! O sábio não
poder sequer deixar brotar as paixões no seu coração, mas as aniquilará no seu nascedouro.
Esta é a célebre apathéia dos estóicos, a apatia, a anulação e ausência de qualquer paixão,
que é sempre e somente perturbação da alma. A felicidade á a apatia, a impassibilidade.
Para os epicuristas a paz interior é proporcionada pela ausência de dor e
perturbação, que produz o prazer catastemático. Para os estóicos, as paixões são reduzidas
a erros da razão. Ambos, de certo modo, desconhecem ou negam aspectos fundamentais da
vida humana, pois a doença e a morte assinalam o fracasso da ética epicurista da aponia e a
maciça e sempre presença em nós do irracional assinala o fracasso da ética estóica da
apatia.
O ideal do sábio
Os estóicos foram os que melhor caracterizaram o homem perfeito, o sábio, como
alguém que vive em total sintonia com o lógos. Ele é o paradigma ideal no qual cada um deve
se inspirar. O sábio está revestido de todas as virtudes: ele não erra nunca, porque não
possui opiniões, mas ciência. O sábio faz bem tudo o que deve fazer, porque o faz com a
reta razão e o justo espírito. O sábio é grande, robusto, altivo e forte. Ademais, é rico,
nobre e belo: rico ainda que mendigo, nobre mesmo que servo e belo embora fisicamente
feio, porque possui a sua riqueza, nobreza e beleza no lógos. O sábio é livre porque quer
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tudo o que é necessário, suportando e querendo tudo que é querido pelo destino. O sábio
basta-se a si mesmo, porque no lógos possui tudo o que necessita. Pode ser feliz mesmo em
meio a tormentos, porque o lógos esvazia a dor. O verdadeiro absoluto da era helenística é
o ideal moral, encarnado na pessoa do sábio.
Nesta visão, no entanto, o ideal do sábio não admite qualquer via intermediária: ou se
é sábio ou se é tolo e entre os tolos, não há uma graduação hierárquica, as suas culpas são
sempre graves. No entanto, esta apatia de que se cinge o estóico é petrificante e
inumana: nela não há lugar para a piedade, a compaixão, a misericórdia, o perdão, pois estas
são paixões que o sábio estóico deve extirpar e a ajuda que dará aos homens é “asséptica”,
longe de qualquer simpatia, pois o lógos encontra-se longe do calor do sentimento e mover-
se-á entre os seus semelhantes com uma atitude de total distanciamento, quer na vida
pública, quer na família, quer nos relacionamentos diversos. O estóico não se entusiasma
com a vida, ao contrário do epicurista, que dela procura extrair o máximo prazer. Esta
indiferença frente à vida levou os estóicos a admitir o suicídio, caso o sábio encontrar-se
em condições excepcionalmente adversas ao exercício da virtude. A admissão do suicídio
inscreve-se nesta visão pessimista da vida, em que a pessoa eliminando e reprimindo todo
sentimento e paixão, perde quase totalmente a original e instintiva alegria de viver.
O estoicismo, depois de Crísipo, perdeu seu rigor e eficácia. Foi Panécio (185 – 98
a.C.) que nos últimos 30 anos do século II a.C. renovou seu antigo esplendor restituindo-lhe
a vitalidade, mas à custa da mudança do seu patrimônio doutrinal. Panécio abandonará o
dogma da conflagração universal (ekpirósis) e o Deus estóico tornava-se mais um regente
que artífice do universo, bem como negou a apatia e incentivou a participação política
incentivado pela realidade cívica que viu na nascente potência romana.
Outra figura importante do estoicismo neste período foi Possidônio (130 – 54 a.C.)
discípulo de Panécio. Dotado de uma vastíssima cultura, não fez acréscimos significativos na
doutrina de seu mestre, mas foi o responsável pela introdução da filosofia nos ambientes
romanos bem como procurou pôr a doutrina estóica em dia com o progresso da ciência.
Embora pouco estudado, foi considerado a mente mais universal que o mundo grego
conheceu depois de Aristóteles.
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O Ceticismo
filosófica, tanto que seus seguidores, mais do que discípulos , foram admiradores e
imitadores, buscando no mestre uma vida feliz sem se prender a uma verdade e a uma
tábua de valores. O ideal de sabedoria e de sábio do ceticismo é o oposto do ideal de
Epicuro e dos estóicos: para estes, o sábio é alguém carregado de dogmas e certezas, que
podem ser ensinadas e a vida feliz só pode brotar da meta e da construção de uma tábua de
valores. Por isso prega o contrário: a sabedoria é a renúncia ao ser e à verdade, declarando
tudo vã aparência.
Esta postura tão original e na contramão da mentalidade grega, só pode ser explicada
levando-se em conta três fatores: a) o momento histórico no qual amadureceu o
pensamento de Pirro, de modo particular as conquistas de Alexandre e a derrocada da
cidade - estado grega; b) o encontro com o oriente, que revelou um tipo de sabedoria
totalmente desconhecido pelos gregos; c) os mestres e as correntes filosóficas gregas das
quais Pirro extraiu os instrumentos conceituais para a elaboração e formulação do seu
pensamento.
Como já foi dito, a conquista do oriente por Alexandre e a formação dos impérios
helenísticos, com a conseqüente derrocada da cidade – estado grega, levou a uma profunda
ruptura da identificação do homem com o cidadão, a equiparação entre os gregos e os
bárbaros, o cosmopolitismo, o individualismo, a difusão da cultura grega e a assimilação por
esta de outras culturas do oriente. Pirro pôde participar pessoalmente deste processo, ao
engajar-se na grande expedição de Alexandre, razão pela qual o ceticismo foi o que mais
sofreu o violento impacto das novas realidades e configurou-se numa filosofia de ruptura,
pois vive-se a perda das verdades garantidas até então e ainda não se consegue encontrar
outras.
Entre as várias experiências pelas quais Pirro passou, seguindo Alexandre e que o
influenciaram de diversos modos, uma foi de grande importância: o encontro com os
gimnosofistas, espécies de sábios da Índia, que levavam uma vida monástica, voltada à
superação das necessidades humanas, ao exercício da renúncia das coisas e a conquista da
impassibilidade, em tudo muito semelhante aos ideais da filosofia cínica. De modo especial a
imolação de Calano, um sábio indú que voluntariamente se faz queimar vivo, demonstrou a
Pirro a idéia que veio a se tornar comum no período helenístico, que o sábio pode ser feliz
mesmo em meio aos maiores tormentos e da irrealidade de tudo que parece real.
Os fatos até agora narrados influenciaram nosso filósofo ao nível da intuição
emocional; porém os instrumentos conceituais dessa intuição vieram a Pirro de algumas
escolas gregas, de modo particular a atomista e a megárica. A influência do atomismo lhe
chegou por Anaxarco, que foi seu companheiro na expedição de Alexandre, pois os
atomistas já apresentaram algumas posturas que vieram a ser fundamentais no ceticismo,
como a crítica aos sentidos e do conhecimento sensível. Do atomismo e do megarismo Pirro
pôde extrair uma série de conceitos e deduções que postos a serviço da nova intuição do
sentido da vida e das coisas, emocionalmente colhida e amadurecida durante a expedição de
Alexandre, geraram o seu ceticismo.
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Os valores éticos e, em geral, todos os valores, assim como todas as coisas, não tem
uma estatura ontológica, justamente porque nada existe na verdade. Em lugar do ser, põe-
se como determinante a convenção, o hábito, o costume. Ao ser, substitui-se pelo aparecer
ou a aparência que se torna assim o dominante. Esta aparência ou fenômeno para os céticos
posteriores foi entendido como aparência de uma coisa que existe além do aparecer, como
uma “coisa em si” e desta dedução foram tiradas conseqüências que não estavam
presentes nas proposições de Pirro. Não se deve, pois, confundir o fenômeno com a pura
aparência. O fenômeno manifesta alguma coisa, remete para algo além do fenômeno, a um
não – manifesto. Ele supõe a oposição do que aparece e do que não aparece, do imediato e
do não imediato, do evidente e do escondido, como algo que remete para além, a um outro
lado, dimensão ou realidade. Esta noção não é original de Pirro; é muito mais próxima de
Platão, para quem o sensível manifesto é expressão de um inteligível oculto, de um ser
escondido, mas passível de ser desvelado e oferecer-se em última análise ao pensamento.
Porém isso parece ter tido a intenção oposta, não distinguir o aparente e o escondido, mas
pelo contrário a afirmação da aparência e tão somente da aparência como o único possível,
na sua fragilidade e fugacidade. Mas Pirro não chegou a dissolver tudo na aparência pura e
universal, pois se tudo se dissolve na pura aparência, sem deixar qualquer resíduo, isto não
me levaria à dúvida, mas à certeza: tudo se dissolve na pura aparência! Ora, esta é uma
afirmação dogmática que é a negação do princípio universal do ceticismo, que é a dúvida.
que não é o não falar em absoluto, mas o não falar, o calar sobre a natureza e o ser das
coisas, o não julgar, o dizer “é” ou “não é” sobre o que quer que seja. A afasia será pois
uma atitude típica de todo ceticismo. O afastamento das coisas, que alcança o momento
culminante na afasia, comporta a ataraxía, vale dizer, a falta de perturbação, a paz
interior, a vida feliz, o fim da sabedoria cética é a conquista da apatia, no sentido de
insensibilidade. A pessoa não se perturba porque nem sequer sente. Trata-se de uma
reforma da própria sensibilidade, uma mudança no modo de receber as impressões.
Habitualmente não nos detemos nas impressões como simples aparências, mas nós as
consideramos e as interpretamos e deixamos que elas produzam efeitos em nós. Mas se as
considerarmos elas mesmos como pura sensação, nos desvencilhamos do universo de
significados erigido por nós pelo nosso juízo e como tal, elas se tornam mudas, sem
expectativas e sem memória. Então prazer e dor, afecções de todo o gênero, são sentidos
menos intensamente, perdem aquela concentração que lhes dá o espírito, enfraquecem e
diluem, numa arte mental de reduzir a dor, como faziam os sábios indús que tanto
impressionaram Pirro. Alguém que sente diversamente dos outros homens, que traz uma
insensibilidade ao que se costumava sentir e portanto uma sensibilidade nova, não era algo
conhecido; trata-se de uma forma de vida completamente nova na Grécia de então, algo
que era mais que uma doutrina, mas um princípio de ação (ou inação) que despertou estima e
admiração, um outro modelo de sábio.
Plotino e o Neoplatonismo
21 tratados. Compôs outros 24 entre 264 e 268 e os 9 restantes até sua morte em 270.
Conta-se que escrevia de um só jeito, de maneira contínua e muito regular, como se
estivesse copiando um livro e assim interminavelmente. Seu ato de compor era como se
conversasse por escrito em vez de falar. Foi Porfírio que organizou e emendou os diversos
tratados e como Plotino não os tinha escrito numa ordem sistemática rígida, Porfírio os
reuniu por temas e influenciado pelo misticismo dos números dos pitagóricos, divide os 54
tratados em seis grupos de nove cada um. Nasceram assim as Enéadas (enéa em grego é
nove), que juntamente com os diálogos de Platão e os escritos de Aristóteles, contém a
mais alta mensagem filosófica da antigüidade e uma das mais notáveis de todos os tempos.
A escola de Plotino não se assemelhava a nenhuma das anteriores. Ele conquistou tal
respeito junto à classe nobre, que muitos confiavam-lhe os filhos para educar e os bens
para administrar, como um verdadeiro guardião do sagrado e do divino. Acorriam a ele
também políticos com o propósito de resolver desavenças, pois confiavam nele como um
árbitro infalível. Até o imperador de então o freqüentava e chegara a cogitar a criação de
uma “cidade dos filósofos”. O projeto entretanto fracassou.
No entanto, ao contrário de Platão, Plotino não alimentava propósitos políticos de
qualquer espécie, não queria uma reforma da sociedade, mas tão somente construir um
oásis de paz, uma cidade feita para filósofos, feita para quem desejava viver a vida numa
comunidade que tornasse possível alcançar o fim supremo, ou seja, a união com o Divino.
A qualquer um era permitido freqüentar suas reuniões, sejam ouvintes ocasionais e
curiosos, sejam seguidores e discípulos fiéis, entre eles algumas mulheres, todos dedicados
à vida filosófica; contudo, bem poucos tinham acesso aos escritos do mestre e só o faziam
depois de terem demonstrado possuir determinados requisitos intelectuais e morais.
Plotino aspirava com sua escola ensinar os homens a libertar-se da vida deste mundo para
reunir-se ao Divino e poder contemplá-lo até o ápice de uma união estática transcendente.
A finalidade da nova escola era religiosa e mística. Suas últimas palavras foram: “Procura
reunir o divino que está em ti ao divino que está no universo”.
inferiores está no superior e é produzido e sustentado por ele. Com isso, as hipóstases
supra – sensíveis são unificadas e o mundo sensível é envolvido pelo incorpóreo, até chegar
a esta paradoxal afirmação: não é a alma que está no corpo, mas é o corpo que está na alma,
não é o supra – sensível que está no sensível, mas o contrário.
6) Neste contexto ontológico no qual tudo procede do Princípio, nada é estranho ao
Princípio, já que nada lhe é contraposto, sendo igualmente possível um retorno ao Princípio,
uma reunificação plena e total com o Princípio, em que o homem pode realizar-se mesmo
quando ainda está nesta vida, pela união mística, no êxtase. O homem pode desprender-se
do mundo exterior e reentrar em si mesmo, tomar posse do seu eu verdadeiro, que é a
alma, já que a alma deriva do Espírito e o Espírito do Uno e assim a alma pode retornar ao
Uno. Esse princípio revoluciona a escala tradicional de valores, transformando a ética em
ascese espiritual, pondo a felicidade, o fim último do homem, na união extática com o
Divino.
Toda esta construção acaba por não ter uma adequada fundamentação e justificação,
pois Plotino não demonstra, mas apenas afirma os eixos que haviam sido estabelecidos pelos
dois séculos anteriores. Quanto ao primeiro eixo, de que há substâncias incorpóreas, isto é
assumido sem discussão por Plotino, já que em sua época, isto era tido como algo
inquestionável. Quanto ao segundo eixo, sobre a existência de hipóstases (a existência de
uma hierarquia no plano do incorpóreo) é igualmente assumido sem discussão. O que é
problemático é quantas são estas hipóstases (contra os gnósticos por exemplo que
multiplicam os “éons” em até trinta), pois precisa afirmar que estas são três: O Uno, que
está acima do ser e da essência, o Espírito que é a unidade do ser e pensamento e a alma.
O terceiro eixo, as relações entre as hipóstases, é o mais longamente discutido,
principalmente o segundo princípio, de como as hipóstases vão procedendo uma da outra e
da última procede o mundo sensível.
De um modo geral, todo o pensamento de Plotino só se torna inteligível, se for
situado no clima espiritual do seu tempo, em que os valores religiosos voltaram a estar em
voga e Plotino não faz mais do que dar a este clima um fundamento especulativo adequado.
Note-se que esta é também uma época em que o cristianismo e outras religiões orientais
experimentam grande difusão do império romano.
O método de Plotino
É chamado “dialético”, no seu sentido platônico e não aristotélico ou estóico, o qual
certo modo, visa libertar o homem dos laços com o mundo sensível, fazendo-o subir ao
mundo inteligível, e este uma vez alcançado o mundo inteligível, podem eleva-se de degrau
em degrau à realidade suprema, ao Princípio, à Causa última.
As fases da dialética são duas: a primeira consiste em passar do sensível ao
inteligível e a segunda consiste em subir, de degrau em degrau, no mundo inteligível, até
chegar a tocar o ápice do inteligível. Fala-se em duas fases, mas depois distingue-se uma
terceira, na medida em que dentro do âmbito do inteligível, há o caminho no mundo do
Espírito e o momento em que se chega ao termo da viagem, à sua conclusão no êxtase.
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Para cumprir este itinerário, é necessário determinar que tipo de homem é capaz de
cumprí-lo. Segundo Plotino, tais homens são de três espécies: os que tem natureza de
músico, os que tem natureza de amantes e os que tem natureza de filósofo. Trata-se de
homens que aspiram ao imaterial e são capazes de se separar do sensível. Ao que tem
natureza de músico, é necessário ensinar-lhe a passar dos sons sensíveis e da beleza
sensível, à beleza espiritual, que é superior, ensinando-o as razões da filosofia. Ao que tem
natureza de amante, deve-se ensinar-lhe a passar além das belezas corporais, para a beleza
das coisas incorpóreas e assim subir ao mundo do espírito. O homem de natureza filosófica
já cumpriu esta separação e está pronto para o caminho ulterior.
A dialética consiste em exprimir-se com razão, sobre cada coisa, o que ela é, como é
diferente as outras e o que elas têm em comum entre si; sobre o que é o ser e quantos são
os seres; o que é o bem e seu contrário. O que é o eterno e o que não é, em tudo
precedendo segundo a ciência e não segundo a opinião, alcançando o domínio do inteligível, a
“planície da verdade” de que falava Platão, determinando a essência de cada objeto até
alcançar os gêneros supremos. Após ter percorrido todo o campo do inteligível, fazer o
caminho inverso, e com muita tranqüilidade, gozar e apreciar cada um dos elementos vistos
em seu real significado.
Esta ciência não depende do mundo exterior e não parte da sensação, mas do
Espírito, pela mediação da alma. Os princípios são dados pelo próprio Espírito e são
evidentes, desde que se saiba acolhê-las juntamente com a alma, a qual depende do
Espírito. A dialética tira desses princípios todas as conseqüências, entrelaçando-os e
separando-os até captar a trama de relações que constitui o mundo do Espírito, e o próprio
Espírito.
Esta dialética não é um puro método de pesquisa, um puro instrumento, mas é
também um processo de elevação moral, é uma subida, uma conversão. A dialética não pode
existir sem a virtude, principalmente as virtudes superiores, que não dependem do corpo,
mas que se identificam com o Divino. A dialética plotiniana desemboca na mística.
O Sistema do Plotino
múltiplo. Simplicidade aqui não denota carência, mas ao contrário, potência e riqueza
infinita, potência de todas as coisas, no sentido de que por si mesmo, ele as leva ao ser e no
ser as mantém.
O outro termo que Plotino usa para designar o Princípio absoluto é Ágaton, isto é,
Bem, que igualmente não é um bem particular, mas o Bem-em-si, ou, se assim o quisermos,
não é algo que tem o bem, mas que é o próprio Bem. O Princípio não é bem para si, no
sentido de que não pode ser bem para proveito próprio, já que não tem necessidade de
nada, mas é o bem para todas as outras coisas que dele têm necessidade. É um Bem
absolutamente transcendente.
Quando Plotino diz que o Uno está acima do ser, do pensamento e da vida, não é no
sentido de que é um não – ser, não –pensamento, sem vida, mas um princípio do qual derivam
o ser, o pensamento e a vida e que certamente é superior a esses seus produtos. Em
resumo, o Uno subsiste não ao modo do ser das idéias e das essências, pois estas são um
ser principiado e múltiplo. O pensamento do Uno transcende a nossa possibilidade de
determiná-lo e de compreendê-lo, tanto que Ele não tem consciência de si, da mesma
maneira que o Espírito, bem como se nega que o Uno seja inconsciente Ele tem de si mesmo
um único e simples ato intuitivo dirigido ao seu conteúdo.
O Absoluto plotiniano tem um pensamento que é meta – pensamento, tem uma
intuição que é meta-intuição, tem uma vida que é meta – vida, também tem uma volição que é
meta – volição.
O Uno como atividade livre autoprodutora – o Uno é a razão de ser de tudo que vem
depois dele, e é tal justamente por ser aquele que é. Assim se coloca a pergunta: Por que o
Uno é o que é? Desde logo deve-se excluir que Ele seja por acaso ou por acidente,
existem as coisas do mundo sensível, sujeitas à circunstância do devir. Nem ainda Ele pode
existir por uma livre escolha, porque Ele está para além da possibilidade das escolhas. Nem
se pode dizer que Ele exista por necessidade, porque a necessidade é posterior a Ele e Ele
é a lei da necessidade para as outras coisas. Igualmente não se pode falar d’Ele como de um
Ser, uma essência, uma natureza e explicar sua atividade em função de sua natureza, pois
como sabemos, Ele transcende o ser, a essência e a atividade e é dito tal só em sentido
analógico. Ser e operar coincidem no Absoluto: o primeiro Princípio se auto – coloca, cria a
si mesmo, é atividade auto – produtora.
Nele a vontade corresponde ao seu ato e portanto ao seu ser. Ele é vontade de ser o
que é, é liberdade total e absoluta. Ele quer ser o que é, porque é o que há de mais elevado,
é o valor supremo.
A processão de todas as coisas do Uno – Por que e como do Uno derivam as outras
coisas? Por que o Uno, satisfeito consigo mesmo, não permaneceu em si mesmo? Para
responder ao problema, Plotino se vale, repetidamente, de imagens esplêndidas, mas que
podem permanecer ambíguas, se não forem explicitadas conceitualmente. A mais célebre é
a da luz. A derivação das coisas do Uno é representada como o irradiar-se de uma luz,
desde uma fonte luminosa, na forma de círculos sucessivos que pouco a pouco diminuem de
luminosidade enquanto a própria fonte permanece sem empobrecer-se, mesmo no seu
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difundir-se em torno de si. O primeiro círculo luminoso depois da fonte de luz é o Nous ou
Espírito, ou seja, a segunda hipóstase; o círculo sucessivo é a Alma, ou seja, a terceira
hipóstase. O círculo que vem depois assinala o momento do apagar-se da luz e simboliza a
matéria, que tem necessidade de uma irradiação de fora. Outras imagens que Plotino usa
são a do fogo que difunde o calor, a substância perfumada que espalha o odor e o ser vivo,
que ao atingir a maturidade, procria.
Foi a partir dessas imagens que os intérpretes falaram de um imanatismo, ou mesmo
panteísmo ou monismo em Plotino. Na realidade o assunto é mais complexo do que estas
fórmulas podem sugerir e depois de haver determinado a interpretação de todo o sistema
plotiniano, será possível compreender em todas as suas múltiplas valências, o que
verdadeiramente significa a “processão a partir do Uno” plotiniana. O que pode se extrair
das imagens é o seguinte: o Princípio permanece e permanecendo, gera no sentido de que o
gerar não o empobrece, não o diminui, não o condiciona. O que é gerado é inferior ao que o
gerou e não serve ao que o gera; o que é gerado tem necessidade daquele que o gera, e não
o contrário.
Plotino distingue dois tipos de atividade do Uno: a) atividade do ser e b) a atividade
que deriva desde o ser: e primeira é, por assim dizer, imanente ao ser, ao posso que a
segunda sai do ser e se dirige para fora. Em outros termos, a atividade do ser coincide com
a realidade singular, enquanto a atividade que deriva desde o ser se dirige a outro. Ora,
aplicando essa distinção ao Uno, deve-se falar: a) de uma atividade que deriva desde o Uno
é a que faz ser, o mantém e o faz permanecer; b) ao invés, a atividade que deveria desde o
Uno é a que faz com que o Uno “derive” ou melhor, “proceda” outra realidade. É claro que
atividade desde o Uno depende estruturalmente da atividade do Uno.
Todas as coisas procedem do uno porque o Uno é o que é, ou seja, infinita força que
transborda; mas vimos também que a atividade do Uno consiste justamente em querer ser o
que é, ou seja, na liberdade de ser o que é, de modo que a atividade que procede desde o
Uno (ou seja, a pretensa “emanação”) constitui uma necessidade de certo modo submetida à
vontade, ou seja, uma necessidade em certo sentido submetida à vontade, ou seja, uma
necessidade posta por um ato livre, ou melhor dizendo como conseqüência de um ato livre: a
vontade do Uno de ser sua própria natureza é a causa direta da emanação desde a sua
natureza e que portanto, em certo sentido, a criação é livre, nem mais nem menos de quanto
o seja o próprio Uno. A criação (a processão) é uma necessidade que se segue a um ato de
liberdade.
Este produto indeterminado e informe do Uno (antes que se volte para contemplar o
Uno), é chamado por Plotino “alteridade inteligível”, “matéria inteligível” e também
“primeiro movimento”, ou seja, movimento inteligível. Essa matéria, esse movimento
inteligível, não é senão o pensamento indefinido, que se determina exatamente voltando-se
para o Uno.
Assim como em Pitágoras e em Platão, o produto do Uno é a Díade indefinida, a qual,
reunindo-se com o Uno, gera as Idéias. Isto significa que: a) o que o Uno produz não é mais
o Uno, mas a Díade, já que o pensamento pressupõe o objeto do pensamento, o que implica
uma dualidade; b) essa dualidade indeterminada se determina ulteriormente voltando-se
para o Uno, gerando deste modo o mundo das idéias e tornando-se, como veremos, Espírito.
O Espírito não é simplesmente a potência que procede do Uno, mas que esta potência, para
ser Espírito, deve “voltar-se” para o Uno e contemplá-lo sem ser ainda Espírito, mas sim
causa e condição que o faz ser. Plotino destingue dois momentos: a) o “voltar-se” da
potência ao Uno, o qual fecunda, enche e plenifica a potência e, b) o “refletir-se” dessa
potência sobre si mesma já fecundada. Estes dois momentos, distingüíveis logicamente, mas
não cronologicamente, espelham as duas faces do Espírito. a) No primeiro momento, nasce a
substância, a essência, o ser (ou seja, o conteúdo do pensamento); b) no segundo momento,
nasce o pensamento, verdadeira e propriamente dito. Essa duplicidade de momentos explica
igualmente o nascimento do múltiplo: não somente a dualidade pensamento – pensado, mas
também a própria multiplicidade do conteúdo (a multiplicidade das idéias).
O nascimento da segunda hipóstase é o nascimento de um múltiplo, ou dito de outra
maneira, de um Uno – muitos, não só no sentido de que o Espírito é Inteligência e
Inteligível, mas ainda no sentido de que o inteligível é multiplicidade, ainda que unificada. O
Espírito não pensa o Uno, mas pensa a si mesmo como pleno e fecundado pelo Uno. O mútiplo
só nasce no interior da segunda hipóstase, no sentido de que o Espírito não vê o Uno como
múltiplo, mas vê-se a si mesmo como múltiplo.
O Espírito como Ser, Pensamento e Vida – O Uno é a potência de todas as coisas; o
Espírito por sua vez é “todas as coisas”. Mas o que significa isto? O Espírito plotiniano é a
união indivisível de Ser e Pensamento, de Inteligível e de Inteligência. O Espírito, para
Plotino, é o Ser puro de Platão, o Ser que é plenamente, o Pensamento do pensamento do
qual falava Aristóteles. No entanto, diferentemente de Aristóteles, que via o lugar das
formas na inteligência humana, Plotino reivindica para elas uma estrutura transcendente,
fazendo da Inteligência (Espírito) a “morada” dos seres ideais. As Idéias acabam sendo
não somente o conteúdo do Pensamento, mas elas mesmas pensamento, no sentido de que
cada uma e todas as idéias não somente estão no Espírito, mas elas mesmas são Espírito:
cada idéia singular não é diversa do Espírito mas é, cada uma, Espírito. E o Espírito na sua
totalidade é a totalidade das formas (idéias). Naturalmente o Espírito é também vida, é o
“vivente perfeito”, o “vivente em si”, é “vida infinita”, vida esta não necessariamente ligada
à dimensão física. A vida da segunda hipóstase é vida na dimensão do imaterial, é vida
espiritual, fora da temporalidade.
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O Espírito como “cosmos inteligível” – Plotino transforma o “mundo das idéias” de Platão
em “cosmos inteligível”. As idéias, de meros inteligíveis, se transformam em Inteligência,
algo que é ao mesmo tempo inteligível e inteligência, uma “substância pensante”, na qual
coincidem pensante e pensado. As Idéias tornam-se “forças” ou “potências inteligentes” e
portanto vivem, são “Espíritos” ou “Intelectos”. Em suma, como as Idéias são a
multiplicidade dos seres inteligíveis, na qual se determina o Ser no interior do próprio Ser,
assim elas são por isso a multiplicidade de Espíritos ou Intelectos, no qual se determina o
Espírito no interior de si mesmo.
Ligada a esta concepção é a relação subsistente entre as Idéias, entre cada Idéia e
a totalidade das idéias e vice – versa. Platão já afirmara esta relação, mas Plotino vai além,
ao postular que cada Idéia é, em certo sentido, todas as outras Idéias. Já que o Espírito é
inteligência, não só de uma coisa, mas de todas as coisas e coincide com elas, é necessário
que cada uma das suas “partes” seja também conhecimento de todas as coisas. Neste
sentido, o Espírito é “uno - muitos” vale dizer: unidade multíplice e multiplicidade una. Isto
decorre de dois traços essenciais do Espírito: a sua imaterialidade ou incorporeidade e a
sua infinitude, no sentido da inesgotabilidade da sua potência.
Enquanto incorpóreos, o Ser e o Espírito não podem ser entendidos como “muitos”,
como se fossem “divididos” nas várias idéias, ou como se fossem fracionados em partes
fisicamente separadas umas das outras, como acontece nas partes em que são divididos os
corpos, que são múltiplos e ocupam múltiplos espaços. As muitas idéias que constituem o
Ser e o Espírito são tais em razão da alteridade inteligível, uma diferenciação puramente
espiritual, do Ser e no Ser, ainda que o Ser seja unidade, o que faz com que as Idéias
resultem numa multiplicidade simples e uma e numa unidade múltipla.
Por sua vez, se o Espírito é infinito, pois é fecundado pela infinita potência do Uno,
ele possui cada coisa singular e vice-versa; em cada coisa devem estar todas as coisas.
Também o caráter de eternidade do Espírito e das Idéias, acaba tendo em novo conteúdo.
Em vez de ser um “presente imóvel”, uma atemporalidade estática, é concebido
dinamicamente, pois como o Espírito é inesgotável na sua potência, ele possui já, agora, o
que foi e o que será, porque “tudo está em tudo” e já que o Espírito é todas as coisas, ele
não tem necessidade de mais nada e é inesgotável.
Para Platão, as Idéias eram a causa verdadeira, a razão e o porquê das coisas
sensíveis, mas ele tinha dificuldade de explicar como se dava esta participação e o porquê
desta participação. Para Plotino, o como e o porquê se dá no Espírito, pois no Espírito estão
todas as coisas. As Idéias não têm uma causa, mas são a causa do próprio ser e portanto a
causa de tudo mais.
Na medida em que o Espírito encerra em si todas as coisas, há Idéias de todas as
coisas e não somente das espécies, mas de todas as diferenças possíveis com as quais a
espécie pode apresentar-se. Portanto, não há somente uma idéia de homem, mas tantas
Idéias de homem quantas são as diferentes conformações dos homens, quantas são as
diferenças individuais entre eles e isto vale para os animais e para todas as outras coisas.
Assim alguns estudiosos chegaram à conclusão de que Plotino admitia a existência de Idéias
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de todas as coisas individuais, mas isto não é exato, uma vez que ele não chegou à noção de
indivíduo como singularidade irrepetível.
Esta noção torna-se mais complexa pelo fato de Plotino admitir a repetição cíclica do
mundo, de modo que um mesmo indivíduo é muitas vezes um outro que não ele.
Platão estabelecera os números ideais como princípios dos quais derivam as Idéias.
A mesma doutrina reaparece em Plotino, aprofundada e tornada mais clara. Os números
ideais derivam do próprio Uno. A Díade, que é ilimitada, recebe o limite do Uno os números
ideais nascem justamente desta delimitação da Díade por parte do Uno. Esses números
ideais são ulteriormente caracterizados por Plotino como a força que divide o ser e faz
nascer a multiplicidade no ser, a regra segundo a qual nascem do ser os múltiplos seres; e
neste sentido, como fundamento e raiz dos seres (para entender, pense no código de
barras e seus números: as barras representam a Idéia e os números, os números ideais;
cada código, ao ser “lido”, nos mostra uma coisa. Se a máquina de leitura fosse capaz de
“criar” a coisa, ela faria a analogia perfeita entre a coisa, sua representação, seu código –
idéia e seu número ideal, pois ela faria o papel do Espírito, que contém tudo em si – não
coloquem isto na prova! É só uma tentativa de explicação!).
Do que foi dito até agora explica porque Plotino denomina o Espírito de “cosmos
inteligível”, mundo da ordem e da harmonia espiritual, portanto, mundo da beleza. Para
Plotino, a beleza coincide com a forma: uma coisa é bela segundo o quanto possui de forma.
O Espírito, que é o mundo das formas e das idéias, perfeitamente ordenado na sua
totalidade, é a suprema e absoluta beleza.
- As categorias do mundo inteligível – a distinção entre o mundo corpóreo e o mundo
incorpóreo é uma das colunas mestras do sistema plotiniano. Mas levando adiante esta
distinção, ele afirma que o sistema aristotélico das categorias não vale para o incorpóreo, o
que o leva a estabelecer dois sistemas de categorias, cada um para uma esfera de
realidade. Como o Uno é absolutamente simples, para ele não vale nenhum sistema
categorial. As categorias do incorpóreo valem para as outras duas hipóstases, em particular
para o Espírito e são elas: a) o ser ou ousía, b) a estabilidade ou estase, c) o movimento, d)
o idêntico, e) o diverso ou diferente.
Tudo no mundo do Espírito é ousía. Além disso, o pensar do Espírito implica
movimento (espiritual, não físico). O pensar do Espírito implica do mesmo modo estabilidade
ou estase, devida aos seus conteúdos. Além disso, o Espírito é identidade de si consigo
mesmo, assim como é diferença entre pensante e pensado. Estas distinções são concebidas
na dinâmica do “uno – muitos” e do “tudo em tudo”. Esta doutrina das categorias, embora
não seja central no pensamento plotiniano, constitui um avanço essencial na história da
ontologia.
dirige a si mesmo, uma atividade do Espírito e b) uma atividade a partir do Espírito, que
provém do Espírito e sai dele. Esta atividade deriva da primeira, pois ao voltar-se para si
mesmo, o Espírito produz alguma coisa diferente de si.
O resultado da atividade que procede do Espírito não é ainda a Alma. É necessário
que, assim como o Espírito se dirige ao Uno para ser ele mesmo, que a Alma, ao ser
produzida pelo Espírito, de forma indeterminada, se volte para ele para ganhar a sua
determinação.
Voltando-se para o Espírito e contemplando-o, a Alma, através do próprio Espírito,
como que vê o Uno/Bem e torna-se conforme o Bem e entra na posse do Bem. O
fundamento primeiro da realidade da alma reside nesse seu estar ligada ao Uno por meio do
Espírito.
Características da alma – A característica essencial do Espírito consiste no pensar
(Nous significa Inteligência ou Pensamento). Daí sua dualidade (já que o pensamento e
sempre pensamento do Ser) e multiplicidade (pois o Ser é uma multiplicidade de Idéias).
Esta dualidade e multiplicidade coincidem com a unidade (o Espírito é o Uno que é muitos).
O Uno para poder pensar, deve fazer-se Espírito. A Alma igualmente pensa, ao menos na
medida em que mira e contempla o Princípio que a gerou, isto é, o Espírito. Mas a essência
da alma não está no pensar (que é a atividade própria do Espírito), mas em produzir e dar a
vida a todas as outras coisas que existem, ou seja, as coisas sensíveis, em ordená-las e
governá-las. Quando a Alma olha o que vem antes dela, a Alma pensa; enquanto olha a si
mesma, ela se conserva; enquanto olha o que vem depois dela, ordena, dirige e comanda esta
realidade. A Alma é a causa produtora original o princípio criador e vivificador de todas as
coisas. A Alma é princípio do movimento e é ela mesma, movimento. Assim pode-se dizer que
o Uno devia tornar-se Espírito para poder pensar, bem como tornar-se Alma para gerar
todas as coisas no mundo visível. A Alma constitui o momento extremo no processo de
expansão da infinita potência do Uno, o momento no qual o incorpóreo gera o corpóreo,
manifestando-se na dimensão do visível.
Não podemos esquecer que as hipóstases que sucedem ao Uno são, num certo
sentido, o próprio Uno, na medida em que este é a fonte e a potência de tudo. Mas noutro
sentido, não são o Uno, mas diferenciações da potência do Uno, nas quais o novo que surge
não destrói o antigo, mas flui exatamente da permanência do antigo.
- A posição intermediária da alma – a Alma, na expressão de Plotino, é a “última
Divindade”, ou seja, é a última das realidades inteligíveis e é a realidade mais próxima e que
produz o sensível. Ela ocupa um grau intermediário entre os seres, estando no último grau
do reino do Espírito e confinando com o ser sensível, dá algo de si mesma a esse nosso
mundo e recebe algo dele. A Alma tem assim uma dupla face, orientadas numa e noutra
direção. A alma não é no entanto um misto de corpóreo e incorpóreo. A alma é puramente
imaterial, espiritual, mas ao produzir o corporal, acontece-lhe ter certo “comércio” com
ele, assumindo certas características do corpóreo, sem no entanto tornar-se corpórea. A
alma, que originalmente é una e indivisível, torna-se divisível nos corpos, sem com isso estar
dividida em partes, pois ela está toda inteira em cada um dos corpos. Neste sentido pode-
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se dizer que a Alma é divisa e indivisa, una e múltipla, enquanto princípio que produz, rege e
governa o mundo sensível. Com a sua unidade múltipla e divisa, ela dá origem à vida de todas
as coisas, e com a sua unidade indivisível, as reúne e as governa. A Alma está toda em todas
as partes e em todas as partes é idêntica. A Alma é assim uno e muitos, ou seja, unidade e
pluralidade, enquanto o Princípio primeiro é exclusivamente Uno, o Espírito é Uno e muitos e
os corpos são exclusivamente muitos.
- A pluralidade da alma – no Espírito, cada Idéia é todo o Espírito e vice – versa. Por isso
no mundo do Espírito e do Ser não há hierarquia, ao passo que na esfera da Alma surge uma
multiplicidade hierárquica. Plotino parece admitir: a) em primeiro lugar, a Alma suprema, a
Alma universal na sua inteireza e pureza. Essa é a Alma considerada como pura hipóstase do
mundo inteligível, em estreita união com o Espírito do qual procede e fora das relações com
o mundo sensível. b) A Alma do Todo, que é a alma do mundo e do universo sensível, que põe,
rege e governa o universo. Esta tem uma relação com o corpóreo, mas não desce ao nível do
corpóreo. É o corpo que a ela se prende, sendo por ela irradiado, enquanto ela fica na
esfera superior, sem ser afetada de modo algum pelo corpo. c) Finalmente, há as almas
particulares, que não criam mas animam os corpos singulares: as almas das estrelas, as
almas dos homens, as almas dos seres vivos, e de modo especial estas últimas, “descem”
nos corpos e têm relações mais estreitas com eles do que a Alma do universo. Da primeira
Alma derivam as outras, ou seja, a Alma do universo e as almas singulares, e diferenciam-se
por sua maior ou menor proximidade com os corpos, ou no que vai ser dito mais adiante,
maior ou menor grau de contemplação: quanto menor a contemplação do Espírito, mais
próximas as almas estão dos corpos.
- A alma, a physis e o lógos – a atividade da alma desenvolve-se em duas direções
opostas: de um lado, ela tende à contemplação do Espírito; de outro, ela tem em vista
produzir alguma coisa diferente de si e criar o mundo sensível. Das três almas, a que
produz propriamente o mundo sensível é a alma do universo, uma vez que a Alma suprema
que é a alma que contém todas as almas), fica perenemente no mundo inteligível, junto ao
Espírito, enquanto as almas particulares encontram os corpos já produzidos pela Alma do
universo e se limitam a animar e reger esses corpos. Para Plotino é a parte inferior da alma
do universo, que ele denomina “orla” ou “fímbria externa”, que produz o mundo físico, a
physis, a natureza, e para Plotino este é o momento em que o mundo incorpóreo e
inteligível se reflete na matéria e que representa o limite externo no qual terminam os
seres verdadeiros. A natureza, o mundo físico é uma “imagem” do pensamento, um
“reflexo” deste na matéria.
A “natureza” assim concebida não é mera atividade produtora irracional, mas é
atividade produtora acompanhada de razão e derivada da razão. A physis para Plotino é
“forma racional”, é lógos ou forma racional que produz outro lógos, isto é, outra forma
racional. A simples forma ou eidos, está incluída na matéria e está desvitalizada e não é
mais capaz de produzir outra coisa. Em resumo, a physis ou natureza é o lógos que fornece
as formas à matéria sensível. A physis é dotada de uma atividade contemplativa que
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permite que ela seja criadora. Ela é visão de formas e produtora de formas na matéria.
Também a natureza, como todas as realidades inteligíveis, contemplando, produz.
Esta falta de espessura ontológica da matéria se deve a que ela é produzida pela
Alma (não a Alma suprema, fixada na Contemplação), mas pela fímbria última da Alma do
Universo, quando ela se volta mais para si do que para o Espírito. Quando a Alma se quer a
si mesma, faz produzir o que vem depois dela, um simulocro de si mesma, o não – ser,
indeterminado, sem razão e privado completamente de inteligência.
Assim a matéria, produto dessa atividade que é contemplação enfraquecida, não tem
mais força de voltar-se para o que a gerou e, por sua vez, contemplar, tanto assim que
compete à Alma sustentá-la, por assim dizer e portanto ordená-la, informá-la e de alguma
maneira, mantê-la suspensa no ser.
- O desenho racional do mundo – o mundo sensível é constituído, em sua totalidade, de
matéria e forma. Mas, diferentemente da matéria inteligível, que é força ou potência que
busca perenemente a sua forma, a possui e nela se atua, a matéria sensível não é
capacidade positiva de receber a forma, mas somente possibilidade inerte de refleti-la,
sem ser verdadeiramente informada e vivificada. A matéria sensível é incapaz de constituir
com a forma uma verdadeira unidade, de maneira que a forma não penetra verdadeiramente
na matéria, mas superficialmente, aparentemente, como o reflexo num espelho. A matéria
se não recebesse este reflexo da forma, permaneceria invisível, como o ar é invisível em
relação à luz.
Assim a Alma cria o mundo físico por uma dupla atividade: a) em primeiro lugar, ela
põe a matéria, que é como que a externalidade do círculo de luz que se apaga e torna-se
obscuridade; b) depois dá forma a esta matéria, como que esculpindo as trevas e
recuperando-as para a luz. Estas duas operações não são distintas cronologicamente, mas
só logicamente. A primeira ação da Alma deriva do extremo enfraquecer-se da
contemplação e a segunda, do último esforço por assim dizer, da contemplação.
As Idéias que constituíam, como sabemos, o Ser e o Espírito, são pensados e
contempladas pela Alma como formas e depois descem ao mundo físico, como determinação
racional, como lógos ou desenho racional do mundo. Se a alma é quem imprime nos quatro
elementos a forma do cosmo, a Inteligência é que tornou-se para a Alma a doadora das
formas racionais. O que a Inteligência doa à alma é vizinho da verdade; ao invés, o que o
corpo recebe da alma é já sombra e figura. O universo está mantido nos vínculos das
formas do começo ao fim: em primeiro lugar, a matéria pelas formas dos elementos; depois
sobre estas formas, outras e mais outras, de modo que se torna difícil encontrar a matéria
oculta sob tantas formas. Mas sendo a matéria de certo modo ínfima, o nosso mundo é todo
forma e todas as coisas são formas, pois o modelo já era forma.
- A origem do tempo – a passagem do mundo inteligível ao mundo sensível comporta a
passagem do ser ao vir-a-ser, vale dizer, da eternidade à temporalidade. O tempo nasce
conjuntamente com a produção desse nosso universo; a temporalidade coincide com a
atividade com a qual a alma produz o mundo físico, ou seja, como a atividade que produz
alguma coisa diferente do Espírito e do Ser, que estão na dimensão do eterno. A
eternidade é para Plotino, vida sem mudança. A vida do Espírito é vida eterna justamente
porque é presença da totalidade do Ser, que sempre é tudo no todo. A Alma ao transferir à
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matéria a visão do Espírito, cria um mundo sensível feito segundo a imagem do inteligível,
mas se move e põe na sucessão do antes e do depois o que lá, ao invés, estava junto e
simultâneo. O mundo está estruturalmente no tempo, assim como está na Alma e para a
Alma.
Como a característica típica da alma é a vida, é vida na dimensão da temporalidade,
diferentemente da vida do Espírito, que existe na dimensão da eternidade. A vida temporal
cria em momentos sucessivos, está sempre voltada para os momentos que virão e está
carregada de momentos já transcorridos. O tempo é uma imagem do eterno. Três
conseqüências advêm desta concepção do vir-a-ser, do tempo: a) em primeiro lugar o vir-a-
ser perde o caráter dramático e catastrófico, pois nascer e morrer é apenas parte do jogo
móvel da Alma, no qual tudo se conserva e nada parece; b) em segundo lugar, o próprio
universo físico não perecerá, pois não nasceu do nada num determinado momento. A geração
do mundo é eterna, pois a Alma eternamente se temporaliza, querendo eternamente fazer
viver no universo o que ela contemplou no Espírito; c) em terceiro lugar, sendo a Alma o que
gera e sustenta o mundo em todas as suas partes, e sendo ela em sua essência, vida, tudo é
vivo, mesmo o que não tem aparência de vida; Em suma, nada há que não vivo.
- A origem do espaço – como o tempo depende da atividade da alma, assim a própria
corporeidade (e consequentemente a espacialidade) dependem da forma, da atividade da
forma sobre a matéria. A matéria, como vimos acima, não é massa, não é extensão, e
portanto não é corporeidade. O corpo nasce da união da forma com a matéria e é o
resultado da qualidade unida à matéria. A corporeidade enquanto tal é forma que se gera no
corpo concreto pela união com a matéria. O corpo é uma criação da forma.
- A positividade do mundo corpóreo – esta concepção da gênese e da estrutura do mundo
físico pode dar origem a duas avaliações contrapostas do mesmo mundo. Como o mundo tem
a ver com a matéria que é privação do Bem, pode-se dizer que o mundo nasceu sob o
signo do mal. Ao invés, se sublinharmos a matéria como sombra da forma derivada da
Alma e portanto do Espírito e em última análise do próprio Uno, deve-se concluir que o
mundo nasceu sob o signo do Bem. A alma não somente produz o cosmo, mas como que o
abraça e recolhe no seu próprio seio. Se não houvesse o mundo físico, a Alma não teria o
que fazer com a sua grandeza, sendo o que ela é. O Universo é tão grande quanto o é a Alma
e assinala seus limites lá onde a Alma está para mantê-lo.
Assim, num certo sentido, o Demiurgo é a Alma, pois ela é a verdadeira causa
produtora do mundo. A Alma produz não somente enquanto vida e geradora de vida, mas
enquanto possui em si as formas que derivam das Idéias do Espírito. Neste sentido, o
Espírito também é Demiurgo e em última instância, o próprio Uno entra em questão, pois o
cosmo físico é também realização da potência do Uno.
O mundo físico não é, para Plotino, um mal nascido, mas é uma cópia que imita o
modelo, que é o Espírito e julgado como cópia, vem a ser a mais bela imagem possível do
original. O mundo sensível existe para o Espírito e olha para o alto e em certo sentido olha
para o Uno e o próprio mundo está no Uno, já que o mundo está na Alma, a Alma está no
Espírito e o Espírito está no Uno, que tudo encerra em si.
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capaz de tender ora para o melhor (o Espírito) ora para o pior (o sensível). Para Plotino o
homem só é compreensível na dinâmica desses três momentos. É certo que o homem é uma
alma que serve a um corpo, mas se a alma, governando o corpo, permanecesse superior a ele
e, mesmo ligada ao corpo, estaria sempre ligada ao Espírito. Decidimos nosso destino
segundo deixemos predominar a parte sensível ou superamos o sensível, mantendo-nos
próximos à parte superior.
- Atividades e funções da alma – as atividades elementares da vida vegetativa e
sensitiva são garantidas pela Alma do Universo, pois é ela que cria o mundo. Às almas
individuais cabe a tarefa de reger os corpos individuais. No entanto, a alma, sendo de
natureza espiritual e portanto impassível, não tem como ser afetada pelos corpos (ela age
sobre o corpo, mas este não age sobre ela). Como pode ocorrer a sensação, já que esta tem
início no corpo? Plotino distingue dois tipos de sensação: a sensação exterior, que é a
afecção que os corpos produzem sobre o corpo e a sensação interior, que é um ato da
alma pelo qual ela toma conhecimento e julga as afecções conforme o resíduo de formas
inteligíveis que elas contém. Assim, em última instância, o “sentir” da alma é um
“contemplar” o inteligível ainda presente nos corpos. Isto é possível porque segundo
Plotino, o mundo sensível é criado segundo o modelo das idéas contempladas pela Alma do
universo.
Para Plotino, a alma só sente, se a alma inferior estiver conectada com a alma
superior, que é a que tem a percepção dos inteligíveis e os reconhece por reminniscência. A
alma inferior capta os resquícios do inteligível nos corpos e a alma superior os reconhece no
que guarda do puro inteligível.
De modo análogo Plotino atribui à alma também a faculdade da imaginação e da
memória. Não é o corpo por si, nem o corpo considerado na sua união com a alma que é capaz
de recordar, mas só a alma; o corpo é ao contrário, um impedimento e um obstáculo para a
recordação e, portanto, é causa do esquecimento. Memória e recordação têm uma relação
estrutural com a temporalidade, com o “vir antes e depois” do corpóreo. O Uno e o Espírito
não tem memória, pois neles tudo é um eterno presente. A alma possui memória porque nela,
por sua ligação com o corpo, há um “antes e depois”, resultado do tempo.
A reminiscência (ou anamnese) é diversa da memória, pois aquela é o resultado do
contato perene da alma com as realidades superiores do Espírito. Quando a alma volta-se
para o mundo do Espírito, esquece-se das realidades corporais e quando está no mundo
sensível, esquece-se das realidades espirituais. A mais elevada atividade da alma consiste
portanto em captar as Idéias e o Espírito e por fim de captar o Uno e unir-se a Ele.
Igualmente são atividades da alma os sentimentos, paixões, desejos, sensações,
percepções e memória. O corpo só sofre as ações da alma. Esta por sua vez só age, e não
sofre o efeito de nada. A alma não sofre as paixões do corpo, mas tão somente toma
conhecimento delas e pode se interessar por elas.
- A liberdade humana – a mais alta atividade da alma consiste na liberdade. Ela é um
reflexo da liberdade de que goza o Uno, pois Ele quer-se constantemente, já que é o Bem
absoluto. Nele, o querem o Bem coincide com a própria liberdade.
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capaz de levar a alma, a reconduzi-la à sua origem divina. A “fixação” que o amante
encontra no corpo belo é uma recordação metafísica de sua origem espiritual. Como para
Platão, há uma “escala da beleza” em que se parte do belo corpóreo, à beleza dos
comportamentos morais, às obras de virtude e à beleza da própria alma purificada, que
então se torna a Idéia mesma da beleza, realizando e identificando-se com aquele que é a
fonte de toda beleza: o belo absoluto (o Espírito) e o princípio do belo (o Uno).
- A reunificação com o Uno – o caminho de retorno ao Uno é um percorrer em sentido
contrário a “processão” metafísica a partir do mundo. Se as coisas se diferenciavam pela
constituição de uma alteridade, o retorno ao Uno consiste em retirar toda diferença e
alteridade.
O Uno não tem alteridade, só o que vem depois dele a tem. O Uno está sempre
presente a nós, mas nós só o contemplamos quando eliminamos em nós a alteridade.
Despojar-se da alteridade significa reentrar em si mesmo, na própria alma, desapegar-se
do corpóreo e de tudo o que lhe é inerente, desapegar-se da parte afetiva da alma, tornar a
alma impassível pela virtude filosófica, pois enquanto houver paixão na alma, ela não
encontrará o Bem. Ela deve dissipar as aparências, as imagens, as fantasias. A purificação é
deixar a alma só diante de si mesma, sem olhar para mais nada que não seja ela mesma. A
alma deve despojar-se também da palavra, do discurso e da razão discussiva, até do
conhecimento reflexo do ser. A alma deve ficar privada de formas, se pretende que nada
haja nela que sirva de obstáculo à plenitude e à iluminação primordial, à contemplação do
Uno. A frase que descreve este processo é a seguinte: “despoja-te de tudo”. As filosofias
helenísticas ensinavam a despojar-se das coisas exteriores, mas nenhuma filosofia fez
afirmação tão radical.
Pode-se objetar que com este caminho Plotino chega a reduzir a zero não só o mundo
exterior, como também o eu e como tal, o próprio homem e por conseqüência, a sua
felicidade acaba por ser a felicidade do perder-se no nada. Mas para Plotino o oposto é que
é o verdadeiro: despojar-se de todas as coisas não significa empobrecer-se ou anular-se,
mas significa fazer-se maior, enchendo-se do Divino, do todo, tornando-se infinito.
Despojar-se de tudo significa o retorno da alma a si mesma, encontrando o vínculo
metafísico que a une ao Ser e ao Espírito (a segunda hipóstase), chegando ao próprio Uno (a
primeira hipóstase). A alma perde-se de si mesma agarrando-se às coisas e ganha a si
mesma despojando-se delas. Assim, longe do conduzir a uma perda no nada, o despojar-se
das coisas leva a alma à plenitude do Ser, ao Absoluto.
- O êxtase – esse tocar o Uno é o êxtase. Ele não é uma ciência, nem um conhecimento
racional ou intelectual. É um contemplar que implica um contato íntimo, sem distinção
reflexa de sujeito e objeto. Com o contemplado; é uma co – presença, uma união, uma
unificação total com ele, como o sentimento que envolve os amantes e os faz querer
perder-se um ao outro. O êxtase não é um “transe”, um estado de inconsciência, irracional
ou subracional, mas um estado de hiperconsciência em que a alma se vê toda em Deus, se vê
plena pelo Uno e é, na medida do possível, a Ele assimilada. É estar acima do pensamento, da
razão e da consciência. Arrebatada e inspirada, se entre tranqüilamente na solidão e num
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estado que não sofre mais abalos, nem se afasta mais do ser do Uno, nem gira mais em
torno de si, mas permanece estática, transformado na própria imobilidade.
Parece que Plotino teve várias vezes a experiência pessoal do êxtase.
Diferentemente dos místicos cristãos, que o alcançam como uma graça, como um dom
gratuito de Deus, Plotino entende o êxtase como algo que os homens podem alcançar pela
sua força natural, como sendo um esforço pessoal. Nada é mais estranho a Plotino que a
noção de graça.
Plotino procura responder duas perguntas: “Por que há o Uno” e “Por que e como do
Uno deriva a multiplicidade”. Ora, a causa e a razão do Uno é a liberdade, ele é atividade
livre e auto produtora, liberdade auto criadora. Ele é o que quer ser e o é do modo mais
elevado, positivo e absoluto: O porquê do Uno é a liberdade.
Quando a derivação da multiplicidade através do Uno, Plotino distingue duas
atividades: a) a primeira que permanece no Uno e b) a que procede para fora do Uno: a
primeira acontece por liberdade, a segunda por necessidade, mas uma necessidade querida
e consecutiva a um ato de liberdade. O Uno põe livremente a si mesmo e fazendo-o, produz
necessariamente outras coisas, que só podem derivar dele. Ora, o surgimento das
hipóstases e do mundo físico, ocorre somente se há atividade contemplativa: criar é
contemplar, efeito do contemplar, assim como alguém que ao contemplar algo belo, o
retratasse, para conservá-lo. A contemplação é assim a verdadeira hipóstase criadora, um
verdadeiro Demiurgo. Para o nosso filósofo, natureza, ação e práxis são também
contemplação e produto de contemplação. O ato de contemplar produz a coisa contemplada.
Igualmente, a alma, ao contemplar, quer e realiza o bem, pela práxis, que se torna assim
também efeito da contemplação. A verdadeira ação criadora não é a práxis mas as theoría:
a alma possui uma riqueza interior que auto contemplada, é fonte de inimaginável atividade
criadora. A atividade espiritual do “ver”, transforma-se em criação. E a contemplação é
silêncio. Toda a realidade é contemplação e silêncio e o retorno da alma ao Uno por meio do
êxtase não é mais do que contemplação, eliminação da alteridade, simplificação que elimina
o que é múltiplo e corporal, até fundir-se o sujeito contemplante e o objeto contemplado.
Eis a vida dos deuses e dos homens divinos e bem aventurados: separação das coisas daqui
de baixo, “fuga do só para o Só”. Eis uma das mais complexas criações do pensamento
humano, que apenas resvalamos no nosso estudo.
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Curso de Filosofia