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Capítulo 1.

O QUE É A FILOSOFIA EM SI E AS PARTES DA FILOSOFIA.

1. Escrevo este pequeno cursinho por duas razões: a primeira, como uma introdução
dos membros do #bate-papo aqui no filosofias, e uma introdução dos membros do
filosofias na filosofia. Pois há muitos que querem se aventurar nos estudos
filosóficos e na vida intelectual, mas não sabem como, pois não sabem como
discernir corretamente a verdade da falsidade, o que só é possível por um
conhecimento lógico. Nem todos tem dinheiro suficiente para pagar o curso do
Victorelius, e os livros de introdução à lógica ou são insuficientes demais, ou são
densos demais. Ao Senhor Deus do universo e à Virgem Maria, Mãe Santíssima, dedico
estas páginas, e d'Eles peço a inspiração para que n'Eles tudo comece, por Eles
seja guiado, e n'Eles tudo termine. Amém. E todos os méritos que forem adquiridos
por esta obra de caridade espiritual sejam consagrados a Vós, meu Senhor e minha
Senhora, e distribuído pelos pecadores do mundo inteiro para a maior salvação e
consolação das almas. Assim seja.
2. "Filosofia" vem do grego φιλοσοφια, que significa "amor pela sabedoria". Este
termo foi cunhado primeiramente por Pitágoras, pois achava uma verdadeira presunção
chamar-se a si mesmo sábio, e então, por humildade, declarou-se não sábio, mas
amante da sabedoria. Ainda assim, a filosofia significa propriamente mesmo a
sabedoria, e muitas vezes são usados como sinônimos.
3. Para entendermos isso, devemos saber antes o que é o conhecimento. Conhecimento
é uma qualidade que existe em nosso pensamento com o qual representamos uma coisa a
nós mesmos. Desta forma, todo conhecimento é como que uma imagem intelectual
daquilo que a coisa é. Agora, este conhecimento pode se estender não somente àquilo
que a coisa é, mas também, às causas e as razões da coisa ser. Por exemplo, eu
meramente conheço o homem quando sei o que é o homem: "é um animal racional" -- eu
tenho, contudo, a ciência da natureza humana quando não somente sei o que é o
homem, mas por que ele existe, como vem a existir, do que é constituído... Ou seja,
a ciência responde aos "porquês" da coisa.
A causa é aquilo pelo qual algo existe: pode ser a razão de existir, aquilo que
efetuou a existência, ou o que constitui intrinsecamente o efeito, seja
distinguindo-o de tudo o mais, ou meramente sustentando sua existência. Agora,
existe as causas próximas e as causas remotas, primeiras. As causas próximas são as
que não distam muito do efeito. Por exemplo, a causa próxima de João é o seu pai. A
remota seria, digamos, Adão, ou Deus.
E existe dois tipos de causa: as extrínsecas e as intrínsecas. As extrínsecas são
as que residem fora do efeito; e as intrínsecas, as que estão dentro do sujeito. As
extrínsecas são duas: a causa eficiente, que é aquilo que produz o efeito, e a
causa final, que é o motivo de ter produzido a coisa. Por exemplo, o artista faz a
arte porque quer alcançar a alegria do rei. A causa formal é a distinção que a
causa eficiente produz no sujeito, para causar o efeito; a causa material é o
sujeito que recebe essa distinção, e a junção destas duas constituem
intrinsecamente o efeito, ou seja, são partes do efeito. Então, por exemplo, a
causa formal que o escultor faz é a figura da escultura, seu efeito, e a causa
material é o mármore, que recebe a figura. A figura não poderia existir por si
mesma, e por isso se faz necessário a matéria, que a sustenta. -- Mas não te
enganes: o efeito do escultor não é, propriamente falando, a figura da escultura,
mas a escultura mesma, ou seja, a figura junto com o mármore e o mármore junto com
a figura: ou seja, o efeito do artista é a união da causa formal e da material.
Ainda assim, a figura foi aquilo que o artista imprimiu na matéria para torná-la o
efeito, ou produzir o efeito Mas isto será estudado mais a frente.
Desta forma, o mero conhecimento seria saber que "esta coisa" é uma estátua; agora,
a ciência seria saber "qual é a sua figura? O que ela representa?", descobrindo a
causa formal; "qual é a sua matéria? De que é constituída?", descobrindo a causa
material; "quem foi que a fez?", descobrindo a eficiente, e "por que ela foi
feita?", descobrindo a final.
3. A filosofia é, portanto, ciência, porque responde aos porquês das coisas: mas
não é mera ciência, como a ciência não é mero conhecimento. A filosofia, nesta
definição, é a ciência das causas primeiras, sejam absolutamente falando, como dito
acima, ou só sob certo aspecto.
Então, a filosofia não estudaria somente quem foi quem causou este homem, mas o que
foi a primeira causa deste homem, seja na causa final, na eficiente, formal ou
material.
Agora, a filosofia possui duas seções: a filosofia especulativa e a filosofia
prática. A filosofia especulativa é aquela que busca o conhecimento por causa da
verdade. A filosofia prática é aquela que busca o conhecimento por causa do bem, ou
para fazer um bem. A filosofia prática é ou ética, ou política -- alguns englobam
também a estética, mas isso é polêmico. A filosofia especulativa é ou a lógica, ou
a física, ou a metafísica.
A lógica é a ciência que nos faz conhecer as leis do pensamento; a física, as leis
do mundo; a metafísica, as leis da existência; a ética, as leis para alcançar a
felicidade particular; a política, as para alcançar a felicidade comum. E devem ser
todas tratadas nessa ordem, e esta ordem não pode ser pulada.
Assim digo, porque sem a lógica não podemos prosseguir bem, com facilidade e sem
medo de erro em nenhuma ciência, já que não temos um critério e um método para
discernir a verdade da falsidade. Além do mais, a lógica é como um instrumento para
todas as ciências. Ora, antes do cirurgião saber como fazer uma cirurgia, deve
entender como se usa seus instrumentos. Daí que a lógica é a primeira das
disciplinas.
A segunda seria a física, porque o ente físico é o que de mais fácil o homem pode
captar e compreender primeiro.
A terceira seria a matemática, mas muitos filósofos põem a metafísica em seu lugar.
E a metafísica fica após a física justamente porque o ente em si mesmo só pode ser
alcançado depois de distingui-lo do ente físico, além de que a física é como um rio
que desagua no oceano da metafísica.
A ética e a política são posteriores a tudo isso, pois as ideias práticas sempre
são posteriores às especulativas, pois não posso fazer algo sem pensar na coisa,
mas posso pensar na coisa sem produzi-la. E por isso, a especulação da verdade
sempre é anterior à prática dela.

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