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2. REFLEXÃO E ESPECULAÇÃO
1
«Só pensamamos na medida em que interrogamos. Filosofar é assumir incessantemente a
interrogação, podendo em cada resposta deixar o vivo apelo para o germe subtil do interrogar
imperituro» José Marinho, teoria do ser e da verdade, Lisboa, 1961, p. 29.
significativamente, sobre a natureza e o processo do próprio filosofar e da actividade
filosófica.
Tal como o espelho torna outro o sujeito que nele se reflecte, devolvendo dele uma
representação ou uma imagem, também o pensamento reflexivo e especulativo faz o
que o sujeito que pensa se torne outro para si, ao pensar-se a si próprio, ao mesmo
tempo que aquilo que o pensamento nos dá não é a realidade que dele é objecto ou sobre
que pensa mas uma sua imagem ou representação mental.
A palavra reflexão provém do latim reflexio, que se refere a acção de reflectere, a qual
significa, precisamente, «voltar para trás», atitude que, quando aplicada ao pensamento,
aponta com clareza para o seu caracter interrogativo, para o seu permanente regressar ao
ponto de partida, ao problema, ao que questiona o espírito2.
Daí que, confirmado o saber antigo de Platão, segundo o qual o pensamento ou o pensar
é o diálogo da alma consigo mesmo3.
3. ORIGEM DA FILOSOFIA
2
Cf. Joel Serrão, Iniciação ao filosofar, Lisboa, 1970, Cap. I.
3
Sofista, 263, e Teeteto, 189.
4
Cf. Delfin Santos, ob. Cit.; José Marinho, Filosofia – ensino ou Iniciação?, Lisboa, 1972,...
A sua origem parece dever procurar-se no espanto (Platão)5 ou na admiração
(Aristóteles)6 do homem perante a existência e a realidade, que o leva a interrogar-se,
primeiro sobre elas e depois sobre si próprio, sobre o problema da sua origem e o
destino e sobre o sentido da sua vida , sobre o que depende do homem e o que ele
depende (a natureza, os ourtros, Deus ou deuses), sobre o amor e a morte, o mal e a dor,
a liberdade e a justiça, a verdade e o destino, até chegar à interrogação fundamental:
«porque há o ente e não o nada» (Heidegger)7.
Indo porém um pouco mais fundo, veremos que a mais autêntica origem da interrogação
filosófica se não encontra no espanto, na admiração ou na simples curiosidade perante a
multiplicidade dos seres, a imensidade cósmica ou os essênciais problemas humanos,
pois que uns e outros são, ainda, do domínio psicológico e limitadamente humano,
devendo antes buscar-se no plano ontológico mais radical do enigma ou do mistério, no
qual e pelo qual todo o ser e toda a verdade, em instantânea visão, simultaneamente, se
ocultam e patenteiam ao espírito do homem.
Esta se afigura ser a profunda razão por que, no pensamento contemporáneo, ambas
estas radicais noções adquirem, ou readqueriram, decisivo e primordial sentido, pela sua
essencial relação com a primeira de todas as interrogações, a que se refere à origem do
ser ou a de tudo quando existe ou para nós existe.
Daí, também, a importancia que, no nosso tempo, voltou a assumir a reflexão sobre
mito, dada a relação matricial ou principial que a Filosofia mantém com ele, enquanto
narrativa ou relato sobre a origem dos deuses, do mundo e dos seres ou teogonia ou
cosmogonia poética, bem como a paralela impotância hodiernamente conferida às
relações entre Filosofia e Poesia.
5
Teeteto, 155, d.
6
Metafísica, liv. I, 982 b.
7
Introdução à Metafísica, trad. Port. De Emmanuel Carneiro Leão, Rio de Janeiro, 1987, p. 33.
A Filosofia do Direito é parte da Filosofia 8. Todavia desgarrou-se de maiores
atrelamentos com sua matriz, produzindo a sua própria outonomia, podendo-se mesmo
falar da existência de uma Filosofia do Direito implícita como algo diferente de uma
Filosofia do Direito explícita9. A Filosofia do Direito explícita ramifica-se da Filosofia
Geral. De facto, a partir de Hegel, nota-se crescente movimento de investigação
exclusivamente jurídica que acentua a especificidade do pensamento do Direito.
Percebia-se que pensar o Direito, em virtude da própria complexização dos Direitos
positivos, demandava do teórico compreensão específica das injunções, das práticas, das
técnicas jurídicas... Com isso, formou-se toda uma corrente de especialistas na filosofia
do Direito, que sem serem filósofos de formação, dedicavam-se a pensar o seu próprio
objecto de actuação prática (Savigny, Puchta, Ihering, Windscheid, Stammler Hans
Kelsen...
Aí está a chave para a compreensão das actuais medidas do pensar filosófico do Direito.
Ao mesmo tempo que se reconhece que o pensador do Direito, não pode prescindir de
conhecer o ramo ao qual se dedica, não pode muito menos estar despreparado para
pensar filosófica e adequadamente os problemas. Em outras palavras, quer se dizer que
reconhece impotância ao facto de que a filosofia lance luzes sobre a filosofia do Direito,
e vice-versa, mas não se pode afirmar que a Filosofia do Direito, esteja atrelada,
perdendo a sua autonomia, à Filosofia. O que ocorre é que, especialização, a Filosofia
do Direito tornou-se, historicamente, um conjunto de saberes acumulados sobre o
Direito (objecto específico), distanciando-se da Filosofia, como a Semiótica se
distanciou da Lógica. Ocorrendo isso, não significa que se deva menosprezar a sede
primigena do contrato histórico, ou muito menos a importância da ligação teórica ou,
ainda a necessidade de a espécie relacionar-se com o género10.
8
Apud: Bittar, Eduardo e Almeida, Guilherme assis, Curso de Filosofia do Direito, 13ª Ed. Gen atlas, p. 47
9
Idem
10
Ob. Cit., Bittar, Eduardo e Almeida, Guilherme assis, É impossível distanciar definitivamente a Filosofia
do Direito da Filosofia..., p. 49.
Deve-se no entanto, ressaltar o facto de que o saber filosófico continua influenciando a
história das ideias jusfilosoficas; pense-se de que as Filosofias do agir comunicativo de
Jurgen Harbermas e da arquiologia das práticas humanas de Michael Foucault têm sido
motivo de largo impacto intelectual e reflexão entre os Juristas 11. Saliente-se que, por
vezes, as metodologias jusfilosoficas (Stammler como jusfilósofo neokantiano)
aperfeiçoam-se na medida dos aperfeiçoamentos filosóficos (Emmanuel Kant como
filósofo), e que, por vezes, as metodologias jusfilosoficas aperfeiçoam-se
independentemente das contribuições filosóficas. Colha-se no pensamento de Chaim
Perelman, com a sua retórica, o exemplo de uma metodologia que, não obstante a matriz
aristotélica, mostrou-se numa projecção inversa, partindo do jurídico para o filosófico,
assim como tem ocorrido com o pensamento de Ronald Dworkin. Pode-se dizer que é
do convívio e do diálogo constantes que se obterão melhores e mais salutares produtos
nessa área do saber humano.
A Filosofia do Direito é um saber que brota das práticas gerais da Filosofia, ao modo de
espécie que se revela a partir do gênero, em meio de um buliçoso movimento de
aprofundamento do conhecimento e de especialização dos saberes no bojo da
modalidade (séc. XVII). Alguns registros indicam mesmo sua identidade promanando
as obras de certos autores (Pufendorf, Grocio, Victoria e Suarez)12,...
Para alguns autores, a Filosofia do Direito deve ocupa-se do justo e do injusto, é esse
seu objecto. Para outros, o justo e o injusto estão fora do alcance do jurista, e são
objecto de estudo da Ética. Para outros ainda, a Filosofia do Direito deve ser um estudo
combativo, politicamente, uma vez que inata é sua função de lutar contra a tirania.
Existem propostas que enfatizam que a tarefa da Filosofia deve consistir na escavação
conceitual do Direito, muitas vezes, os autores atribuem à Filosofia do Direito a tarefa
de fazer derivar da razão pura a estrutura do próprio Direito, ao estilo dedutivo-
kantiano. Há quem faça partecipar toda a especulação filosofica a necessidade crítico-
valorativa das instituições jurídicas. Não se confundindo com as práticas científicas do
Direito, é lhes superior, não qualitativamente, mas pelo facto de pairar para além da
visão que possuem do fenómeno jurídico. As ciências jurídicas partem das normas para
os seus resultados aplicativos e/ou consequências; a especulação filosófica volve da
norma a seus princípios, as suas causas, a sua utilidade social, a sua necessidade, as suas
deficiências... De qualquer forma, possui compromentimentos com a história, com a
ideologia, com a sociedade, com a política..., destacando-se por suas preocupações
universais e não sectoriais.
A Filosofia do Direito possui um objecto tão universal, e um método que faculta que a
investigação se prolongue tamanhamente, que abre mão da possibilidade de
circunscrever seus umbrais. Aliás, faze-lo seria o mesmo que podar o alcance crítico da
filosofia sobre determinado problema ou grupo de problemas de interesse jusfilosófico.
Por isso deve se dizer que a reflexão filosófica sobre o direito não pode extenuar-se. De
facto, seu compromisso é manter-se acesa e atenta as modificações quotidianas do
Direito, a evolução ou involução dos instintos jurídicos e das instituições jurídico-
sociais, às práticas de discurso do Direito, as realizações político-jurídicas, ao
tratamento jurídico que se dá à pessoa humana... Então a Filosofia do Direito é sempre
actual, é sempre de vanguarda, pois reserva para si esse direito-dever de estar sempre
impregnada da preocupação de investigar as realizações jurídicas práticas e teoréticas.
Não se pode olvidar que a Filosofia é o exercício do pensamento, que tem por finalidade
o próprio exercício do pensamento. Não visando outro resultado senão à interpretação
pela interpretação, seu exercício é desprovido de pretenções finalistas. Causas de
causas, razões, fundamentos, explicações e justificações são buscados no próprio iter do
pensamento.