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Faculdade de Filosofia

Departamento de Graduação
Curso de Licenciatura em Filosofia

Manuel Francisco Honwana

Gênese, natureza e desenvolvimento da História da Filosofia Antiga

Maputo
2022
Faculdade de Filosofia
Departamento de Graduação
Curso de Licenciatura em Filosofia

Manuel Francisco Honwana

Gênese, natureza e desenvolvimento da História da Filosofia Antiga

Trabalho de investigação a ser entregue


à Faculdade de Filosofia da
Universidade Eduardo Mondlane para
efeitos de avaliação.

Docentes:
Mestre Azevedo Witinesse
Doutor Daniel Nhantumbo

Maputo
2022

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ÍNDICE

1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 4

2. GÊNESE, NATUREZA E DESENVOLVIMENTO DA HISTÓRIA DA FILOSOFIA

ANTIGA ..................................................................................................................................... 5

2.1 Problemas da origem da Filosofia ........................................................................................ 5

2.3 Teses contrárias a respeito da origem da Filosofia. .............................................................. 5

2.3.1 A tese orientalista de origem da Filosofia ......................................................................... 5

2.3.2 A tese de origem grega da Filosofia .................................................................................. 7

3. AS FORMAS DA VIDA GREGA QUE PREPARARAM O NASCIMENTO DA

FILOSOFIA; ............................................................................................................................... 8

3.1 Arte - Os poemas Homéricos e os poetas gnômicos; ........................................................... 9

3.1.1 Poemas Homéricos ............................................................................................................ 9

3.1.2 Hesíodo e os poetas gnómicos ......................................................................................... 10

3.2 A Religião pública e os mistérios órficos. .......................................................................... 11

3.3 As condições sócio-políticas-económicas que favoreceram o surgimento da Filosofia. ... 12

4. CONCLUSÃO ...................................................................................................................... 14

5. BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................. 15

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1. INTRODUÇÃO

A história da Filosofia Antiga é uma disciplina que estuda o surgimento e a evolução do


pensamento filosófico antigo, compreendendo os respectivos pensadores, suas ideias,
estratégias e argumentos. Além disso, importa nesta disciplina, apontar as circunstâncias
históricas, políticas, sociais e outras em que se desenvolve a filosofia no geral e as ideias dos
grandes pesadores, de forma específica.

A Filosofia Antiga corresponde ao período do surgimento da filosofia grega no século VII a.C.,
durante o chamado período Arcaico da sociedade grega. Ela surge da necessidade de explicar
o mundo de um novo modo. Os filósofos buscam encontrar respostas racionais para a origem
das coisas, dos fenômenos da natureza, da existência e da racionalidade humana.

Neste contexto é realizado o trabalho presente, que tenciona abordar a génese da Filosofia
antiga, ou seja, as circunstâncias em que Filosofia nasceu e se desenvolveu, seus precursores e
as condições artísticas, religiosas e históricas que favoreceram o seu nascimento. Abordamos
igualmente neste trabalho, as diferentes teses sobre o surgimento da filosofia, onde encontramos
historiadores que defendem que ela teria nascido Grécia, e outros que contrariam, dizendo que
esta teria sido trazida do oriente pelos considerados primeiros filósofos, como o caso de Tales
e Anaximandro de Mileto. O presente trabalho é realizado com o objectivo de conhecer e
aprofundar as diversas circunstâncias em que a filosofia nasce e desenvolver uma visão
panorâmica e crítica das origens do pensamento filosófico.

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2. GÊNESE, NATUREZA E DESENVOLVIMENTO DA HISTÓRIA DA FILOSOFIA
ANTIGA

2.1 Problemas da origem da Filosofia

O termo “Filosofia”, que tem a sua origem atribuída a Pitágoras de Samos (séc. V a.C.), designa,
pela sua etimologia, uma atitude de apreço, desejo, respeito e busca pela sabedoria. Porém, a
Filosofia em si, levantou grandes discussões sobre a sua origem ao longo da história.

A maior parte dos historiadores e filósofos é unânime em afirmar que a Filosofia teria surgido
na Grécia Antiga, como cosmologia, ou seja, um estudo do princípio fundamental, essência e
ordem do mundo (os cosmos), por volta do século VI a.C., tendo sido inaugurada por Tales de
Mileto, cidade localizada na Jónia, colónia grega da Ásia menor (actual Turquia). Outros
historiadores, entretanto, afirmam, de acordo com Mondolfo (1971: 9) a possibilidade de uma
origem oriental da Filosofia, pois estes consideram que houveram relações entre grandes
civilizações orientais e civilizações gregas que determinaram formas e conteúdos de da vida
social, da religião, dos mitos, das artes e técnicas dos gregos do período homérico (entre os
séculos XI e VIII a.C.) e do arcaico (finais do século VIII a V a.C.).

Este é um debate que se originou desde filósofos do período socrático (como Platão, Aristóteles
e outros) e segue até a idade contemporânea.

2.3 Teses contrárias a respeito da origem da Filosofia.


2.3.1 A tese orientalista de origem da Filosofia

Muitos pensadores apresentaram e defenderam uma teoria segundo a qual a Filosofia teria
nascido no oriente, a partir das civilizações orientais e mesopotâmicas. De acordo com esse
pensamento, a Filosofia não teria nascido na Grécia, mas se desenvolvido a partir de elementos
vindos dessas grandes civilizações anteriores à grega, que teriam sido transmitidas através de
relações directas ou indirectas. Boa parte das condições que favoreceram o surgimento da
Filosofia na Grécia; mitos, cultos religiosos, arte, utensílios, formas de habitação, organização
de parentesco; seriam resultado do contacto que os gregos tiveram com culturas orientais, que
eram, nessa altura, mais avançadas do que a grega.
As grandes civilizações orientais, mesopotâmicas (isto é, sumérica e caldaica ou
assírio-babilónica, iraniana, egípcia, fenícia etc.), com as quais já havia estado em

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relações diretas ou indiretas a civilização pré-helénica (egeia ou creto-micénia),
exerceram influxos, por todos reconhecidos, também sobre a cultura helénica em
vários campos, da técnica e da arte aos mitos e às ideias religiosas. Já Heródoto,
Platão, Aristóteles, Eudemo e Estrabão faziam provir dos caldeus, egípcios e
fenícios, ciências cultivadas depois pelos gregos, como a Astronomia, a Geometria,
a Aritmética; e Platão fazia, gabar pelo velho sacerdote egípcio a antiguidade da sua
sabedoria em comparação com a infância da grega (MONDOLFO, 1971: 9).

Como podemos verificar, o pensamento orientalista sobre a origem da Filosofia é abordado


desde a Grécia clássica, com pensadores como Heródoto, Platão, Eudemo, Socião e Aristóteles,
entre outros. Heródoto e Aristóteles, afirmando que os egípcios foram responsáveis pela criação
da matemática (geometria e astronomia) e Platão, afirmando de forma veemente o seu apreço
pela sabedoria que só era possível encontrar com os egípcios. Para esses autores, existiram na
altura os Magos, os Caldeus, os Gimnosofistas e os Druidas, que eram considerados sábios
pelos persas, babilónicos e os indianos, respectivamente.

Na perspectiva de Diógenes de Laércio (1987: 14), os gimnosofistas e os druidas abordaram


questões éticas como a justiça, a piedade, coragem e a moral, através de enigmas. Os caldeus,
por sua vez dedicaram-se à astronomia e à previsão de futuro.

Por outro lado, é apresentada por Diógenes de Laércio uma visão segundo a qual a filosofia
teria sido abordada pelas primeiras vezes às margens do rio Nilo por Héfaistos (Hefesto). “Para
os egípcios, Héfaistos era filho do Nilo, e com ele começou a filosofia, sendo os sacerdotes e
profetas seus principais expoentes; Héfaistos teria vivido 48,863 anos antes de Alexandre, o
Macedónio” (DIÓGENES DE LAÉRCIO, 1987: 13). Estes egípcios, teriam se preocupado pelo
estudo dos deuses, pela origem do universo, e a justiça, tendo eles referido que o mundo foi
criado por algum ser e os acontecimentos da terra ocorrem devido à mistura de fogo entre os
elementos.

A tese orientalista voltou a ser abordada mais tarde, no período helénico da história da Filosofia,
mais especificamente durante os séculos II e III d.C., e teve defensores como Filo de Alexandria
que era judeu, e os padres da Igreja, como Eusébio de Cesareia e Clemente de Alexandria.
Para Chauí (2000: 29), ao defender a tese oriental do surgimento da Filosofia, os judeus
pretendiam conferir valor ao seu pensamento perante as estruturas de poder da época (os
romanos); e os padres da Igreja antiga, pretendiam conferir maior credibilidade aos
ensinamentos de Jesus, garantido que os mesmos não eram primitivos nem superficiais.

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Mostrando que o pensamento grego tem a sua origem no pensamento místico oriental, levariam
o Cristianismos a uma aceitação melhor.

2.3.2 A tese de origem grega da Filosofia

Paralelamente à tese orientalista do surgimento da filosofia está a tese grega, também conhecida
como “o milagre grego”, segundo a qual a Filosofia teria surgido na Grécia, e seu primeiro
nome seria Tales de Mileto. Esta tese, em seus defensores, não rejeita o facto de terem existido
relações socio-económicas e políticas entre as civilizações orientais e a civilização grega, porém
considera que apenas os gregos foram responsáveis pela invenção e desenvolvimento do
pensamento filosófico-científico. Não são aqui questionadas as influências que a cultura
oriental exerceu no mundo grego, no campo das ciências e da arte. Considera-se, porém, o que
os gregos fizeram com essas influências.
[...] Eles transformaram de maneira radical tais influências, retirando seu caráter
talvez ingênuo, e meramente prático, e construíram uma nova forma de pensar,
fundamentada essencialmente em um tipo de pensamento destituído de um caráter
mítico ou religioso, isto é, em uma investigação baseada apenas e tão somente na
Razão (HUBUSS, 2014: 17).

De acordo com este pensamento, os gregos não reproduziram as doutrinas orientais, mas
aplicaram melhorias, racionalizaram, ou seja, buscaram justificar e fundamentar racionalmente
as suas ideias.

Na perspectiva de Chauí (1994: 24), os gregos aplicaram certas “mutações qualitativas” aos
conhecimentos adquiridos nessa relação com outras civilizações: dos conhecimentos
geométricos egípcios, os gregos produziram a ciência matemática; dos conhecimentos ligados
ao céu e aos meteoros – astrologia – e os gregos transformaram esse conhecimento em
astronomia, estudo dos astros e seus movimentos; transformaram a poesia, as artes plásticas, o
teatro e as religiões orientais em uma cosmologia, ou seja, explicação racional sobre a origem
do mundo; transformaram as formas de organização social herdadas em política; transformaram
o pensamento racional sistematizado sobre vida social em cultura.

Podemos referir, que os povos orientais tinham limitações no seu pensamento e eram
fortemente ligados à religião. Todas as suas reflexões, culminavam numa explicação religiosa
da origem das coisas. Esse facto distancia ainda mais a possibilidade de uma origem oriental
da Filosofia. “Outros povos possuem santos, enquanto os gregos, por sua vez têm sábios”

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(NIETZSCHE, 2008; 36). Por outras palavras, podemos considerar que o pensamento egípcio
ou oriental a que se refere, não é Filosofia, mas sim uma abordagem religiosa.

É defendido também por Burnet (2006: 31) que, pelo facto de a filosofia demandar uma
linguagem sofisticada que só poderia ser encontrada na Grécia, era impossível que se tenha
abordado assuntos de natureza tão complexa em outras partes do mundo. Por outras palavras,
as manifestações artísticas e religiosas seriam insuficientes para originar a capacidade de
abstracção e a sofisticação linguística próprias da filosofia; ademais, não havia na Grécia dessa
altura, nenhum homem que dominasse tanto um idioma oriental, ao ponto de furtar-se de um
pensamento filosófico, transportando-o para a sua terra.

A civilização material e as artes podem passar facilmente de um povo para outro,


sem que estes povos tenham que possuir uma linguagem comum: certas ideias
religiosas simples podem comunicar-se pelo ritual melhor do que por qualquer outra
via. Em contrapartida, a filosofia só poderia exprimir-se em uma linguagem abstrata,
por homens instruídos e por meio de livros ou do ensino oral. Ora, não conhecemos,
na época, nenhum grego que soubesse tão bem uma língua oriental que pudesse ler
ou ouvir um discurso oriental (BURNET, 1952: 31).

Por sua vez, Diógenes de Laércio (1987: 67), historiador grego, afirma categoricamente que a
Filosofia tem origem totalmente egípcia e descarta qualquer influência que possa ter havido dos
povos orientais sobre a Grécia Antiga. Para este, a filosofia é um “milagre grego”, ou seja, os
gregos criaram a filosofia e as ciências que perduram como legado imperecível para todo o
ocidente. Diógenes narra o surgimento e o desenvolvimento da Filosofia, a partir de Tales de
Mileto até Pisístrato, e considera-os sábios, que deram origem à qualidade do pensamento e a
toda a civilização.

3. AS FORMAS DA VIDA GREGA QUE PREPARARAM O NASCIMENTO DA


FILOSOFIA;

Na sua Introdução à Filosofia, Chaui (1994: 29) descreve o entorno do surgimento da filosofia,
em relação aos mitos. Antes do surgimento da filosofia, os mitos eram a única forma de reflexão
e o mais frequente modo de educação dos jovens. Tais mitos eram partilhados em forma de
manifestações artísticas, onde se destacam Homero, Hesíodo e os Gnómicos. Esses mitos,
apresentavam um carácter religioso e artístico, herdado da cultura oriental, mas que tinha
influência directa sobre a vida socio-económicas dos gregos. A filosofia, portanto, nasce da
continuidade e da descontinuidade dos mitos, saindo de uma vida baseada em crenças, para
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uma vida baseada na razão. Portanto, torna-se-nos indispensável fazer abordar três aspectos
importantes para a compreensão da do nascimento da Filosofia grega a saber: A arte, a religião
e as condições socio-políticas.

3.1 Arte - Os poemas Homéricos e os poetas gnômicos;

De modo mítico e fantástico, mediante a intuição e a imaginação, as manifestações artísticas


gregas se esmeraram para alcançar objetivos que também eram próprios da filosofia, a educação
e a reflexão sobre a origem do mundo, sobre a qualidade de vida (ética), sobre as divindades e
sobre a morte. Antes do nascimento da filosofia, os poetas tinham imensa importância na
educação e na formação espiritual do homem entre os gregos, muito mais do que tiveram entre
outros povos.

3.1.1 Poemas Homéricos

Entre os séculos IX e VIII a.C., a Grécia Antiga viveu o chamado Período Homérico. Esse
período recebeu esse nome por causa da figura do poeta Homero, considerado o autor das
epopeias1 Ilíada e Odisseia. A Ilíada narra os eventos da guerra de Troia, que teve como ponto
de partida o rapto de Helena, esposa de Menelau, rei de Esparta, por Paris, filho de Príamo, rei
de Troia. Os principais heróis envolvidos na trama da Ilíada (que tem esse nome por referir-se
a Ílion, outro nome dado a Troia) são: Aquiles, Heitor, Ajax e Ulisses (ou Odisseu).
A outra epopeia, Odisseia, narra detalhadamente as aventuras e as peripécias do astuto herói
Ulisses (ou Odisseu) ao voltar da guerra de Troia para a sua casa, na Ilha de Ítaca.

Ora, como aponta Reale; Antiseri (1990: 14) é notável que os poemas homéricos têm uma
preocupação de carácter educativo e apresentam já algumas das características do espírito grego
que se mostrariam essenciais para o desenvolvimento da filosofia:
- A imaginação homérica já se estrutura com base em um senso de harmonia, de proporção, de
limite e de medida; coisas que a filosofia, mais tarde, elevou à categoria de princípios
ontológicos (metafísica).
- O poeta não se limita a narrar os factos, mas também, pesquisa as causas e as razões por de
trás das atitudes, dos sentimentos e pensamentos dos personagens das suas histórias; E esse

1
O termo epopeia provém do grego “epus”, que significa herói. Uma epopeia é um poema de carácter narrativo,
que conta as glórias, os dramas e as aventuras de grandes heróis.
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modo poético de ver as razões das coisas é que prepara aquela mentalidade que, em filosofia,
levará à busca da “causa” e do “princípio”, do “por que” último das coisas.
- Procura apresentar a realidade em sua totalidade, ainda que de forma mítica: deuses e homens,
céu e terra, guerra e paz, bem e mal, alegria e dor, a totalidade dos valores que regem a vida do
homem. Esses princípios, mais tarde inspiraram a Ética de Aristóteles e outros filósofos dos
períodos subsequentes.

3.1.2 Hesíodo e os poetas gnómicos

Para os gregos, também foi muito importante Hesíodo e os poetas Gnómicos, que viveram entre
os séculos VII e VI a.C. Hesíodo foi muito destacado entre os gregos através da sua obra de
maior relance: “A Teogonia”, que narra o nascimento dos deuses. Como muitos deuses
coincidem com partes do universo e com os cosmos, Teogonia torna-se também cosmogonia,
seriam a criação do universo, do caos o universo foi o primeiro a se gerar.

Como pode-se ver, foi a obra que impulsionou a cosmologia filosófica, que não mais pensaria
no mito, mas tentaria buscar através da razão a criação dos cosmos. Outra obra muito importante
seria “As Obras e os dias” do mesmo autor, que fala sobre princípios éticos: A justiça – “Dá
ouvido à justiça e esquece completamente a prepotência”; Justa medida – “sem zelo demais: o
melhor está no meio; e ficando no meio, alcançaras a virtude”.

Outros poetas, contemporâneos de Hesíodo, os chamados Gnónicos ou líricos, imprimiram na


mentalidade grega alguns princípios que seriam de grande importância para a constituição da
ética filosófica e do pensamento filosófico antigo em geral.

Alguns exemplos de suas máximas ligadas à justiça e à medida (moderação), apresentados por
Reale; Antiseri: “Na justiça já estão compreendidas todas as virtudes” (Focílides); “Sem ceder
daqui e dali, andarei pelo reto caminho, porque devo pensar somente coisas justas” (Teógnis);
“... sejas justo, não há nada melhor” (Teógnis); “Jubila-te com as alegrias e sofre com os males,
mas não em demasia.” (Arquíloco); “Sem zelo demais: o melhor está no meio; e, ficando no
meio, alcançarás a virtude” (Teógnis) “Nada em excesso” (Solon)

Reale; Antiseri (1990: 16) consideram ainda que “em muitos filósofos, especialmente em
Platão, a justiça, por exemplo, se tomaria um conceito ontológico, além de ético e político. “A

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medida é uma das melhores coisas”, ecoa uma das sentenças dos Sete Sábios, que recapitulam
toda a sabedoria grega, cantada especialmente pelos poetas gnômicos”.
O conceito de “medida” (moderação) veio a influenciar grandemente o pensamento filosófico
clássico, no mundo da ética e da política.

3.2 A Religião pública e os mistérios órficos.

Por meio de representações não conceituais e por meio da fé, a religião tende, igualmente, a
buscar certos objetivos que a filosofia procura atingir com os conceitos e com a Razão.
Destacam-se na Grécia Antiga, duas formas de religião; a religião pública dos deuses e a
religião Órfica dos mistérios, que passamos a descrever, baseados em Reale e Antiseri.

a) Religião Pública: tudo é divino, porque tudo o que acontece é feito pelos deuses, ou seja, os
fenômenos naturais são interpretados como acção dos deuses; “...os raios e relâmpagos são
arremessados por Zeus do alto do Olimpo; as ondas do mar são provocadas pelo tridente de
Poseidon; o sol é levado pelo áureo carro de Apolo e assim por diante” (REALE; ANTISERI,
1994: 17).

Por essa razão, a vida do povo, a sorte das cidades em relação às guerras, a agricultura e
epidemias naturais era sempre vinculada à vontade dos deuses e ao seu estado de espírito em
relação aos homens. Os deuses públicos seriam, portanto, uma espécie de homens sublimados,
amplificados e imortalizados, que teriam em si, características e/ou virtudes próprias dos
homens, como justiça (Zeus), inteligência (Atena), amor (Afrodite) e outros.

É considerada pelos historiadores uma religião naturalista, uma vez que a história dos deuses
se confunde com uma possível explicação da origem do cosmos, e teria, dessa forma
influenciado o pensamento dos primeiros filósofos que, por sinal, trataram do mesmo problema.

b) Religião órfica (dos mistérios): pertencia a círculos restritos que tinham suas crenças
específicas e suas próprias práticas. conhecida como religião dos ministérios deriva o seu nome
do poeta Orfeu. Essa religião defendia a imortalidade da alma, enquanto a pública considerava
o homem mortal.

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Além de defender a imortalidade, os órficos acreditavam que a alma se hospeda no corpo por
uma culpa originária, com o objetivo de pagar um castigo. Essa alma fica destinada a
reencarnar-se várias vezes até libertar-se do corpo novamente e isso só pode ser feito pelos ritos
e práticas da vida Órfica. Esse conceito influenciará grandes filósofos posteriormente, que
tratarão do problema da essência e imortalidade da alma.

3.3 As condições sócio-políticas-económicas que favoreceram o surgimento da


Filosofia.

Diferentemente dos povos orientais, nesse período da história os gregos viviam a democracia,
enquanto os povos orientais viviam numa cega obediência ao poder religioso e político.

A Grécia, inicialmente, era um país predominantemente agrícola. Porém, com o advento do


artesanato e do comércio, os centros se tornaram o grande polo de distribuição comercial,
iniciando nas colônias jónicas, sobretudo em Mileto e depois também em outros lugares. Um
novo segmento de comerciantes alcançou notável força econômica e se opôs a concentração de
poder político que estava nas mãos da nobreza fundiária.

Portanto, as condições sócio-político-econômicas mais favoráveis das colônias junto à


liberdade permitiram o surgimento da filosofia, passando depois para Atenas.

Marilena Chauí (2000: 35-36), no seu “Convite à Filosofia”, as principais condições que
favoreceram o surgimento da Filosofia:
a) As viagens marítimas: que permitiram aos gregos a frequência a lugares onde os mitos
apontavam como habitados por deuses, facto que os levou a constatar que eram apenas lugares
comuns;
b) Invenção do calendário: que elevou o grau de abstracção, visto ser uma forma de calcular
o tempo que demandava cerca capacidade que antes era considerada um dom divino;
c) Invenção da moeda: que permitiu trocas comerciais que demandavam a abstracção para o
cálculo do valor dos objectos e deu certo poder financeiro aos gregos;
d) Surgimento da vida urbana: propiciou o aparecimento de uma classe de comerciantes ricos
que começou a investir na educação e profissionalização dos seus filhos;

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e) Invenção da escrita alfabética: que revela alta capacidade de abstracção visto que não se
representa a imagem da coisa que está sendo dita (como nos desenhos egípcios), mas a ideia
dela, o que dela se pensa e se transcreve.
f) Invenção da política: que por meio da implantação da ideia de lei, do surgimento do espaço
público e da implantação do discurso político, contribuíram para o nascimento da Filosofia.
Atenas se torna a grande pólis, ou seja, a cidade estado, e assim surge a ideia de cidadão. Para
o grego o homem passou a coincidir com o cidadão, dessa forma, o estado se torna o horizonte
do homem grego. Os cidadãos sentiram os objectivos do Estado como o seu próprio objectivo,
o bem do estado, como o seu próprio bem e a liberdade do Estado, como a sua própria liberdade.

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4. CONCLUSÃO

A História da filosofia coloca em perspectiva o conhecimento filosófico e apresenta textos e


autores que fundamentam nosso conhecimento até hoje. Conhece-la é de extrema importância
para qualquer ser humano. Findo o exercício de pesquisa e análise das teorias existentes sobre
a origem e o desenvolvimento da filosofia, percebemos a forma elucidativa em que a filosofia
nos dá a entender o género humano. Os debates sobre os deuses, a imortalidade ou mortalidade
da alma, ética e justiça, permeiam o ser humano desde a sua base primeira.

A cerca das teses contrárias sobre o surgimento da filosofia, podemos constatar que o debate é
e sempre foi bastante extenso e complexo. A teses grega tem seus argumentos melhor
formulados e seus defensores mais preparados, sobretudo quando considera que o racionalismo
e a descontinuidade dos mitos religiosos é o que o diferencia o conhecimento grego do
conhecimento oriental no geral. Mas pudemos também verificar que a tese orientalista apresenta
uma escassez de defensores e de fontes. Isso pode dever-se à sua fraqueza em relação à cultura
de escrita, o que coloca a tese do milagre grego em vantagem. Não se pode deixar de notar uma
certa ingratidão dos gregos para com a cultura da qual beberam muito do que sabem; para alguns
historiadores e filósofos contemporâneos (como o brasileiro Renato Nogueira), essa negação
da tese oriental do nascimento da filosofia beira ao racismo intelectual.

De todas as formas, a realização deste trabalho alimenta-nos de forma bastante nutritiva para a
abordagem aos pensamentos filosóficos de todos os tempos, e nos capacita a analisar de forma
crítica e panorâmica todos os objectos de estudo da Filosofia.

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5. BIBLIOGRAFIA

BURNET, John. (2006). A Aurora da filosofia grega. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro:
Contraponto.
CHAUÍ, Marilena. (2000). Convite à Filosofia. São Paulo. Ática.
______. (1994). Introdução à Filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo:
Brasiliense.
DIÓGENES DE LAÉRCIO. (1987). Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. Trad. Mário da
Gama Kury. 2. ed., Brasília: UnB.
HUBUSS, João. (2014). Introdução à história da filosofia antiga. [s.l.]: Pelotas.
MONDOLFO, Rodolfo (1971). O pensamento antigo. Trad. Lvcurgo Gomes Da Motta. São
Paulo: Mestre Jou, 2v.
NIETZSCHE, Friedrich. (2008). A filosofia na era trágica dos gregos. São Paulo: Hedra.
REALE, Giovani; ANTISERI, Dario. (2003). História da filosofia: filosofia pagã antiga. Trad.
Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, v. 1.
______. (1990). História da filosofia: antiguidade e idade média. Trad. Ivo Storniolo. São
Paulo: Paulus, v. 1.

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