Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Afrobrasileiras em BH
capoeira . comunidades tradicionais de terreiros . dança-afro . hip hop . quilombos . reinado . samba . soul
CATÁLOGO 2012-2013
Perfil dos
Ficha Técnica
Entrevistados
272 277
2
ENTRADAS DO CATÁLOGO
• SAMBA • Domingos do Cavaco • Ângelo Almeida Lima, Os Inocentes de Santa Tereza •
Lúcia Santos • Dóris • Nonato do Samba • Doneliza • Felipe Diniz Marinho, Grêmio Recreativo
Cultural Escola de Samba Força Real • Mestre Linguinha, Escola de Samba Canto da Alvorada •
Gelson Luiz • Mário César de Almeida, A.R.E.S Unidos Guaranis • Eduardo Raimundo Bavose,
Grêmio Recreativo Escola de Samba Estrela do Vale • Jadir Ambrósio • Silvestre • Plínio, João e
Mauro Saraiva, Irmãos Saraiva • Black Pio • Mandruvá • Dé Lucas, Grupo Na Cadência do
Samba • Mestre Affonso • Lagoinha • Fabinho do Terreiro • Carlinhos Visual • Reinaldo do Curral
do Samba • Silvio Luciano • Zé do Monte • Bira Favela • César de Aguiar • Waltinho Sete Cordas
• Serginho Beagá • Mestre Conga • Geraldo Magnata • Xiquinho Poeta • Dudu Nicácio • Edinho
• Lulu do Império • Alexandre Silva Costa (Lee), Escola de Samba Cidade Jardim • Fernando
Bento • Márcio Nagô • Nilton Maravilha • Marcelo Roxo, Grupo Fidelidade Partidária • Ronaldo
Coisa Nossa • Valdete da Silva Cordeiro, Grupo Cultural Meninas de Sinhá • REINADO •
Francisca Enetéria Evangelista, Guarda de Moçambique Três Coroas de Nossa Senhora do
Rosário • Guaraci Maximiniano dos Santos, Guarda de Moçambique Nossa Senhora do Rosário
de Pompeia • Isabel Casimira das Dôres Gasparino, Guarda de Moçambique e Congo Treze de
Maio de N. S. do Rosário • Maria Anastácia Calixto, Guarda de Moçambique de Santa Efigênia •
Maria Solange Leandro Esteves, Guarda de Moçambique São Benedito • Nelson Pereira da Silva,
Guarda de Moçambique N.S. do Rosário e Sagrado Coração de Jesus • Jeremias Felipe Gomes,
Irmandade de Moçambique N. S. do Rosário do Nova Gameleira • Damião, Guarda Congo Velho
de Nossa de Senhora do Rosário • Eudes, Guarda de Marujos de São Cosme e Damião e de N.
S. do Rosário • Ildefonso Motta, Irmandade de Nossa Senhora do Rosário do Jatobá • Hélio
Silva, Guarda de Moçambique Nossa Senhora do Rosário Nova Granada • Dílson de Oliveira
Faria, Associação Beneficente Dança de Congado da Vila Santo André • Maria Aparecida de
Souza, Guarda de Moçambique N. S. do Rosário e São João Batista • Zelita Pereira da Silva,
Guarda dos Caboclinhos do Divino Espírito Santo • Rodrigo Luís Sabino dos Santos, Guarda de
Moçambique do Divino Espírito Santo do Reino de S. Benedito • Maria do Rosário de Moura,
Guarda de Moçambique Nossa Senhora do Rosário e São José • Odete Maria dos Santos,
Guarda de Congo São Benedito e N. S. do Rosário do Cabana • Kelma Gizele, Guarda São
Jorge de Nossa Senhora do Rosário • Cleone da Silva Pedro, Guarda de Moçambique de Nossa
Senhora da Divina Providência • Zilda Pereira Lisboa, Guarda de Congo Feminina Nossa Senhora
do Rosário • Manoel Fonseca dos Reis, Centro Cultural Chácara Maria Reis • TERREIROS •
Isabel Casimira das Dores Gasparino, Centro Espírita São Sebastião • Tata Italengombi, Cabana
Espírita Umbandista Caboclo Flecha Dourada • Ricardo de Moura, Casa de Caridade Pai Jacob
do Oriente • Geraldo Ubiraí Neves Winter, Centro de Parapsicologia Cosme e Damião • Noezi
Ferreira de Oliveira, Ilé Ojó Obá Kaô • Guaraci Maximiano dos Santos, Centro Espírita São
Sebastião • Reginaldo Teixeira da Silva, Nzó Atim Obatolocy • Mãe Nilce, Templo Umbandista Pai
Joaquim de Aruanda • Sidney d’Oxóssi, Ilê Wopo Olojukan • Mãe Deija, Ilé de Iemanjá • Jorge de
Oxum, Kwé Dansitonude • Elmito Marques da Silva, Centro Espírita Ogumbejé • Rosane Benedita
Pereira de Melo, Centro Espírita Pai Jobino da Bahia • Mãe Marlene de Gantois, Casa Espírita
Discípulos do Pai Eterno • Mãe Cecília, Casa Espírita Pai João de Aruanda • Norcélia de Oxum,
Kwê Zoorodê • Tânia Moreira, Terreiro Pai José do Rosário • Ivanildo Cassimiro, Centro Espírita
Pai Mateus de Angola • Sidney, Centro Afro Brasileiro Nzo Atim Oiá Oderin Atim Katispera •
Andréia de Oyá, Ilê Axé Omi Ogunsade • Laura de Ogum, Centro Espírita Ogum Megê • Mãe
Luanderê, Centro de Irradiação Espírita Umbandista Mãe Maria Conga • Sandra de Melo, Centro
Espírita de Umbanda Omoluaruaru • Pai Doca, Rupami Ayoni Jiboni • Jairo Ribeiro Lopes, Centro
de Irradiação Nossa Senhora do Rosário de Fátima • Zumbá, Terreiro Oca Tupinaré • João
Bosco Arabeken do Candomblé, Centro Religioso e Cultural Áfrico-Brasileiro Logun Edé • Ronie
Pereira, Ilê Rumpami Geleci • César de Odé, Tenda Espírita Xangô Airá • Hélio Motti, Centro
Espírita Caboclo Sete Liras do Mar • Edineuza Porto Santos, Roça Bakisso Ki Inkissy • Nilza de
Xangô, Centro Espírita Pai Xangô • Flávio Correia de Lima, Ylê Alaketu Ya Osun • Maria da
Conceição, Ilê Wopô de Nanã • Mãe Cris de Oxalá, Casa Oxalá dos Montes Altos • Reinaldo de
3
Osogyan, Ilê Axé Babá Byyomin • Vitória Paulina de Araújo, Tenda Espírita Umbanda Sete Forças
Divinas • Nair dos Anjos de Moraes, Templo Umbandista Pai José de Moçambique • Maria de
Fátima Nogueira, ARCA Brasileira Jacutá de Iansã • Lourdes de Iemanjá, Centro Espírita de
Umbanda Ya Oba Ca Ô • Anderson Vicente da Silva, Terreiro Ilê Axé Odé Omilá • Mãe da Luz,
Casa de Caridade Ogum Beira Mar • Leonardo de Oxóssi, Ilê Axé Ibó Ode • Lucineide Porto de
Paula Santos, Ilê de Odé • José Augusto Pinto, Tenda Espírita Caboclo Sultão das Matas •
Henrique Perret Neto, Centro Espírita Estrela do Oriente • Geralda Rosa Martins, Centro Espírita
de Umbanda Pai Cipriano • Iara Bárbara de Andrade, Choupana de Umbanda Cabocla Jussara •
Fabiana, Kwê Vodum Azam Tobossi • César T’Ogun e Vilmara D’Osun, Ilê Asé Oya Ku Ru Ge Si •
Tatetu Londeji, Roça Branca Terreiro de Candomblé • Geraldo Chamone Sobrinho, Cabana
Espírita Umbandista Caboclo Pena Azul • Maria José da Silva, Tenda Espírita Umbandista
Obaxaim • Italesimbi, Dandalunda Kissimbi Keuamasi - Candomblé Angola Moxicongo • Márcio
Luiz de Castro, Ilê Axé Oba Tunde • Claudia Bertonili Gregório, Centro Espírita Pai Serapião •
Cleone de Souza Pedro, Centro Espírita Marechal Floriano Peixoto • Marjove Augusta Manini
Soares, Ilê Axé d’Oyá Kunliejy • Cássia Aparecida Carlota, Centro de Umbanda Nanã e Xangô •
Mametu Muiandê, Terreiro de Candomblé Angola Manzo Ngunzo Kaiango (Senzala de Pai
Benedito) • Maria Ivone de Sena Brasil, Centro Espírita Pai José de Aruanda • Luiz Safé, Ilé Asè
Odé Safé Edún Ará • Marlene Tavares, Centro Espírita Caboclo Ficheiro • SOUL • Toninho
Black, Baile da Saudade (Black Power Hits) • Black Steve • Mestre Tito, Brother Soul • Lord
Tuca, Comunidade do Soul • James • Kaká • Lília Mari • Lorinho • Luís Cadeado • Miquita •
Misael Avelino • DJ Abelha, Movimento Black Soul • Geraldinho, Quarteirão do Soul • Ronaldo
Black • CAPOEIRA • Maíra Cesarino Soares, Grupo Bantus Capoeira • Marcelo de Paula,
Instituto de Capoeira Brasileira • Bocão, Centro de Cultura Canzuá Capoeira • Raimundo Ferreira
de Souza, Grupo Internacional Oficina da Capoeira • Mestre Cavalo, Muzenza Capoeira • Mestre
Buléia, Centro de Cultura Arte Quilombo Capoeira • Jamil Francisco da Costa, Centro Cultural e
Social de Capoeira Mandinga Mineira • Mestre Índio, Associação de Capoeira Angola Dobrada •
Mestre Binha, Associação Sinhá Bahia de Capoeira • Mestre Fuinha, Associação de Capoeira
Cordão de Ouro • Nego Humberto, Grupo Axé Para Todos • Mestre Gavião, Grupo de Capoeira
Mãe África • Mestre Agostinho, Grupo Ginga de Capoeira • Mestre Jiboia, Grupo de Capoeira
Minas Gerais • Professor Camaleão, Grupo Abadá Capoeira • Mestre João Angoleiro, Associação
Cultural Eu Sou Angoleiro • Mestre Mão Branca, Grupo Capoeira Gerais • Mestre Tulipa, Centro
Cultural Social Tradição de Bamba Capoeira • Mestre Aranha, Grupo Negaça • Mestre
Chicoreba, Associação Malícia Brasil Capoeira • Mestre Gato, Grupo Estilo Capoeira • Cinésio
Feliciano Peçanha, Fundação Internacional de Capoeira Angola • Contramestre Rene Lopes,
Associação Cultural de Capoeira Angola Camujere • Contramestre William, Associação Cultural
de Capoeira Angola BHZ • Mestre Boca de Peixe, Associação Cultural Companhia de Pernas pro
Ar • Mestre Beto Onça • DANÇA-AFRO • Djalma Januário, Agbara • Carlos Afro e Cia • João
Angoleiro, Companhia Primitiva de Arte Negra • Associação Cultural Odum Orixás • Fabiano
Camilo, Samba de Terreiro • Patrícia Alencar, Primeira Dança • Júnia Bertolino, Cia Baobá de
Dança • Evandro Passos Xavier, Cia de Dança Bataka • Munrra, Grupo Cuenda • Rô Fatawá,
Associação Aruê das Gerais • Flávia Soares, Companhia de Dança Arte da Pedra • HIP HOP •
Negro F • Eduardo Sô • HISNE • Hely Costa, Grupo Cultural Arte Favela • Reinaldo Ribeiro, Spin
Force Crew • Cleidson de Paula, Kontrast • DJ A Coisa • Rodrigo B-boy, Elemento X • DJ Pooh,
Retrato Radical • Ed Mun • Dj Roger Dee • Ice Band • Roger Deff, Julgamento • B-boy João,
Lokomotion • IRON • MC Simpson • Rapper Blitz, Coletivo Nós Pega e Faz • DJ Francis • Victor
Magalhães, Coletivo Bambata • PDR Valentim, Família de Rua • Lauana MC, Larissa MC e
Vanessa Beco MC, Negras Ativas • Lelo Black • DJ Bené Ramalho • QUILOMBOS • Miriam
Aprígio Pereira, Comunidade Quilombola de Luízes • Makota Cássia, Manzo Ngunzo Kaiango •
Maurício Moreira dos Santos, Comunidade Quilombola de Mangueiras
4
01.
APRESENTAÇÃO
Este Catálogo reúne 210 expoentes de oito expressões culturais afrobrasileiras da cidade de
Belo Horizonte. Mestres e praticantes de Capoeira, Dança-Afro, Hip Hop, Reinado, Samba,
Soul, Comunidades Tradicionais de Terreiros e de Quilombos estão aqui presentes, dando
mostra da diversidade afrobrasileira nesta cidade. O Catálogo contém o testemunho, em
primeira pessoa, do envolvimento de cada participante com a sua manifestação. O conjunto
dos depoimentos revela um pouco da intimidade de cada uma das expressões culturais
através das pequenas biografias de seus praticantes, que compartilham detalhes de suas
experiências pessoais. Os testemunhos falam de carreiras artísticas, realizações políticas e de
vivências religiosas. São músicos, dançarinos, capoeiristas, ativistas e devotos dedicados a
promover divertimento, cidadania e o culto a santos e divindades.
O material reunido é, em parte, um inventário dos grupos, em parte um documentário sobre
histórias de vida. Mas a listagem ordenada, a compilação dos relatos e a identificação de
praticantes de cada expressão cultural compõem um conjunto mais parecido com um
Catálogo. Embora abrangente, não é um Catálogo completo. Longe disso. A coletânea é uma
amostra representativa de um universo muito maior de expoentes e lideranças dos principais
movimentos afrobrasileiros que cobrem a cidade. O número de entrevistados de cada
expressão cultural foi quase sempre proporcional a uma estimativa, feita em 2011, do número
total dos seus representantes na cidade. São aqui apresentados 33 grupos de capoeira, 11
grupos de dança afro, 21 de reinado, 62 de comunidades tradicionais de terreiro, 16 de soul,
41 de samba, 23 de hip hop e, por ser um número pequeno, todos os três quilombos auto
reconhecidos da cidade. A proporção de entradas em relação ao universo dos componentes
de cada expressão buscou manter uma relação razoável entre mapa e território, ou
representação e inventário completo. No entanto, mesmo sendo o maior número de entradas
do Catálogo, os 62 depoimentos de comunidades de terreiros formam a menor proporção em
relação ao número conhecido de terreiros na cidade. Um inventário recente das comunidades
tradicionais de terreiro na Região Metropolitana de Belo Horizonte registrou mais de 300
terreiros. Contudo, para o intuito desta exposição, os 62 depoimentos configuram um mapa
suficientemente representativo do território ocupado pela religiosidade de matriz africana na
cidade.
As entradas para cada uma das oito expressões culturais são introduzidas por estudiosos do
tema. Os textos resumem a história de cada expressão cultural, dando destaque à trajetória
da manifestação em Belo Horizonte, e incluem uma bibliografia básica para quem quiser
saber mais sobre o tema. Os gêneros culturais e os estilos artísticos tratados neste Catálogo
contam uma parte da história dos afrodescendentes na cidade. As produções artísticas e as
celebrações rituais de hoje dão continuidade a modos de expressar anseios e valores que
foram criados, recriados e atualizados ao longo da sua trajetória histórica na cidade.
Enquanto o hip hop e o soul são expressões mais recentes e provêm de ligações com outras
diásporas africanas, a capoeira, as comunidades de terreiros, o reinado e o samba são
tradições mais antigas, incorporadas ao patrimônio cultural do país. O legado dessas histórias
está presente nas cerimônias e nos eventos que promovem, nos lugares que ocupam e nos
espaços da cidade onde se apresentam.
5
02.
LIGAÇÃO COM ÁFRICA
A maioria das pessoas entrevistadas para este Catálogo considera a sua expressão cultural
como sendo afrobrasileira – como uma das tradições formadas a partir do desenvolvimento
de matrizes culturais africanas em contextos históricos brasileiros. Um número muito
pequeno, apenas 4% dos entrevistados, descartou o vínculo com a origem africana e um
passado escravo. Mas todos os outros reconhecem a formação histórica de uma cultura
afrobrasileira e falam de:
raízes,
de linhagem,
da ancestralidade,
da matriz afro,
da continuidade,
da mistura,
da miscigenação,
do Brasil como lugar de criação do novo,
da interlocução de negros com indígenas e brancos,
e de uma negritude afrobrasileira
em que a matriz africana não se ligou ao português,
mas a algo original,
ao brasileiro,
ao brasileiro afro.
Aloísio
– O soul é afro. Ele nasceu nos Estados Unidos, mas a musicalidade veio da
Gomes Vaz,
África. E no Brasil o soul se difundiu primeiro entre os negros.
Steve:
6
Andréia Barroso, – Porque temos manifestações religiosas na casa, exaltamos a cultura
Andréia de Oya afro através das roupas, das comidas. Fazemos uma festa ao ano, a
(Iansã): festa da comida africana.
Ângelo Almeida – Onde tem toque de tambor é negro, preto, está nas raízes. O toque do
Lima, Pantyola: tambor vem de nossas raízes africanas.
Antônio Eustáquio – Porque fazemos o maculelê, o samba de roda, a dança afro e todos eles
de Jesus, têm origem afrobrasileira, todos foram trazidos ou inventados por
Mestre Tulipa: escravos.
Carlos Fernando
– Pelas origens da capoeira, que foi criada pelos escravos, vindos da
da Silva,
África, mas que ficaram aqui no Brasil e aqui desenvolveram a capoeira.
Mestre Gato:
Carlos R. da
– Primeiro só de eu ser negro. Eu nasci negro no morro, eu sou afro-
Silva,
brasileiro.
Carlinhos Visual:
– Porque tem tudo a ver com a terra em que a gente está: o Brasil, e também
a língua que a gente fala. Essa é a terra que nossos orixás escolheram para
a gente estar, pois o homem branco pode ter trazido o negro para cá, mas
isso aconteceu porque o orixá permitiu. Senão, nem lá na África os
colonizadores chegariam. Eu acredito que de alguma forma nós
César Augusto precisaríamos estar aqui para vivenciar algo, então os orixás permitiram que
da Silva, a gente viesse. Agora a gente está aqui no Brasil. É ele que é a nossa pátria
César e terra, mas nem por isso esquecemos nossas origens que é a mãe África,
Marimbondo: onde estão meus ancestres. Assim, a gente não toca um candomblé igual
em ponto e vírgula como acontece na África, pois o que foi passado e nós
conseguimos assimilar nessa terra seria esse nosso candomblé. Esse
candomblé que superou a escravidão, esse candomblé no Brasil que
enfrentou os senhores de engenho e que lutou contra o preconceito, que
ainda hoje existe.
7
Elmito
– Porque nós temos a origem baseada na influência africana, que é o santo,
Marques da
os orixás, candomblé, omolokô etc. Todos tem a origem do africanismo.
Silva,
Apenas damos a continuidade.
Marcos:
Entre Família – Sim. Porque, tá nessa questão do hip hop, não é? O hip hop tem essa
Crew, origem bem afro. Hoje já não é mais só isso, mas tem aquela origem afro do
Leandro rap, do reggae, tem muita influência. Então, eu acredito que sim, é uma
Moreira questão da rua, é uma questão do negro se expressar, que é uma coisa que
Gonçalves, começou bem antigamente mesmo. Então, com certeza, vem de origem
HISNE: mesmo, vem de berço mesmo.
Família de – Eu considero ... Se a gente entender que tudo isso que a gente tá fazendo
Rua, tem um berço, veio de algum lugar, e que a cultura brasileira ela é muito, e
Pedro Carlos quase que o tempo todo, influenciada por uma matriz africana, eu acho que a
Valentim partir disso sim. A gente não tem nenhuma bandeira no que diz respeito a
Caetano, isso, como eu te falei, as bandeiras são hip hop e skate, pra tentar preservar a
PDR originalidade disso. Mas a gente é fruto de uma história também, eu acho que
Valentim: nesse sentido sim.
Felipe Diniz – Ora, o samba vem da África. O que fazemos é propagar a cultura da África,
Marinho, mas inserida na realidade brasileira, no samba. Mas sem enfatizar a cor da pele.
Felipe: Enfim, o que fazemos está inserido numa cultura miscigenada, afrobrasileira.
– Porque uma das essências que sempre tento manter viva do meu grafite e
Frederico
dos meus traços é contar uma trajetória. Então sempre nas formações a gente
Eustáquio
busca essa essência de contar uma realidade local e que a cultura
Maciel,
afrobrasileira passou por isso de contar as épocas e deixar as revivências
Negro F:
nisso. E no meu trabalho eu sempre busco essas referências.
8
– Eu acredito que sim. Se é nessa orientação, o trabalho, o grupo é
afrodescendente. Mas com traços muito específicos de um povo muito rico
que é o brasileiro, na sua cultura, na sua miscigenação. Não tem como negar
os atravessamentos, as interferências e todo um ordenamento que o seu
entorno impõe – seja ele social, seja ele econômico, seja ele cultural. E que
acaba desqualificando, desfigurando, de alguma forma, transvestindo uma
prática que seria no estrito de uma forma e que tem que ser praticada de
Guaraci
outra para poder ser aceita, para poder ser suportada ou pura e
Maximiano
simplesmente para existir na sua singularidade. Então, quando a gente pensa
dos Santos,
em afrobrasileiro, a gente está pensando na miscigenação, na interlocução,
Tatetu
melhor dizendo, de vários saberes. Que vão dar espaço, que vão produzir um
Yalêmim:
saber novo, com identidade própria, com traços diferentes. Nós não vamos
dizer nunca: “essa minha casa é de raiz pura”. Nenhuma raiz é tão pura
assim que não precise de água. A água vem de onde? Ela não vem da
própria planta. Então há um atravessamento aí, há uma mudança na direção
da sua raiz. Ela vai ficar mais rica? Com certeza, se ela estiver sendo regada.
O discurso da pureza é um discurso muito perigoso, que pode trazer uma
intolerância, uma desqualificação e uma própria segregação.
Guilherme
– Porque sabemos que a história da capoeira surge com rituais africanos,
Drumond
dessa junção de vários povos e várias práticas que culminaram na nossa
Alkimin,
capoeira.
Mestre Léo:
Ivanildo
– Porque é um ritual, por causa do tambor que se toca. Eu bato tambor,
Cassimiro de Sá,
minha sobrinha também... E tem o Preto Velho. Preto vem da África, né?
Ivani, Babalaô:
Jeremias Gomes,
Irmandade de – Considero. Porque o Reinado veio da África.
Moçambique O Reinado é dos negros africanos.
N. S. do Rosário:
9
– Atualmente sim, mas lá atrás tínhamos o soul como uma cultura norte
José Maria
americana e essa realidade era patente no passado. Hoje, nos
Gonçalves de
apropriamos do movimento e somos expressivos em nível nacional. Quem
Carvalho,
dança o Soul é negro, e o que é manifestado pelo negro, é cultura
Lorinho:
afrobrasileira.
Luís Gonzaga Conrado, – Porque a capoeira é genuinamente brasileira, e feita por negros
Mestre Porrada: escravos, então está aí nossa afrobrasileiridade.
– Mais ou menos, pelo meu ponto de vista, eu acho que sim, sempre procuro
Márcio colocar uma coisa brasileira, como samba. Procuro coisas diferentes, passos
Júnior, do maculelê, para incrementar a coreografia, um afro brasileiro. A origem é o
Munrrá: Afro. Olha a gente sempre procura introduzir afrobrasileiro, é a base que temos
e não o afro primitivo.
Maria Aparecida de – Isso vem dos antigos, dos africanos, dos angola. Eu sou apaixonada
Souza, Guarda de com qualquer Guarda de Congo, Moçambique, Catopé, Marujo. Eu
Moçambique N. S. tenho raízes, tem por onde puxar. Já tem a coisa de sangue. Eu gosto
do Rosário São muito de Congado. Eu não posso ver um Congado bater que o meu
João Batista: corpo balança todinho.
10
– A religião do candomblé veio através dos escravos, na época da escravidão
Maria da né? Não tem raça pura no Brasil, os escravos vieram com os portugueses.
Conceição, Chegando ao Brasil, houve aquele cruzamento de negro com branco, de negro
Tita de com índio, de branco com negro e teve várias raças, né? Tipo cafuzo, mestiço,
Nanã: mulato, e por aí vai. No nosso país, eu particularmente acho que não existe
puro sangue no Brasil.
– Para mim a umbanda é uma expressão afrobrasileira por ser uma forma de
Maria da
resistência religiosa, em que os ensinamentos são dados a partir dos
Luz Cruz,
ancestrais. A raça negra já foi muito humilhada e a umbanda é um lugar de
Mãe da Luz:
resistência, de recarregar as forças.
– Tem outro jeito não: sou negro, mexo com coisa de senzala, canto afro, faço
coisas do tempo das matas, das cachoeiras, como usar as árvores para fazer
Maria Nilce
banco, usar raiz e folhas para passar nas pessoas, na benzeção, como os
Lopes
índios. Uso as esteiras, faço comida e sirvo comida, uso roupa colorida, brinco
Cardoso,
grande, lenço na cabeça – isso é coisa de negro, gente! Pai Joaquim bate
Mãe Nilce:
bengala, usa cachimbo, mais afro que isso só mesmo aqueles negros da
Etiópia, que têm os esqueletos iguais aos de um Preto Velho!
Maria Solange
– É uma expressão afrobrasileira religiosa. Porque eles falam que o
Leandro Esteves,
Congado, principalmente o de Moçambique, é da África. Então, é por
Guarda de
isso. E eu considero como uma festa afrobrasileira. Não tem nada a ver
Moçambique São
com o Candomblé, é afrobrasileira.
Benedito:
Nair dos Anjos – A umbanda é uma religião afrobrasileira e o próprio batuque tem essa
de Moraes, marca da afro descendência, né? A vibração do atabaque é o que marca o
dona Nenzinha: início das nossas práticas aqui no terreiro.
11
– Porque a gente está trazendo a nossa negritude, nossa herança africana
Patrícia Fonseca
para a dança, trabalhando a nossa verdadeira história, aquela que sempre
de Alencar, Pati,
foi apagada, deixada de lado. Estamos trazendo à tona a história e
Titia, Tiça:
trabalhando a nossa identidade, a nossa ancestralidade.
Raimundo Ferreira
– Os instrumentos, as músicas que cantamos, são de matriz africana,
de Souza, Mestre
como a própria capoeira.
Ray:
– Acho que é por causa dos rituais. As coisas que a gente faz
Raquel Maria de Paula
vieram dos negros africanos. O Preto Velho, por exemplo, é uma
Reis Zumbaquenan,
entidade africana. Ele é descendente dos escravos. Nós somos uma
Zumbá:
continuidade da tradição africana.
Rogério Francisco Dias, – Não o hip hop em si, mas a releitura que o jovem negro
Roger Deff: brasileiro faz do hip hop.
Ronaldo
– Hoje em dia não. Porque hoje as coisas estão muito misturadas e não tem
Bernardo
mais aquela divisão. O soul tem, sim, uma raiz afro, mas o movimento, hoje,
Soares,
não tem cor.
Ronaldo Black:
12
– Eu considero o grafite, o hip-hop, como uma das expressões afrobrasileiras.
Eu acredito que essa questão do hip-hop é toda baseada nas batidas afro,
nessa pegada afro, e esses caras pegaram esse estilo, esses elementos da arte
de cantar, da arte de desenhar, do cara que anda de skate, o cara do DJ. Então,
Sérgio Luiz eu acho que os caras, os criadores do hip-hop, os caras dessa classe, os caras
do Amaral, colheram de várias fontes e foram os caras negros não é, cara? Os
IRON: afrodescendentes que criaram isso, foram eles que criaram essa ideia, essa
questão do hip-hop. E é por isso que tem tudo a ver, além da batida ter uma
coisa assim, ter uma coisa mixada, a batida do hip-hop tem essa pegada
também.
Sidney Ferreira
– Porque o candomblé é uma expressão afrobrasileira. Descende da
da Silva,
África, mas é uma reinterpretação brasileira.
Sidney Ti Oxóssi:
Wanderson Vieira
– Porque estamos tocando samba, batucando. E se a Mãe África é a
Lucas
matriz de tudo, somos sim uma expressão afrobrasileira.
Dé Lucas:
William – Porque ela não é 100% africana e nem 100% brasileira. Tudo que nós
Douglas fazemos dentro da capoeira vem de raízes africanas. A forma de cantar, a
Guimarães forma de se expressar vem das nossas raízes africanas e brasileiras – não
Mestre Mão tem como separar. Nem a gente quer que se separe. Aliás, eu falo para os
Branca: meus alunos que aqui o nosso idioma é brasileiro e não o português.
William José da
Silva, – Porque a cultura [da capoeira] nasceu no Brasil. Ela veio da África, sim. E
Professor a África é a terra dos negros. Mas, “engravidou” lá e nasceu aqui.
Camaleão:
13
03.
PRINCIPAIS EVENTOS E LUGARES AFRO EM BH
Os lugares e os eventos afrobrasileiros da cidade estão ligados por linguagens e estilos que
os aproximam, formando circuitos por onde seus protagonistas, seguidores e frequentadores
transitam. A batida, o batuque, a ginga e o ritmo dão o tom ao jogo, à dança, à luta e à
resistência, e marcam o compasso tanto dos cultos como da música e da diversão. São
cantos, rezas, rituais, procissões e cadências que conectam pessoas, eventos e lugares-afro
na cidade.
14
CALENDÁRIO MENSAL
EM JANEIRO
★Festa de Oxóssi – Terreiros, dia 20
★Festa de Oxalá – Terreiros
★Game Over – Batalha de Breaking
EM FEVEREIRO
★Carnaval – Boulevard Arrudas e carnaval de rua nos bairros
EM MARÇO
★“Game Over– Batalha de Breaking
EM ABRIL
★Festa de Ogum – dia 23, Terreiros
★Festa de São Jorge – G. São Jorge de N. S. Rosário, bairro Concórdia
EM MAIO
★Festa do Pai Benedito – Quilombo Manzo Ngunzo Kaiango
★Os quatro elementares – dia 13, Quilombo de Mangueiras
★Festa de Preto Velho, dia 13, Terreiros e Praça 13 de Maio
★Festa de N. S. dos Negros – G. de M. Três Coroas, bairro Sagrada Família
★Festa de N.S. dos Negros – G. de M. Três Coroas, bairro S. Família
★Festa da Abolição – G. de M. Treze de Maio de N. S. Rosário, bairro Concórdia
Festa de São Benedito – G. de M. de São Benedito, bairro Floramar
★Festa do Cativeiro – A. Beneficente Dança de Congado da Vila Santo André, bairro Santo
André
★Festa da Guarda - G. de Congo S. Benedito e N. S. Rosário, bairro Cabana
EM JUNHO
★Festa de Exu - principalmente em junho – Terreiros
★Festa do Divino Espírito Santo – G. dos Caboclinhos do Divino Espírito Santo, bairro Nova
Cintra
★Festa do Divino Espírito Santo – G. de M. do Divino Espírito Santo, bairro AparecidaE M
JULHO
★Festa de Santana – último sábado, Quilombo de Luízes
★Festa de Nanã – Terreiros
EM AGOSTO
★Festival Anual de Capoeira – Última semana de agosto, Grupo Bantus Capoeira
★Festa da Capoeira – Cuenda, Morro do Papagaio
★Festa de Kavungo – Quilombo Manzo Ngunzo Kaiango
★Festa de Iemanjá – dia 15, Terreiros e na Pampulha
★Festa de Obaluaê/Omulu – Terreiros
★Festa de N. S. Rosário, São Jorge e São Benedito – Irmandade de M. de N. S. Rosário, B.
Nova Gameleira
★Festa de N. S. Rosário e Santo Antônio – G. Congo Velho de N. S. Rosário, bairro Pilar
15
EM SETEMBRO
★Dança Afro – Festa para as Crianças (ibeji), Primeira Dança
★Hip hop – Mostra Canta e Dança
★Festa de Iansã – Quilombo Manzo Ngunzo Kaiango
★Festa de Erê/Menino de Angola/São Cosme e Damião – dia 27 – Terreiros
★Festa de Xangô – Terreiros
★Festa de N. S. Rosário e Santo Antônio – G. Congo Velho de N. S. Rosário, bairro Pilar
★Festa de N. S. Rosário – G. de M. N. S. Rosário Nova Granada, bairro Nova Granada
★Festa da Guarda – G. de M. de N. S. Rosário e São José, bairro Jardim Inconfidência
EM OUTUBRO
★Festa de N. S. Aparecida – Ass. Beneficente Dança de Congado da Vila Santo André, bairro
Santo André
★Festa de Erê – Quilombo Manzo Ngunzo Kaiango
★Festa de N. S. Rosário – G. N. S. R. Pompéia, bairro S. Família
★Festa de N. S. Rosário – G. de M. N. S. R. E Sagrado Coração de Jesus, bairro Aparecida
★Festa de N. S. Rosário e Santo Antônio – G. Congo Velho de N. S. Rosário, bairro Pilar
★Festa de N. S. Rosário – G. N. S. Rosário e São João Batista, bairro Santo André
★Festa de N. S. da Divina Providencia – G. de M. de N. S. da Divina Providência, bairro
Providência
★Festa de N. S. Aparecida – G. de Congo Feminina N. S. Rosário, bairro Aparecida
★Encontro de Bambas – Instituto Capoeira Brasileira
EM NOVEMBRO
★Comemoração da Consciência Negra e Prêmio Zumbi – Palácio das Artes
★Agbara Dundum – apresentação anual do grupo
★Quilombo do Papagaio – Aglomerado Sta. Lúcia, Morro do Papagaio
EM DEZEMBRO
★Festa das Iabás – Terreiros
★Festa de Oxum – dia 8, Terreiros
★Festa da Abolição – G. de M. Treze de Maio de N. S. Rosário, bairro Concórdia
16
LUGARES
Mapa Google:
https://www.google.com/fusiontables/embedviz?viz=MAP&q=select+col2%3E%3E0+from+14
34MiGg0e-pI19NbADjPO8hGNzOw0igo0WjGueY&h=false&lat=-19.907279872731596&lng=-
43.92802668383786&z=14&t=1&l=col2%3E%3E0&y=1&tmplt=2
Samba Reinado
17
o samba em belo horizonte
18
04.
SAMBA
Fernanda de Oliveira
Formas expressivas comuns ao samba tal qual é conhecido no Brasil atualmente podem ser
identificadas já em registros do século XVII, quando o nome “samba” ainda não era difundido.
A primeira referência documentada da palavra samba data de 1838, e é de Pernambuco.
Entre essa data e meados dos anos 1920, há registros de atividades musicais e coreográficas
já chamadas de samba em várias regiões do Brasil: Bahia, Ceará, Pernambuco, São Paulo,
Rio de Janeiro. No mesmo período há registro de outras manifestações musicais e
coreográficas que não eram conhecidas por esse nome, mas tinham as marcações com
palmas e tambores, os gingados, os molejos (cadência de tornozelos, pés, coxas, quadris,
pescoço, braços) e os sapateados típicos do samba, no Maranhão, em Alagoas, no Rio
Grande do Norte e em Minas Gerais. Edison Carneiro, em 1961, listava como formas de
samba atuais e passadas, o caxambu, o coco, o jongo, o lundu, o partido-alto, o samba-de-
roda e o tambor-de-crioula: onde houve negro banto, lá estão as danças de roda e
sapateados com ou sem umbigada. Todas essas danças foram incluídas por Oneyda
Alvarenga, colaboradora de Mário de Andrade, dentro do grande espectro das danças do tipo
samba (Dossiê das Matrizes do Samba no Rio de Janeiro. Centro Cultural Cartola/ Iphan RJ/
FCP, 2007.)
A partir dos anos 1930, o samba foi eleito como símbolo musical da identidade brasileira. Mas
o samba não foi (e nem é) sempre (de estilo) nacional. O samba eleito como música nacional
foi especificamente o de estilo carioca (e também o paulista): gênero de canção vinculada a
um modo de vida urbano, gravada em discos e tocada nas rádios, articulada a uma indústria
fonográfica e a um mercado musical localizado na região sudeste. Importante notar que nem
mesmo no Rio ou São Paulo os sambas aconteciam (e acontecem) apenas sob tal
modalidade nacional. São muitos os sambas: como forma de música, dança e divertimento,
presente em quase todo o Brasil, com muitas variações regionais, acontecem sob diferentes
modalidades expressivas, durante situações sociais específicas, marcadas por estilos
particulares de sociabilidade.
Relacionado, por identidade de origem, aos batuques e lundus, umbigadas e outras variantes
de folguedos lúdicos e sagrados de matriz africana, o samba é vinculado ao divertimento e à
arte daquelas pessoas que durante muito tempo, e ainda hoje por sinal, não são reconhecidas
nem estimadas à altura da sua valorosa criatividade. Pessoas das chamadas camadas
populares da sociedade que são criadoras de uma variedade extraordinária de coreografias,
cantos e ritmos por meio dos quais resiste o samba. Porque percebendo-se o tamanho vigor
com que persiste já na altura do seus quase 200 anos, o samba aparece como força – com
múltiplas formas – de resistência cultural, ligada ao conhecimento, à criatividade e à arte de
um povo afrobrasileiro.
No início dos anos 1930, se consolidaram no Rio de Janeiro as primeiras escolas de samba
ligadas ao carnaval. Essas manifestações modificaram profundamente o estilo do samba feito
19
no Rio e também daquele feito noutras cidades que tinham o carioca como inspiração. A
partir daí, num breve espaço de tempo, em função da intensa difusão pelas rádios, o samba
nacional (carioca) foi conhecido em todo o Brasil.
Em Belo Horizonte, essa difusão teve influência fundamental na consolidação de uma cena
sambista vigorosa, composta por antigos bambas ligados às primeiras escolas de samba da
cidade, surgidas na década de 1940. A maioria dos sambistas que se apresentarão a seguir
identificam a importância do carnaval para a efervescência do samba – com as rodas, os
encontros, os ensaios, os desfiles e os saudosos concursos – em nossa cidade. A suspensão
dos desfiles das escolas de samba em 1991, por determinação municipal, causou forte
impacto para os belorizontinos que, contudo, nunca largaram os pagodes das esquinas, das
praças, das ruas, dos terreiros e botecos ocupando a cidade com o samba, com ou sem
carnaval.
Ainda hoje, com os desfiles carnavalescos de volta à avenida, as casas de shows e botequins
– alguns deles exclusivamente dedicados ao samba – são territórios de importância maior
para os sambistas da cidade viverem da sua vocação. Nesse aspecto muitos ressentem a
falta de apoio pelo poder público, e anseiam políticas dedicadas ao reconhecimento e
incentivo do samba, essa manifestação que tanto contribui para a qualidade de vida na
cidade.
ALVES, Guilherme Velloso; MELO, Victor Andrade de. A batucada dos nossos tantãs : o
samba como possibilidade de vivência do lazer. Universidade Federal de Minas Gerais,
Escola de Educação Física, 2007.
BARBOSA, Orestes. O samba. Suas histórias, seus poetas, seus músicos e seus cantores. 2.
ed. Rio de Janeiro: Funarte,
CARDOSO FILHO, Marcos Edson; GARCIA, Sérgio Freire. Pelo gramofone: a cultura da
gravação e a sonoridade do samba (1917-1971). Dissertação de Mestrado (Mestrado em
Música). UFMG/ Escola de Música, 2008.
CARNEIRO, Edison. Folguedos tradicionais. 2. ed. Rio de Janeiro: Funarte, 1982. 176 p.
Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-
11682010000100003&lng=pt&nrm=iso>
20
Dossiê das Matrizes do Samba no Rio de Janeiro. Centro Cultural Cartola/ Iphan
RJ/FCP2007.
http://www.cnfcp.gov.br/pdf/Patrimonio_Imaterial/Dossie_Patrimonio_Imaterial/Dossie_Sa
mba_RJ.pdf
FERREIRA, Edinéia Lopes. Contando a história do samba: caderno de textos. Belo Horizonte :
Mazza, 2003.
GOÉS, Luís, No tempo do Carnaval – em BH e no Bairro Santa Tereza. Belo Horizonte, sem
data.
GUIMARÃES, Francisco (Vagalume). Na roda do samba. 2. ed. Rio de Janeiro: Funarte, 1978.
242 p.
LOPES, Nei. Partido-alto: samba de bamba. Rio de Janeiro: Pallas, 2005. 264 p.
MAIA BARCELOS, Tânia. Subjetividade e samba: a dor pede passagem. Psicol. rev. (Belo
Horizonte), Belo Horizonte, v. 16, n. 1, abr. 2010 .
MOURA, Roberto M. No princípio, era a roda: um estudo sobre samba, partido-alto e outros
pagodes.
NAPOLITANO, Marcos; Wasserman, Maria Clara. Desde que o samba é samba: a questão
das origens no debate historiográfico sobre a música popular brasileira
OLIVEIRA, Maria Ligia Becker Garcia Ferreira de. Sérgio Magnani : sua influência no meio
musical de Belo Horizonte. Dissertação de Mestrado (Mestrado em Música). UFMG/ Escola
de Música, 2008.
REGO, José Carlos. Dança do samba: exercício do prazer. Rio de Janeiro: Editora Aldeia;
Imprensa Oficial, 1994. 116 p.
RODRIGUES FILHO, Guimes. A capoeira Angola: uma pequena enciclopédia da cultura afro-
brasileira na escola. Belo Horizonte: Nandyala, 2007.
SÁ. Thiago Antônio de Oliveira. Quem não gosta de samba, bom sujeito não é: consumo e
apropriação Cultural. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – UFMG/FAFICH, 2010.
SODRÉ, Muniz. Samba, o dono do corpo. 2. ed. Rio de Janeiro: Mauad, 1998. 112p.
TINHORÃO, José Ramos. Pequena história da música popular: da modinha à lambada. 6. ed.
Rio de Janeiro: Art
TUGNY, Rosângela Pereira de; QUEIROZ, Ruben Caixeta de Queiroz (organizadores). Músicas
africanas e indígenas no Brasil. Belo Horizonte :Editora UFMG, 2006.
21
VENTURIM, Terezinha Cogo; MARINHO, Janice Helena Silva de R C. Cantos de Encenar
Brasilidade: análise das marcas de subjetividade no enunciado dos enredos de Escolas de
Samba, numa abordagem modular. Dissertação de Mestrado (Pós-Graduação em Estudos
Linguísticos). UFMG/ FALE, 2008.
http://faculdadedosambadebh.blogspot.com/p/memoria-da-faculdade.html
http://ocenosamba.com.br/
http://muiraquitanblog.blogspot.com/
http://www.ronaldocoisanossa.com.br/
Revistas:
Angoleiro É O Que Eu Sou. 2ª Edição. 2010. Editores: Mestre João Angoleiro, Marilene Dos
Santos, Júnia Bertolino e Carem Abreu; Redatores: Carem Abreu, Paulo Magalhaes e Júnia
Bertolino.
Filmografia:
MAIA, Carla; JUNQUEIRA, Raquel (Direção). RODA (Brasil | 2011 | HD | cor | stereo | 16:9 |
70′). Disponível em: http://rodaofilme.wordpress.com
22
Localização dos Entrevistados:
https://www.google.com/fusiontables/embedviz?viz=MAP&q=select+col2%3E%3E0+from+1434MiGg0e-
pI19NbADjPO8hGNzOw0igo0WjGueY+where+col0%3E%3E0+%3D+'Samba'&h=false&lat=-
19.907279872731596&lng=-43.92802668383786&z=14&t=1&l=col2%3E%3E0&y=1&tmplt=2
23
Domingos do Cavaco
Eu, Domingos Felipe dos Santos, sou mais conhecido no samba como Domingos do Cavaco.
Nasci no Morro das Pedras no dia 9 de novembro de 1958. Lá se vão mais de 20 anos de
samba. Sou intérprete, compositor e toco o meu cavaquinho. No samba comecei bem
moleque. Eu faço por prazer, pela alegria de estar cantando e tocando um instrumento.
Teve uma época que fiquei tentando descobrir se tinha alguém da minha família que era da
música, que animava alguma festa. Procurei entender se a minha paixão pela música vinha de
algum antepassado. Depois descobri que os meus avós maternos, que eu nem conheci,
animavam as festas do interior. Eu sempre soube que tinha uma ascendência musical. Aqui
na região tinham os velhos do passado, que tocavam aquele samba de raiz e eu ficava ali na
rodinha deles. Hoje eu entendo porque eu ficava ali. Nas minhas composições falo mais das
coisas que vejo, sobre alguém, algum acontecimento da minha vida, tem música em que falo
do Morro das Pedras. Quando componho, a música vem praticamente pronta, depois eu só
dou um retoque. Não vem todo dia, vem de vez em quando. Quando ela vem, tem que estar
preparado para escrever senão você perde a música. Eu tenho dois CDs: um que eu lancei há
14 anos e outro que tá saindo agora.
Já fui puxador de samba e já compus sambas enredos. Eu era da Escola de Samba Cidade
Jardim. Meus avôs e tios eram da Cidade Jardim, então fui pegando amor por essa escola.
Na Cidade Jardim tem uns seis ou sete sambas enredos que eu compus, até mesmo em
parceria. Em 2004 eu fiz um samba sobre os 100 anos de JK, em parceira com o Fabinho do
Terreiro e um carioca que o acompanha. E já fui puxador de samba em duas escolas de
samba em Lagoa Santa. Atualmente, faço samba em bares, festas particulares, e na Praça da
Saúde, uma feirinha que tem na Avenida Silvia Lobo, faço roda de samba aos sábados. Fui eu
que levei o samba daqui do morro para a feira. Começou a entrar gente de todas as idades na
roda de samba. Minhas músicas tocam muito nos bares, nessas máquinas que tocam discos.
O samba pra mim é religião. Até a família fala comigo: –Vai parar não? Eu digo: –Não posso.
Até onde der eu continuarei brincando!
Meu nome é Ângelo Almeida Lima, sou conhecido como Panttyola. Participo do bloco desde
menino – entrei para os Inocentes com 11 anos. Na minha época, toda a molecada, até as
filhas dos generais, queria participar do bloco, fantasiar e sair tocando pelas ruas da
comunidade e na avenida. Sou responsável pela reativação do grupo, que ficou vários anos
parado. Em 2004, resolvi pedir autorização aos antigos, regularizei a situação nos cartórios, e
com a ajuda de amigos, antigos membros e parceiros da comunidade, voltamos a realizar
este trabalho cultural e social tão importante para a preservação de nossas raízes.
Belo Horizonte já teve um maravilhoso carnaval e estamos fazendo nossa parte para fazer
cada vez mais bonito nas ruas e na avenida. Mantemos a tradição de pintar o rosto, assim
como faziam os operários que pintavam a cara para poder curtir o carnaval sem serem
reconhecidos pelas patroas – suas esposas, que ficavam em casa achando que eles estavam
nas obras trabalhando.
Todo ano, a partir de julho, começam os ensaios, nas praças do bairro Santa Tereza, quase
sempre na Duque de Caxias. O bloco está aberto à participação de todas as pessoas e busca
atrair, principalmente, a criançada e a juventude da comunidade, deixando-as longe das
drogas e de caminhos errados. Queremos cada vez mais envolver e unir o povo deste bairro,
que é nossa comunidade, nossa casa, nossa paixão. Honrar e continuar a história de vitórias
do bloco na avenida.
E o mais importante, que é aquilo que faz valer toda a correria: continuar a arrastar crianças,
adultos, idosos, famílias nas ruas do Santê! Ver o brilho nos olhos dos meninos tocando, as
mulatas sambando, o povo fantasiado e de cara pintada indo atrás do batuque do tambor.
Não podemos perder o que é nosso: o carnaval é do povo! E Belo Horizonte também tem
carnaval!
25
Lúcia Santos
Meu nome artístico é Lúcia Santos. Desde meados dos anos de 1980, por aí, comecei a
minha trajetória na música, fazendo seresta. Daí passei para o samba e vi que dava futuro,
que era minha praia. Estreei no Bar Opção, do Ronaldo Coisa Nossa, onde cantei muito
tempo. De lá pra cá, faço shows com minha banda “Lúcia Santos e Banda” em vários
estabelecimentos e casas de shows. E gravo CDs com outros artistas.
Agora eu pretendo lançar meu CD “Cantando e Contando a História do Samba dos Artistas
de Belo Horizonte”, com Lourdes Maria. Eu fui honradamente eleita (passei na Lei de
Incentivo) para fazer as gravações das músicas que ela compunha e que nunca foram ao ar.
Esse é meu maior sonho. Atualmente, sou presidente da Velha Guarda do Samba de Belo
Horizonte. Nós fizemos muitos shows e estamos abertos a convites e contratos. A Velha
Guarda é registrada. Com isso, tem o poder de ser chamada de Associação Velha Guarda da
Faculdade do Samba.
Atualmente, eu me sinto lisonjeada porque o meu público me valoriza muito. Eu nem sei se
mereço tanto... Mas, sou considerada a Dama Mineira do Samba de Belo Horizonte. Agrado a
gregos e troianos e agradeço a todos por isso. Eu procuro fazer meu trabalho da melhor
forma possível, interagindo com o público. O dia que eu tiver de cantar e meu público não
interagir comigo, não me ajudar a cantar (como fazem há 15 anos) é porque não está bom.
Mas isso não vem acontecendo.
Eu agradeço de coração a todos que me incentivam e me elogiam. Isso é muito bom. Porque
se eles elogiam, eu quero melhorar para agradá-los, porque eu sou do público, do povo. É a
eles que eu devo essa fama que me puseram – esse título honroso que eles me puseram nas
costas é uma responsabilidade enorme.
Rua Osório Duque Estrada, 267 (bairro Campo Alegre). 31730-000 Belo Horizonte - MG
Telefones: (31) 3494-1464/9951-2404
E-mail: mailto:luciasantosbh@hotmail.com
Site: http://www.luciasantosbh.com.br
26
Dóris
Meu nome é Elzelina Dóris. Sou conhecida como Dóris – cantora, educadora e idealizadora
do projeto cultural “Cantando a História do Samba”. O samba está presente em minha vida
desde a infância. A família toda ouvia Beth Carvalho, Benito de Paula, Alcione e Pixinguinha.
Ouvia, mas não conhecia sua história. Em 1998 trabalhei no projeto “Adote um Morro” na
Escola Profissionalizante Raimunda Silva Soares, na Pedreira Prado Lopes, através da
Secretária Municipal da Comunidade Negra (SMACON). Convidei meus alunos, que eram
adolescentes, para assistirem ao meu show. A reação foi de desconhecimento e rejeição ao
samba e isso me impressionou muito. Foi aí que tive a ideia de criar um projeto sobre a
história do samba, focando os jovens estudantes.
27
Nonato do Samba
Meu nome é Raimundo Nonato, sou conhecido como Nonato do Samba. Me apaixonei pelo
samba com 15 anos. Na época, eu curtia o soul, musica negra trazida de fora. Um amigo me
levou para ver um ensaio da Escola de Samba Monte Castelo e a bateria me encantou. Foi
amor à primeira vista e nunca mais deixei o samba.
Entrei na Monte Castelo como passista, depois fui pra ala de bateria e ritmista. Também
integrei a Unidos do Guarani. Aos 18 anos, fundei o Raízes do Samba, meu primeiro grupo de
samba. No Raízes, fui líder, vocalista e ritmista durante nove anos. Depois veio o Cor do
Samba, que mais tarde chamaria Samba e Cia., grupo com quem gravei o CD Programa
Legal. Em 1997, parti em turnê para o Japão e Coréia divulgando meu trabalho e o samba em
terras orientais. Voltei após um ano cheio de saudades daqui, da minha família, do ritmo e do
povo brasileiro. Desde então, parti para a carreira solo.
Lancei mais dois CDs: Momento Mágico (1999) e Verdadeiro Brasileiro (2009). Atualmente,
além de meu trabalho artístico, sou produtor cultural de samba, intérprete e compositor da
Escola de Samba Bem-te-vi. Também participo do bloco Por Acaso, projeto social integrado
pelos jovens da comunidade Beco do Peru.
Sou, acima de tudo, um sambista mineiro que tem, como objetivo de vida, a difusão e o
desenvolvimento do verdadeiro samba, ritmo de nossas raízes, entre todos os brasileiros.
A música de qualidade precisa ser valorizada e difundida: que o samba chegue às praças,
quadras esportivas, ruas, comunidades; que conquiste os jovens e que ganhe espaço na
mídia. O samba é alegria. Precisamos levar alegria para o povo!
28
Doneliza
Eu, Ana Eliza de Souza, mais conhecida como Doneliza, sou sambista, cantora, compositora
e componente da Velha Guarda do Samba de Belo Horizonte. Nasci em 26 de julho de 1948,
em uma cidade pequena do interior de Minas chamada Águas Formosas. Saí de lá muito
jovem, com 14 anos e bati de frente com esta capital. Eu saí de lá com um sonho, uma ilusão,
com uma vontade de crescer, alimentando o sonho de me tornar uma grande compositora,
uma grande intérprete. Tudo isso foi de infância. E vim alimentando esse sonho, achando que
iria chegar aqui e seria fácil. Eu cheguei aqui e bati de frente com a selva de pedra, aí eu falei:
– pera aí! Vamos devagar, porque não é bem assim como você sonhou. Na primeira testada já
deu pra sentir que não ia ser fácil.
Daí eu vim trabalhando em casa de família, à noite fazendo bico em um barzinho aqui, outro
ali. Enfim, eu consegui me segurar até aqui. Hoje eu tenho um vasto conhecimento, faço as
minhas próprias composições, já canto junto com o pessoal da Velha Guarda do Samba, já
conheço muitos artistas. Eu tenho várias letras de samba, a maioria das músicas são
registradas, porém nunca tocaram no rádio. Eu tenho letras da nossa negritude, da luta dos
negros, de zumbi, dos meus antepassados africanos. Comecei a compor aos 16 anos e a
minha primeira composição foi a de uma música chamada Menina Matreira. Para compor, não
tenho parceiros do samba. Na verdade, na minha vida no samba eu tive um parceiro que é o
Hebert (Hebit). Eu fiz um samba com ele. A música chama Pagode, Mensagem do Samba. Foi
o único samba que fiz de parceria. E uma marchinha de carnaval que eu fiz com o Dudu
Nicácio. O resto eu fiz tudo sozinha.
Eu acredito que o bom compositor tem que ter noção do que escreve, do que diz e ter muito
cuidado com as palavras. Porque nós compositores transmitimos uma mensagem. Porque a
música em si, além de ser alegria, ela é uma mensagem. Então, quando eu faço uma música
eu faço um verso de uma poesia, porque o compositor é poeta, é poetiza. Já participei de
filmes sobre o samba em Belo Horizonte, recebi prêmios de melhor samba enredo pela
Escola de Samba Cidade Jardim, premiação de Marchinhas, e hoje eu já estou com mais de
sessenta anos e não deixei morrer a esperança de um dia gravar o meu CD.
Rua Mercedes Luiza de Miranda, 111 (bairro Maria Goreth). Belo Horizonte - MG
Telefone: (31) 3077-8555
29
Grêmio Recreativo Cultural Escola de Samba Força Real
Bandeira da Escola
Meu nome é Felipe Diniz Marinho, Bacharel em Turismo pela Faculdade Estácio de Sá. Desde
criança, sou apaixonado por carnaval. Uma das primeiras recordações que tenho é de minha
mãe me acordando para ver o desfile da Portela pela televisão. Mas, a minha escola preferida
do Rio de Janeiro é a Imperatriz Leopoldinense. Desde o dia em que a vi pela TV, em 1993,
passei a torcer por essa escola. O Rio, aliás, é minha grande referência carnavalesca. Sempre
fui –e ainda vou– a essa cidade para acompanhar o Desfile das Campeãs.
Em 2004, montei um blog sobre as histórias das escolas de samba de BH. Mais tarde, em
virtude de um trabalho da faculdade, o blog ficou sério e importante. Fiz isso também por
notar a carência na internet de notícias do carnaval da cidade. Através do blog, conheci
mestre Afonso, que me apresentou a presidentes de escolas e sambistas de BH. Eu Conheci
Ângela Pereira da Costa, então presidente da Cidade Jardim, que me encaminhou a Luiz
Carlos Novais, presidente da Escola de Samba Bem-te-Vi, do Carlos Prates. Eu entrei e fiquei
nessa escola até o final do carnaval de 2010, onde ocupei várias funções (entre 2009 e 2010,
fui o vice presidente). Nesse ano, fui Tamborim de Ouro, indicado pela Escola de Samba
Galoucura.
Em 2011, sem fazer parte de nenhuma escola de samba, desfilei pela Unidos Guaranis e pela
Cidade Jardim. Após o carnaval de 2011, por incentivo de amigos dos bairros Ipanema e Dom
Bosco, fundamos, em 1o de janeiro de 2011 a GRCES Força Real. A fundação ocorreu em
minha casa e eu fui escolhido presidente da escola. No momento, mantenho o blog, escrevo
enredos para escolas de samba do interior, de São Paulo e de Brasília e trabalho para a
estruturação da Escola de Samba Força Real para o desfile do próximo Carnaval de Belo
Horizonte.
30
Escola de Samba Canto da Alvorada
Bandeira da Escola
Eu sou o Mestre Linguinha, nascido em Paulistas, Minas Gerais. Desde os 9 anos sou
integrante da Escola de Samba Canto da Alvorada, bicampeã do carnaval de Belo Horizonte.
Na escola, fui aprendendo, tocando e trabalhando. Assim, cheguei à condição de cantor,
puxador de sambas enredos, até me tornar mestre de bateria. A partir daí, as portas
começaram a se abrir para shows e apresentações. Passei a acompanhar artistas do Rio de
Janeiro que vinham a BH, como Bezerra da Silva, Almir Guineto e Leci Brandão. Também
comecei a viajar pelo Brasil e a participar de programas de televisão. O primeiro, dentre
outros, foi o do falecido apresentador Flávio Cavalcanti, quando a TV ainda era em preto e
branco.Com o tempo, passei a desenvolver projetos de oficinas em Centros Culturais e em
escolas públicas, buscando inserir a cultura afro-brasileira do samba na música, levando
nossa cultura e ensinando às pessoas a tocar instrumentos.
Eu gostaria que todos tivessem as oportunidades que tive, já que, através da música cheguei
a conhecer o Japão, China, Alemanha, França, entre outros países. Na China, inclusive, dei
um curso como representante da Escola Canto da Alvorada.
A Bateria do Canto da Alvorada, Bateria Periferoz, faz ensaios na pracinha do Bairro Campo
Alegre, alguns meses antes do carnaval. Esses ensaios, muito valorizados pela comunidade,
são abertos ao público. A bateria também faz apresentações, shows e participa de festas de
casamentos e bailes de formaturas, entre outros eventos.
Hoje em dia, as baterias das escolas de samba de BH estão mais valorizadas. É comum
serem procuradas por cerimoniais para tocarem nos eventos. Nessas celebrações, a Bateria
Canto da Alvorada – que costuma “descer” com 60 componentes no carnaval –, se apresenta
com aproximadamente 12 a 15 integrantes.
31
Gelson Luiz
Meu nome é Gelson Luiz, sou músico, sou violonista e bandolinista e tenho uma formação
voltada para o chorinho e para o samba tradicional.
Eu comecei no samba em 1979. Foi através do chorinho que tomei contato com o samba
tradicional. Comecei tocando em um conjunto da empresa dos Correios, na qual eu
trabalhava. Depois toquei no grupo Cochicho, depois no Luz do Repente. Conheci os
membros que hoje tocam comigo no Rapa de Tacho quando éramos do grupo Baú do
Maracá. Lá eu toco violão, canto e toco bandolim.
Hoje o samba é um modo de vida mesmo. Além do meu trabalho como músico, no Rapa do
Tacho, como compositor e como professor, estou fazendo uma pesquisa sobre samba
também e tenho lido muito sobre isso.
Grande parte do meu tempo é dedicada ao samba. Uma vez por mês também faço um
encontro de músicos na minha casa para tocarmos e trocarmos experiências. É um momento
que temos, é uma troca de figurinhas. É um hábito que quero que vire uma tradição.
32
A.R.E.S Unidos Guaranis
Bandeira da Escola
Meu nome é Mário César de Almeida, nascido na favela Pedreira Prado Lopes, em Belo
Horizonte. Eu me entendo como negro, como sambista e favelado. Sou formado em História e
em Artes Plásticas, professor de História no ensino público e presidente da Escola de Samba
Unidos Guaranis, da Pedreira Prado Lopes.
Para mim, a Escola de Samba Unidos Guaranis é uma ferramenta para que as pessoas que
moram na favela possam fortalecer suas identidades culturais e, a partir daí, alcançar uma
ascensão social.
A cada desfile eu noto um aumento na definição dos moradores locais como sambistas, e
como comprometidos com as causas comunitárias. Percebo que isso acontece
independentemente do resultado do carnaval. Por isso, considero um feito de grande vulto,
uma vitória, cada vez que levo a Unidos Guaranis e sua comunidade para um desfile. Acredito
que tais momentos servem para que a cidade fique sabendo da existência de uma favela
chamada Pedreira Prado Lopes e do seu povo, que está ali para representá-la.
A Escola de Samba Unidos Guaranis não é uma escola de samba qualquer. Ela mantém um
compromisso com as pessoas da Pedreira Prado Lopes, um compromisso de se fazer
representar, desde 1934, quando ainda não era Unidos Guaranis, nos desfiles de carnaval da
cidade. Eu acredito que manter viva essa representatividade com a Pedreira Prado Lopes
talvez seja o maior compromisso da Associação Recreativa Escola de Samba Unidos
Guaranis, que como esse nome desfila no carnaval de BH desde 1964.
Ensaios: Rua Araribá, esquina com Av. José Bonifácio, Favela Pedreira Prado Lopes
70070-934 Belo Horizonte - MG
Telefone: (31) 9322-3144. E-mail: mailto:mariodamelia@yahoo.com.br
33
Grêmio Recreativo Escola de Samba Estrela do Vale
A nossa Escola é a mais jovem do carnaval de Belo Horizonte. Foi fundada em 14 de março
de 2009 e já foi campeã em 2012 – Escola Campeã do Grupo B.
É uma Escola jovem, mas guerreira, que vai crescer e está crescendo.
A gente trabalha para que ela seja a maior Escola de Samba de Belo Horizonte. Trabalhamos
arduamente para atingir esse objetivo e esperamos fazer do carnaval de BH um dos melhores
do Brasil, como já foi no passado.
A nossa Escola é, basicamente, formada por jovens. A gente trabalha muito com os jovens da
nossa comunidade – região do Santa Rita, Vila Pinho e Santa Cecília –, e temos esse objetivo:
levar para a população daqui da região essa expressão cultural tão presente na vida de nós
brasileiros.
Queremos mostrar que nós temos carnaval e que também é possível fazer um bom carnaval.
34
Jadir Ambrósio
No samba eu comecei quando morava no bairro Cachoeirinha. Minha família toda já gostava
um bocadinho de música, mas ninguém sabia tocar. A minha irmã comprou um violão. Então
eu pegava o violão e ficava tocando. E foi assim que eu aprendi quase que sozinho a tocar
violão. Aí nós formamos um conjunto de samba e colocamos o nome de Filhos da Lua. E
aquilo até que agradou. Entusiasmou mais o meu gosto pela música. Teve até publicação no
Jornal Estado de Minas. Então, fui crescendo e passei a me interessar por instrumento de
sopro, o trombone. Depois fui tocar numa banda em Santa Cecília. Toquei em cabaré,
serestas, bailes nas vilas, aniversários, em cidades vizinhas, nos clubes, nas gafieiras. Até que
fui esbarrar na rádio Guarani, rádio Inconfidência e rádio Mineira. Foi quando eu fui convidado
para ir para o Conservatório da UFMG. Teve um movimento que todo colégio tinha que ter um
estudante negro. Era uma batalha contra o preconceito. Lá eu tive oportunidade de crescer
no campo musical: fiz aula de canto, piano, composição. Tive oportunidade de cantar no
Francisco Nunes e por aí afora. Toquei nos blocos de carnaval em Belo Horizonte: bloco Leão
da Lagoinha, bloco dos Sujos, Bloco Sujeira Nº1. Era tudo brincadeira, só folia mesmo.
Sou do tempo em que os sambistas se reuniam na Lagoinha. Muitos sambas bonitos saíram
da Pedreira Padre Lopes, saudosa Pedreira. Atualmente eu continuo cantando. Estou
gravando o meu terceiro CD de música de samba. É para ficar gravado, para quando eu
passar a ser saudade alguém possa matar a saudade de mim. Igual ao hino do Cruzeiro que
eu fiz em 1965 e ficou. Eu fiz não para ganhar dinheiro, eu fiz de coração. Eu mesmo estou
cantando para ter um arquivo. Os meus sambas todos tem história, eu canto uma história
musicada. Eu faço parte da Sociedade Brasileira de Autores Compositores e Escritores de
Música – SBACEM e tenho mais de quinhentas músicas. Tenho diversas músicas gravadas
por pessoas importantes do universo musical, como: Luiz Gonzaga, Blecaute, Clara Nunes e
outros.
35
Silvestre
Meu nome é Silvestre dos Santos Ferreira Filho, tenho 50 anos. Sou sambista, cantor e
compositor. Tenho como segmento o samba de raiz, nas vertentes do samba rock e partido
alto. Nasci no Aglomerado da Serra, região centro sul de Belo Horizonte, comunidade onde
tive meu primeiro contato com o samba.
Todo início de ano, ficava vendo aquele alvoroço das escolas de samba se preparando para o
carnaval. Meus parentes e amigos traziam para casa o enredo para decorar, e ficavam
cantando de um lado para o outro. Tomei gosto pelo ritmo e passei a tentar acompanhar os
sambistas.
Colocava o vinil para tocar e cantava junto, até conseguir seguir o tom. Um LP dessa época
que me marcou, “Pique Brasileiro”, tinha Leci Brandão, Jorge Aragão, Zeca Pagodinho,
Jovelina Pérola Negra e Martinho da Vila. Trago, hoje, em minhas músicas, essas influências.
São anos de trabalho, em que acumulo erros e acertos, mas ainda com a energia dos meus
22 anos, idade em que comecei a cantar samba, com o grupo ”Fim de Tarde Samba Show”.
Éramos um grupo de amigos, que nos finais de tarde de domingo se reunia na rua para fazer
um som. Fomos convidados para tocar em um boteco na Serra e logo montamos repertório e
passamos a nos apresentar em várias casas de Belo Horizonte. Bons tempos aqueles!
Hoje canto solo e estou formando um novo grupo, para apresentar composições próprias em
centros culturais, em praças, em parques e participar dos editais propostos pela cidade.
Rua Ministro Oliveira Salazar, 1198/02 (bairro Santa Mônica). Belo Horizonte - MG
Telefones: (31) 3283-0760; 3452-3990; 8523-5199
E-mail: mailto:silsantos44@gmail.com
36
Irmãos Saraiva
Mauro dos Santos: R. Pará de Minas, 1015/207 (Padre Eustáquio). Tel: (31) 9155-8374; João dos
Santos: Rua Dep. Bernardino Sena Figueiredo, 511/500 (Cidade Nova). Tel: (31) 3486- 0705;
9120-6494. Plínio S. dos Santos. Rua da Sé, 233 (Itaipu). Tel: (31) 3323-231; 9247-2013
37
Black Pio
Eu sou Black Pio, Ronaldo da Silva, nascido em 25 de fevereiro de 1960 no Morro das
Pedras, em Belo Horizonte. Todo meu aprendizado vem de lá, das cantorias no Boteco do
Piaba – traziam mestres como Seu Tião do Bandolim, Cidi do Pandeiro, Luiz Cachaça, Otávio
e Eustáquio, Eurides Pio, meu pai, Inhô do Acordeon e outros bambas do samba.
38
Mandruvá
Eu sou o Mandruvá e há 30 anos atuo no samba em BH, o que faço com muito gosto. Trato
da minha família com a música e sou cultura 24 horas, pois quero deixar um legado. Para
isso, convido a rapaziada para participar, dando dicas de como devem trilhar um caminho
bacana no samba. No momento, existe uma visão mais ampla sobre o ritmo, que depois que
virou matéria de faculdade, está mais respeitado. Antes, o samba não era considerado nem
MPB. Música Popular Brasileira era Chico, Lulu Santos, Djavan, Milton...
Minha trajetória na música começou em 1979. Comecei com o grupo Partideiros do Ganzê.
Depois montei os seguintes grupos: Ritmistas do Samba, A Fina Flor do Samba; Mandruvá &
Samba em Grande Estilo, Descontra Samba, Mandruvá & Essa Rapaziada do Samba,
Mandruvá e Grupo Nossa Raiz e Os Pretões. Atualmente, atuo nas seguintes áreas: com o
grupo Mandruvá Bateria Show e Mulatas, fazendo casamentos, festas de fim de ano etc.;
com a Velha Guarda e Faculdade do Samba de BH, em que sou primeiro secretário e músico;
com carreira solo, em shows diversos e em abertura de shows de grandes sambistas que
vêm a BH, como Alcione, Zeca Pagodinho, Almir Guineto etc.
O pico do samba foi em 1980. Com o tempo foi enfraquecendo. De 96 pra cá deu uma
diminuída. Em 2000 pegou pé e já têm 12 anos de boom. Porque o samba é igual urso,
hiberna, mas não morre. Fica deitado, de repente ressurge. O atual ressurgimento se deu
depois que o samba foi abraçado por pessoas de formação acadêmica. Para mim é muito
satisfatório ver pessoas instruídas abraçando o samba, pois dessa forma o ritmo cresceu e foi
aceito em todos os meios. Cresceram as possibilidades de shows e de atividades ligadas ao
samba, aumentando assim os rendimentos dos artistas.
Em 2009 fui campeão na avenida por cinco vezes, pois cinco agremiações, entre bloco e
escolas, desfilaram com sambas meus. Isso pode ser fato talvez de Guinness Book.
Rua Américo Lucena, 37 (bairro Ana Lúcia). CEP 47710-350. Belo Horizonte - MG.
Telefones: (31) 9908-6607; 3485-1971
E-mail: mandruva.samba@gmail.com. Site: http://mandruvasambabh.com.
39
Dé Lucas
Eu sou Dé Lucas, faço parte do Grupo Na Cadência do Samba. Meu envolvimento com o
samba começou quando eu tinha cinco, seis anos de idade. Nasci, fui criado e moro até hoje
no Aglomerado da Serra, onde tem um pessoal que faz música, faz samba, da melhor
qualidade.
Meu pai e meus tios eram músicos e eu sempre estava lá entre eles, observando e tentando
tocar algum instrumento, da mesma forma que meu filho agora comigo. Com 14 anos eu já
comecei a trabalhar tocando na noite. Mas, como o dinheiro era curto, acabei tendo que
trabalhar com outros serviços também.
Foi no final da década de 1980 que conheci o Pico e o Pedro, meus companheiros do grupo.
Na época eu trabalhava como garçom de pedreiro em Contagem e fui a uma roda de samba
na Feira do Eldorado. Foi lá que a gente tocou junto pela primeira vez e ali começou a
parceria, que já dura mais de vinte anos.
Estamos há quatro anos com esse projeto aqui no bairro São Marcos, na casa do Serginho
Divina Luz, que é o Quintal do Divina Luz, fazendo um samba bem tradicional. Aqui a gente
sempre conta com a participação de vários amigos, vários compositores. Pessoas de Belo
Horizonte, das cidades satélites e de fora do estado também.
A ideia é que o projeto seja itinerante. É tentar quebrar barreiras mesmo: não tem que ser só
aqui, só ali, tem que abrir a porteira!
A pretensão do nosso trabalho é, da melhor maneira possível, dar vazão à nossa arte, essa
arte do negro, do povo brasileiro.
40
Mestre Affonso (in memoriam)
Meu nome é Afonso Marra Filho, chamado de Mestre Affonso por ter sido diretor de bateria
de escola de samba. Atuei em quase todas as grandes escolas de samba de BH, sendo o
único diretor fora do Rio de Janeiro convidado para atuar como diretor auxiliar na bateria da
Grande Rio. Senti-me honrado, mas por problemas pessoais, não pude assumir o
compromisso.
Completo 63 anos em 2012, com 53 dedicados ao samba. Sem vaidade, mas com orgulho,
posso afirmar que através dos meus ensinamentos, muitos músicos levam hoje o pão para
casa. Sou também compositor, carnavalesco e radialista. Há 8 anos atuo na Rádio Itatiaia
como colaborador do programa Acir Antão. Escrevo para jornais e blogs, sou produtor
musical, cultural, de eventos e presto assessorias para escolas de samba de BH e do interior
de MG.
A cada dia vejo a frondosa árvore do samba frutificar e espalhar suas sementes. Fico feliz
pela oportunidade de ajudar e ser ajudado a construir a história do samba em BH. Eu digo
sempre: – Obrigado meu Deus, pela honra e a glória de ter nascido sambista.
E essa glória veio da África, dos tambores, da luta contra a discriminação e as chibatas.
Minha tristeza tem relação com os “feitores” da cultura popular que tentam massacrar e
dividir o samba através de denominações – como pagode, samba de breque, black, samba
soul. Samba é samba! Samba é origem e é raiz. É luta do povo e formação do país. Samba é
ideal, glória, presente de Deus.
Através do samba, pude conduzir crianças e jovens aos caminhos do bem. Através do samba
eu posso me sentar junto às velhas baianas para curtir o rodopiar das suas almas. Vivo feliz
junto às comunidades, onde sinto o cheiro da flor e do amor. O samba tem problemas, claro,
mas tem o valor da união e da luta – somos guerreiros. O samba é o meu amor maior.
41
Lagoinha
Meu nome é Milton Rodrigues Horta, conhecido popularmente por Lagoinha. Nasci no distrito
de Itapanhoacanga, município de Alvorada de Minas, em 22 de março de 1934. Fui um dos
fundadores da Escola de Samba Cidade Jardim, em 1961. Por volta de 1963 fui o primeiro a
ter a audácia de lançar mulheres com poucas roupas no carnaval de BH – o maior reboliço.
Meu primeiro disco foi lançado em torno de 1957. Comecei muito novo, gravei seguidamente
umas 80 músicas. Fui penta campeão do carnaval de Belo Horizonte como intérprete de
marchinha de carnaval e de samba. Tive a honra de receber meu primeiro cachê artístico das
mãos de Juscelino Kubitschek de Oliveira, por um show feito junto com o repentista Caxangá,
no Cassino da Pampulha.
Fui honrosamente condecorado com a comenda de mérito artístico Rômulo Paes, pelo então
vereador Geraldo Félix. Aproximadamente em 1962 representei Minas Gerais no programa do
Paulo Gracindo na Rádio Nacional, no Rio de Janeiro, acompanhado pelo grupo musical
Regional do Canhoto, muito famoso na época.
Sou envolvido com o congado. Tenho muita fé em Nossa Senhora do Rosário e já fui rei em
minha terra, Itapanhoacanga. Sou um estudioso de samba, leio tudo sobre o samba e
pertenço à Velha Guarda do Samba de Belo Horizonte.
42
Fabinho do Terreiro
Formei, com meu irmão Ricardo Barrão e meus primos, o grupo Terreiro Samba Show.
Durante 25 anos, tocamos em várias casas de Belo Horizonte, inclusive no tradicional Curral
do Samba, no bairro São Paulo. Hoje sigo carreira solo, independente, compondo e
interpretando.
Trabalho divulgando minha música: acho que é também uma forma de manifestação e
resistência. A gente vai levando a cultura na tora, no peito e na raça! Faço diversas parcerias
com outros sambistas, o que enriquece muito as letras e melodias, e expande as ideias.
Orgulho-me de ter minhas músicas gravadas por vários nomes respeitados do samba:
Neguinho da Beija Flor, Agepê, Almir Guineto, Gracia do Salgueiro, Nelson Rufino, Zeca
Pagodinho, Leci Brandão, Purarmonia. Participo também do carnaval belorizontino: sou
intérprete e compositor da escola de samba Chame-Chame e participo do bloco
carnavalesco Trema na Lingüiça.
É muito gratificante difundir a música das nossas raízes e receber o reconhecimento e carinho
do público, independente de classe e de cor. Não há limites e barreiras para a magia do
batuque e da batida do samba! “O samba chama quem tá de porre, tá de tédio e amargura! É
o remédio natural, essência pura! Chega pra cá, venha sonhar!”
43
Carlinhos Visual
Eu, Carlos Roberto da Silva, nasci em Itamarandiba no dia 17 de fevereiro de 1960. No samba
sou conhecido como Carlinhos Visual. Sou músico, intérprete e há 7 anos comando um
programa de samba, o Batuque na Cozinha, na Rádio Educativa da Universidade Federal de
Minas Gerais 104,5 FM. O programa vai ao ar de segunda a sábado de 13 às 14 horas. Mas
também já tive uma passagem pela Radio Inconfidência; eu e o Serginho BH apresentávamos
o programa O Samba Bate Outra Vez. Além da rádio, também sou produtor de casas
noturnas de samba e MPB em Belo Horizonte.
Eu morei na Serra muitos anos: 35 anos! Cheguei lá na época que eram só becos e vielas,
época da lamparina e do lampião. Não sou compositor, nem me atrevo. Mas eu só fiz um
samba para a Serra, a música Serrinha. Já fiz muita participação de backing vocal. Quando o
Serginho BH convidou as escolas de samba de BH para gravarem os sambas enredos, fiz
backing vocal.
Samba hoje não tem cor: é de preto, é de branco. Porque a porta mais fácil de entrar é o
samba – ele aceita branco, preto e mulato. O samba veio para unir as raças.
44
Reinaldo do Curral do Samba
Sou Reinaldo Avelar da Silva, mais conhecido por Reinaldo do Curral. Nasci em 1951. Desde
sempre sou músico e agente cultural do samba. Iniciei na música fazendo voz e violão,
cantando em barzinhos. Depois, como idealizador e proprietário, com apoio de amigos,
inauguramos o Curral Bar, onde hoje está instalado o popular Curral do Samba. No começo
do Curral Bar, ainda não tínhamos uma ideia de um amplo local para acomodar os
apreciadores do samba. E tudo foi evoluindo naturalmente para se tornar o Curral do Samba.
Assim batizado porque, antigamente, o local era um matadouro da prefeitura de Belo
Horizonte, em que o gado ficava confinado para ser abatido e distribuído à cidade inteira.
Centenas de amigos fazem parte da história do Curral do Samba: em homenagem a eles, a
gente fez uma roda de samba e a coisa pegou no gosto dos frequentadores entusiasmados.
O resultado foi o sucesso do Curral do Samba. Isso faz 37 anos. Por tradição
afrodescendente, a primeira casa em Minas Gerais foi o Elite, lá na Avenida Bias Fortes. O
Elite existiu por 54 anos e encerrou suas atividades sem reconhecimento público-cultural.
Depois do Elite, com muito orgulho e persistência dos que amam e respeitam a cultura
afrodescendente, é o Curral do Samba a mais antiga casa do gênero em Minas Gerais. O
samba veio lá da Pedreira Padro Lopes, na Lagoinha. Era aquele samba de botequim em que
frequentavam o Juscelino Kubitschek, o talentoso Jadir Ambrósio e outros bambas. Hoje, nós
do Curral do Samba, temos compositores e compositoras, cantores e cantoras que são
notáveis sambistas com evidência na mídia. O Curral do Samba também formou sua própria
ONG denominada Centro Mineiro de Cultura Comunitária, legalmente constituída. Daí a gente
cria condições para que outros criem o produto cultural de cada um. Gravamos muitos CDs
dos sambistas mineiros, como o de Geraldo Magnata, Jussara Preta, Seu Domingos, Jadir
Ambrósio, Bira Favela, Fabinho do Terreiro, TriMulatos e tantos outros bons artistas. Minas
Gerais cresce demais em termos de composição musical. E a maioria dos compositores mora
em nossa Belo Horizonte e na região metropolitana. Falo do samba do dia a dia. É o samba
do dia a dia que faz os sambas enredo do carnaval a cada ano. O Centro Mineiro de Cultura
oferece condições para as escolas de samba gravarem e fazerem os arranjos em nossos
estúdios. Aqui, no Curral do Samba, a cultura afrodescendente tem vez. Acreditamos que é
com ações afirmativas que ergueremos a nossa bandeira maior – o Samba.
Rua Maria Pietra Machado, nº 123 (bairro São Paulo). Belo Horizonte - MG
Telefone: (31) 8833-8822. E-mail: mailto:cmcultura@hotmail.com
45
Silvio Luciano
Me chamo Silvio Luciano Índio do Brasil, sou sambista, cantor e compositor. No samba todos
me conhecem como Silvio Luciano. Nasci no dia 7 de setembro de 1935 em Barbacena. Eu
vim bem menino para Belo Horizonte. Com 14 anos eu comecei a frequentar a Escola de
Samba Surpresa, do bairro Lagoinha. Foi o meu irmão mais velho quem me levou. Era tudo
muito difícil, a gente tinha que esquentar o tamboril na avenida. Já fui pra avenida sem nada
eletrônico. Já fui interprete de samba e a gente cantava era no gogó, não tinha microfone.
Depois mudei para o Concórdia e me liguei à Inconfidência Mineira. Antes da Surpresa
terminar, fiz muitos sambas enredos para a escola. Na década de 1960, logo quando
começou o Mineirão, o pessoal da bateria da Surpresa combinou de levar a Charanga para o
estádio. Essa música “Eu Queria Tanto” virou hino da Charanga. Eu fiz para o Bororó. A
Charanga foi considerada a Orquestra Sinfônica dos Estádios. Foi um sucesso; mas, como
tudo, acabou. Tem uma turma que ainda segue a tradição e faz carnaval.
A minha trajetória de música foi muito boa – cantei em clubes, no Elite, na Marinha, na TV
Itacolomi. Eu e o Mestre Conga éramos da banda da TV Itacolomi. Trabalhamos com Grande
Otelo e diversos artistas de teatro. Na composição de sambas, comecei desde pequeno.
Algumas se perderam com o tempo. No começo eu gostava de compor e não me preocupava
muito em gravar. Tudo é motivo para compor. Eu tenho muitas composições. Em 1975 eu fiz
samba enredo para a Escola de Samba Unidos da Colina e fui campeão do samba enredo.
Fui exclusivo da União da Escola de Samba. A escola de samba que não tinha compositor
para fazer o samba enredo, eles mandavam o tema e nós fazíamos. Em 1975 fiz samba para a
Colina, Cidade Jardim e a Inconfidência Mineira. A música “A Lua e o Morro” eu fiz na
Pedreira Padre Lopes, na paisagem do morro. A última composição que eu fiz para o carnaval
foi em 1986 para o Ronaldo Coisa Nossa; era para um bloco que ele tinha. Atualmente tenho
atividades com dois grupos: o Superastral e a Velha Guarda de Samba. O Superastral surgiu
em 1990. Somos eu, o Juarez, o Tarcísio, o Carlinhos e o Zezinho. A Velha Guarda do Samba
é para dar o suporte aos sambistas antigos. Sobre a composição, a pessoa já nasce com a
coisa nata, com o dom para escrever. Eu desde criança já tinha este dom para escrever.
46
Zé do Monte
Eu me chamo José Antônio Guimarães, mais conhecido como Zé do Monte. Nasci no dia 29
de novembro de 1938 em Belo Horizonte. Cresci na rua Espírito Santo e com 7 anos de idade
me mudei para o bairro Pompéia. Aí comecei a jogar futebol. Quando eu jogava na várzea
eles me colocaram o apelido de Zé do Monte porque tinha um jogador mais velho que jogou
no Galo e que tinha falecido, e eu tinha as mesmas características dele. Então, me colocaram
o apelido. Fui crescendo, servi o exército, e quando saí eu queria ter uma profissão. Então fui
para a tipografia. Tenho 44 anos de tipógrafo e nas horas vagas faço os meus sambas.
Comecei a compor meus sambas no Pompéia com os meus amigos, no bar. No começo era
só brincadeira, mas fui evoluindo. As músicas que faço são sobre o cotidiano. Eu tenho
músicas sobre o meu bairro, Pompéia, Belo Horizonte e sobre a Portela. Componho no final
de semana com os amigos, em festas, nos bares. Na verdade componho sozinho. Eu pego o
tema no bar e depois desenvolvo na minha casa.
Participei da Velha Guarda de Belo Horizonte, ensaiava com eles, mas devido ao tempo não
pude prosseguir. Eu nunca tive um grupo – só o “Monte Samba”, em que toco junto com os
meus filhos sambistas, Gilmar do Cavaco, Geraldo e Gerson. Nós tocamos samba mais nos
finais de semana, em encontros com amigos. De referências no samba do Brasil nós temos o
Arlindo Cruz, o Zeca Pagodinho e outros. Em Belo Horizonte, tem o Bira da Favela, o Cabral e
o Fabinho do Terreiro e outros mais. O Bira já gravou no seu CD um samba de minha autoria –
“Faz Isso Não, Neném”. Já participei de filmes documentários sobre a Velha Guarda de
Samba de Belo Horizonte: o documentário “Roda” e um outro filme sobre a minha vida –
“Memórias e Improvisos de um Tipógrafo Partideiro”, do Pedro Portella. Nesse filme,
inclusive, gravei em BH, na tipografia; gravei com a Velha Guarda da Portela, no Rio de
Janeiro; e com o Xangô da Mangueira. Eu ainda não consegui gravar um CD, porque falta
patrocínio. Já tenho mais de trinta músicas prontas para gravar. Já fiz até uma demo, mas
ainda não consegui gravar meu CD.
47
Bira Favela
Meu nome é Ubirajara dos Santos Custódia. Nasci no dia 3 de setembro de 1950, em Belo
Horizonte. No samba sou conhecido como Bira Favela. Sou criador de um grupo de samba
em BH, o Grupo Favela. Logo depois que o grupo se desfez, passaram a me chamar de Bira
Favela. E quem me deu esse nome foi o Toninho Geraes, que é um amigo do samba.
Comecei aos 7 anos na Rádio Inconfidência, em um programa infantil chamado Gurilândia,
animado por Aldair Goiano Pinto. Em 1957, o Pelé começou a se destacar e me deram o
apelido de Pelé do Samba. Eu era o único negro do elenco infantil. A minha mãe foi quem me
incentivou, porque peguei esse lado dela: ela cantava e era dançarina na casa de shows Elite.
Nós morávamos no Santo Antônio. Eu nasci naquele Aglomerado, Vila Estrela, Morro do
Papagaio, Santa Lúcia e foi ali que tive a honra de conhecer o professor Emílio Salomé, quem
me deu muito ensinamento: as minhas primeiras lições de iniciação e teoria musical. Desde
então estou com a música e desde 1970, como músico profissional, registrado pela Ordem
dos Músicos. Aos 20 anos, ingressei em uma boate chamada Sambão, na Álvares Cabral
esquina com rua da Bahia. Foi ali que decidi continuar e de lá pra cá só trabalhei com música.
Eu trabalho em bares, boates e eventos em que predomina o samba – atualmente nas
comunidades dos bairros Pindorama, Ipanema e Glória. Nessa carreira eu conheci vários
empresários. Já trabalhei para a Kaiser, cervejaria, de 1980 a 88, como funcionário músico.
Viajávamos com uma banda e assim fiquei conhecendo Minas Gerais. Eu trabalho assim, sou
convidado ou então promovo festas. Gravei o CD “Bira Favela, Uma Vida pelo Samba” em
2005, aprovado por Lei de Incentivo. Nesse CD falo de Minas Gerais e os compositores são
mineiros: Toninho Gerais, Gervázio Horta, Fabinho do Terreiro e outros. No carnaval, pertenço
à Cidade Jardim, que é a escola da região onde eu nasci. Eu aprendi a gostar da Escola de
Samba Cidade Jardim. O ex-presidente da escola, o falecido Jairo Pereira da Costa, que era
meu amigo, me chamava para ser um dos puxadores de samba enredo, com mais três,
quatro puxadores. Eu nasci na favela, mas o primeiro contato na música foi com o maestro.
Então minha iniciação musical é mais para a harmonia. Aí a gente pega mais a maneira dos
antigos cantarem – do Ataulfo Alves, Sílvio Aleixo, Aguinaldo Timóteo, Jadir Ambrósio e
outros.
R. São João Nepomuceno, 22 (bairro Santo Antônio, Aglomerado Vila Estrela, Morro do Papagaio
e Santa Lucia). Telefone: (31) 9686-1950. E-mail: mailto:birafavelabrasil@hotmail.com
48
César de Aguiar
49
Waltinho Sete Cordas
Me chamo Walter Gonçalves Ferreira. Nasci no dia 10 de março de 1935, na Pedreira Padre
Lopes. No samba sou conhecido por todos como Waltinho Sete Cordas. Eu comecei bem
menino, pode-se dizer que foi um dom que Deus e o meu sangue me deram. Porque o meu
pai era músico, ele tocava violão. Ele também tocava na Rádio Inconfidência com o professor
Bento de Oliveira. E naquela época passou um conjunto, Trio de Ouro, com Dalva de Oliveira,
Herivelto Martins e Raul Sampaio. Eles precisavam de alguém que tocasse violão e levaram o
meu pai, como quem diz –vamos ali e já volto.
E meu pai mudou-se para o Rio de Janeiro e morreu por lá. Meu pai inclusive era compadre
do Dino Sete Cordas, o violão maior. Mas não foi meu pai quem me ensinou, não foi ninguém.
Meu pai só comprou pra mim, quando eu era pequeno, um cavaquinho. Eu toquei cavaquinho
muito tempo. Aí o professor Bento de Oliveira falou para eu tocar violão. Deus me deu um
bom ouvido e eu faço valer essa condição.
A gente tá sempre aprendendo, que a gente nunca é que sabe. Eu estou sempre aprendendo
e faço questão disso. Esses meninos mais novos também ensinam a gente. Apesar destes 77
anos eu vivo mais um dia aprendendo com essa rapaziada. Também toquei na Velha Guarda
com aqueles meninos. Eu atualmente toco no Conjunto Seresteiro Amigos de JK, tocamos
em bares de Belo Horizonte. Já toquei com muitos músicos bons. A gente tocando depende
muito do parceiro. Bom mesmo é tocar com o parceiro que deixa a gente despreocupado.
50
Serginho Beagá
51
Mestre Conga
52
Geraldo Magnata
Eu, Geraldo Magnata, sou intérprete, radialista, percussionista e compositor. Nasci em Belo
Horizonte no dia 27 de junho de 1953. Tenho 40 anos de samba, comecei aos 18. Dentro do
universo do samba eu canto, toco, componho, sou ganhador do projeto Vozes do Morro,
bicampeão de samba enredo pela Escola de Samba Canto do Alvorada, em 1987 e 89, e
hexacampeão em Nova Lima pela Escola de Samba Monte Castelo. Compus vários sambas
enredo e fui puxador de samba. Fundei uma casa de samba – Magnatas Bar –, porque eu sou
um dos fundadores do grupo Magnatas do Samba, no qual militei por 21 anos.
Sou empreendedor, faço alguns shows e promovo eventos, como a Noite do Abraço Amigo
em que, na oportunidade, eu rendo homenagens àqueles que me ajudaram como sambistas,
compositores, patrocinadores e divulgadores dentro deste universo, deste planeta que é o
samba. E no dia 2 de dezembro, no dia Nacional do Samba, produzimos um evento no Curral
do Samba. Reunimos sambistas e fazemos shows e o ingresso é um brinquedo. No dia 25
nós fazemos um Samba de Natal com a presença do Papai Noel e a criançada da
comunidade. Tenho o meu CD – “Vai Que Eu Tô Te Vendo” –, gravado no Centro Mineiro de
Cultura e já participei de outros CDs com músicas minhas que foram gravadas – como no CD
do grupo Magnatas do Samba, do grupo Capricho e com o Fabinho do Terreiro. Na época do
vinil, gravei pela escola de samba Canto da Alvorada.
A gente tem uma identidade, sou muito irreverente e procuro tocar no coração das pessoas
quando estou no palco. E depois que eu passei pelo projeto Vozes do Morro, alavanquei a
minha carreira. Eu já era conhecido, mas apenas no meio do samba; depois desse projeto
fiquei conhecido por todos, pelo povo.
53
Xiquinho Poeta
Meu nome é Francisco de Assis Vieira, nasci no dia 2 de março de 1960 no tradicional bairro
do Carlos Prates, em Belo Horizonte. Sou o primeiro sambista da minha família, mas trago
desde a infância minha devoção ao samba. É um dom recebido de Deus que sempre foi
moldando a minha vida e me direcionado para que eu me tornasse um sambista. Ainda
criança, quando eu via alguma reportagem sobre o samba ou sobre os desfiles de escola de
samba dizia sempre à minha mãe: – “Um dia ainda vou ser um sambista”.
Minha trajetória no mundo do samba começou na década de 1970 quando fui levado por uma
ex-namorada a um ensaio do Grêmio Recreativo Escola de Samba Unidos Guaranis, uma das
escolas de samba mais tradicionais e queridas de Belo Horizonte, que era dirigida pelo
grande sambista Vitório de Jesus. A Unidos Guaranis tinha como grande destaque a bateria
nota dez e uma envolvente ala de passistas que era considerada “os reis do samba no pé”.
Encantei-me com tudo isso e nesse mesmo ano passei a integrar essa agremiação. Fui
passista, diretor da ala dos passistas, presidente da ala dos compositores, diretor de
harmonia, diretor geral de carnaval e presidente da escola. No carnaval de Belo Horizonte, fui
eleito por duas vezes o “Cidadão do Samba Adulto”, em 1982 e em 1993, concurso que
premiava o melhor passista da cidade. Compus alguns sambas de enredo, e da TV Alterosa e
Radio Guarani recebi três “Tamborim de Ouro”: em melhor enredo, melhor evolução e
conjunto, e melhor samba de enredo. Em 1986, por discordar da diretoria dessa escola
entreguei meu cargo de diretor geral e passei a integrar a diretoria do G.R.E.S.M.I. Bem Te Vi
onde realizamos grandes desfiles. Mas como ninguém ensina a gente a ter amor, em 1990,
voltei à Unidos Guaranis – assumi a presidência e reconduzimos a escola ao grupo especial.
Em 1994, ouvindo meus anseios de sambista, fui buscar novos horizontes uma vez que os
desfiles de escolas de samba em Belo Horizonte foram interrompidos. Passei a integrar a ala
de passista do G.R.E.S Portela de Madureira no Rio de Janeiro, onde estou até hoje e
pretendo dar continuidade à minha vida de sambista: “E se eu pudesse voltar casava outra
vez com o samba”.
54
Dudu Nicácio
Sou Dudu Nicácio. Sou músico compositor. Meu contato com o samba vem desde criança.
Meu pai era diretor de duas escolas de samba da cidade de Oliveira, onde fui criado. Como
eu era doidinho com ele, sempre ia aos ensaios nas quadras para acompanhá-lo. Por conta
disso, desde muito cedo, me deixei fascinar pela loucura do carnaval. Nas ruas, nos bailes, na
minha casa, tudo era sempre uma festa. O samba também me contagiava pelos discos
antigos da minha mãe, pelas rodas de violão e pelas serestas. A minha madrinha era a maior
seresteira da cidade, uma negra linda! Cantava muitos sambas-canções do Noel Rosa,
Nelson Cavaquinho e Adoniran Barbosa. Eu nem fazia distinção entre o samba e qualquer
outro tipo de música, eu simplesmente achava que era música bonita.
Quando vim para BH foi que comecei a entender que o samba na história da MPB tem uma
página própria. Comecei a frequentar muito bares de samba, como Opção e Cartola. Aos
poucos fui conhecendo o pessoal do samba daqui e me entrosando. A partir daí, passei a ter
meu trabalho como compositor marcado por essa vivência do samba. Com o passar dos
anos montei uma agência cultural, chamada Ultrapássaro, onde idealizo e realizo um monte
de projetos. O Samba do Compositor, por exemplo, foi fundamental para o fortalecimento da
cena do samba aqui em Minas, feito junto com Miguel dos Anjos e o saudoso Mestre Jonas.
Tem também o projeto Do Morro ao Asfalto, já no sexto ano, que acontece nas vilas e favelas
e promove um intercâmbio cultural entre regiões da cidade extremamente desiguais que
raramente se comunicam. Outro projeto é o Bloco da Cidade, que acontece na quadra do
GRES Cidade Jardim e é um dos responsáveis pela revitalização do carnaval de rua de BH.
Tenho dois discos lançados, “Dudu Nicácio e Leopoldina” (2005) e “Dois do Samba” (2008),
em parceria com o carioca Rodrigo Braga. Em 2012, lançarei o meu primeiro disco solo.
A militância com os direitos humanos influencia muito minha carreira artística: desde a
escolha de trabalhos que envolvam o reconhecimento da diversidade e a colaboração entre
artistas, até a feitura das parcerias musicais e a ocupação da cidade.
E-mail: mailto:dudu.nicacio@hotmail.com
55
Edinho
Sou Edson José de Alcântara da Silva. Nasci em 14 agosto de 1942 no bairro Concórdia, em
Belo Horizonte, no mesmo quarteirão onde a escola de samba Inconfidência Mineira
ensaiava. Com 14 anos de idade comecei a frequentar os ensaios da escola. Em pouco
tempo já era diretor de uma ala. Poucos anos depois essa minha ala da Inconfidência Mineira
foi considerada a melhor de BH. Era chamada Aladinho, nome que resumia a Ala do Edinho.
Desde então, todas alas que dirijo recebem esse nome, independente da escola onde esteja
atuando. A marca da Aladinho era ser uma ala com passos marcados, que era composta só
de homens negros, criteriosamente escolhidos.
Por insistência do saudoso presidente Jairo Pereira da Costa, então presidente da escola de
samba Cidade Jardim, aceitei participar da sua escola, por volta dos anos 70, com atuação
da Aladinho. Gostei tanto que acabei ficando por 10 anos consecutivos na Cidade Jardim, até
que o mui digno presidente da escola de samba Unidos Guaranis, o saudoso Vitório de Jesus,
depois de insistir por uns cinco anos para que eu fosse participar da sua escola, acabou
conseguindo. No primeiro ano fomos campeões. Na Unidos Guaranis eu coloquei as mais
lindas mulatas na ala, o que fez com que ficasse melhor; modificamos o modo de apresentar,
deixando de lado os passos marcados, que era minha marca, e começamos a fazer
evoluções. Fiquei lá por mais seis anos, mas um ano antes de sair fui emprestado junto com a
minha ala pelo Vitório de Jesus para a escola de samba Canto da Alvorada, que era do
segundo grupo e lutava para ser campeã. Foi o que aconteceu: fomos campeões.
Voltei a disputar o carnaval seguinte na Unidos Guaranis, que era do primeiro grupo. Depois
disso retornei para a Inconfidência Mineira, permaneci como diretor de ala e atendendo ao
pedido de amigos como Augustão e José Alfeu, comecei a ensaiar a comissão de frente da
escola. Gostei tanto que arranjei pessoas qualificadas pra tomar conta da Aladinho e
continuei na comissão de frente da Inconfidência Mineira. Até que me tornei presidente dessa
escola. Devido a várias dificuldades que senti como presidente da Inconfidência Mineira,
resolvi me demitir. Fui convidado pelo presidente Lee da Cidade Jardim a ajudar a sua escola
a voltar para o grupo especial e é na Cidade Jardim onde estou atualmente.
56
Lulu do Império
Meu nome é Mario Lúcio, pseudônimo Lulu do Império. Eu vivo da música há 41 anos. O meu
prazer é quando estou no palco, fazendo shows, apresentações ou interpretando samba
enredo. Essa é a minha higiene mental! Eu entrei no samba aos 19 anos por influência de um
amigo, a quem eu dou muito valor, pois ele era o líder do conjunto Tempero da Vila, o falecido
Kalu. Eu continuei com o nome do grupo. A minha banda Tempero da Vila existe há 12 anos.
Também integro a Velha Guarda Estação do Samba, ao lado de Fabinho do Terreiro, seu
irmão Barrão, Jussara Preta, João de Aquino e Mandruvá. Esse pessoal é maravilhoso! E nós
estamos juntos há muito tempo trabalhando e divulgando o samba.
Participo de um show de mulatas e da Nota Dez Bateria Show, que possui 14 elementos:
cavaco, cavaquinho, violão e voz, e mais 11 ritmistas Estou com a Nota Dez Bateria Show,
que é comandada pelo Mestre Lázaro e pelo Mestre Zá, há aproximadamente 5 anos. Mas o
conjunto tem mais tempo. Passei por diversos conjuntos, como Os Pretões, que era formado
por pessoas renomadas no samba – Paizinho do Cavaco, Raimundo do Pandeiro, Simão de
Deus, Teco da Viola, Valdir Alquimia, Gatão e Mandruvá. Quando sou convidado, faço shows
com Os Pretões, mas não pertenço mais ao grupo.
Nessa minha trajetória no samba, algo de muito valor é a minha participação no carnaval. Eu
comecei em uma escola de samba tradicional: a Inconfidência Mineira, do bairro Concórdia.
Nessa escola eu fui mestre-sala, fui sambista, saí na bateria e depois fui puxador de samba
(intérprete). Depois saí de lá e fui puxar o samba da Escola de Samba Canto da Alvorada.
Também puxei samba da Imperatriz de Venda Nova e da Escola Paz e Amor, de Esmeralda.
Então, sou intérprete do samba, já fui o melhor de Belo Horizonte. O Tamborim de Ouro,
prêmio que existia no carnaval da capital, eu ganhei quatro seguidos: três pela Canto da
Alvorada e um pela Cidade Jardim. A minha ligação com o carnaval está presente no meu
nome artístico: “Império” entrou porque eu desfilei quatro anos na Império Serrano e porque
eu imitava um cantor muito bom dessa escola, o Jorginho do Império. Por isso, me puseram
esse pseudônimo. Lulu eu já tinha. E é com muita satisfação que eu canto samba com
conjuntos ou com escolas de samba. Eu adoro o samba total!!! A música do samba é comigo!
Rua Ubirajara, 746 (bairro São Benedito). Santa Luzia – MG. Tel: (31) 9289 3764
57
G.R.E.S. Cidade Jardim – Escola de Samba Cidade Jardim
Meu nome é Alexandre Silva Costa, Lee. Meu pai, Jairo Pereira da Costa, fundou a Escola de
Samba Cidade Jardim em 13 de abril de 1961, com as cores vermelha e branca. Aos 6 anos
de idade comecei a desfilar como passista dessa escola. Fui passista, mestre-sala, ritmista e
agora estou presidente, desde 2008.
A Escola de Samba Cidade Jardim nasceu de uma ala da escola União Serrana que ficava no
Morro da Serra. Seu Jairo, meu pai, era componente de uma ala da União Serrana, mas ele
queria uma escola como as escolas do Rio de Janeiro, com o samba-enredo, as alas, o
mestre-sala e a porta bandeira, a figura do puxador de samba. Ele investiu nesse desejo e
hoje, a Cidade Jardim é uma das mais tradicionais escolas de samba de Belo Horizonte. É a
que mais venceu títulos em concursos de carnaval. Temos 19 títulos conquistados, 11
consecutivos.
Nossa escola é a única da cidade que tem uma sede própria conquistada com muita luta,
porque o seu fundador colocou a Cidade Jardim em primeiro lugar: o caso era de amor.
Nossa escola tem hospitalidade. Quem chegar é bem chegado: quem quiser almoçar, vai
almoçar; quem quiser se divertir, vai se divertir.
Somos um quilombo urbano. Um local de resistência que acolhe a todos. Quem é do samba,
pode chegar.
58
Fernando Bento
Me chamo Fernando Bento. Nasci no dia 12 de dezembro de 1979 na Vila dos Marmiteiros,
mas me criei em Santa Luzia. Sou compositor, intérprete e cavaquinista. No samba eu
comecei praticamente na barriga da mamãe. Na minha família tem sambistas, músicos,
chorões – então, a gente já nasce praticamente tocando. E por volta dos 8 anos de idade
ganhei o meu primeiro cavaquinho e comecei a estudar com o meu pai e o meu tio, Waltinho
Sete Cordas. Aos 15 anos comecei a tocar com o Erê do Samba um grupo de sambistas
mirins. Profissionalmente comecei aos 17, com os sambistas daqui de Minas como Waltinho
Sete Cordas, Toninho Geraes, Serginho Beagá, Bira Favela, Geraldo Magnata, Lulu do
Império, Fabinho do Terreiro, entre outros. E do Rio de Janeiro, com o Luiz Carlos da Vila,
Mauro Diniz, Monarco, Noca da Portela, Délcio Carvalho, Zé Luís do Império, Almir Guineto,
Ataulfo Alves Júnior, Dona Ivone Lara, Nei Lopes, Wilson Moreira e Nelson Sargento, entre
outros. Aí comecei a estudar música. Estudei com o Lúcio Gomes e o Ian Guest e aos 22
anos com o Alexandre Piló, filho do maestro Piló. Faço trabalhos de direção musical, arranjos
e gravações. Faço a parte de produção de arranjos e também executo tocando cavaquinho e
bandolim. Também promovo eventos, festas e shows. No Cartola Bar faço uma roda de
samba toda sexta feira: “Fernando Bento e a Patota de Cosme”. O nome do grupo é uma
homenagem que fiz a Cosme e Damião e uma referência à música de Zeca Pagodinho. Nas
madrugadas de sábado para domingo faço o Samba da Madrugada, em Santa Tereza. Fiz a
produção do CD do seu Domingos do Cavaco e do CD “Cem Anos de Noel Rosa” com Lesley
Escariolly. E gravei o DVD “Do Terreiro a Escola de Samba” com o Bantuquerê em 2006. Com
este grupo fiz uma turnê na casa Rio Scenárium e participei do show do Toninho Geraes, no
Carioca da Gema, ambos na Lapa. E fui um dos finalistas no Festival de Samba na Casa
Brasil Mestiço, também na Lapa, no Rio de Janeiro. Fiz parte do projeto Do Morro ao Asfalto,
Samba do Compositor e em maio de 2012 participei, como um dos intérpretes, do show
Sâmbero, em homenagem ao Mestre Jonas no Grande Teatro Palácio das Artes. Durante seis
anos fiz a direção musical do projeto Cantando a História do Samba e há quatro anos faço a
direção musical do Festival Clara Nunes em Caetanópolis com Márcio Guima.
Fazer música é o que eu amo! Eu me sinto mais perto de Deus. Com certeza o meu plano
terrestre é a música: tocar, cantar e levar alegria para as pessoas.
Telefone: (31) 9918-5646. E-mail: mailto:fernandobentocavaco@gmail.com
59
Márcio Nagô
Eu, Márcio Nagô, sou intérprete e compositor. Nasci no dia 31 de março de 1980 em
Brumadinho. O meu primeiro contato com o samba foi através dos sambistas que o meu pai
ouvia. Ele me apresentou, ainda muito novo, os grandes sambistas – Martinho da Vila, Almir
Guineto, Lecy Brandão, Agepê, Bezerra da Silva, Zeca Pagodinho... Então, neste período, foi
formada, inconscientemente, essa minha identidade com o samba. Assim eu me alimentei do
samba que vinha do Rio de Janeiro, fazendo essa ponte direta do Rio com o interior de
Minas.
60
Nilton Maravilha
Meu nome é Nilton Maravilha. Sou sambista há 40 anos. Meu primeiro emprego foi como
locutor – trabalhei no Diário Associado, na Rádio Guarani, na TV Alterosa, no Diário da Tarde
e no Estado de Minas. Nesses locais eu conheci pessoas que trabalhavam com samba. Os
músicos iam se apresentar nas rádios e assim, eu me introduzi no meio da música.
Então, eu deixei o trabalho de locutor pra me dedicar à música. Comecei com o compositor
Gervásio Horta, que me introduziu e me levou para o samba. O Acir Antão, o Fabinho do
Terreiro e o Leo Bahia também foram importantes nesse início de contato com o samba. Fui
um dos primeiros a fazer samba com baixo, guitarra e percussão. Hoje se usa mais
cavaquinho e os instrumentos tradicionais, mas é a mesma coisa.
Meu trabalho é focado no samba. E trabalhar com samba em uma escola de samba foi uma
das primeiras coisas que eu fiz. Trabalhei durante seis anos como intérprete na Escola de
Samba Cidade Jardim. Depois eu tive o meu primeiro conjunto de samba, chamado “Sol
Samba de Aço”, onde eu cantei principalmente nos bares. Logo depois, fui com esse
conjunto para São Paulo, onde morei quatro anos trabalhando com samba.
De volta a Belo Horizonte, montei outro conjunto, que manteve o mesmo nome, mas com
uma nova formação. Depois eu participei do “Samba 7”: Bira Favela, Simão de Deus, Zica,
Dodô, Capixaba e Moacir da Cuíca. Nós tocamos juntos por cerca de três anos. Depois eu
parei porque fui trabalhar com o Célio Balona. Nesse momento, o repertório mudou um
pouco, mas continuei cantando samba.
Então, hoje eu toco samba, Clube da Esquina e MPB. Faço apresentações em bares e festas
pelo Brasil afora. E sou conhecido em Minas Gerais como cantor de samba. O Nilton
Maravilha é sambista, embora eu cante outros estilos de música. E acho que vou morrer
sambista, porque eu adoro o samba. E porque a minha origem é samba.”
61
Marcelo Roxo – Grupo Fidelidade Partidária
Eu, Marcelo Roxo, nasci no Rio de Janeiro, na data de 7 de outubro de 1975. Sou carioca,
mas passei grande parte da minha vida fora do Rio. Sempre gostei de uma batucada, mas
aos 17 anos me envolvi definitivamente com o samba. Foi quando comecei a frequentar o
Acadêmicos do Salgueiro, onde aprendi a tocar tamborim. Eu saía de BH todo fim de semana,
de setembro até fevereiro, pra ensaiar no Salgueiro. Lá fiz muitos amigos e com um desses, o
Tim Maia, por várias vezes subi diversos morros por conta de escola de samba. Certa vez ele
me disse que iria me apresentar um cara que era o contrário de mim: que era mineiro, morava
no Rio, e pertencia à Ala dos Compositores – o Mário Moura. Foi ele que, já em 1999, me
convidou a ir ao Brasil 41 pra conhecer um grupo que ele estava formando com alguns
amigos. Deu-se então meu início no Fidelidade Partidária. O Mário Moura, o Zé Cléverson, o
Achtschim, o Marcinho e o Teco formavam o grupo nessa época. Foi assim que começou o
Fidelidade Partidária, um grupo que nasceu para cantar músicas que na época não eram
cantadas, principalmente na região centro-sul. O nome do grupo, Fidelidade Partidária, é o
nome de um samba do Nei Lopes e do Wilson Moreira. O Wilson Moreira é o nosso padrinho
e esteve aqui em 2002 numa roda de samba para batizar o grupo.
Era difícil fazer samba, porque o samba não era bem visto. Fazíamos samba por conta de um
repertório que a gente gostava, não porque a gente tinha algum contato com qualquer
sambista de Belo Horizonte. Então, quando participamos do projeto “Eu Sou o Samba”, no
Lapa Multishow, abrindo o show dos Pretões, que eram grandes referências do samba em
Belo Horizonte, tivemos a oportunidade de nos aproximar da nata do samba na capital.
Também tocamos no Armazém dos Sabores, logo quando saímos do Brasil 41; depois,
durante 8 anos no Cartola Bar e 5 anos no Bar Reciclo. Atualmente, fazemos eventos
particulares e tocamos quinzenalmente no bar A Gosto de Deus. A formação atual do grupo é:
G. Monteiro no 7 cordas, Mateus no violão de 6, Amarildo no cavaco, Marcinho fazendo surdo
e voz, eu fazendo voz e pandeiro e mais dois percussionistas, o Padé Faraco no repique de
anel, conga e efeito, e o Diguinho fazendo caixa, balde e efeito também. Esse balde também
é uma contribuição do Fidelidade Partidária através de um gringo chamado Fernando
Gonzáles. Antes do Fidelidade não existia balde aqui em BH.
Telefone: (31) 8741- 0974. E-mail: mailto:m.roxo@hotmail.com
62
Ronaldo Coisa Nossa
Meu nome é Ronaldo Antônio da Silva, mas sou conhecido como Ronaldo Coisa Nossa ou
Ronaldo do Opção. Sou sambista, compositor e integrante da Velha Guarda de Samba de
Belo Horizonte. Nasci em 1944. Passei minha infância e adolescência no bairro Lagoinha,
onde tive contato com minhas primeiras inspirações do mundo do samba. Tomei gosto pelo
ritmo vendo os sambistas veteranos nas rodas, encontros e nos ensaios de carnaval. Inspirei-
me em Silvio Luciano e no passista Waltinho Gonçalves, ambos da Escola de Samba
Surpresa. Sempre tive mania de rimas, escrevia tudo rimando na escola. Pessoas próximas
me aconselharam a musicalizar minhas poesias, segui o conselho delas e comecei a compor,
e não parei mais. Escrevi alguns sambas enredos para concorrer no carnaval. Participei da
formação da Escola de Samba Acadêmicos das Alterosas, integrando a bateria. Tínhamos
uma ala chamada “Óia Nós Aê!”. Com ela participamos da fundação da Escola de Samba
Bem Te Vi, de desfiles da Escola de Samba Inconfidência Mineira, Acadêmicos das Alterosas
e Cidade Jardim. Em 1982, formei com amigos o bloco carnavalesco “É Coisa Nossa”.
Juntamos o útil ao agradável: com o samba reivindicamos melhorias para a comunidade,
bairro Parque Pedro II, hoje Caiçara. Mudei para lá após meu casamento e o bairro não tinha
água, nem luz, nem rua pavimentada. O bloco desfilou por três anos e durante este período
conquistamos muitas de nossas demandas! Na década de 90, abri o Del Rango´s. Fundamos
a casa pra oferecer boa musica e rango aos trabalhadores que estavam construindo o
shopping da região. Foi a época em que mais escrevi! Cada trabalhador que entrava no bar
vinha com sua história e muitos casos para contar. A riqueza das raízes e do cotidiano
daqueles homens me inspiravam! Hoje, o Del Rango´s é conhecido como Bar Opção. Abrimos
todo final de semana ao som do Grupo Essência. É um ponto de encontro de sambistas da
velha e da jovem guarda de samba de BH. No subsolo do bar montei um estúdio, Kilombo
Coisa Nossa, onde gravei a maior parte de meus CDs : “Sob Signo do Samba”, “Gotas”,
“Rascunhos” e “Do Nosso Jeito”. Cada CD tem um pique diferente, mostram faces do meu
dia a dia. São, também, homenagens ao povo negro, à velha guarda e a todos amantes da
MPB e do samba, ritmo de sangue brasileiro.
Rua Alabandina, 619 (bairro Caiçara). Belo Horizonte – MG. Telefone: (31) 3415-6905
E-mail: ronaldocoisanossa@hotmail.com.
Site: http://www.ronaldocoisanossa.com.br/bar-opcao/
63
Grupo Cultural Meninas de Sinhá
Meu nome é Valdete da Silva Cordeiro, nasci em 1938 na Bahia, mas moro há mais de 40
anos no Alto Vera Cruz, em BH, onde me tornei líder comunitária desde que cheguei. Mas o
que mais me marcou na vida foi a criação do grupo Meninas de Sinhá. Tudo começou porque
eu passava todo dia, quando ia trabalhar, em frente ao Centro de Saúde e via que várias
mulheres saíam com sacolas de remédios pra dormir e antidepressivos. Então tomei a
decisão de chamar essas mulheres pra conversar para saber o que estava acontecendo.
Percebi que elas não eram doentes, precisavam melhorar a autoestima ou só falar de seus
problemas. Não foi fácil, elas falavam que não tinham tempo, eu respondia que também
cuidava da casa e dos filhos e ainda trabalhava fora, mas que tiraria pelo menos uma hora pra
elas. Fui insistindo, até que um dia foram duas e dessas apareceram outras, quando assustei
éramos 50 mulheres. Fazíamos trabalhos manuais como fuxico, tapetes, bonecas, bordados.
Fui ensinando o que sabia, mas percebi que estava tirando elas de casa pra trabalhar
novamente e eu não queria isso. Com a ajuda da Prefeitura e da professora Dedé que nos
ensinou a expressão corporal, nos apresentamos a primeira vez em um palco. Aprendi e dei
continuidade à ginástica, inserindo brincadeiras infantis – era muito divertido! Mas quando
introduzi brincadeiras, as mulheres sempre pediam no final pra brincar de roda. Foi aí que
descobrimos nosso talento e maior motivação para a alegria e união: as brincadeiras de roda.
Com a ajuda do Roquinho fomos gravando as músicas lembradas e pesquisadas, fizemos
uma cartilha e fomos aprendendo e cantando. Então, fomos convidadas pra inauguração do
Centro Cultural Alto Vera Cruz, em 1996. As mulheres já se achavam muito assanhadas pra
ter o nome de Lar Feliz, daí nos batizamos de Meninas de Sinhá. Depois disso, saímos nos
jornais, fomos convidadas para shows, entrevistas, participamos de filme e não paramos
mais, viajamos pelo Brasil e até para a Polônia. No começo foi difícil, muitos maridos e filhos
não aceitavam, pois estavam acostumados com tudo na mão e, com o grupo, elas passaram
a tirar um tempo só pra elas. Hoje somos 32 integrantes da região do Alto Vera Cruz, Taquaril
e Granja de Freitas. Usamos uma sala da Associação do Centro de Ação Comunitária Vera
Cruz para nossos encontros. Lançamos dois CDs, nos apresentamos em várias cidades do
Brasil e na Europa, sempre levando nosso exemplo solidário e compromisso em preservar
antigas cantigas e brincadeiras de roda. Essa é a nossa referência.
Rua Fernão Dias, 1131-A (bairro Alto Vera Cruz). Telefone: (31) 3466-6881
E-mail: mailto:meninasdesinha@gmail.com http://www.youtube.com/meninasdesinha
64
o reinado em belo horizonte
65
05.
REINADO
O Reinado é uma tradição antiga que remonta aos tempos do Brasil colonial. O surgimento
dessa expressão de matriz luso-afro-brasileira está vinculado às chamadas “irmandades
negras”, também descritas “irmandades dos homens de cor”, associadas a Nossa Senhora
do Rosário e aos santos negros de devoção – São Benedito e Santa Efigênia. Agremiações
religiosas expressivas do catolicismo popular, criadas por leigos na altura do século XVIII,
desempenharam importante papel de ação social e porque não dizer político no seio da
sociedade colonial.
Foi ao abrigo das irmandades negras que reis e rainhas de nações africanas (Moçambique,
Congo etc.) foram eleitos no Brasil. Entronados com toda pompa e expressividade, a
coroação dos representantes simbólicos das nações africanas era celebrada com
empolgantes festejos, e animados cortejos que serpenteavam pelas ruas e becos das vilas
coloniais – despertando a curiosidade dos olhares e dos ouvidos da população local, sem
deixarem de ser muitas vezes vistos com certa desconfiança ou mesmo reprimidos pelos
controladores da ordem social. A primeira coroação de rei e rainha de nação africana no
Brasil aconteceu em Recife, capital de Pernambuco, no ano de 1647.
Em Minas Gerais, as primeiras “irmandades dos homens de cor” foram criadas na Vila do
Serro (hoje Serro) no ano de 1704 e na Vila Rica, no ano de 1711. Mas foi nessa Vila, que se
tornou mundialmente conhecida pelo seu acervo patrimonial com o nome de Ouro Preto, que
ecoaram as narrativas sobre a origem mais remota da tradição do Reinado, ao evocar a figura
emblemática do Chico Rei – Galanga. Descrito como tendo sido um chefe tribal africano,
vendido como escravo para um proprietário de mina subterrânea de ouro naquelas
promissoras paradas entre as montanhas de Minas.
66
suficientes para concretizar seu desejo e cumprir a promessa feita a si mesmo, no silêncio do
seu sofrimento, de também poder comprar a liberdade de tantos outros conterrâneos
submetidos à condição desumana da escravidão. Agradecido pelo êxito dessa conquista
gloriosa – que Chico Rei atribuiu em primeiro lugar à graça recebida por intercessão da Nossa
Senhora do Rosário – ele investiu esforços na construção de um templo edificado no alto do
Morro da Cruz, em Ouro Preto, para prestar como devoto sua homenagem à Santa.
No caso particular de Belo Horizonte, a primeira irmandade negra aqui fundada, localizada na
região do Barreiro, data de finais do século XVIII, registrada sob a denominação de Irmandade
de Nossa Senhora do Rosário do Jatobá. Atualmente, essa Irmandade (alternativamente
chamada de Guarda) tem no seu comando o capitão-mor Ildefonso Motta, cuja família segue
à frente da Irmandade desde 1932. O capitão-mor Ildefonso Motta, herdeiro da tradição
deixada pelo pai e depois o irmão que já se foram: “O Reinado é herança de família”.
Pelo que foi verificado, a tradição do Reinado foi introduzida em Belo Horizonte por iniciativa
de pessoas oriundas do interior de Minas. Iniciadas na tradição no interior de onde saíram, as
primeiras lideranças (capitães, reis e rainhas congas) trouxeram consigo o conhecimento dos
segredos, saberes e experiência prática no ritual do Reinado – por isso mesmo são essas
antigas lideranças lembradas com respeito e distinção no meio congadeiro.
A partir dos ensinamentos transmitidos por esses “antigos”, além do aprendizado na prática
desde a infância, muitas vezes, no contexto ritual, é que a mencionada tradição veio se
ramificar na malha urbana da capital. Como é ilustrativo o caso da Guarda de Moçambique
Três Coroas de Nossa Senhora do Rosário, cujo fundador, Alberto Pedro dos Santos, que foi
capitão da Guarda de Moçambique Treze de Maio de Nossa Senhora do Rosário, na época
da Rainha Conga Maria Casimira. Hoje esses grupos rituais do Reinado estão sob o
comandando das filhas dessa Rainha Conga, Maria Casimira, com o capitão Alberto dos
Santos, sendo elas a Rainha Conga Izabel e a vice presidente da Guarda Francisca
Evangelista.
67
Outra observação a ser feita, na mesma direção sugerida anteriormente, diz respeito ao lócus
de referência espacial da prática ritual do Reinado e, por extensão, o congado em Belo
Horizonte. Em comparação com o que se tem notícia no passado, nos dias de hoje a prática
ritual do Reinado não se restringe mais e quase exclusivamente à área territorial de
propriedade da liderança principal da instituição e outros participantes – o terreiro e a casa do
capitão-mor ou dos reis congos, reis de ano etc. –, mas também tem se deslocado para
espaços públicos dentro do mesmo bairro onde as irmandades se localizam ou fora desses
limites geográfico, com apoio de pessoas ou grupos influentes no contexto da cidade –
artistas, agentes municipais da cultura etc.
Dois exemplos, apenas para ilustrar, são as Festas tradicionais do Reinado realizadas no
Bairro Aparecida e a participação especial de grupos de congados em evento promovido pela
Associação Cultural Tambor Mineiro, fechando a rua em frente à sede dessa entidade,
localizada em bairro da região central de Belo Horizonte.
Mas, se a tradição do Reinado e a prática ritual do congado estão tendo maior visibilidade em
Belo Horizonte, e recebendo o reconhecimento da sua importância cultural no cenário da
cidade, isso não significa, todavia, que muitos dos problemas enfrentados por essa tradição
no passado tenham sido resolvidos a contento. Os relatos que ouvimos de nossos
interlocutores alertam para esse fato. Eles reclamam das dificuldades que ainda encontram
para conseguir autorização de órgãos do poder municipal para sair às ruas com o cortejo do
Reinado.
68
Podemos, em suma, dizer que o reconhecimento notório da rica tradição do Reinado na
cidade propicia que esta abrigue um patrimônio elaborado por cidadãos herdeiros de uma
tradição afro-brasileira, que contempla uma manifestação dinâmica que interage com a
cidade e principalmente confere identidade e dota de sentido a vida de seus cidadãos.
Colaboraram realizando as entrevistas: Daniel Antônio Gomes Cruz, Diogo Raul, Isabel
Casimira e Poliana Vasconcelos Xavier
69
Localização dos Grupos Entrevistados:
https://www.google.com/fusiontables/embedviz?viz=MAP&q=select+col2%3E%3E0+from+14
34MiGg0e-
pI19NbADjPO8hGNzOw0igo0WjGueY+where+col0%3E%3E0+%3D+'Reinado'&h=false&lat=-
19.907279872731596&lng=-43.92802668383785&z=14&t=1&l=col2%3E%3E0&y=1&tmplt=2
70
Guarda de Moçambique Três Coroas de Nossa Senhora do Rosário
Ele era capitão na Guarda da Maria Cassimira, no Concórdia e, para pagar uma promessa,
fundou a Guarda. Então eu comecei pequenininha; já tive várias funções na Guarda. Quando
mamãe fundou a Guarda eu era princesa, depois fui crescendo e fui pé de coroa e quando
cheguei a ser mocinha eu era rainha da estrela, que é princesa. E hoje eu sou vice-presidente,
graças a Deus!
No começo eram os meus pais, eu e meus irmãos, depois vieram os sobrinhos, os primos, os
tios, os amigos antigos do bairro, como o senhor Preto e a dona Vanda. Atualmente, a Guarda
está com mais ou menos 28 componentes que têm compromisso de vir para os festejos.
Nós estamos considerando o encontro da família todo último domingo de maio. Enche a rua,
a casa de gente... É este o nosso principal festejo.
Conseguimos juntar todos os participantes que moram longe: o meu irmão Jorge, que é o
principal Capitão e mora no Rio de Janeiro; a tia Luiza, que é a nossa rainha mora em Venda
Nova; vem Guarda de fora, amigos do bairro, amigos antigos do meus pais – todos para
celebrar Nossa Senhora do Rosário. E para fazer a festa, contamos com a ajuda dos vizinhos,
amigos e dos participantes da Guarda. Chega no mês de maio cada um manda uma coisa:
arroz, óleo, biscoito, bolo.
71
Guarda de Moçambique Nossa Senhora do Rosário de Pompeia
Desde que foi fundada, a Guarda de Moçambique Nossa Senhora do Rosário de Pompéia
teve muitos colaboradores: capitães, como Dionísio Evangelista, vassalos, dançantes, reis,
rainhas, como Geraldina de Jesus e Izolina de Jesus, príncipes e princesas e, não menos
importante, todo um povo fervoroso envolvido nos trabalhos de apoio – as cozinheiras, como
Luiza Tomaz Batista, as costureiras e outros, chegando a ter cerca de 90 componentes,
diretos e indiretos. Esteve à frente desse movimento a fundadora, minha mãe, rainha perpétua
Cecília Félix dos Santos, a qual, a partir de sua devoção, deu continuidade aos trabalhos de
divulgação, louvação e disseminação desta fé e do respeito à religiosidade afrodescendente,
representada simbolicamente na forma de Reinado.
Partindo disso, podemos afirmar que o objetivo primeiro desta comunidade está alcançado,
ou seja, a legitimação de uma expressão real da fé. E que esse objetivo vem sendo
sustentado até hoje, após o falecimento de mãe, com a minha direção, juntamente com os
devotos de Nossa Senhora do Rosário de Pompéia e demais colaboradores, e a graça do Pai
Eterno.
72
Guarda de Moçambique e Congo Treze de Maio de N. S. do Rosário
Eu sou Isabel Casimira das Dôres Gasparino, filha de dona Maria Casimira das Dôres,
fundadora da Guarda de Moçambique e Congo Treze de Maio de Nossa Senhora do Rosário,
juntamente com meu irmão, Ephigênio Casemiro, em trinta de janeiro de 1944.
Desde o nascimento da Guarda eu participava como Princesa, e em 1963 fui coroada vice-
rainha conga da Guarda Treze de Maio para representar minha mãe em outros eventos e
repartir as obrigações com ela. Com a morte de mamãe em 1984 fui coroada rainha conga do
Treze de Maio. E em agosto de 1989 fui coroada rainha conga do estado de Minas Gerais.
O Reinado vem dos nossos antepassados, do Chico Rei, e promove a preservação das
nossas raízes. Porque um povo que não preserva sua história perde a sua identidade.
73
Guarda de Moçambique de Santa Efigênia
Meu nome é Maria Anastácia Calixto. Participo do Reinado da Guarda de Moçambique Santa
Efigênia desde 1967, junto com meu companheiro Laudelino Silva, conhecido como “Sô
Bem”, falecido há dez anos. Ele era apaixonado por reinado e eu também me apaixonei. Ele
era o capitão regente da nossa Guarda.
Agradeço a Deus todos os dias, estou nessa por amor. Eu já tenho 90 anos de idade, tenho
pouca saúde e muita fé e confiança em Nossa Senhora e em Santa Efigênia.
Eu amo esta Guarda e faço o que for preciso, com boa vontade, para manter a devoção a
Santa Efigênia.
A primeira vez que eu fui coroada rainha de Santa Efigênia foi no Reino da dona Isaura,
esposa do senhor Nicodemos, que era rei Congo. Com o falecimento do senhor Nicodemos,
dona Isaura manteve a festa por mais ou menos 15 anos. Com a morte de dona Isaura,
passamos a festa para a minha casa, neste atual endereço.
Quando me separei do Laudelino, ficamos três anos sem festejar. Depois desse período reuni
os dançantes, devotos, sobrinhos e amigos e, junto com o senhor Sebastião Braga, que era
capitão, o meu sobrinho José Geraldo, que até hoje é um dos capitães, e a rainha de
Santana, Dona Vanda Manuela, levantamos a Guarda com as graças de Deus e de Santa
Efigênia e não paramos mais.
74
Guarda de Moçambique São Benedito
Meu nome é Maria Solange Leandro Esteves. Sou segunda capitã da Guarda de Moçambique
São Benedito. A Guarda foi fundada em 16 de junho de 2002 por mim, por meu pai Geraldo
Alves dos Santos, meu primo Roberto Marques (1º capitão do Moçambique) e alguns outros
integrantes. Nosso Congado conta hoje com 16 membros. E nosso grupo, ainda que tenha
pessoas que não são da família, se caracteriza por ser muito familiar – avó, mãe, pai, filhos,
netos e primos.
Nós fazemos as nossas festas e sempre somos convidados por outras Guardas de Congado
para participar de seus festejos. Entre as festas realizadas durante o ano pela Guarda de
Moçambique São Benedito destacam-se a do mês de janeiro, que é a festa de abertura do
congado com o levantamento da bandeira de São Sebastião; a de junho, com a festa de São
João; e a do mês de dezembro, com o fechamento do congado, nas comemorações de
Nossa Senhora da Conceição. O mês da nossa festa em homenagem a São Benedito é maio.
Essa celebração é realizada no nosso terreiro com a participação das guardas convidadas e
da população.
Desde quando eu era pequena meu pai e minha mãe já participavam do Congado. Meu pai
era capitão e minha mãe rainha conga. Então, eu nasci e me criei dentro do Congado. Depois,
a Guarda de Moçambique São Jorge Guerreiro onde eu dançava parou, e aí nós montamos a
nossa Guarda. Eu sempre tive vontade de ter e conseguir montar uma guarda. Eu continuo
lutando, porque eu não quero que a Guarda acabe – o congado é uma expressão muito
perseguida. E se meus filhos quiserem continuar, depois que eu partir, podem continuar. O
congado é uma coisa boa, uma coisa que não faz mal para ninguém, só faz o bem. É a fé que
nós temos nos nossos Santos São Benedito e Nossa Senhora do Rosário!
75
Guarda de Moçambique N.S. do Rosário e Sagrado Coração de Jesus
Então, eu, Nelson Pereira da Silva, já nasci dentro do Congado, nasci dentro desta Guarda
porque a minha mãe era a sua rainha e o meu pai era guarda coroa. Atualmente não tenho
cargo, eu procuro ajudar da melhor maneira que eu posso: canto, toco e ajudo organizar as
festas. Já fui capitão regente, mas na época eu morava em Esmeraldas e estava muito difícil
porque era muito compromisso que a Guarda tinha e eu não estava em condições de cumprir
todos. Já toquei todos os instrumentos, inclusive o primeiro instrumento que toquei – a folha,
o que eles chamam de patangome – foi meu avô quem me obrigou a tocar. Ele obrigava a
gente. Depois toquei reco-reco, depois eles aboliram o reco-reco. Depois eu comecei a tocar
caixa, fiquei muitos anos de caixeiro. Até que resolveram me consagrar capitão.
Atualmente, a Guarda formada tem 25 pessoas. O capitão mor é o Nilson, meu irmão, o
capitão regente é o Wilson, que é meu primo. Na verdade fica tudo com a família mesmo e
vem de geração a geração. E espero que no futuro nossos filhos possam continuar esta obra.
O presidente é o meu tio, filho do fundador da Guarda. E o resto somos nós, minha irmã
Neuza, os netos, bisnetos. As atividades que realizamos são mesmo a do Reinado, e não só
as nossos, mas também as de todos os lugares que nos mandam ofício que nós procuramos
cumprir. Nós fazemos dois festejos por ano em outubro: um aqui, no segundo ou terceiro
domingo, e um no último domingo, no Retiro das Esmeraldas. É o ano inteiro cumprindo
ofício, ajudando os nossos coirmãos, para que eles possam nos ajudar a manter a nossa
festa. Por isso mesmo que é chamada Irmandade de Nossa Senhora do Rosário. Não importa
se eu danço aqui e o outro dança no Rio, Sabará, São Paulo, Brasília. Onde a gente encontrar
é Irmandade.
76
Irmandade de Moçambique N. S. do Rosário do Nova Gameleira
Meu nome é Jeremias Felipe Gomes, sou capitão mor da Irmandade de Moçambique Nossa
Senhora do Rosário do Nova Gameleira. A Guarda foi fundada pela rainha conga Maria de
Lourdes Santos há mais de cinquenta anos. A família da fundadora e de seu marido, José
Sabino da Costa, eram de Itaguara e participavam do Reinado há várias gerações. Em Belo
Horizonte, na antiga Vila dos Marmiteiros, Maria de Lourdes fundou a nossa Irmandade como
pagamento de promessa pela cura de seu filho Geraldo Evangelho. Na época, José Faustino
e José Matias eram os capitães. Em 1978, a Guarda mudou a sede para o bairro Nova
Gameleira, onde permanece até hoje. A tradição do Reinado foi passando de geração em
geração. Em 1991, com o falecimento da Maria de Lourdes, a coroa passou para a sua filha,
Maria Alice Rocha – antiga rainha do povo. No dia 17 de dezembro de 2010, Maria Alice
faleceu. Maria de Lourdes e seus filhos, João Eustáquio (rei congo), Geraldo Evangelho
(caixeiro de guia) e Maria Alice Rocha, antes de falecerem, colocaram a Guarda sob a minha
responsabilidade.
Eu não saio desse cargo, porque tenho fé em Nossa Senhora do Rosário e porque prometi
tomar conta da Irmandade, para manter essa tradição, que também é forte na minha família.
Eu, na barriga da minha mãe, praticamente dançava congado. Eu venho do Reinado do meu
pai como um dançante, de dançante eu passei a batedor de patangome, de patangome fui
caixeiro, de caixeiro fui primeiro capitão de Moçambique, de primeiro capitão como regente,
de regente eu fui promovido a capitão mor. Infelizmente, em 1986, eu perdi o meu pai e não
tive condições de continuar a Irmandade dele – a Guarda de Moçambique de Nossa Senhora
do Rosário do Morro do Cascalho. Mas, Nossa Senhora do Rosário me mostrou o caminho e
me fez conhecer a nossa Irmandade. Esse Reinado é minha vida. Eu não troco a minha
tradição e a minha religião por nada desse mundo.
77
Guarda Congo Velho de Nossa de Senhora do Rosário
Meu nome é Damião. Eu sou um dos capitães da Guarda. São quatro capitães: eu, Flávio,
Elizabete e Alessandra. Eu sou o capitão-regente. Resolvo os problemas, arranjo o transporte,
recebo as Guardas visitantes e olho os convites. Agora está mais dividido porque antes eu
resolvia tudo sozinho.
Minha relação com o congado, como se diz, começou na barriga da minha mãe. Foi livre e
espontânea pressão! Desde muito pequeno eu e meu irmão gêmeo, o Cosme, já dançávamos
no meio da Guarda. Quando eu fiz uns oito anos, minha vó, Oraldina Apolinário, começou a
me preparar para ser capitão. Quando eu tinha uns 16 pra 17 anos, meu tio Aílton, que era o
capitão, faleceu. Então eu assumi o posto.
Nossa Guarda foi fundada em 1935, por minha vó e por minha mãe, Dona Haydê. Infelizmente
a vó morreu e a gente tem pouco registro dela. Hoje a Guarda é uma grande família. Mesmo
quem não é da família a gente considera como se fosse. Nós somos umas 40 pessoas.
Alguns ficam fora um tempo, mas acabam voltando. Todo mundo é daqui de BH, mas tem
gente morando em lugares distantes como Santa Luzia, Vespasiano e Neves.
Nossa festa é em outubro. Só muda pra novembro quando é ano de eleição. Nela a gente
homenageia Santo Antônio e Nossa Senhora do Rosário. Aqui no bairro todo mundo gosta,
nunca tivemos reclamação, nem dos evangélicos. Nossa maior dificuldade é com o transporte
da Guarda para as festas e com a manutenção dos instrumentos. O couro de alguns já nem é
mais original.
A gente considera nossa cultura algo importante porque tem uma história que vem de longe e
que criou raízes aqui, por isso a gente acha que podia ter um maior suporte da sociedade e
do governo.
78
Guarda de Marujos de São Cosme e Damião e de N. S. do Rosário
Meu nome é Eudes. Sou capitão-regente da Guarda, responsável pela evangelização, pelos
instrumentos, pelos caixeiros e por tudo o que diz respeito aos festejos. Tudo tem que ter
minha assinatura. Minha esposa, Maria das Graças, é responsável pelos dançantes e me
ajuda muito em tudo. Nós nos conhecemos em 1972 e foi por conta do nosso casamento que
eu vim pra essa Guarda. A Graça tá na Guarda desde a fundação. Mas eu já era dançante
desde os 12 anos na Guarda do Concórdia, e também já fui caixeiro em uma Guarda de
Moçambique. Quando me casei com a Graça, o pai dela fez uma cerimônia, me passou sua
espada e desde então eu sou o regente.
A história da Guarda começou mesmo em 1966 quando teve a primeira festa de São Cosme e
Damião, mas eles já saíam antes e já batiam caixa. Antes, a Guarda tinha o Nome de Guarda
Feminina de São Cosme e Damião. Mas como precisava dos homens pra bater caixa e eles
não queriam ser chamados de “feminina”, ela mudou de nome. Hoje em dia, contando com
os dançantes, a Guarda têm mais ou menos 40 pessoas, de todas as idades – a mais nova
tem um ano e três meses e não pode ouvir uma caixa bater que já quer dançar! Mas esse
número já foi muito maior.
A comunidade gosta muito da festa, se interessa, mas poucos querem mesmo participar e
manter o espaço. A gente tem muita dificuldade, principalmente com o transporte e com a
manutenção da sede que foi quase toda feita com doação. Às vezes a gente recebe convite
para participar de festas de outras Guardas, mas não pode ir por falta de apoio. Nossa festa
principal, que é na rua, é a de setembro em que a gente homenageia São Cosme e Damião,
mas também tem a festa de São Sebastião em janeiro e de Santo Antônio em junho, que são
aqui mesmo na sede.
79
Irmandade de Nossa Senhora do Rosário do Jatobá
Meu Nome é Ildefonso Motta. Sou capitão mor dessa irmandade, que está na minha família
desde 1932, quando meu pai pegou a responsabilidade, depois o irmão dele e depois eu.
O Reinado é herança de família. Eu já nasci nele. Uma pessoa que sempre teve também um
papel importante nessa história é dona Maria Geralda Ferreira, minha mãe, que faleceu em
2005.
Mas a história dessa Irmandade é muito mais antiga. Data do século XVIII e veio passando de
geração em geração desde o tempo em que aqui era fazenda de escravos.
Sou responsável por tudo o que diz respeito ao Reinado. Tenho muitas vezes que abrir mão
de estar com a minha família para cuidar da Irmandade. Minha função é manter a ordem, a
disciplina, ser solidário, fazer valer as tradições. A gente não pode fugir delas, mas se eu for
autoritário não vou conseguir nada.
Hoje a Irmandade conta com mais ou menos 80 participantes entre jovens, adultos e
crianças. A maioria mora em BH, Contagem e Ibirité. Nossa festa acontece em agosto e nela
a gente homenageia Nossa Senhora do Rosário, Santa Efigênia, São Benedito e Nossa
Senhora das Mercês. É uma das festas que mais aglomera gente na região.
Fora a nossa festa, entre os meses de abril e outubro, a gente ajuda as outras Irmandades a
fazer a festa deles. Eles vêm ajudar na nossa festa e a gente vai lá e ajuda eles.
80
Guarda de Moçambique Nossa Senhora do Rosário Nova Granada
Meu nome é Hélio Silva. Sou capitão mor da Guarda de Moçambique Nossa Senhora do
Rosário Nova Granada. Comecei no Reinado com seis anos de idade. A primeira Guarda que
eu participei, a Guarda de Marujo Santa Efigênia, foi na minha terra, a cidade de Santana do
Morro do Chapéu. Meu avô e meu pai participavam dessa Guarda. A família toda é
congadeira. Depois vim para Belo Horizonte e como capitão de guarda participei da Guarda
de Congo Masculino Nossa Senhora do Rosário do Jatobá. Nesse período fui indicado para o
Conselho da Federação do Congado de N. Sra. do Rosário do Estado de Minas Gerais. Eu
exercia a presidência desse Conselho, quando fui convidado por dona Antônia para ajudar na
realização das festas da Guarda de Moçambique Nossa Senhora do Rosário Nova Granada.
A Guarda foi fundada em 1939 pelo senhor Joaquim Marques, que foi o responsável pela
construção da capela que se encontra na sede da Irmandade. Ele esteve na direção da
Guarda até o seu falecimento, em 1993. Em seguida, Dona Antônia, rainha perpétua da
Guarda e esposa de Joaquim Marques, assumiu essa função. Com o falecimento de dona
Antônia em 1995, eu assumi a responsabilidade da Guarda como capitão regente. Assim, os
fundadores, que já faleceram, passaram para a família, que não quis tocar, e então, caiu na
minha mão. E para não deixar acabar essa tradição eu comecei a mexer, e não acabou e nem
vai acabar. Quando eu participava das festas da Guarda como convidado, só tinha o
Moçambique. Atualmente, a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário é composta por duas
Guardas: Guarda de Moçambique Nossa Senhora do Rosário e a Guarda de Congo São
Benedito Feminina, que somam aproximadamente 75 componentes. Então são duas
Guardas, mas quem comanda todo o Reinado de Nossa Senhora do Rosário aqui é o
Moçambique.
Nós fazemos em maio a festa do glorioso São Benedito e em setembro a festa de Nossa
Senhora do Rosário. Nas celebrações em homenagem aos santos do reino de Nossa Senhora
do Rosário nós realizamos novenas, levantamos as bandeiras festeiras, festejamos com as
Guardas que vem nos visitar e após a santa missa conga, nós fazemos a procissão na rua
principal do bairro.
81
Associação Beneficente Dança de Congado da Vila Santo André
Me chamo Dílson de Oliveira Faria, nasci em Belo Horizonte, em 5 de outubro de 1977. Sou
vice capitão mor desta Guarda. Conheci o congado menino. Já nasci no congado. Comecei
dançando na Guarda do Ciriaco; minha irmã Eliane, que é a rainha de santa Catarina da
Guarda, também começou no Ciriaco. Foi o Ciriaco quem criou meu pai depois que minha
avó morreu. Meu pai tinha uns 7 anos. Fiquei muitos anos na Guarda dele. Então um dia fui
ajudar meu pai a fazer a festa dele. Depois disso continuei nesta Guarda e estou nela até hoje.
Esta Guarda foi fundada em 1936 pelo Joaquim Soares e José Veríssimo. No começo, bem
criança, eu era só dançante, depois fui aprendendo os instrumentos, bater caixa e fui
aprendendo os fundamentos do congado. Já fui capitão regente. E aprendi até me tornar o
vice capitão mor. O primeiro capitão mor é o meu pai, Veríssimo. Na falta dele é que eu
assumo a responsabilidade.
Hoje, nesta Guarda, a gente dança é Moçambique. Os participantes da Guarda são da família
ou conhecidos de muitos anos. São pais, filhos, irmãos, primos e assim vai. A Guarda hoje
está pequena, somos mais ou menos 30 pessoas. Tem muita criança. Diogo, meu filho, é o
capitão regente, a Edméia é a rainha conga, a dona Lucília é a rainha de Nossa Senhora
Aparecida. E existe a rainha do ano, que é a rainha coroada naquele ano.
Nós fazemos nossas festas no mês de maio e em outubro. A de maio é a Festa do Cativeiro,
que é a festa do fim da escravidão dos negros. E a de outubro, a Festa de Nossa Senhora
Aparecida, é conhecida como Festa Grande porque é uma semana de festa. Nos dias das
festas nós fazemos o levantamento de bandeira. Cada etapa, cada horário aqui tem um ritual.
Tem o ritual pra comida, pra tomar café e almoçar. Tem o ritual pra acordar, a Alvorada. E tem
durante o resto do ano a festa de outras Guardas, que só não vamos quando é no mesmo dia
que a nossa festa. Na Guarda do Ciriaco vamos sempre, até sem convite, na Guarda São
Bartolomeu, na dos Arturos. Isso aqui para nós é uma Igreja que trata de danças de Reinado.
Uma Igreja que louva Nossa Senhora do Rosário. É a nossa raiz, nossa fé, nosso fundamento
em Nossa Senhora do Rosário.
82
Guarda de Moçambique N. S. do Rosário e São João Batista
Eu sou Maria Aparecida de Souza, sou a primeira capitã da Guarda. Nasci no dia de São João
Batista, em 24 de junho de 1958. A minha avó, dona Bela, a rainha conga da Guarda, fundou
a nossa Guarda em 1954 para levantar a bandeira de São João Batista. Depois veio mais
gente e começaram a fazer festa. Antigamente só fazia festa para São João Batista, Santo
Antônio e São Pedro. Depois começaram a bater Congado e a chamar as Guardas de fora. Eu
comecei no Congado menina. Comecei como princesa da minha mãe, a Albertina. Ela foi a
primeira rainha de Santa Isabel. Depois fui para pé de bandeira, fiquei carregando a bandeira
da guia muitos anos. Depois comecei a tocar folha, a cantar, empolguei e passei a bandeira
para a Valéria, a irmã do meu falecido marido. Aí comecei a bater caixa. O meu padrinho, o
Sinval, começou a me ensinar a cantar, a tocar. Então eles me colocaram na capitania.
Como primeira capitã eu faço de tudo, porque um dia que um capitão não vem eu tenho que
fazer a minha parte e a deles. Tenho que organizar tudo quando tem festa, enfeitar bandeira.
As nossas festas começam em janeiro. Primeiro é a festa de São Sebastião, dia 20 de janeiro,
que é para abrir o Reino. Depois a de São Jorge, no dia 23 de abril. No dia 13 de maio
comemora São Benedito, em julho Santa Isabel, no segundo domingo de outubro é a festa
grande em que a gente comemora todos os santos. A gente fecha o Reino no último domingo
de outubro. Durante o ano visitamos outras Guardas. Hoje a Guarda está com poucos
participantes. Muita gente que era da Guarda saiu do bairro e foi pra longe, outros já
faleceram. Então, a nossa Guarda está pequena; a gente tem umas 20 pessoas certas, que eu
sei que podemos contar. Na capitania somos eu, o Raimundo, o Paulo Luís e o Maurício. A
dona Joana é a rainha do Rosário, a Neuza é a rainha de Santa Isabel, a Maria é a rainha da
Guia. Tem a Vanda que é a rainha do Divino Espírito Santo, o Adilson que é o Rei do Divino
Espírito Santo, e a Marlene e a Raimunda que são as rainhas de São Benedito.
O Congado vem dos antigos, dos africanos, dos Angola. Eu sou apaixonada por qualquer
Guarda de Congo, Moçambique, Catopé, Marujo. Eu tenho raízes, tem por onde puxar. Já
tenho a coisa de sangue. Eu gosto muito de Congado. Eu não posso ver um Congado bater
que o meu corpo balança todinho.
83
Guarda dos Caboclinhos do Divino Espírito Santo
Meu nome é Zelita Pereira da Silva. Sou mestre da Guarda dos Caboclinhos do Divino Espírito
Santo. Eu fui gerada no Reinado, dentro dessa Guarda. Os fundadores foram os meus pais,
João Pereira da Silva e Clotilde Pires da Silva. Eles nasceram e foram criados em Baldim,
Minas Gerais, onde fundaram a Guarda dos Caboclinhos do Divino Espírito Santo. A Guarda é
de uma geração de índio. Eu sou neta de índio e por isso nós temos esse segmento. A
Guarda renasceu no dia 15 de outubro de 2002, através de uma promessa pela cura de meu
neto. Hoje eu tenho certeza que naquela hora eu não poderia contar com gente. Então, eu
contei com a ajuda do Divino Espírito Santo. A Guarda possui atualmente 32 componentes e
não tem capitão, porque funciona como se fosse uma tribo com mestre, contramestre,
cacique e caciquinho. A minha Guarda foi feita para realizar festejos para Nossa Senhora do
Rosário, o Divino Espírito Santo e para receber as visitas de outras Guardas na minha festa.
Eu também levo a minha Guarda para pagar e ajudar na realização das outras festas.
Nós fazemos a nossa festa no terceiro domingo de julho, em que nós comemoramos as
vitórias e fazemos os nossos pedidos ao Divino Espírito Santo e a Nossa Senhora do Rosário,
com a presença de nossos coirmãos de outras Guardas de Belo Horizonte e adjacências. A
festa dura três dias e consiste no levantamento de bandeiras festeiras e na apresentação da
nossa Guarda e das Guardas visitantes. Em seguida, nós temos a grandiosa missa com a
benção das coroas de promessa, celebrada pelo padre Djalma, um legítimo padre
congadeiro, e a procissão. A nossa festa é tradicional no bairro pelo fato de ser um ritual
bastante diferente do Congado tradicionalmente conhecido. Nós batemos arco e flecha e
cantamos outras marchas.
Tenho muito amor pelo Congado e pela Guarda, mas eu era, na família, a que menos sabia e
entendia. Eu acho que a vida de congadeiro não é fácil! A gente canta, louva o Santo,
caminha a pé, passa da hora de comer e até da hora de chegar em casa. Mas nós temos que
pedir a Deus para aliviar os sofrimentos daqueles que estão lá fora. Se eu pudesse, acabaria
com todo tipo de arma e trocaria em favor de uma caixa de Congado. Vai, acompanha uma
Guarda, acompanha um Reinado.
84
Guarda de Moçambique do Divino Espírito Santo do Reino de S. Benedito
Meu nome é Rodrigo Luís Sabino dos Santos. Tenho 32 anos e sou capitão regente da
Guarda de Moçambique do Divino Espírito Santo, que foi fundada no dia 13 de outubro de
1996, a partir de uma promessa da Dona Zelita para a cura do seu neto. Ela costurou as
fardas que nós usamos para sairmos de surpresa e fundar o Moçambique. Os capitães
fundadores foram Iara Bárbara de Andrade (primeira capitã), Jaderson Pereira Lisboa
(segundo capitão) e Wellington Alves de Arruda (terceiro capitão). Minha família toda é
congadeira. Minha mãe era da Guarda de Congo Feminina, que eu só acompanhava. A
primeira vez que eu fardei foi no dia da fundação da Guarda do Divino, como caixeiro. E
depois da saída dos primeiros capitães, eu fui coroado como capitão em maio de 2000. E
estou até hoje nessa função de reger a Guarda. Acima do meu cargo tem o capitão mor. E
como eu não tenho a idade e nem a experiência para capitão mor, eu faço a função do
regente. As principais atividades do Moçambique são a participação nas festas que nós
somos convidados, a coroação dos festeiros, em dezembro, e a realização da Festa do Divino
no terceiro domingo de junho.
O nosso Moçambique tem as cores vermelha e branca porque o Divino Espírito Santo tem
sete dons. E cada dom tem uma cor. E nós adotamos o vermelho. O vermelho é a sabedoria!
O branco porque simboliza a paz. Então, as nossas cores são o vermelho e o branco, e como
o nosso Moçambique é do Divino Espírito Santo, mas o terreiro é de São Benedito, às vezes
nós também colocamos uma fita marrom em homenagem ao São Benedito. Inclusive na
segunda-feira da nossa festa, a Guarda costuma usar uma fita marrom em homenagem a São
Benedito. E o Divino Espírito Santo, para mim, é uma graça, é o santo maior, é só uma pomba
branca representando um poder imenso, um poder muito forte. E eu tenho muito orgulho do
que faço e de ser dessa Guarda. E de ter, pela idade que tenho, o respeito de muitos capitães
mais velhos do que eu. Isso é muito importante pra mim. Então, eu fico muito feliz com isso, e
como se diz, vou eu com o meu vermelhinho pelo prazer de dançar e de mostrar a nossa
cultura e a nossa devoção ao santo. Espero que, no futuro, com mais aprendizado e
experiência, eu possa chegar a ser um mor e, com os meninos que estão chegando, eu possa
colocar alguém para me substituir como regente, como primeiro capitão. E vamos seguindo.
85
Guarda de Moçambique Nossa Senhora do Rosário e São José
Eu, Maria do Rosário de Moura, nasci em Contagem, no dia 25 de fevereiro de 1955. Sou
capitã mor desta Guarda. Entrei no Congado por tradição. Começou com o meu pai. Ele
fundou esta Guarda em Contagem, junto com minha mãe. Até os Arturos ajudaram o meu pai.
Já tem mais de 60 anos – o meu pai nem filho tinha. Minha mãe, Conceição Domingues Diniz,
era rainha conga da Guarda, e o meu pai, José Miguel Diniz, era capitão mor. Foi o meu pai
que passou tudo pra mim. Ainda temos a caixa, o Rosário de Maria, o bastão e o patangome
da época que o meu pai fundou o Moçambique. Então comecei menina. Já toquei
patangome, caixa, até que o meu pai foi ficando doente e falou comigo: - “a partir de hoje
você vai ser capitã mor”. Aqui em BH não tem capitã mor mulher. Até hoje eu ainda enfrento
as coisas. Quando o meu tio, os primos dele, falavam – “será que ela vai dar conta?”, o meu
pai falava: – “dá, ela aguenta!”. Nós fazemos novenas, levantamos bandeiras, como a de São
Benedito e a de Santa Efigênia. A gente reza o terço no dia de levantar a bandeira; fazemos a
nossa festa e ajudamos a fazer a festa dos outros. Em maio vamos para a festa dos Arturos,
do Ciriaco, e, em alguns anos, no Dilson do Santo André. Em agosto vamos para o Jatobá e,
em setembro, começa a nossa festa, no terceiro domingo. Depois vamos para o Ciriaco de
novo e em outubro para os Arturos. Nós batemos Congado até novembro. Nós fechamos o
Reino e abrimos a Folia de Reis com os meninos daqui mesmo – só que é na minha casa, no
bairro Glória.
Foi a rainha conga que pediu para o meu ex-marido montar a Folia de Reis pra ela. Aí ele foi,
com muita dificuldade, e montou uma Folia de Reis pra ela. Nessa época a rainha conga era a
minha mãe, Conceição Domingas Diniz. Hoje na Guarda somos umas trinta pessoas. Têm o
Antônio dos Reis Diniz; José Jeremias Diniz, e minhas irmãs Maria da Conceição Diniz, que é
a rainha perpétua, e a Edna Aparecida dos Santos, que é regente. Tudo aqui é família. Tem a
Doralice, que dança também. Têm a Dália, que é a bandeira de guia; a Marilene, que é a
guarda coroa; a rainha de Nossa Senhora da Conceição, que é a dona Mariana, que já está
com 89 anos. A Marisa, que é a rainha festeira este ano; e tem a Marina, que é capitã. E os
meninos também ajudam, eles são caixeiros. Ser capitã mor precisa aguentar a
responsabilidade todinha da Guarda: mandar os ofícios; saber se vai sair, quando vai. Tudo é
comigo: aprendi foi com o meu pai!
Rua José Romano, 227 (bairro Jardim Inconfidência). Telefones: (31) 8632-8586; 93184977
86
Guarda de Congo São Benedito e N. S. do Rosário do Cabana
Me chamo Odete Maria dos Santos. Eu vou te falar o que é o mais importante da nossa
história. É que eu gosto do congado, que está no meu sangue. Isso vem de dentro de mim.
Eu boto muito amor no que eu faço e é por isso que a gente consegue seguir. Quando a
gente bota o amor e o respeito na frente, tudo dá certo.
Nossa Guarda já tem quase 20 anos. A gente guardou a data do dia 23 de maio como o dia
cabeceiro, quando teve uma reunião e a gente decidiu mesmo que ia começar. Mas eu
sempre gostei de uma caixa. Então, quando eu vim pra cá, pro Cabana, eu fui capitã na
Guarda do Seu Zé Francisco, na rua João Pires. Dancei com eles por 16 anos. Mas meu pai
me deu essa missão de montar essa Guarda antes dele morrer. Um dia ele me chamou, me
pediu dois pauzinhos, ficou batendo um no outro e falou: – “Ô minha filha, se eu sarar a gente
vai passar três dias em Aparecida do Norte comendo do bom e do melhor, mas se eles vê
que eu não vou sarar, eu vou comemorar com os anjos. Mas por favor, minha filha, siga a
minha missão”.
Na Guarda eu sou a capitã mor. Como se diz? O pé-de-boi de tudo. Normalmente, em outras
Guardas, é o rei que financia, mas aqui não. A gente banca tudo. Então, eu sou responsável
por tudo que se refere aos membros. Olho os tamborins, uso o apito pra reger os dançantes,
tiro os cânticos. Minha função é reger ali no meio. É fazer manter o respeito. Porque muita
gente vem pra festa e acha que pode beber, namorar. Eu falo: – “gente, é um dia só; dá pra
aguentar”.
Mas na Guarda a gente tem que saber que naquela hora somos tudo irmão. Porque se eu der
o respeito, tudo sai respeitado. Nossa festa é sempre no terceiro domingo de Maio. Hoje nós
somos 32 integrantes. Já passou um bocado de gente, mas no final só fica mesmo é a família.
87
Guarda São Jorge de Nossa Senhora do Rosário
Meu nome é Kelma Gizele. Sou a rainha da alvorada e capitã da Guarda São Jorge de Nossa
Senhora do Rosário. A nossa Guarda é uma instituição cultural e religiosa que preserva,
mantém e divulga o Reinado e a devoção a Nossa Senhora do Rosário. As atividades da
Guarda começaram na década de 1930, no bairro Concórdia, na data oficial de fundação de
13 de maio de 1938. Na década de 30, o Sr. Alcides e a Sra. Rosa de Lima, junto com alguns
amigos, vizinhos, compadres e alguns parentes, resolveram formar uma Irmandade de Nossa
Senhora do Rosário. Assim formaram um Congo e um Moçambique, que foram coordenados
pelo Sr. Alcides, o capitão fundador, e Sra. Rosa de Lima, rainha conga fundadora. A Guarda
São Jorge de Nossa Senhora do Rosário é a Irmandade mais antiga entre as tradições do
Rosário no seu bairro, o Concórdia, e é também uma das mais antigas do município de Belo
Horizonte. As tradições e ações culturais herdadas dos antepassados, dos fundadores, são
mantidas pelos atuais descendentes e amigos, todos devotos de N. Sra do Rosário. Nossa
última matriarca foi a minha mãe, que todos conheciam e chamavam calorosamente de tia
Wilma. Desde 1975, quando assumiu a direção da Guarda, tornou-se a responsável pela
transmissão dos saberes que sempre orientaram a todos nós participantes. Com o seu
falecimento, eu e minha irmã Kelly assumimos a responsabilidade da Guarda. Hoje contamos
com cerca de 18 pessoas.
As principais atividades anuais da Guarda são a Festa de São Jorge, no mês de abril, e a
Festa de Nossa Senhora do Rosário, no mês de outubro. Temos o nosso projeto permanente
– o “Reinado em Preservação e Difusão” –, e bandeiras ao longo do ano. Levantamos a
bandeira em homenagem a determinados santos. Nós temos bandeira em janeiro, que é de
São Sebastião. Em abril, a bandeira é de São Jorge. Depois temos as bandeiras de Santo
Antônio, São João Batista e São Pedro, em junho. Em outubro, as bandeiras de Santa
Efigênia, São Benedito, Nossa Senhora do Rosário e Nossa Senhora da Guia. Essas são as
bandeiras do nosso Reinado. Além disso, nós fazemos intercâmbios com outras Irmandades,
participando de festejos para os quais somos convidados e, da mesma forma, acolhemos em
nossos festejos as Irmandades que conosco vêm louvar o Santo Rosário de Maria. E viva o
Rosário!
Rua Tamboril 639 (bairro Concórdia). Belo Horizonte - MG
Telefone: (31) 3421 3225. E-mail: kelmagizele@yahoo.com.br
88
Guarda de Moçambique de Nossa Senhora da Divina Providência
Eu, Cleone da Silva Pedro, nasci no dia 7 de fevereiro de 1977 em Belo Horizonte. Sou devoto
de Nossa Senhora do Rosário. Comecei aos seis anos de idade acompanhando meu avô
Chico – Francisco Luiz de Souza –, o fundador, junto com a sua amiga Maria Lúcia Pereira
dos Santos, da Guarda de Moçambique Nossa Senhora da Providencia, em 1974.
Eu tinha o meu avô como ídolo. Foi ele quem me ensinou a ter fé e confiança em Nossa
Senhora do Rosário. Ensinou-me muitas coisas: a respeitar as pessoas, novas ou velhas, a
conduzir a regência da Guarda, a ter respeito por todos.
Quando meu avô dizia que eu seria o futuro regente da Guarda, eu dizia a ele que não teria
capacidade para isso, até por que havia pessoas mais velhas na casa.
Comecei como caixeiro de trás e com o tempo me tornei caixeiro de guia, que é chamado
capitão de guia. Foi quando um belo dia de festa meu avô me passou o bastão para que eu
cantasse. Me assustei com aquele ato de meu avô! Passado o susto, criei coragem e cantei.
Como aprendiz que eu era, fui ficando experiente, aprendendo a me comportar e a distinguir
o que eu poderia fazer. Foi quando meu avô adoeceu e disse que eu estava preparado para
assumir a regência da Guarda, e que a primeira coisa que eu deveria fazer era ter o respeito
de meus comandados, deveria ser humilde para que eles se acostumassem comigo.
Tenho o maior prazer em cantar e dançar para Nossa Senhora. Recebi e recebo muitas
bênçãos, faço o que eu gosto, tenho certeza que esta era minha missão! Pela maneira com
que tudo aconteceu, graças a Deus, tenho o respeito de todos e vou tocando o barco até o
dia que Deus me permitir.
89
Guarda de Congo Feminina Nossa Senhora do Rosário
O meu nome é Zilda Pereira Lisboa. Nasci em Belo Horizonte no dia 12 de agosto de 1949.
Desde criança, eu e a minha irmã Neuza Pereira Teixeira, nascida em 1948, participávamos
do Reinado com meu pai, Geraldo Pereira da Cruz, minha mãe, Marieta Dias Pereira, e meu
avô Joaquim Pereira da Rocha. Eles fundaram a Guarda de Congo de Nossa Senhora do
Rosário no bairro Aparecida, e eu fui a princesa aproximadamente em 1953.
Eu tinha muita vocação para dançar, cantar, bater caixa, mas isso não era possível porque a
Guarda era masculina e eles não aceitavam que as mulheres participassem dessas funções.
Às vezes, se faltava caixeiro, em caso de emergência, meu pai deixava eu tocar. Assim foi
que eu aprendi.
Com o passar dos anos e com o falecimento de todos os componentes da Guarda masculina,
que carinhosamente chamávamos de “Guarda dos Caducos“, minha mãe deu a ideia de
fazermos a Guarda de Congo Feminina de Nossa Senhora do Rosário.
Gostaria que a nossa festa se mantivesse firme – me sinto realizada com o nosso
envolvimento de fé. Aqui, até a tristeza pula de Alegria!
90
Centro Cultural Chácara Maria Reis
A história da Chácara Maria Reis teve início em 1849 com meus avós, devotos de Santo
Antônio. Eles eram donos da Fazenda Pampulha, que a partir de 1904 ficou conhecida como
Fazenda de Sá Don’Anna, a Portuguesa. Em 1938 foi construída ali a Capela de Santo
Antônio, onde passaram a comemorar a Festa de Santo Antônio e de Nossa Senhora das
Graças. O cortejo saía da sede da fazenda com destino à capela. Na década de 1980 os
congados já vinham para a festa levantar bandeiras e em 1988 eu fundei o Reinado de Santo
Antônio de Pádua, me tornando o rei perpétuo.
A Chácara é um centro ecumênico, também conhecido como Terreiro de Santo Antônio. Além
da capela em estilo colonial, erguida com o nome de Capela de Nossa Senhora do Rosário
dos Homens Livres, a Chácara também abriga os seguintes espaços: um verdadeiro museu
de arte sacra regional; a sede da Ordem Templária da Cruz de Santo Antônio de Pádua, com
seu Centro de Tradições Chico-Rey (um grupo especializado em pesquisa e divulgação das
tradições religiosas de caráter popular do povo mineiro); a sede da Conferência de Santo
Antônio de Pádua da Sociedade São Vicente de Paula – com trabalhos assistenciais para as
famílias carentes da região; e ainda a sede do Centro das Tradições do Rosário no Estado
Maior de Minas Gerais – CETRRO – , antiga Federação dos Congados de Minas Gerais,
representante oficial das 4 mil Guardas, Cortes, Bandas e Ternos de Congado, Moçambique,
Candombe e Vilões de nosso Estado. Ali nós mantemos vivos rituais ancestrais: desde 1886,
a Trezena de Sábados de Santo Antônio; desde 1930, no segundo domingo de junho sob o
Rito Católico Romano, o Jubileu em Honra de Santo Antônio; desde 1988, a Festa de São
Benedito e o Capítulo Geral da Ordem Templária, quando revivemos os antigos ritos dos
Cavaleiros Templários sob o Rito Católico Ortodoxo de Antioquia.
A maior autoridade do Reinado sou eu, rei perpétuo de Santo Antônio Manoel Fonseca dos
Reis, assistido por meu guarda mor, José Maciel Júnior. A nação que rege o Palácio Real é o
Moçambique e os toques que antecedem nossos rituais são das águas do Djedje Mahin.
91
povos e comunidades tradicionais de
terreiro, povo de axé, povo de santo
92
06.
TERREIROS
Juliana Campos
Fernanda de Oliveira
Povos ou Comunidades Tradicionais de Terreiro, Povo de Santo, ou Povo de Axé são algumas
das denominações correntes entre os adeptos das religiões de culto aos ancestrais: orixás,
inquices, voduns, santos e guias, como o candomblé e a umbanda. Essas religiões de
matrizes africanas, também chamadas de religiões afro-brasileiras, referem-se a:
O candomblé pode ser compreendido como uma religião de matrizes africanas marcada
pelo culto às divindades, orixás, inquices ou voduns. A denominação para o panteão de
divindades varia com o que é denominado nação no candomblé. De modo geral, na nação
queto, cultua-se orixás, na nação angola, cultua-se inquices e na nação jeje, voduns. Alguns
candomblés podem cultuar também entidades como o caboclo e outras que variam de
terreiro para terreiro. Os terreiros se estruturam a partir de uma complexa rede de relações
entre os adeptos, orientadas por uma hierarquia religiosa e estruturadas a partir da “família de
santo”, ou seja, um “grupo de adeptos do candomblé que têm relações de parentesco mítico
principalmente pela via da iniciação” (SILVA, 1995). Trata-se de uma religião bastante
93
heterogênea, baseada na oralidade, sem um grande “livro-guia” (como a Bíblia para os
cristãos, por exemplo). Toda sua liturgia, suas regras e preceitos se edificam a partir dos
ensinamentos da liderança religiosa da Casa (pai ou mãe de santo, ialorixá ou babalorixá – em
iorubá; tata de inquice ou mameto de inquice – em banto).
A umbanda é divulgada como uma religião genuinamente brasileira, pois suas origens
remontam a uma mistura das tradições religiosas e populares presentes no país: o culto às
divindades africanas, aspectos de tradições indígenas, o catolicismo popular, o kardecismo,
dentre outras. Diversas pesquisas localizam sua origem nas primeiras décadas do século XX
no Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul, a partir da emergência de manifestações
das religiões de matrizes africanas dentro de práticas kardecistas. Entretanto, pesquisas
apontam vários traços das práticas umbandistas no interior dos chamados ritos populares
ainda no século XIX, sobretudo nos grupos bantos (SILVA, 2005). Assim como no candomblé,
a umbanda se caracteriza desde sua formação por uma diversidade de cultos e contempla
uma infinidade de denominações (omolocô, umbanda linha branca, quimbanda, umbanda
oriental, umbanda esotérica entre outros), algumas mais antigas e outras que vão surgindo em
movimentos mais recentes, com a incorporação de novos elementos.
94
NOGUEIRA 2017). As informações disponíveis dão fortes indícios da relação estreita entre tais
manifestações desde os seus primeiros tempos, sendo comum uma forte interação entre a
umbanda e o candomblé nos terreiros da cidade. Este fato pode ser observado na atualidade
e os relatos presentes neste Catálogo mostram a diversidade de terreiros onde estão
presentes tanto a umbanda quanto o candomblé. Além disso, grande parte dos terreiros
belorizontinos são territórios de outras manifestações religiosas e culturais, como o reinado e
a capoeira. Destaca-se também a existência de dois quilombos na cidade que possuem
terreiros como parte fundamental de sua constituição. Outro fato notável nas presentes
narrativas: os terreiros da cidade em geral não são apenas templos de culto religiosos, mas
lugares de realização de atividades culturais, serviços sociais voluntários, funcionando como
importantes referências de apoio, acolhimento e hospitalidade para a comunidade envolvente.
Nas próximas páginas, você encontrará registros escritos de narrativas orais dos
representantes das comunidades religiosas tradicionais de terreiro envolvidos nessa
publicação. Essas narrativas foram produzidas a partir de entrevistas realizadas com
lideranças dos terreiros para a elaboração do presente Catálogo. A participação de técnicos e
estudantes que são religiosos de matriz africana na equipe de trabalho foi importante para
facilitar a abordagem e a mobilização das lideranças religiosas entrevistadas. De um universo
de mais de 300 terreiros mapeados na cidade de Belo Horizonte, foram entrevistados 62. A
escolha foi de forma amostral, buscando contemplar todas as regiões da cidade, as três
nações do candomblé mais presentes e as diferentes formas de umbanda, em uma tentativa
de representar esta diversidade de manifestações que o quadro de terreiros de Belo
Horizonte apresenta.
MORAIS, Mariana Ramos de. Registros da fé afro-brasileira na capital de Minas. Anais dos
Simpósios da ABHR, Vol. 12 , 2011.
http://www.abhr.org.br/plura/ojs/index.php/anais/article/view/220
NOGUEIRA, Nelson Mateus. O Moxicongo nas Minas Gerais: raízes e tradição. Cabana
Senhora da Glória, Belo Horizonte, 2017.
95
BERGO, Renata Silva. Quando O Santo Chama: O Terreiro de Umbanda como contexto de
aprendizagem na prática. Tese de Doutorado (Doutorado em Educação). Belo Horizonte:
Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade
Federal de Minas Gerais, 2011.
CAMPOS, Amanda Horta. Uma casa de portas abertas: experiências em Manzo Ngunzo
Kaiango. Trabalho de Conclusão de Curso. (Graduação em Ciências Sociais). Belo
Horizonte: Departamento de Sociologia e Antropologia, Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, 2010.
CAMPOS, Juliana Miranda Soares. Religião e etnicidade: etnografia da formação de um
terreiro de candomblé no Quilombo de Mangueiras. Trabalho de Conclusão de Curso
(Graduação em Ciências Sociais). Belo Horizonte: Departamento de Sociologia e
Antropologia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas
Gerais, 2011.
CAMPOS, Juliana Soares; HORTA, Amanda, MOUTINHO, Pedro. “Sobre crença e afeto:
diálogos de um candomblé na cidade”. Ponto Urbe – Revista do Núcleo de Antropologia
Urbana da USP. São Paulo: Departamento de Antropologia, Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2009. Link:
http://www.pontourbe.net/index.phpoption=com_content&view=article&id=8:sobre-crencae-
afeto-dialogos-de-um-candomble-na-cidade-&catid=7:graduacao-em-campo&Itemid=12
CARDOSO, Alexandre. “Dimensões básicas da religiosidade belo-horizontina”. Estudos
Avançados (CEPRAB), São Paulo, ano 18, n.52, p. 63-75, 2004.
CARDOSO, Alexandre Antônio. Os alquimistas já chegaram: uma interpretação sociológica
das práticas mágicas em Belo Horizonte. Tese de Doutorado. (Doutorado em Sociologia).
São Paulo: Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 1999.
CARDOSO, Ângelo Nonato Natal. Mito, dança e ritmo no candomblé em Belo Horizonte.
Dissertação de Mestrado (Mestrado em Música Popular). Rio de Janeiro: Programa de
Pós-Graduação em Música, Centro de Letras e Artes, Universidade Federal do Estado do
Rio de Janeiro (UNIRIO), 2011.
FERREIRA, Carlos Amauri; MAIA, Anderson Marinho. “A Umbanda e sua manifestação na
região metropolitana de Belo Horizonte: da tradição à contemporaneidade”. 2011. Trabalho
apresentado no XII Simpósio da ABHR, 31/05 – 03/06 de 2011, Juiz de Fora (MG), GT 17: A
alteridade na pesquisa: religiões afro-brasileiras, tradições indígenas e catolicismo popular,
2011.
Link: http://www.abhr.org.br/plura/ojs/index.php/anais/article/view/221
GOMES, Ângela Maria da Silva. Rotas e diálogos de saberes da etnobotânica transatlântica
negro-africana: terreiros, quilombos, quintais da Grande BH. Tese de Doutorado
(Doutorado em Geografia). Belo Horizonte: Programa de Pós-graduação em Geografia,
Instituto de Geociências, Universidade Federal de Minas Gerais, 2009.
MORAIS, Mariana Ramos de. O candomblé na metrópole: a construção da identidade em dois
terreiros de Belo Horizonte. Dissertação de Mestrado (Mestrado em Ciências Sociais). Belo
96
Horizonte: Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais, 2006.
MORAIS, Mariana Ramos. “Registros da fé afro-brasileira na capital de Minas”. Trabalho
apresentado no XII Simpósio da ABHR, 31/05 – 03/06 de 2011, Juiz de Fora (MG), GT 09:
Religiões Afro-brasileiras e espiritismos, 2011.
Link:http://www.abhr.org.br/plura/ojs/index.php/anais/article/view/220
MORAIS, Mariana Ramos de. Nas teias do sagrado: registros da religiosidade afro-brasileira
em Belo Horizonte. Belo Horizonte: Espaço Ampliar, 2010.
MDS - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Alimento: Direito Sagrado –
Pesquisa Socioeconômica e Cultural de Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiros.
Brasília, DF. Secretaria de Avaliação e Gestão de Informação, 2011.
PONTES, Ana Cristina. “O candomblé em Belo Horizonte”. In: PONTES, Ana Cristina;
MORAIS, Fernanda Emília de (Orgs.). Heranças do tempo: tradições afro-brasileiras em Belo
Horizonte. Belo Horizonte: Fundação Municipal de Cultura, 2006.
REZENDE, Michela Perigolo; CASTRIOTA, Leonardo Barci. “A preservação do patrimônio
afro-brasileira: o caso de Belo Horizonte”. Revista Fórum Patrimônio – Ambiente
Construído e Patrimônio Sustentável – Cadernos de Trabalho. Vol. 1 , No. 1, 2007. Link:
http://www.forumpatrimonio.com.br/view_full.php?articleID=107&modo=1
SANTOS, Geovânia; VILARINO, Marcelo. “Umbanda no Brasil e em Belo Horizonte”. In:
PONTES, Ana Cristina; MORAIS, Fernanda Emília de (Orgs.). Heranças do tempo: tradições
afro-brasileiras em Belo Horizonte. Belo Horizonte: Fundação Municipal de Cultura, 2006.
VAZ, Beatriz Accioly. Na encruzilhada dos deuses e dos homens: apontamentos sobre os
significados e papeis de Exu em um terreiro de candomblé banto. Trabalho de Conclusão
de Curso. (Graduação em Ciências Sociais) – Belo Horizonte: Departamento de Sociologia
e Antropologia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de
Minas Gerais, 2010.
Coordenaram a pesquisa sobre Terreiros: Juliana Campos, Fernanda de Oliveira, Carlos Eduardo
Marques e Pedro Moutinho.
97
Localização dos Entrevistados:
https://www.google.com/fusiontables/embedviz?viz=MAP&q=select+col2>>0+from+1434MiGg0e-
pI19NbADjPO8hGNzOw0igo0WjGueY+where+col0>>0+=+'Comunidade+Tradicional+de+Terreiro'&h=f
alse&lat=-19.918254945581133&lng=-43.93429232409664&z=14&t=1&l=col2>>h
98
Centro Espírita São Sebastião
Eu sou Isabel Casimira das Dores Gasparino, uma sacerdotiza que pratica a umbanda desde
o ventre da minha mãe, Maria Cassimira das Dores. Minha mãe herdou o Centro Espírita São
Sebastião por missão espiritual. Quando eu e meu irmão Ephigênio Casêmiro éramos
pequenos, ficávamos em casa sozinhos. Meu irmão, oito anos mais velho, cuidava de mim
para nossa mãe ir trabalhar no centro espírita. As sessões aconteciam no bairro Santa Tereza
e eram comandadas pelo senhor Marcelino, que recebia o Preto Velho Pai Timbiras de
Angola. Por decisão desse mentor espiritual, Dona Cassimira herdou o centro espírita cujos
objetos rituais foram entregues em sua casa, no bairro Concórdia, levados em uma carroça.
Esse acontecimento causou grande surpresa, pois só depois que esses objetos chegaram foi
que minha mãe recebeu a comunicação sobre a decisão de Pai Timbiras. A partir de então,
por missão sagrada, ela dirigiria os trabalhos espirituais em sua casa que, nessa época, era
muito simples, com apenas três cômodos. Um grande desafio.
Aos poucos, com a solidariedade de amigos e apoio material em agradecimento por graças
recebidas, um novo cômodo pôde ser construído para que Dona Cassimira pudesse trabalhar
com seus guias. Atividade a qual dou continuidade, dirigindo a Casa desde 1984, quando
minha mãe faleceu.
O Centro Espírita São Sebastião é uma Casa de caridade que se preocupa em manter as
raízes dos seus ancestrais. Em 2013 completaremos 80 anos de tradição. Fazemos nossas
reuniões espirituais às segundas, quartas e sextas de 20:00 às 22:00 horas. Nossas principais
celebrações são: Comemoração de São Sebastião, dia 20 de janeiro; Comemoração de
Ogum, dia 23 de abril; Comemoração de Cosme e Damião, dia 27 de setembro; e Nossa
Senhora da Conceição, dia 8 de dezembro.
99
Cabana Espírita Umbandista Caboclo Flecha Dourada
Nossa casa foi fundada por Dona Terezinha, também conhecida como Mameto Kitulá,
descendente direta do Terreiro Bate Folha em Salvador, fundado por Manoel Bernardino da
Paixão.
A iniciação de Dona Terezinha na umbanda ocorreu por volta de 1956. Em 1972 ela foi
iniciada no candomblé, recebendo o deká em 1979, quando passou a ser conhecida como
Mameto Kitulá. Após a passagem de Mameto Kitulá, em 2008, o Centro passou a ser dirigido
por mim, Tata Italengombi, segunda geração da Casa.
Eu cuido das atividades do Centro e conduzo o preceito a Mameto Kitulá. Realizo a difusão
do candomblé seguindo a tradição que me foi passada pela minha mãe de santo e zeladora,
Nengua Guanguancese, e pelo meu pai de santo, Tata Minguanchi: através do culto e
respeito às forças da natureza, expressão dos gestos e vibrações das danças.
Atualmente estamos guardando sete anos de luto pela passagem de Mameto Kitulá. Por isso,
tocamos umbanda todas as sextas feiras, respeitando a origem do seu sacerdócio, apesar da
casa ter como fundamento o candomblé. Depois de respeitado o luto e realizado todo o
preceito a Mameto Kitulá, iniciaremos o sacerdócio do candomblé, realizando, aqui na Casa,
as festas e cultos aos nossos principais inkises.
100
Casa de Caridade Pai Jacob do Oriente
Sou Ricardo de Moura, zelador de umbanda da Casa de Caridade Pai Jacob do Oriente, aqui
na Lagoinha, na rua Fagundes Varela, 99. A nossa Casa é tradicional; tem 45 anos que está
aberta. Assumi a direção da Casa há oito anos, na hierarquia e na herança, pois sou
descendente direto dos fundadores. Ela foi fundada por meu pai e pelo Pai Jacob, seu preto
velho, guia e mentor espiritual da Casa. Com a morte de meu pai, o terreiro foi passando de
descendente a descendente. Primeiro assumiu minha mãe e eu agora.
É uma Casa de culto afro-brasileiro na doutrina e no culto de umbanda, com os guias e orixás
de umbanda. Sou de raiz de candomblé de Angola Muxicongo e filho de Tateto Nepanji da
Roça Nossa Senhora da Glória. O terreiro toca as sessões abertas ao público às segundas e
quartas feiras a partir das 19:30 horas com passes e desenvolvimentos mediúnicos, além do
atendimento particular ao público às terças e quintas feiras.
A Casa tem um projeto social com a Vila Nosso Senhor dos Passos, onde está situada. Há
uns 10 ou 11 anos trabalhamos com doações de cestas básicas, arrecadadas com parceiros
que conseguimos com o projeto Fome Zero. De 40 em 40 dias a gente doa umas 100 a 120
cestas. A gente pega e repassa, fazendo o cadastro. Além disso, temos projetos na área da
saúde e cidadania, com auxilio do corpo de médiuns da Casa, que ajudam conforme a
disponibilidade de cada um. Temos projetos de alfabetização, capoeira e conscientização da
pessoa enquanto ser.
A Casa é uma referência para a Vila. Virou ponto de apoio, tanto espiritual, quanto emocional
e material também, apesar de não termos tanto para doar, mas a gente está sempre
dividindo.
101
Centro de Parapsicologia Cosme e Damião
Meu nome é Geraldo Ubiraí Neves Winter, tata do Centro de Parapsicologia Cosme Damião.
O Centro existe desde 1977 e seus principais orixás são Ogum e Oxum. Minha primeira
manifestação foi aos seis anos. Comecei a ter uma febre muito forte, depois comecei a ter
manifestações – falava com vários tipos de vozes – e médico nenhum curava. Sou de família
protestante e minha mãe achou que eu estava ficando louco – me mandou para Belo
Horizonte para me internar em um hospício. Nesse período, um tio trouxe do Rio de Janeiro
uma junta médica para me ver antes que me internassem. Dois médicos eram espíritas
kardecistas. Olharam e falaram: – Ele não tem nada de loucura; o negócio dele é espírito.
Foi difícil para o meu tio aceitar, mas ele viu que a coisa era real quando eles fizeram orações
para mim e eu manifestei. Como minha mediunidade era muito avançada, fomos para a Bahia
procurar um centro espírita. Almoçando no Mercado Modelo, tive uma manifestação e
comecei a passar comida no rosto. A primeira entidade que apareceu foi Cosme e Damião.
Tentando me interromper, meu tio me bateu no rosto, quando então foi entrando um senhor
magro, de terno branco, que falou para ele: – Não faz isso com a criança, ele está
manifestando. Era o Camafeu de Oxóssi, que então cuidou de mim: fiquei com ele, me
desenvolvi, me preparei. Fui babalorixá aos 12 anos. E aí continuei. Recebi uma caridade e
tinha que passar para frente.
102
Ilé Ojó Obá Kaô
Sou Noezi Ferreira de Oliveira, conhecida como Kaô Kabeci, Ebomi de Xangô, ou Kaô
Babasilé. Esse nome significa “Xangô, pai dos pobres e humilhados”, e eu sou aquela que
protege essas pessoas. Sou a mãe do Terreiro Ilé Ojó Obá Kaô, que é “A Casa do Olho do Rei
Xangô”. Esta Casa nasceu em 1987, no Campo Alegre, numa festa de São Cosme e Damião.
Esse foi o dia da nossa primeira sessão pública.
O mais bonito dessa sessão é que nós estávamos tristes porque não tinha ninguém... Nós
tínhamos mais de 250 pacotes de balas pra distribuir, com brinquedinho e tudo, mas não
tinha ninguém... Aí foi pingando, foi pingando, foi pingando e, de repente, o terreiro estava
tomado! Não tinha mais onde colocar crianças, e os erês desceram, e os meninos de Angola
desceram, e fizeram aquela festa...
Hoje o Ilé Ojó Obá Kaô tem 15 pessoas, fora os tios e os netos de santo. Nós nos reunimos
semanalmente todas as quartas-feiras, e anualmente comemoramos: o Dia do Universo, no
dia 14 para 15 de maio; o dia de Xangô, na última quarta-feira de junho; a comida de santo,
em agosto, setembro; e a Festa de Cosme e Damião, no segundo domingo de outubro.
Esta Casa é uma coisa que nós acreditamos. Gostamos muito de participar de atividades
sociais, emprestando a nossa voz para as minorias. Acreditamos e defendemos a nossa
umbanda. Eu amo a minha fé, acredito nela, e tento tirar a tarja de que a umbanda é uma
religião de pessoas atrasadas. Todo mundo fala que a umbanda é uma religião de gente
analfabeta, mas isso não é a realidade.
Na verdade, os místicos são intelectuais, são filósofos. É uma filosofia do povo. Queremos
manter as tradições negras – os costumes e os hábitos negros –, e defendemos com orgulho
a nossa descendência da África. Temos respeito pelo nosso cabelo, pela nossa cor, pela
nossa comida, pela nossa fé.
103
Centro Espírita São Sebastião
Sou Guaraci Maximiano dos Santos, Tatetu Yalêmim. O Centro Espírita São Sebastião é
expressão primeira da fé de nossa matriarca, D. Cecília Félix dos Santos. A partir de
manifestações mediúnicas variadas – vozes, sonhos, visões, incorporações – de difícil
entendimento para a então adolescente, D. Cecília foi orientada a procurar um centro espírita
de mesa, ainda nos anos trinta. Logo depois, passou a incorporar seus guias espirituais, uma
constante em sua vida. Concomitantemente, começaram as procuras por benzeções, rezas e
partos. Nesse contexto, se institui informalmente seu primeiro terreiro dentro de sua moradia,
na Rua Sto. Agostinho, no bairro Sagrada Família. Logo, seu guia chefe, Pai Supriano,
determina a fundação da atual Casa nos anos quarenta.
Em uma dinâmica onde o tempo é atravessado pelos ditames da espiritualidade, nossa mãe é
orientada a tratar de sua saúde, se iniciando no candomblé. Já nos anos sessenta, D. Cecília,
por intermédio do Sr. Terezino, de Mametu Gangêtú, Mametu Pararás, Carlos Olojukan,
dentre outros, inicia-se no candomblé de Angola, na raiz da Goméia, por Mametu Kilondirá,
Yatôki (Camarão) e Mametu Kiló, descendentes diretos de Joãozinho da Goméia. Foi no
terreiro de Joãozinho, em Duque de Caxias, estado do Rio de Janeiro, que Tabaladê D’Ogum,
D. Cecília, cumpriu seus preceitos e obrigações. Desta forma, o candomblé, agregado às
outras vertentes defendidas na filosofia e práticas desta Casa (a umbanda e o reinado),
formou uma tríade religiosa, dando origem a um espaço comum que se coloca a serviço da
fé, hoje zelado por mim, Tatetu Yalêmim.
Rua Geraldo Menezes Soares, 500 (bairro Sagrada Família). Belo Horizonte – MG
Telefone: (31) 3481-9405E-mail: cess@ig.com.br
104
Nzó Atim Obatolocy
Sou Reginaldo Teixeira da Silva, Tatetu Sessy Itaocy, da Casa Nzó Atim Obatalocy. Nossa
Casa toca o candomblé e a umbanda. Somos da nação de Angola, da família Goméia.
Nossos inkises são Mutakalambo, Dandalunda, Omolu e Tempo. Nossa Casa é bem antiga. A
Casa começou com minha avó, Deolinda de Xangô, na Vila Anchieta (atual bairro Anchieta).
Passou para minha mãe e meu pai, e agora está comigo. Vai fazer 32 anos.
Eu fundei esta Casa, que está neste local desde 1985. Eu fui iniciado no candomblé de
Angola, mas tocava umbanda. Recebi minhas obrigações do candomblé, comecei a ser
zelador de inkises. Aí minhas obrigações aumentaram e me dediquei mais ao candomblé.
Nossa Casa é uma referência para a comunidade em geral. Realizamos muitas atividades que
integram as pessoas da Casa e as moradoras da região. Distribuímos cestas básicas,
oferecemos cursos sobre a religião e língua banto, aulas de capoeira. Aqui no bairro nós
somos muito respeitados, é muito tranquilo. A comunidade participa, as pessoas vêm pegar
as coisas que são doadas, vêm para as festas. Na Festa de São Cosme e Damião, em
setembro, aqui lota de meninos. Durante o ano fazemos muitas festas, como a Festa de Preto
Velho, em maio, e de Oxóssi, em junho, Cosme e Damião (setembro).
Temos uma base de 250 pessoas frequentes na Casa. E um grande número de filhos, por
volta de 650, espalhados pelo Brasil e pelo mundo. Somos um grupo afro-brasileiro. Por mais
que eu queira fazer tudo em banto, quando eu vou tocar a umbanda, não deixo de tocar um
culto brasileiro. Então, eu toco o banto, que seria angolano, mas não deixo de tocar uma
coisa brasileira.
Participamos de movimentos negros devido à religião. É a briga pelo negro, pelo espaço do
negro, porque, tendo o espaço para agir, eu terei um espaço de estilo religioso. A religião é o
tom, é o tema principal.
105
Templo Umbandista Pai Joaquim de Aruanda
Eu sou Mãe Nilce, mãe de santo do Terreiro Pai Joaquim de Aruanda. Trabalho na umbanda
fazendo cura, abrindo os caminhos, ajudando os filhos mais necessitados. A umbanda é paz,
é luz, amor e caridade.
Sou a mãe de santo, mas faço todas as coisas do terreiro: abro os trabalhos, chamo as
entidades, faço as giras dos filhos, preparo os banhos e as comidas para os santos e para o
pessoal da sessão; canto pra louvar e agradecer as entidades presentes ou em forma de luz.
Toda semana tem sessão às quintas e sábados, de 20 às 22 horas. Primeiro oramos para a
abertura dos trabalhos, cantamos para todos os santos e depois chamamos as linhas –
caboclo, criança, depende do dia. Tem também os atendimentos particulares. A pessoa
marca dia e horário e escolhe a entidade. Isso acontece à parte da sessão. No atendimento
particular fazemos limpeza de verduras, canjica, pipoca, banho de cerveja.
Aqui tem festa o ano inteiro! Iemanjá, Iansã, menino de Angola, Tranca Rua e Cigana tem todo
mês. A do Preto Velho acontece no mês de maio e a gente chega a fazer feijoada para 300
pessoas! O terreiro aqui é aberto. Estamos de braços abertos para esperar as pessoas de luz.
E as minhas almas santas benditas que sempre iluminem as nossas vidas e a todos os
nossos caminhos.
106
Ilê Wopo Olojukan
Sou Sidney d´Oxóssi, atual babalorixá do Ilê Wopo Olojukan. A Casa, vinculada à tradição
Yorubá (Ketu) e de patrono Oxóssi, é reconhecida como o primeiro terreiro de candomblé de
Belo Horizonte. Foi fundada por Carlos Ribeiro da Silva, um baiano conhecido em BH por
Carlos Olojukan, ou Carlos Ketu, que no início da década de 60 chegou de Salvador com um
objetivo determinado: fundar o primeiro terreiro de candomblé da cidade.
Ele abriu as portas para a fundação de vários outros terreiros e sempre lutou pela valorização
e promoção da identidade cultural dos praticantes do culto aos orixás. Todo seu trabalho
resultou no tombamento da Casa como patrimônio cultural do município. E, para fazer jus ao
título de patrimônio cultural, Carlos Olojukan iniciou um novo projeto: a criação do Centro
Cultural Carlos Ribeiro da Silva, para que o terreiro fosse apropriado por toda comunidade
afrodescendente de Belo Horizonte.
Mas, infelizmente ele não teve tempo de concluir este projeto e faleceu em 1997. Depois de
cumprido o tempo de luto ao Sr. Carlos, assumi o trono, em 1999. Conduzo as atividades da
Casa, exercendo o sacerdócio e suas atividades institucionais como bem cultural da cidade.
Busco construir parcerias com organizações sociais e com o poder público para assegurar a
promoção do patrimônio, tanto físico quanto simbólico do terreiro.
Nossa Casa organiza várias atividades, como palestras e atividades artísticas sobre cultura de
matriz africana, cursos de gastronomia ligada aos orixás, visitas guiadas. Nossas principais
cerimônias são: a Festa de Odé (Oxóssi), patrono do Ilê, em abril; Olubajé em agosto;
Caboclo Jupiara em novembro; além das obrigações e celebrações dos filhos da Casa.
107
Ilé de Iemanjá
Meu nome é Djanira, sou conhecida como Mãe Deija. Sou ialorixá, filha de Iemanjá Ogunté.
Quem fundou meu terreiro foi a Preta Velha que recebo desde criança, chamada Maria Conga
de Moçambique. Ela foi o primeiro orixá a descer dentro da Casa. Só que ela deixou bem
claro: – Estou fundando essa Casa para minha mãe Iemanjá; esta Casa é minha e de minha
mãe Iemanjá. Então, ela me pediu para não colocar o nome dela na Casa, e sim do meu
santo, que é Iemanjá, na qualidade de Ogunté. Por isso o terreiro é chamado Ilé de Iemanjá. O
terreiro tem 51 anos e já passou por vários lugares, mas sempre mantendo o mesmo nome.
Tento também, com o terreiro, uma maior aproximação com as causas negras para que a
cultura afro-brasileira seja valorizada. Já estive representando o terreiro em Brasília nos 300
anos de Zumbi, e ajudei na organização das caravanas mineiras.
Durante o ano fazemos muitas festas, como as festas para as crianças, Festa de 13 de Maio
(dia dos negros) e Festa do Caboclo. Nas festas convido outros terreiros para participar e
também participo de eventos quando convidada.
Já estive no Congo, Nigéria e Angola. Fui para ter mais conhecimento, pois dentro dos santos
sou uma ialorixá e quero me aprofundar na cultura afro para instruir e transmitir para meus
filhos.
108
Kwé Dansitonude
Meu nome é Jorge Alex dos Santos, conhecido como Jorge de Oxum, do Terreiro Kwé
Dancitonude. Sou da nação de candomblé Jêje Mahin. Nossos orixás são Oxum, Bessem
(nosso patrono), Sogbô e Azansu. As atividades nesta casa tiveram inicio em 15 de julho de
2010, quando a casa passou a ser reconhecida.
Eu comecei no candomblé no ano de 1989, após mudar de religião, pois eu era evangélico e
senti necessidade de me afastar dessa religião. Foi quando me aproximei do candomblé. A
primeira vez que fui ao candomblé eu passei mal, bolei, e tive que fazer santo. Eu fui feito no
Rio de Janeiro, no dia 15 de janeiro de 1989, pelo pai de santo João Manuel Onorato, filho de
Oiá. Permaneci com Pai João por 17 anos. Depois disso, já em Belo Horizonte, me liguei à
Mãe Dilza Dalva Machado, que cuidou de minhas oferendas para meu santo. Sou
descendente da Casa Seja Unde, por parte do meu pai de santo, e do Terreiro do Bogum, por
parte da minha mãe de santo.
Nossas principais atividades se concentram no mês de novembro. São quinze dias seguidos
de atividades. O primeiro sábado é dedicado aos Zandrós (louvação aos ancestrais pedindo
permissão para o candomblé de domingo). Domingo, a oferenda é para os voduns: Bessem,
Sogbô, Azansu; louva-se o santo do pai de santo. É época das pessoas da casa cumprirem
todas as suas obrigações. No sábado seguinte faz-se o Polê, uma louvação aos Atinças
(árvores sagradas) e ao Zandró do Boitá. No domingo há o Boitá, uma procissão de oferenda
aos voduns (por volta das 17:00 h); após o Boitá começa o candomblé. Na terça-feira faz-se o
Zandró a Aziri Tobos (divindade das águas). Na quarta-feira louva-se Aziri Tobos.
109
Centro Espírita Ogumbejé
Foto: Virgínia Cá
Meu nome é Elmito Marques da Silva e sou conhecido como Marcos. Sou o fundador e o
responsável pelo Centro Espírita Ogumbejé, onde também sou responsável por tocar e cantar
para o santo. Organizo o centro junto com o Cambono, que é a pessoa que faz doutrinação e
acende os cachimbos, o auxiliar de santo. Temos ainda os médiuns e os filhos de santo.
Aos dezesseis anos recebi o chamado do santo. Nesse tempo eu participava da Igreja
Católica. A partir desse chamado, dei abertura ao centro, que teve sua inauguração em 18 de
fevereiro de 1972.
Nossas festas acontecem nos meses de abril, agosto e setembro, com objetivo de ajudar ao
próximo.
Sou o único responsável pelo centro devido à dificuldade de formar novos responsáveis para
dividir a responsabilidade comigo. Não costumo frequentar outras casas, a não ser quando é
festa de Iemanjá, na Lagoa da Pampulha, em agosto.
Temos as festas realizadas em abril, a comida tradicional da Casa Ogum para o povo. Em
agosto, damos comida a Obaluaie, a pipoca para as pessoas, e a Manguza dos Eres, a
comida de frango com quiabo, arroz e refrigerante. Em setembro temos a festa de Cosme e
Damião, com a distribuição de balas, refrigerantes, pipocas de embalagem e bolos para
adultos e crianças.
Considero o meu grupo uma expressão afro-brasileira, por termos a origem baseada na
influência africana, que são os santos, os exus, o candomblé, o omolokô etc. Todos têm
origem na África, apenas damos continuidade.
110
Centro Espírita Pai Jobino da Bahia
Meu nome é Rosane Benedita Pereira de Melo. Nosso centro foi fundado por minha mãe, a
ialorixá Maria Martins Pereira. Ela nasceu em 1933, em Araçuaí, onde passou sua infância.
Mamãe, desde nova, tinha visões. Via um índio pendurado no quarto com os pés balançando.
Com 15 anos foi a um centro no Rio de Janeiro e desenvolveu-se na umbanda com o pai de
santo Seu Joaquim. Nessa época, junto com vovô, mudou-se para Teófilo Otoni, onde
conheceu papai.
Depois da experiência no Rio montou um quartinho em casa para receber seus muitos
seguidores. Mudamos para Divinópolis e mamãe continuou com seu quartinho. Em 1973
papai estava doente e nos mudamos para Belo Horizonte. Alugamos uma casa no bairro
Pompéia e mamãe queria ir além de seu quartinho. Dividindo com Luiz Amado, conseguiu um
espaço no Horto, mas nesse mesmo ano mudamos para o bairro Maria Goretti, e o Centro
veio junto.
Nossa força vem de Oxalá e Ogum. Cantamos para Oxalá, depois Ogum vem abrir os
trabalhos. Pai Guiné é nosso guia, orienta nossos trabalhos e vêm para Eduardo. Nos
reunimos duas vezes por semana: no sábado é umbanda e no domingo pela manhã os
participantes se concentram em aprender a doutrina do espiritismo. Comemoramos as festas
de Oxóssi (janeiro), Ogum (abril), dos Pretos Velhos (maio), de Nanã (julho), de Iemanjá
(agosto), Ibeji (setembro), Iansã (novembro) e Obaluae (dezembro).
111
Casa Espírita Discípulos do Pai Eterno
Sou a ialorixá Mãe Marlene de Gantois, filha de Mãe Menininha de Oxum. Aprendi com minha
mãe que se me pedem ajuda, devo ajudar. Os orixás querem ver todos bem. Após muitos
anos de luta para construir, tijolo a tijolo, minha casa, aqueles que aqui buscam fé e amor
terminam por encontrar. Assim aprendi em Salvador, assim prossegui. Sigo a tradição de
minha Mãe Menininha: minha casa está aberta e acolherá como puder.
Não distingo os santos nem as pessoas, desde que bem intencionadas. Não há dinheiro que
compre minhas boas intenções, não há quantia que me faça querer mal a alguém.
Sou bem vivida, obstinada, viúva e mãe, independente e solidária, e minha casa é como eu,
edificada com luta. Atendo figuras influentes em nossa sociedade e até o mais desconhecido
transeunte. Oriento e acolho quem precisar. Realizo curas espirituais, jogo de búzios, terapias
radiestésicas, festas anuais dos santos, oficinas de pintura. As sessões acontecem todas as
segundas-feiras, a partir das 20h. Temos também um espaço de creche comunitária, sessões
de massoterapia, cursos de bordado, oficinas de culinária e auxílio à alfabetização.
O Centro sobrevive com as doações dos que aqui frequentam e dos bem intencionados,
sempre cabendo mais um. Já apareci em inúmeros jornais de época falando sobre a paz de
Jesus e aconselhando as pessoas a serem calmas. Hoje participo da Rádio Tropical, todos os
sábados, a partir das 13:30 h. Minha casa já venceu o prêmio Top of Mind: Serviços Sociais
2005-2006, prova de reconhecimento de nossas boas ações.
Sou filha de Oxumaré e, como meu orixá, é preciso estar em movimento, por isso estou
ampliando o terceiro andar da casa, para que possamos continuar trilhando o bem. Se
Oxumaré parar de se movimentar, o mundo também para. E a Casa Espírita Discípulos do Pai
Eterno quer prosseguir sempre em direção a boas energias.
112
Casa Espírita Pai João de Aruanda
Sou Mãe Cecília, sou mãe de santo, zeladora e benzedeira no terreiro Pai João de Aruanda.
Sou também rainha perpétua da Guarda de Congado de Nossa Senhora do Rosário Estrela
de Davi, situada em Justinópolis.
Fui iniciada no candomblé Angola, mas foi na umbanda que me desenvolvi. Frequentei muitos
terreiros, porém percebi que várias coisas não me agradavam. Até que um dia, estava reunida
em casa com minhas amigas, era dia de São Sebastião (Oxóssi), e não tínhamos nenhum
local pra ir. Resolvi pegar um tambor de água, virei-o e fizemos um altar. A partir daí
passamos a nos reunir com bastante frequência e decidi registrar o terreiro. Começamos as
atividades em 1988 e o terreiro foi registrado em 1991. Desenvolvemos pouco a pouco.
Ser mãe é muito bonito, saber que o orixá te escolheu é gratificante. Eu quis fundar a Casa
porque fui cobrada, minha bisavó era da África, não tinha nem documentos, foi escravizada. A
gente busca aqui celebrar os orixás, nos lembrar dos nossos antepassados que foram
escravizados e manter a religião e cultura que é nossa. Ninguém me ensinou, e por isso
considero que seja um chamado.
Em nossa comunidade temos cerca de 104 participantes, 44 filhos e o restante visitantes que
frequentam regularmente. Realizamos eventos abertos à comunidade externa: aos sábados,
tocamos para pomba gira e às segundas realizamos o toque normal. Toda primeira segunda
feira do mês, a casa toca para Obaluaê (meu pai), conforme a tradição do candomblé Angola.
Cultuamos o bem, o amor ao próximo, o respeito, não fazemos mal a ninguém. Eu me sinto
honrada em poder ajudar as pessoas, através de uma reza, de um trabalho. Quando benzo,
por meio de uma comida servida ao orixá, as pessoas me agradecem e dizem: agora graças a
Deus está tudo bem. Sou grata pela graça de Zambi. Mantemos a cultura africana e brasileira
e por isso celebramos duas festas, de Preto Velho (13 de maio) e a festa de Erê (27 de
setembro).
Rua Antônio Marcos da Cruz, 536 (bairro Rio Branco, Venda Nova). Belo Horizonte - MG
Telefones: (31) 3453-4374/3453-7269
113
Kwê Zoorodê
Meu nome é Norcélia de Oxum. Fui iniciada no santo há 36 anos, no ano de 1977 e sou filha
de Oxum com Ogum.
Meu primeiro zelador foi o finado Maurílio do Ogum. Na época eu estava com 18 anos e
estava com vários problemas de saúde, que já vinham desde a minha infância. Oxum queria
que eu fosse iniciada, mas meus pais carnais não aceitavam.
Após a caída do quelê, fui para casa do meu avô de santo, o finado Luiz Mangueira, onde
fiquei por dez anos. Logo depois fui para a casa do finado Nono do Oxóssi, onde terminei
minhas obrigações.
Em 2002 abri minha casa de santo Kwê Zoorodê, onde meu finado Pai Nono, que ainda
estava vivo, plantou o axé.
A casa foi aberta no terreiro em que moro e sempre pude contar com a ajuda dos meus
familiares carnais e filhos de santo.
As principais festas que a casa faz são as de Xangô, comemorada em junho, a de Erê, em
setembro, e a de Oxum, em novembro. Estas são as festas que envolvem uma maior
preparação dos rituais e da festa para o público.
Durante toda minha vida o que me mantém de pé é o amor e o respeito que eu tenho pelos
orixás. E por isso busco constantemente sabedoria dentro do que faço e dentro do que sei.
114
Terreiro Pai José do Rosário
Meu nome é Tânia Moreira. Sou a Ekedi Teni de Oxumarê do Terreiro Pai José do Rosário,
fundado em 1970 e situado na rua Pedro Vicente, 63. Fui iniciada em 1993 como Ekedi Teni.
Sou uma das responsáveis pelo terreiro, mas tenho duas irmãs que também fazem parte. Nós
o herdamos da nossa mãe, Ilda de Oxóssi. Quando ela fundou o terreiro, era umbanda, mas
logo depois ela se iniciou na nação Jeje e posteriormente na nação Ketu, em que também
fomos iniciadas.
Minha iniciação se deu logo após a morte da minha mãe, quando foi feito o xirê pelo pai de
santo. Quando ele jogou, foi-nos revelado que eu, junto com minhas irmãs, deveríamos dar
continuidade ao trabalho dela, com todo respeito a tudo e a todos, e vamos fazer isso
enquanto os orixás nos permitirem e nos derem força e saúde para gente continuar a obra
dela.
Meu pai de santo foi filho de santo de minha mãe. Ele se chama Gerson do Oxóssi. Sua
iniciação foi neste terreiro. Sinto-me muito grata por todas as bênçãos e graças que recebo.
Não me considero melhor do que ninguém, porque eu acho que nesse meio nós temos que
ser uma família e se todos pensarmos assim nós nos tornaremos uma família sem
preconceitos, sem brigas, sem uns querendo ser melhores que os outros.
Espero que com este trabalho nós possamos nos unir e nos tornar uma nação grande. As
principais festas que acontecem no nosso terreiro são as festas de Oxóssi, de preto velho, de
erês e as obrigações de santo. Atualmente estamos em reforma, mas quando for concluída
haverá uma grande festa, a da entrega do deka de Juliana Moreira, com fé em todos os
orixás!
115
Centro Espírita Pai Mateus de Angola
O meu nome é Ivanildo Cassimiro. Sou homossexual, conhecido como Ivani. Eu sou casado
há 20 anos, vivo muito bem na minha religião e trabalho honestamente na umbanda. Antes,
quando eu tinha uns 15 anos, eu era, como se diz, do mundo. Eu não gostava e não aceitava
o espiritismo. Mas a partir do momento em que fui visitar um terreiro de umbanda com uma
amiga (o terreiro da Vitória, que ficava perto de minha casa), comecei a sentir muitas
vibrações espirituais. Com isso, eu me senti muito bem.
As entidades do meu terreiro, Centro Espírita Umbanda Pai Mateus de Angola, são do bem.
São elas que nos alertam sobre as coisas. São elas que nos salvam. Mas, para isso
acontecer, basta que tenhamos fé em Deus, pois Deus vem em primeiro lugar. Depois vêm as
entidades.
Eu quero dizer que trabalho com honestidade, com o coração aberto. Além disso, faço
caridade e trato as pessoas de forma igual, independente da classe social. Por fim, quero
dizer que me casei na umbanda e me sinto muito feliz no espiritismo.
Rua Cruzeiro do Sul, 807 (bairro Cardoso, Barreiro de Cima). Belo Horizonte - MG
Telefones: (31) 3387-1004; 8768-1877; 9646-6954
Blog: http://centroespiritapaimateusdeAngola.blogspot.com.br
116
Centro Afro Brasileiro Nzo Atim Oiá Oderin Atim Katispera
Meu nome é Sidney, sou o Pai de Santo Odé Cidogy do Centro Afro Brasileiro Nzo Atim Oiá
Oderin Atim Katispera. Esse nome vem de nossa ascendência – o pai João da Gomeia. Todos
nós somos conhecidos como Povo da Gomeia. Ele dizia que onde ele morava existia um pé
de katispera e que todos nascidos daquela casa voltariam para lá um dia.
O terreiro já teve outro nome (Templo Umbandista Rainha Iansã). Foi criado em 1978, pela
minha mãe Dona Maria da Conceição, Mãe Mavulegy, nascida em Montes Claros. Ela veio
para Belo Horizonte em 1971 com a mediunidade na umbanda e começou como benzedeira.
Em 1991, Mavulegy iniciou-se no candomblé, passando a partir daí a zelar, preservar e cultuar
os inkises e a nação Angola Moxicongo, juntamente com a umbanda.
A casa foi reinaugurada como Angola em 1999 e hoje tem 110 participantes (os muzenzas) e
sua diretoria.
A casa tem festas o ano inteiro como, por exemplo, festa de Ogum (abril), festa de Preto
Velho, do Rosário (maio), festividade do dono da Casa Mutakalambo e Kukuana (agosto),
festa de Erê, São Cosme e Damião (outubro), Comida aos Ancestrais (novembro), festa da
dona da Casa, Nguru Zemula (Matamba), festividade das águas Dandalunda, Kaiala Kunqueto
(festa das mulheres), e festividade do Exu da casa (dezembro) na matriz, um sítio em Juatuba.
Também, trabalhamos com cursos sobre religião afro-brasileira, linguagem, origem da família,
tradição, e temos projetos sociais – distribuímos cestas básicas e atuamos no combate às
drogas.
117
Ilê Axé Omi Ogunsade
Meu nome é Andréia de Oyá, sou mãe de santo da Casa Ilê Axé Omi Ogunsade que significa
“Casa da Força das Águas da Rainha que Ogum Criou”.
Nossa história começa em 2001, quando Oxum, manifestada na Mãe Ivone de Oxum, minha
mãe biológica, disse que aquele ano seria o último para ela construir a casa de candomblé e
que essa era a sua vontade. A mãe me disse o seguinte: – Eu vou montar o candomblé, mas
no dia em que eu botar uma yaô de Oxum, eu me sinto em paz com Oxum; eu vou viver minha
vida e você vai tocar o candomblé.
Ela então inaugurou a Casa em 15 de junho de 2002 e em 2003 colocou uma yaô de Oxum e
uma yaô de Oxalá e veio a falecer pouco tempo depois. Após seu falecimento, em 2004, a
Casa ficou fechada e em luto até 2006, quando me tornei a mãe de santo da Casa, aos 33
anos. Minha mãe de santo é Ana de Ogum. A partir daí tornei-me responsável pela Casa,
construindo e refazendo os passos de minha mãe.
Dividem a diretoria, Oxum, que inaugurou a Casa, e Iansã, a herdeira. Temos muitas
entidades que dançam em nossos filhos.
Acontecem várias atividades durante o ano, como as Águas de Oxalá (janeiro), festa de Exu, a
festa de meu Pai Ogum, comemorada junto com a de Oxóssi (abril), a festa de Omolu com a
de Nanã, Olubajé (todos os santos), Oxum e Iansã (novembro, festa maior das donas da
Casa). Ocorrem também as obrigações, iniciações, atendimento ao público e a cerimônia de
Amalá, todas elas voltadas para manter vivas as tradições religiosas e culturais afro-
brasileiras.
Rua João Magela Luz, nº163 (bairro Céu Azul). Belo Horizonte – MG.
Telefone: (31) 30770261. E-mail: casadecandomble@hotmail.com
Site: http://casadecandomble.com.br
118
Centro Espírita Ogum Megê
Sou Yalorixá de Inkise Laura de Ogum, sou filha de Ogum, guerreiro e vencedor de demanda.
Tenho 27 anos de feitura. Sou fundadora do barracão (como é chamado o terreiro no
candomblé) Centro Espírita Ogum Megê, criado há 25 anos. O pai pequeno do meu terreiro é
Carlos de Ogum, filho de Catulembá da Casa de Inkise de Angola. Juntos estamos vencendo
as dificuldades financeiras e os preconceitos. Trabalhamos com seriedade para ampliar e
valorizar o entendimento espiritual de nossa nação.
Toda nação tem seu respeito. Toda nação tem seu valor. Somos da nação de Angola, de raiz
Bate Folha. Os principais orixás e entidades que baixam no nosso barracão são: Ogum Megê;
Oxum Opará; Preto Velho Pai Mateus; os caboclos; os exus da Casa (Tiriri e Maria Padilha) e
a Pomba Gira Malandrinha, dentre outros.
Todos aqueles que quiserem conhecer nosso barracão estão convidados. Nossas reuniões
são realizadas todas as terças e quintas das 19 às 22 horas. Também fazemos jogo de
búzios, cartas e atendimento individual. Entre as festas realizadas temos a festa de Ogum, em
16 de julho, Pretos Velhos em 13 de maio, São Cosme e Damião em 27 de setembro e Exu da
Casa em novembro. Estamos abertos para receber os interessados.
119
Centro de Irradiação Espírita Umbandista Mãe Maria Conga
Sou Mirian Guedes Pires, Mãe Luanderê. Venho de uma raiz católica. Dizem que é comum
entrar na umbanda pelo caminho da dor, o que foi o meu caso. Passando por uma fase difícil
(a falência de uma loja que possuí no passado), fomos até a Casa de Pai Joaquim,
recomendados por um amigo, buscar ajuda. No início era meu marido que frequentava, pois
eu relutei bastante, até que por fim comecei a gostar. As coisas foram acontecendo e, sem
sentir, já estava montando minha Casa. Pai Joaquim me deu todo o apoio, me ajudou e me
segurou até que eu pudesse caminhar com os próprios pés. O Centro, hoje registrado
formalmente em cartório, surgiu no final de 1988.
Apesar do meu dia a dia ser na umbanda, fui também raspada no candomblé. Possuo ambas
ramificações. Pelo fato de vários médiuns que entravam na Casa precisarem fazer suas
obrigações, querendo fazer santo, eu precisei plantar os fundamentos para a Casa como a
casa de exu, as camarinhas de santo, casa das almas etc. Mas os fundamentos, o culto aos
orixás é basicamente o mesmo, e aqui cultuamos nove no total, de Ogum a Oxalá, sendo
Ogum o meu santo.
Dirijo a Casa com a ajuda dos ogãs, ekedes, iaôs, pais pequenos e as abiãs; meus
babalorixás e ialorixás aparecem quando é dia de festa. No mês de maio celebramos a festa
do Preto Velho, em junho celebramos o meu Ogum. Em setembro ou início de outubro é a
festa de Cosme Damião. Em dezembro celebramos a festa das Yabás e em agosto a festa
tradicional de exu.
A minha umbanda é a minha rotina, é minha raiz, foi onde me iniciei, é minha origem, e tal
como ela, também tenho elementos misturados. A própria umbanda é essa mistura, pois
significa “uma banda”. Seu nascimento se deu nos terreiros dos senhores de engenho e a
umbanda buscou reunir todos eles, desde Jeje até Ijexá.
Rua Maria Césarea Moreira, 325 (bairro Céu Azul). Belo Horizonte - MG
Telefone: (31) 3031-2245. E-mail: mirianguedes2012@gmail.com
120
Centro Espírita de Umbanda Omoluaruaru
Meu nome é Sandra de Melo. Sou Mãe de Santo do Centro Espírita de Umbanda
Omuluaruaru, que foi fundado por mim na década de 90. Nossa linhagem na umbanda é
Omolokô, um pouco de todas as nações. Eu sou nascida e criada no Evangelho. Eu não tinha
participação nenhuma com santo. Por motivos de doenças e outras coisas que foram
acontecendo comigo, eu passei para a religião espírita.
Primeiro eu frequentei o Centro de Mesa, até passar para a umbanda. Quem fez a minha
feitura de santo foi a Oxokibó Dandalunda, filha de santo do falecido Antônio Pereira Camelo.
Oxokibo Dandalunda é filha de Oxalá e Iemanjá, e mãe de santo no Centro Espírita de
Umbanda Yaobakao. Então, ela me recolheu e deu a feitura do meu santo. Eu devo a ela tudo
o que eu tenho, pois é a minha mãe de santo. A ela e a meus orixás. Sou muito feliz por isso.
A umbanda fez e faz muito bem na minha vida. É preciso ter muita fé em Deus e em todos os
orixás para aguentar tanta humilhação, porque existe muito preconceito em relação ao mundo
dos espíritos. O problema todo da espiritualidade é o preconceito. É como se diz, o lado da
espiritualidade não tem aceitação. Eu não queria, mas parece que as pessoas tem medo de
mim.
121
Rupami Ayoni Jiboni
Meu nome é Aristóteles Nery Soares, sou conhecido como Doté de Ode, Pai Doca. Sou
sacerdote da nação Jeje Mahin na Roça Rupami Ayono Jiboni, descendente da casa Rupami
Ayono Runtologi.
No começo, minha casa se chamava Casa Doca de Odé. Para dar seguimento às tradições,
mudei o nome para o atual. Muitas pessoas estranham quanto digo que sou Jeje Mahim,
afinal, em Belo Horizonte, nossa nação não é tão conhecida como outras.
Comecei na umbanda com 8 anos e aos 12 anos iniciei-me no candomblé por Joãozinho de
Iansã e João de Ogum. Após o falecimento deles dei continuidade às obrigações com Doné
Dalva de Bessém, filha de santo de Luíza Franquelina da Rocha, mais conhecida como
Gaiacu Luíza.
Minha ascendência tem seu axé plantado na cidade de Cachoeira e São Felix, no Recôncavo
Baiano. Abri minha casa no ano de 1979 e desde essa época tenho sido muito feliz e dei
seguimento à minha nação com 23 filhos – muitos, inclusive, com casas abertas em Belo
Horizonte e Brasília. Dessa forma, às vezes, tenho que fazer diversas viagens para dar
obrigação a meus filhos e também orientação espiritual, aconselhamento sobre a manutenção
da casa, indo a São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília constantemente.
Fazemos questão de guardar com zelo e carinho os voduns de nossa nação. No mês de
agosto realizo uma das festas mais importantes de minha casa: Andé de Azansun, aberta à
comunidade. Em outubro, desde 1975, ano de minha feitura no santo, realizo a obrigação do
meu santo com evento fechado. Os eventos abertos contam com boa acolhida da
comunidade do entorno e mesmo da cidade.
122
Centro de Irradiação Nossa Senhora do Rosário de Fátima
Meu nome é Jairo Ribeiro Lopes. Sou o pai de santo do Centro de Irradiação Nossa Senhora
do Rosário de Fátima. Tenho 42 anos de terreiro. Eu e minha mãe frequentávamos o Centro
de Irradiação Espiritual São Judas Tadeu, onde fomos iniciados. Eu fiquei um pouco fora até
que constatei a entidade chegando e falando o nome, que é o Pai Benedito. Depois várias
outras entidades se manifestaram. E com os ensinamentos da Mãe Nanã, que é do Centro de
Santa Bárbara Virgem, e outros adeptos da religião, eu aprendi os fundamentos. Em 1982, eu
e minha mãe fundamos o nosso centro, que hoje tem três gerações unidas: pais, filhos e
netos. Cerca de 40 pessoas participam do terreiro, entre pai de santo, ogãs, filhas de santo,
pai pequeno, mãe pequena, médiuns e outros participantes assíduos da casa.
A principal atividade do centro é receber o público que toma passe e conversa diretamente
com as entidades. Além disso, nós fazemos os trabalhos que são pedidos pelas entidades e
realizamos várias festas de orixás. Nós começamos assim: Oxalá em dezembro, Oxóssi em
janeiro, Iemanjá em fevereiro, Ogum em abril, festa dos Pretos Velhos no dia 13 de maio, Exu
em junho, Ogum também no dia 13 de junho, Iemanjá de novo, dia 15 de agosto, Obaluaiê em
agosto, Erê, dia 27 de setembro e Xangô (que é o meu orixá) no dia 30 de setembro, Iansã,
dia 4 de dezembro, Oxum no dia 8 de dezembro e Omulu, dia 16 de dezembro. Depois nós
voltamos novamente com as festas. São duas festas de Iemanjá, porque no dia 2 de fevereiro
nós comemoramos Iemanjá e é também o dia em que nós abrimos o Centro. É Iemanjá e a
abertura da Casa!
O axé do terreiro é marcado pela força das orações. É um terreiro bem democrático,
frequentado por todo tipo de pessoa. O meu terreiro é ecumênico. No meu caso, como pai de
santo, além de coordenar as cerimônias e as festas, eu tenho que receber a todos como filhos
e ensinar o que for melhor para eles. Nesse processo de conhecimento, quase tudo é falado.
Não tem quase nada escrito. A gente fala, faz e deixa a herança para os filhos de santo.
Vamos contando histórias e os outros vão guardando. Então, essa é a minha linha no terreiro,
ensinar, explicar e aprender com os novos.
123
Terreiro Oca Tupinaré
Eu me chamo Raquel Maria de Paula Reis. Tenho a dijina de Zumbaquenãn, mas sou
conhecida como Zumbá. Sou a zeladora do Terreiro Oca Tupinaré Umbanda e Candomblé.
Adoro essa maravilhosa religião. Através dela, venho conquistando vitórias, muitas, que eu
nem imaginava alcançar. Por isso, não a troco por nada, apesar dos tropeços que já tive. Eu
não abandono nunca meus inkises (meus santos) e nem minhas entidades. Eles me ajudam
muito.
Agradeço muito meu finado zelador, Lodeci, do Terreiro de General Carneiro, do qual
participei durante 18 anos. Foi ele quem me iniciou e me ensinou o pouco que sei da vida
espiritual. Penso que a gente não sabe nada da vida, está sempre aprendendo. Eu considero
isso também um aprendizado. Agradeço também a minha família, que me apoia e me ajuda
muito.
Foi o Caboclo Tupinaré, acompanhado dos demais guias, que abriram o candomblé. Eles,
que me acompanham todos esses anos, me orientaram e instruíram para que eu abrisse o
meu terreiro em 2008. O terreiro, que tem o nome do caboclo, está aberto a todos. Nós
realizamos muitas atividades em nossos encontros, que acontecem às segundas-feiras à
noite. Realizamos também, ao longo do ano, as festas comemorativas do candomblé.
Quero reforçar que foi o caboclo e os guias que me deram forças para conquistar as coisas
que almejo há muito tempo e até as que nem pedi. Muitas vezes, a gente não sabe o que
pede, mas as entidades sabem. Por isso, eu sou muito grata às entidades – todas elas. São
elas que me dão a sabedoria para caminhar sempre forte. Elas que sabem do que
precisamos. Eu espero, com sinceridade, que as entidades continuem sempre comigo, com o
meu terreiro e com as pessoas que o ajudam, apoiam e o visitam, para que eu possa sempre
continuar trabalhando com força e sabedoria.
124
Centro Religioso e Cultural Áfrico-Brasileiro Logun Edé
Meu nome é João Bosco Arabeken do Candomblé, também conhecido como Benzedor. Sou
coordenador e responsável pelo Centro Religioso e Cultural Áfrico-Brasileiro Logun Edé.
Minha mãe era católica praticante e devota de Santa Rita. Quando menino, vivia desmaiando,
sentindo muitas dores de cabeça e os médicos diziam que era problema de cabeça; me
receitavam remédios, mas nada curava. Até que um dia, Dona Maria, uma senhora conhecida
de minha mãe e umbandista, afirmou que meu problema não era de médico e sim espiritual. A
partir daí, apesar de minha pouca crença, fui entrando e conhecendo este caminho.
Fui benzido sempre, até me iniciar, há 38 anos, pelo meu pai de santo, Pai Simão, em Nova
Vista. Lá, também fui iaô, recebi meus direitos e abri minha Casa no bairro Água Branca.
Transferi o terreiro para cá, pois com a doença da minha mãe, ficava difícil ir e vir, e mudei o
nome para o atual. Os participantes são muitos, começando pela Celinha, Célia Gonçalves,
makota – é uma das mais velhas; Elza Bibiano, ebômi; Eliete, makota; Cleide, iaô... São
muitos, até eu lembrar todos!...
As festas são realizadas ao longo do ano com destaque para Águas de Oxalá, em janeiro;
Oxóssi, em abril; Ogum, em junho; Obaluaiê, em agosto; Logun Edé, em outubro; Iabás, em
dezembro.
Vem muita gente nas minhas festas. Vizinho é mais difícil; vem mais gente de fora do que
daqui de perto. O nosso público vem de vários lugares e de todas as classes sociais.
Rua Abelardo Chacrinha Barbosa, 25 Conjunto Túnel de Ibirité (bairro Tirol, Barreiro)
Belo Horizonte - MG
Telefones: (31) 3384-9988/3332-3200
125
Ilê Rumpami Geleci
Sou Ronie Pereira, Dofono de Oyá no Ilê Rumpami Geleci. Dou destaque à nação Jeje em
minha Casa, mas não me esqueço da força dos orixás. Sou filho de Mãe Wanderlúcia da
Casa de Odé Cican. Descendo com muito orgulho de João do Ogum desde 1989 e me
esforço para perpetuar a força desse axé.
Não é sempre que o trabalho em minha Casa está ligado ao candomblé. Trabalho com
sessão de umbanda desde 1995 e com atendimento espiritual e divulgação cultural de minha
herança africana. Oriento meus filhos de santo a estudarem a história dos negros e negras no
Brasil e na África para que possam conhecer a origem de sua vida e o porquê de nossa
religião ser ao mesmo tempo tão bonita e tão perseguida. Aponto para meus filhos e filhas
que o norte a ser buscado não deve ser somente a sabedoria do candomblé. Devemos obter
conhecimento da história para que nossa estima não seja diminuída.
Em relação às festividades e eventos de minha Casa, realizamos diversas festas. Algumas são
de umbanda e outras são de candomblé. Na umbanda minha Casa se chama Casa de Maria
Padilha e realizo festas para as entidades regularmente, tais como para Exu, Preto Velho,
Caboclo de Pena e Boiadeiro. Também sou membro da Guarda Moçambique do Divino
Espírito Santo, sou coroado Rei Perpétuo de São Sebastião e, em razão disso, promovo a
Festa de Nossa Senhora do Rosário, momento em que ergo um altar em minha Casa, dando
seguimento à força da tradição. No candomblé minha grande festa é o Olubajé, no mês de
agosto, e observo com rigor a execução desta grande comemoração.
Minha Casa possui fortes laços com o trabalho comunitário e artesanal. Também sou artesão.
Trabalho com modelagem, restauração e pintura de imagens sacras de gesso e madeira.
126
Tenda Espírita Xangô Airá
Eu, César de Odé, juntamente com Mãe Maria de Xangô, somos os líderes espirituais da Casa
Tenda Espírita Xangô Airá. Sou zelador de santo da Casa e adepto do candomblé há mais de
45 anos. Fui raspado pela Doné Wanderlúcia de Odé Cican, filha de João de Ogum, filho de
Tata Fomotinho. Nosso espaço é pequeno e humilde, mas pleno em espiritualidade, com uma
história de tradição que se inicia por volta de 1950 e se reinicia com a refundação da Casa
por Mãe Maria em 2005.
Nosso caminho é a umbanda. Cultuamos entidades como Preto Velho, Boiadeiro, Marinheiro,
Baiano, Exu e Caboclo – povo ancestral que fundou nossa religião. Também tocamos em
outras linhas, pois qualquer orixá aqui é bem vindo e merece nosso respeito. Por isso, caso o
pessoal de santo vire para inkises, voduns ou orixás, nós estamos abertos para louvar aquela
divindade que se manifestou.
Assim, se tivermos o privilégio de receber divindades da nação Angola, a gente canta Angola,
se forem Keto, louvamos Keto, se forem Jeje, veneramos Jeje. Agregamos em nossos cultos
diferentes matrizes religiosas africanas. Além disso, realizamos as festas tradicionais ao longo
do ano, como por exemplo, em 29 de julho para Xangô e 20 de janeiro para Oxóssi.
Para mim, o importante é o iniciado e seu orixá, ou melhor, o seu ori, enquanto conhecimento,
morada do espírito e fonte primária de energia. Ko si Òòsà ti i dá´ni gbè léhìn Orí eni: nenhum
orixá abençoa uma pessoa antes de seu ori.
Tudo que aprendi foi com amor, pois umbanda e candomblé é isso: fé, pureza e caridade.
127
Centro Espírita Caboclo Sete Liras do Mar
Me chamo Hélio Motti, e minha esposa Maria do Carmo de Freitas Motti. Estamos na
umbanda há 30 anos, e eu mais, pois estou com 77 anos e comecei com 16 anos. Quinze
anos após nos casarmos, ela começou. Ela tomou conta do Terreiro da Mãe Doxi, na Rua
Olintho Magalhães, por três anos, quando Mãe Doxi esteve doente.
Quando ela veio a falecer, minha esposa abriu um terreiro, em 1989, primeiramente chamado
Núcleo de Assistência Espiritual Sete Liras do Mar, agora chamado Centro Espírita Caboclo
Sete Liras do Mar, onde estamos até hoje, trabalhando em prol da nossa umbanda.
Hoje minha esposa realiza o desenvolvimento mediúnico e as sessões de trabalho e meu filho,
Humberto, é o presidente. Trabalhamos seriamente, sem mistificação, da melhor maneira
possível.
Nosso terreiro é muito bem frequentado, graças a Deus, e vamos continuar até o dia que
nosso Pai nos der oportunidade de ficar aqui na Terra. Assim que nós partirmos, eu não sei se
alguns dos médiuns, ou meus filhos e minhas netas, se algum deles desejará continuar com o
terreiro... isso é o futuro que dirá.
No mais, ele está situado na rua Rio Casca, número 324, no Carlos Prates. O nosso culto é
umbanda omolokô angola com as almas. Aqueles que quiserem nos visitar nos darão muito
prazer, – as portas estão abertas. As sessões nossas são às terças-feiras, de 19h30 a 22h, e
as sessões de trabalho são às quintas-feiras, das 16 até as 21 horas. No mais, agradeço a
todos, e muito obrigado por essa oportunidade.
128
Roça Bakisso Ki Inkissy
Eu sou Edineuza Porto Santos, makota da Casa da Roça Bakisso Ki Inkissy, a antiga Tenda
Espírita Ilê dos Orixás. Conheci o Pai Rodrigo quando ele tinha 10 anos. Nós nos perdemos
um do outro, mas nos reencontramos 10 anos depois, quando abrimos a Tenda. Eu aprendi
muito com ele, mas a maior parte do que eu sei sobre o mundo espiritual aprendi quando
estava completamente sozinha no mundo. Eu deixei o mundo lá fora e deixei os orixás
falarem comigo!
O pessoal falava que o mundo espiritual era “diabólico”, mas eu descobri na Bíblia que não
era. A história de Ruth, Maria e Raquel é igualzinha à história de Oxum, Iansã, Xangô, Ogum.
Os orixás estão na Bíblia! A religião é uma só, ela só muda de cultura. Só muda de língua. Se
eu for para a Alemanha, eu vou ter que falar alemão. Se eu for para outro país, eu vou falar
outra língua.
A Roça tem um equilíbrio muito grande. Todo mundo que entra aqui tem um equilíbrio. Mas
eu costumo falar com o pessoal: – você melhorou porque teve fé e chegou no tempo certo de
melhorar. Porque o pessoal imagina que só o trabalho melhora e não precisa ter fé. Tem que
ter a fé. Primeiramente em Deus. E depois nos orixás.
Aqui é tudo muito bom para mim. Eu procuro transmitir o máximo do que posso às pessoas
que vêm aqui e que precisam do mundo espiritual. Essas pessoas costumam achar que estão
me incomodando... Mas eu penso que, na verdade, elas estão me equilibrando na Terra.
129
Centro Espírita Pai Xangô
Sou filha da ialorixá Efigênia do Espírito Santo, tendo-a como mãe, e por babalorixá José
Nero do Espírito Santo. Sou neta do babá Antônio Camelo e bisneta do tata Tancredo da
Silva Pinto.
Minha saída de santo aconteceu em novembro de 1975. Eu e meu irmão de santo abrimos o
Centro Espírita Pai Everaldo em 2000. Depois que eu e meu irmão nos separamos, o povo do
Centro me deu a placa de presente e eu mudei o nome para Centro Espírita Pai Xangô.
Como mãe do Centro, eu conto com 40 filhos de santo, atualmente. Nossa nação é a
omolokô.
Hoje nós abrimos as sessões com atendimento gratuito ao público às quartas-feiras, que é o
dia de Xangô. Além das sessões, toda segunda-feira nós abrimos para a iniciação de novatos
à nação, com a ajuda dos filhos da Casa.
130
Ylê Alaketu Ya Osun
Sou Flavio Correia de Lima. Nossa Casa, Ylê Alaketu Ya Osun, teve seu axé assentado em
1991 pelo babalorisa Hélio da Osun. Antes, a Casa tinha o nome de Roça de Ketu Ogum-Já
Caboclo Lage Grande. Foi fundada em 1978 e dirigida pelo babalorisa Maurilio de Ogum-Já.
A Casa faz parte da nação Ketu, com raízes em Jeje-Nagô da Roça de Osumaré.
O babalorisa Hélio da Osun Opara dirigia a Casa com pai Maurílio de Ogum até 1991, quando
o pai Maurílio se aposentou. Em 1991 o babalorisa Hélio da Osun adquiriu o imóvel da Roça
de Ketu Ogum-Já Caboclo Lage Grande, deliberando pela mudança de nome para Ylê
Alaketu Ya Osun. O Pai Hélio iniciou suas obrigações (bori) em 1971 e em 1978 recebeu das
mãos do Pai Baianinho de Oxum Todemim seus direitos de babalorisa. Nesse mesmo ano, o
babalorisa Hélio da Osun, auxiliado pela Ya Nilzete de Yemanjá, tirou seu primeiro barco de
yawo, iniciando assim suas primeiras filhas de santo: Maria de Lourdes (Dofona de Oxum) e
Ana Maria Soares (Nita de Agué).
O pai Hélio da Osun nos deixou em 29 de agosto de 2011, aos 72 anos de idade e 32 de
sacerdócio – uma vida totalmente dedicada ao respeito a todas as nações, orixás, voduns,
inkises e divindades das religiões africanas. Após o luto de um ano, a nossa Casa irá
continuar a sua história de culto aos orixás, mantendo o mesmo respeito a todas as nações.
131
Ilê Wopô de Nanã
Sou Maria da Conceição, Tita de Nanã. Desde pequena sentia uma força espiritual em mim,
percorrendo meu corpo, me impelindo em direção a algo. Após minha família se mudar para
Belo Horizonte, minha mãe me levou à casa do sr. Lisboa, por motivos de saúde. Pelo fato
dele ser iaô ainda, e não poder me dar a obrigação, me levou à Casa Ilê Wopô de Olojukan,
do sr. Carlos, Odé Olojukan, onde fiz o santo, me tornei iaô. Após 14 anos de santo, recebi o
deká aqui em minha própria Casa, onde desde então pratico minha própria individualidade.
Recebo as pessoas, faço o candomblé, realizo as festas.
Fui aconselhada por ele a experimentar a vida lá fora, conhecer diversas pessoas e enriquecer
minha vivência. Viajei o país e entrei em contato com diferentes linhagens e tradições do
candomblé. Após ter transitado em muitas delas, retorno ao Ketu, meu verdadeiro lugar de
pertencimento. Apesar disso, tenho enorme carinho por todas as mães de santo e todos os
pais de santo que me acolheram.
Em minha Casa cultuamos todos orixás com o maior carinho e respeito, pois apesar de ser
filha de Nanã, sei que ela não vem sozinha e que traz todos consigo. Realizo também a festa
dos erês – em que a vizinhança participa, e as crianças gostam muito das comidas–, a festa
das Iabás, a festa de Olubajé, Águas de Oxalá, e assim que me aposentar, pretendo fazer
trabalho social com a comunidade aqui da região.
Há mais de 37 anos cuido dos santos e de quem aqui bate. Não faço distinção de raça, cor,
se tem ou não dinheiro. Independente disso tudo, quem bate aqui tem minha ajuda. Seja
através de um ebó ou de um conselho. Recebo todos em minha Casa com carinho e
dedicação. Enquanto pessoa, sinto uma força interior que me compele a ser solidária.
Acredito que, como fui agraciada com sabedoria e saúde, devo praticar o bem sem esperar
retorno em troca.
Desejo muito axé, muita força e amor e principalmente muita paz para todo mundo e que
sejamos uns pelos outros, sejamos solidários.
132
Casa Oxalá dos Montes Altos
A Casa Oxalá dos Montes Altos é uma comunidade espírita de umbanda da nação Omolokô,
criada por mim, mametu de inkise Mãe Cristina de Oxalufan, também conhecida como Mãe
Cris de Oxalá.
Fui iniciada há mais de 30 anos pelo grande Tata Izidro Pereira Camelo (Alufá Oké N'lato
Ôkurin Ogodô, já falecido), com o qual terminei todas as minhas obrigações. Tirei a mão de
wumê com o Tata Francisco Augusto Almeida (Oni-ká), o Pai Chiquinho do Abaluaiê
(sacerdote da mesma família e nação Omolokô).
Sou neta legítima do Tata Tancredo Pinto da Silva, o primeiro cumbabizante (batizado em
nome de Oxalá). Foi ele quem introduziu a bandeira do Omolokô, que tem muito das nações
Angola e Jeje, com as iniciais das nações Malês, Lundas e Kiocos.
Abri meu ilê em 1993, onde permaneço até hoje. Recebo frequentemente em minha Casa 20
dos meus filhos, mas muitos outros estão em outras cidades, dentro e até fora do estado.
Entre as nossas atividades, oferecemos sessões ao público toda segunda-feira às 20h, além
de trabalhos particulares como jogos de búzios, sacudimentos, entre outros.
Em relação às festas em homenagem aos orixás, nossa Casa é abençoada por todos eles e,
por esta razão, todas as homenagens são realizadas nos dias específicos de cada um. As
festas que mais se destacam são as de Oxalá, Oxum e Iemanjá.
133
Ilê Axé Babá Byyomin
Sou Reinaldo de Osogyan, babalorixá do Terreiro Ilê Axé Babá Byyomin. Minha Casa foi
construída por mim e pelo pai pequeno Marcelo, hoje falecido, no final de 2002. Primeiro
liderei a Casa como pai de santo de umbanda. Nesses tempos, tudo era feito no templo,
nesse mesmo lugar, mas não tinha o barracão onde hoje são feitas as festas do candomblé.
Em 2007, quando fechei meu ciclo, é que tomei meus direitos como babalorixá com a
condução de Seu Rogério de Oxóssi e implantei o candomblé aqui. Tudo que diz respeito ao
candomblé é a ele quem devo satisfação, por isso nossa ligação é eterna.
O principal orixá e dono da Casa é Osogyam, jovem guerreiro e rei Elegybu que, juntamente
com seu pai, Oxalá, é um dos orixás do branco. Os rituais em sua homenagem são realizados
em um ciclo de cultos, em que podemos citar as cerimônias do pilão e das águas.
Tem que explicar o que é a religião para quem não faz parte dela, e não é para que essa
pessoa faça parte, mas para que ela tire da cabeça aquela negatividade sobre nossa crença.
Contar que a nossa história vem do começo do mundo. Acreditamos que os orixás foram os
primeiros seres que tiveram vida sobre a Terra; eles viveram aqui. Então eles sabem qual é o
problema da Terra e, através de Deus, eles vêm para tirar esses problemas dela.
Mito e história todo mundo tem para contar, mas em religião você tem que acreditar naquilo
que sente, que te conforta, porque você vive daquilo... Eu penso assim.
134
Tenda Espírita Umbanda Sete Forças Divinas
Meu nome é Vitória Paulina de Araújo. Eu trabalho no Terreiro Tenda Espírita Umbanda Sete
Forças Divinas há 27 anos. Ou melhor, estou no comando, sou a dirigente, mas quem manda
é Deus.
As sessões são aos sábados à noite, com os portões abertos à participação de todos. Nesse
dia, fazemos caridade; não se cobra nada. Nos atendimentos particulares, se cobra. Os tipos
de caridade são: benzeção, trabalhos para doença, para arrumar emprego, para pagamentos
de INSS, etc. Mas existem pessoas que nos procuram apenas porque precisam de orações,
minhas e dos médiuns. São os médiuns, os filhos de santo, que me ajudam.
Nesses anos todos, o terreiro vem crescendo muito, graças a Deus, pois hoje em dia se tem
muito mais evolução. Além disso, com o tempo, a gente vai aprendendo muitas coisas com
todos. A gente aprende com os guias, com o Preto Velho, com os médiuns, com os
participantes... Enfim, evoluímos, todos nós. Eu também evoluo. Assim, penso que se as
coisas melhorarem, muito bem. Mas, se não melhorarem, está bem também. Então, não
posso reclamar de nada, porque, graças a Deus, as coisas estão boas comigo e com o meu
terreiro.
Eu quero dizer que gosto muito de fazer caridade. É o que mais gosto de fazer. Aliás, é por
isso que tenho o terreiro. Ou seja, o terreiro é o modo que encontrei para ajudar os outros.
Acredito que essa é a principal razão da existência do terreiro.
Se pudesse e tivesse condições, eu faria uma creche para colocar os meninos de rua. Eu
construiria um lar para eles... Esse é o meu grande sonho. Mas, como não tenho e ainda não
posso ter uma creche, eu encontrei no terreiro, com minhas atividades, a forma de ajudar e
fazer caridade com o próximo.
Rua Agenor José dos Anjos (rua F), 115 (bairro Brasil Industrial, Barreiro de Cima)
Belo Horizonte – MG Telefone: (31) 3321-3686
E-mail: heloisa1999695@yahoo.com
135
Templo Umbandista Pai José de Moçambique
Meu nome é Nair dos Anjos de Moraes. Sou a presidente e fundadora do Templo Umbandista
Pai José de Moçambique.
Fui iniciada na umbanda por Mãe Cândida há mais de 35 anos. Comecei atendendo no quarto
da minha casa no Horto, onde eu tinha um pequeno altar, até que as entidades me orientaram
a arrumar um espaço só para elas e em 1985 eu me mudei para o bairro Boa Vista, onde o
terreiro foi fundado.
Eu dedico a esse terreiro mais tempo do que dedico à minha casa. Tudo na minha vida é esse
terreirinho. Isso aqui para mim é tudo!
Meu terreiro só funciona através da caridade e o pouco que nós temos aqui em mãos é para
ajudar as pessoas num momento de enfermidade, numa questão pessoal, com as
preocupações da vida.
A pessoa vem aqui é para pedir as caridades para os orixás e principalmente para os Pretos
Velhos, que eu sou apaixonada com eles. E é só isso que eu quero, mais nada.
136
ARCA Brasileira Jacutá de Iansã
Meu nome é Maria de Fátima Nogueira e meu nome sacerdotal é Kitaloya. Eu iniciei na
umbanda há 35 anos e tenho 22 anos de obrigação no Candomblé Angola de Katispero,
descendente de Joãozinho da Goméia. Na Umbanda, fui mãe de santo por seis anos no
bairro Jardim Alvorada e no bairro Glória. Mas o meu santo queria que eu tomasse obrigação
no candomblé. Fui raspada em 28 de outubro de 1990, quando o santo me deu o nome de
Kitaloya.
Eu, meu marido, Ademir da Silva Brito (Itarangue de Mutakalambô), e meus filhos fundamos a
Associação Espírita Jacutá de Iansã em 20 de janeiro de 1995. Como a Casa sempre teve
vários projetos sociais, culturais e religiosos, realizamos uma alteração estatuária, conforme
exigido pelo código civil, e mudamos o nome da Casa para ARCA Brasileira Jacutá de Iansã.
ARCA é uma sigla utilizada para "Associação de Resistência Cultural Afro-brasileira". Eu e
meu marido somos a mãe e o pai da Casa. Nela, há 70 filhos feitos que se dividem entre
várias atividades.
Os principais inkises da Casa são Gurucema Wullo e Muta Kalambô. Fazemos festas para
todos os inkises e comemorações para as entidades, em especial para exus e boiadeiros.
Nos dias de toque, às quartas-feiras, fazemos sopão para os filhos e a comunidade. Também
fazemos doações de cestas básicas e estamos trabalhando firme para a construção de uma
creche do terreiro.
Temos o registro do terreiro como bem cultural pela Fundação Municipal de Cultura e como
Utilidade Pública. Além disso, somos integrantes do Centro Nacional de Africanidade e
Resistência Afro-brasileira (CENARAB) e participamos de várias atividades vinculadas a ele,
com a principal intenção de divulgar e afirmar a cultura afro-brasileira.
137
Centro Espírita de Umbanda Ya Oba Ca Ô
138
Terreiro Ilê Axé Odé Omilá
Meu nome é Anderson Vicente da Silva. Eu sou de Logun Edé e tenho 23 anos de santo. Sou
o responsável pela comunidade tradicional Ilê Axé Odé Omilá, o nome do terreiro. Eu procuro
manter as coisas em ordem no meu terreiro, com atenção especial à instrução da equipe,
sempre os alertando sobre as suas responsabilidades e os desafios a serem enfrentados.
Minha preocupação maior é com a equipe dos iniciantes.
Meu terreiro tem 20 anos. Funciona no mesmo endereço desde 1992. Eu sou filho de santo
de José Geraldo de Oxum. No terreiro, tenho 78 filhos de santo, feitos, que são frequentes e
participantes ativos. Além dos participantes fixos, recebemos a visita de pessoas diversas,
que vêm para receber nossas cargas positivas e nossas bênçãos, e elas sempre voltam.
Eu posso dizer, com convicção, que meu candomblé caiu num lugar certo, está no lugar
apropriado. Nós somos muito respeitados onde estamos instalados. Para se ter uma ideia,
não existe nenhum tipo de preconceito dos vizinhos contra nossa religião. Até as Igrejas
Evangélicas locais nos respeitam e nos aceitam muito bem. Mesmo assim, ou talvez por isso,
eu tenho muito cuidado para não ter nenhum tipo de problema com ninguém. Eu procuro
manter o terreiro funcionando direito, tudo em ordem, com o espaço sempre limpo e
organizado.
O terreiro é aberto a todas as pessoas que queiram e tenham interesse em participar das
sessões e das festas, sem nenhum tipo de distinção.
139
Casa de Caridade Ogum Beira Mar
Sou Mãe da Luz, mãe de santo há 30 anos na Casa de Caridade Ogum Beira Mar. Meu
desenvolvimento teve início aos sete anos de idade, quando comecei a trabalhar com os
espíritos. Foi complicado no início! Fui crescendo e nunca deixei de ser espírita. Através de
um sonho, uma santa me falou que minha sorte estava na cidade de Belo Horizonte.
Com o passar dos anos e o aumento de médiuns trabalhando juntos, surgiu a oportunidade
de comprar um pedacinho de terra onde é o terreiro atualmente. Pagamos aos poucos e
construímos em mutirão. Nossa sede tem 17 anos.
A umbanda é muito importante pra mim, por ser um lugar de resistência da raça negra, que já
foi muito humilhada, muito discriminada. Aqui tem sido muito bom, dá mais firmeza. Eu ando
de cabeça erguida por todo lugar.
Realizamos duas grandes festas anuais: a Festa de Preto Velho em maio e a Festa de São
Cosme e São Damião em setembro. As sessões em nossa Casa acontecem todas as
segundas e quintas, sempre das 20 às 22 horas.
140
Ilê Axé Ibó Ode
Leonardo Daniel Batista: – Sou o Babalorixá Leonardo de Oxóssi. Meu Ilê Axé Ibó Odé está
de braço abertos para quem quiser conhecer uma casa de candomblé que mantém respeito
às tradições e preceitos.
Comecei na umbanda como filho de santo de Nilza Vilela, vindo a ser filho de Cesária de
Oxóssi. Iniciei-me no candomblé com Fábio de Oyá no Jeje Mahin, ficando com ele durante
um ano. Depois fui para a Casa de Wagner de Oxum, passando do Jeje para o Ketu. Tomei
de Wagner de Oxum o Odu Ita (obrigação de 3 anos) e depois conheci dona Lídia, tomando
com ela o Odu Ijé e Otumlaxé.
Fundei o meu axé no ano de 1999 por desígnio dos orixás. É por isso que tenho o posto de
babalorixá. Tenho 45 filhos iniciados no santo. Meu candomblé é Ketu, embora tenha tido
meu começo no Jeje Mahim. Devido às minhas tradições de iniciação, sou muito observador
das regras e preceitos do candomblé. Sempre que um novo abiã quer virar um iniciado eu o
oriento para que primeiro faça um bori e, com o tempo, depois de nos conhecermos melhor, é
que eu realizo com ele a iniciação para que ele vire um yaô.
Acredito que todo yaô deve estudar a história dos negros no Brasil e os mitos e lendas dos
orixás na África, para que ele saiba compreender a valiosa importância que a cultura negra
exerce na construção do Brasil e os preceitos e tradições do candomblé.
Minha festa maior é para meu pai Oxóssi no mês de outubro. Também faço festas para Ogum
e Xangô. Devido à minha herança na umbanda eu realizo uma festa para o Exu Tranca-Ruas
no mês de junho e faço sessões de entidades da umbanda toda semana na minha Casa.
Tenho filhos que ocupam cargos de confiança na Casa e que me ajudam a manter o Ilê.
141
Ilê de Odé
Meu nome é Lucineide Porto de Paula Santos. Nasci numa casa de santo. Minha mãe
realizava reuniões com as entidades da umbanda na nossa casa e com o tempo foi orientada
pelos guias a abrir uma casa de santo. Meu pai era espírita e isso ajudava no entendimento
sobre a religiosidade de nossa família.
Sou conhecida como Mãe Neneide e sou ekede de Oxum. A minha história com o santo é
bastante natural, e hoje estou responsável por uma casa de vodum. Procuro passar para
frente aquilo que aprendi com os voduns. Inclusive meu filho natural, que muito me
acompanha nos trabalhos, é o runtó na casa.
Meu irmão, Nozinho de Oxóssi, abriu esta Casa em 29 de agosto de 1975, vindo do estado
do Espírito Santo de chinelo no pé e duas mudas de roupas. Oxóssi permitiu que ele
começasse esta Casa e ainda a mantém. Nozinho de Oxóssi era filho de Adolfo Cleber
Henrique, do Kué Jagum-Jebi, da qual somos herdeiros e damos seguimento a este grande
axé.
Lamento que algumas Casas sejam abertas sem respeito à história, aos fundamentos, sem
que os responsáveis tenham conhecimento daquilo que estão praticando. Desde o
falecimento de Nozinho de Oxóssi estou à frente da Casa. Trabalho muito para manter viva
sua liderança e a força do seu axé que se traduz na existência desta Casa. Nossa maior festa
é para o vodum de Odé em abril. Realizamos outras festas, tais como o Olubajé em agosto e
a Festa das Iabás em novembro. Como Nozinho de Oxóssi também trabalhava com entidades
da umbanda mantivemos a Festa de Caboclo em sua memória.
Possuímos uma Roça, vital para a realização dos fundamentos da nação Jeje, na cidade de
Barão de Cocais, interior de Minas Gerais, que é onde devotamos nossa gratidão aos voduns.
142
Tenda Espírita Caboclo Sultão das Matas
Eu, José Augusto Pinto, babalorixá, nasci em 3 de janeiro 1949. Sou conhecido também
como Baba José Augusto ou José Augusto de Oluayê. Comecei a minha trajetória espiritual
aos cinco anos de idade quando fui levado pela minha madrasta a uma casa para benzer de
caxumba. Chegando lá eu incorporei o Exu Tranca Rua das Almas. Quando acordei estava
em uma igreja evangélica com cinco bíblias em cima da minha cabeça. Desde então entrei
para umbanda e não parei mais.
Fundei em 1970 a Tenda Espírita Caboclo Sultão das Matas. Passando para o candomblé de
Angola, no qual fui iniciado em 31 de janeiro de 1978, fui feito de orixá. Passados três anos,
meu babalorixá, Carlos Alberto Almeida, conhecido por Merenum (in memoriam), mudou de
nação. Passou para a nação Ketu, que pertence ao Axé Oxum Maré Aracá de Salvador, onde
ele passou a tomar o axé com a ialorixá Dona Ana de Ogum. Sendo assim, a minha Casa
também mudou, de nação Angola passou para Ketu.
Associação Cultural Religiosa Tenda Espirita Caboclo Sultão das Matas, Ylé Ase Omo Oluayê,
é o nome da minha Casa, que presido junto com minha esposa Nair de Oxalá. Hoje contamos
com a ajuda da ekede Meire, minha filha, que é mãe da Casa. Contamos também com mãe
Sirlene de Oxum e com outros filhos e diretores. Trabalhamos juntos! Realizamos reuniões
públicas às segundas-feiras, das 20:00 às 22:00 horas.
143
Centro Espírita Estrela do Oriente
Eu sou Henrique Perret Neto, sacerdote de umbanda e de candomblé Angola. Nasci em Belo
Horizonte no dia 11 de abril de 1961.
Aos 12 anos conheci a umbanda que era dirigida por Sr. Antônio, na rua Resplendor. Foi com
ele que iniciei meu desenvolvimento mediúnico na umbanda. Mais tarde vim a participar de
diversos movimentos umbandistas junto com amigos e simpatizantes.
Fundamos o terreiro da umbanda Grupo Espirita Estrela do Oriente em outubro de 1978. Seu
primeiro registro foi feito na Confederação Umbandista, em agosto de 1982. A sede definitiva
foi estabelecida na rua Andaraí nº 137, bairro Nova Vista.
Nosso culto aos inkises da nação Angola é desenvolvido em Ouro Preto, na Serra Geral Mina
Capanema, na roça de candomblé Casa Raiz Bate Folha. Ali celebramos em datas especiais.
Fui iniciado aos 24 anos pela zeladora de inkises mameto Kitulá, com quem consegui cumprir
todas as minhas obrigações – da primeira à vigésima primeira obrigação de santo.
Atualmente, depois do falecimento de Kitulá, continuo minha jornada espiritual tendo como
zelador o tata de inkises Munguaxi e a nengua Ritari do Candomblé do Bate Folha de
Salvador, Bahia.
144
Centro Espírita de Umbanda Pai Cipriano
Meu nome é Geralda Rosa Martins. Sou ialorixá do Centro Espírita de Umbanda Pai Cipriano.
Tenho 46 anos de terreiro. Fui iniciada na umbanda pela mãe de santo Eurídes, do Centro
Espírita Pai Miguel. Eu não acreditava em terreiro. Eu era da Irmandade Coração de Jesus. Fiz
uma novena de nove horas e nela o menino Jesus de Praga me fez a revelação do que era um
centro espírita. Nós umbandistas desenvolvemos o médium, que incorpora. E incorporar eu
acho a coisa mais maravilhosa que Deus me deu. E para estar com guia nós temos que rezar
para que Deus dê a permissão da entidade incorporar. A minha trajetória no Centro Espírita
de Umbanda Pai Cipriano é muito longa. Eu fundei esse centro no dia 12 de março de 1972.
Nessa época, eu era mãe de santo e agora eu sou ialorixá. Se for preciso desenvolver
qualquer médium, eu desenvolvo. E comida para santo, eu faço de todo tipo. Mesmo com o
meu problema de saúde, eu sou a responsável pelo centro. Faço muito casamento, muita
cura e muito emprego. E realizo as obrigações. Não tem festa, mas tem as obrigações dos
santos.
Dia 20 de janeiro é dia de São Sebastião: eu faço a comida do santo. Em abril, dia 23 é dia de
São Jorge: eu faço a canjica de São Jorge. Maio é mês dos nossos queridos pretos velhos.
Em junho, no dia 29, eu faço a canjica para Xangô. Em setembro, vem as minhas crianças,
São Cosme e Damião. Dia 8 de dezembro, pra Iemanjá eu faço peixe assado e reparto com
pão. E quinta-feira santa, na Quaresma, eu faço uma obrigação para Exu. Então, completam-
se sete linhas. As sessões abertas ao público estão suspensas por causa do meu problema
de saúde [2012]. Os principais orixás responsáveis pelo terreiro e que dão o grito de guerra
para qualquer finalidade primeiro é o chefe Pai Cipriano e depois Pai Benedito. Tem também
o Sete Folhas de Aruanda e Ogum Beira Mar de Aruanda. Eu coordeno o centro, mas tenho
quem me ajude. O meu marido é médium e meu filho é ogã. E tenho cerca de oito pessoas de
muita confiança para arriar os trabalhos. No terreiro tem que existir responsabilidade,
atenção, segredo e união. Eu não aceito trabalho espiritual mal feito. Eu exijo nos meus
trabalhos respeito. Eu estudo muito. Quem nunca foi aluno não pode ser professor.
145
Choupana de Umbanda Cabocla Jussara
Meu nome é Iara Bárbara de Andrade. Sou nascida e criada dentro da Choupana de
Umbanda Cabocla Jussara. O terreiro foi fundado no dia 14 de setembro de 1977 e este ano
faz 35 anos de existência e conhecimento. Eu sou herdeira deste terreiro, que era da minha
mãe, dona Cesária, que desenvolveu no terreiro da dona Conceição, do Caboclo Araribóia,
que ficava no bairro Padre Eustáquio. E também sou herdeira dos belíssimos orixás, para
quem eu toco em homenagem à ialorixá Cesária. Nós estamos conseguindo o nosso objetivo,
que é louvar aos nossos bondosos orixás, por tudo aquilo que eles nos dão. O principal orixá
do meu terreiro é Oxóssi. Tudo que nós fazemos nós temos que pedir licença para Oxóssi.
Mas nós cultuamos todos os orixás: do Oxalá ao Exu. Nós fazemos festa para todos os
orixás: em janeiro, Festa de Oxóssi; em abril, Festa de Ogum; em maio, Festa dos Pretos
Velhos, no dia 13 de maio, abolição da escravatura; em junho, Festa para Exu e para Xangô;
em julho, Festa para Nanã; em setembro, Festa para São Cosme e Damião e Festa de Xangô;
em dezembro, é a Festa das Iabás, que são as santas mulheres: Iansã, Oxum, Nanã e
Iemanjá. O terreiro nasceu e vai morrer na rua Santa Rosa de Lima. Ele nasceu nessa rua, saiu
e tornou a voltar. Eu entrei no espiritismo, desenvolvi e sou a responsável pelo terreiro. Sob a
minha responsabilidade são 26 participantes. Eu sou a que o povo chama de mãe de santo.
Eu me considero a zeladora de santo do orixá da Casa. Eu tenho a minha tia Zelita, ialorixá,
que é a minha zeladora. O Paulo é o pai pequeno da Casa e o Mauricio é o ogã. E é o maior
orgulho para mim passar para as minhas filhas carnais e para os meus filhos de santo o que
eu aprendi, que são valores africanos, que são valores da vida após a morte: o que você pode
pedir, o que você pode ganhar, o que você pode aprender com a sabedoria deles. Espiritismo
é o estudo do saber, para aqueles que acreditam e que têm fé, o que é a vida após a morte.
Tenho muito orgulho de ser espírita e falo isso com muita fé no espiritismo. Tudo isso eu devo
e agradeço à minha mãe Cesária por ter me apresentado e me deixado entrar e permanecer
no espiritismo. Agradeço também à Cabocla Jussara por me deixar tocar a Casa dela. E
agradeço também a um Preto Velho, Rei Salomão, por manter o terreiro. É um Preto Velho de
uma sabedoria inexplicável. Eu agradeço a todos os orixás, de Exu a Oxalá, por essa
oportunidade de ter o nosso terreiro. Umbanda, humildade, caridade, união, fraternidade.
Rua Santa Rosa de Lima, nº 84 (bairro Nova Cintra). Telefone: (31) 3374 5832
146
Kwê Vodum Azam Tobossi
A Casa foi fundada em 1946, pelo meu sogro, Otacílio de Assis Pinto, que era filho de santo
de Pararasi, que por sua vez era membro da Roça do Sejá Hundê ou Roça do Ventura,
localizada na cidade de Cachoeira, na Bahia.
Quando o meu sogro Otacílio decidiu abrir a Casa, ele teve a ajuda de sua mãe de santo, do
caboclo e do Ogã Bobosa, ambos ogãs do Sejá Hundê.
No ano de 1969 confirmou também para Ogã Pegigã meu marido, Wagner, quem herdou a
Casa, mas não pôde assumir o cargo de pai de santo por ser ogã. E quem acabou por
assumir a Casa fui eu, após ser preparada para isso por minha tia Alaíde do Sejá Hundê, que
também era filha de santo de Pararasi.
As principais festas que a Casa faz são as de Aziri, comemorada em outubro, a de Azansu,
em agosto e uma pequena comemoração para Ogum em abril. Essas são as comemorações
que envolvem maior preparação ritualística e festiva para o público externo.
147
Ilê Asé Oya Ku Ru Ge Si
César T’Ogun e Vilmara D’Osun: – A Casa Ilê Asé Oya Ku Ru Ge Si ou Ilê Asé Oya Gbale foi
fundada pela Yalorisá Leopoldina de Oya, também conhecida por Dina Marimbondo, que
começou sua tarefa espiritual através da umbanda em meados dos anos 40 e que fundou
essa Casa nos anos 50, sendo o primeiro terreiro de candomblé do bairro. O Centro veio a ser
registrado no cartório no ano de 1965. Esse registro era obrigatório à época, que era de
ditadura – em toda sessão era formulada uma ata com os nomes dos presentes, que
posteriormente deveria ser entregue e supervisionada, além de carimbada pela delegacia de
costumes. Isso porque qualquer crime que acontecia na região, o primeiro local que eles
realizavam as diligências policiais era no candomblé, pois consideravam os zeladores e os
adeptos como suspeitos. Guardamos até hoje essas atas assinadas, datadas e carimbadas.
Em 1974, a Ya Leopoldina se iniciou no orisá com o Sr. Deluanji, que sofrera um acidente
automobilístico e foi a um ló, como a morte é conhecida no candomblé. Ya Leopoldina
continuou suas obrigações com Doné Wanderlucia de Ode Cikan – conhecida como mãe
Delucia, uma das primeiras mulheres iniciadas no orisá em Minas Gerais –, com a qual
continuou até os últimos dias de sua vida. Nessa época, a Casa então ficou consagrada a
Oya Gbalé. Em 2009, a Yalorisá Leopoldina foii a um ló e o ilê passou a ser dirigido por nós,
seu hombono (filho mais velho) César T’Ogun, e Vilmara D’Osun, filha carnal de Ya
Leopoldina. Apesar de Ogum ter sido tronado na cadeira de Oyá, nós somos os herdeiros do
axé implantado por Mãe Dina, por isso priorizamos sua história, sempre relembrando que ela
batalhou muito e teve pouco reconhecimento. Como Baba e Ya, priorizamos o tratamento de
ori (cabeça) e direcionamento dos médiuns através dos ebós, boris e fá (raspagem).
Nós tratamos as pessoas e tentamos mostrar aos adeptos e frequentadores da Casa que
precisamos ter paciência, que a paciência vai ajudar no caráter da pessoa. Há um dito
africano que expressa bem isso e nós, do Ilê Asé Oya Ku Ru Ge Si, deixamos para todos:
Sùúrù Nibaba Iwà, – A paciência é o pai de bom caráter!
148
Roça Branca Terreiro de Candomblé
Sou Tatetu Londeji, zelador dos filhos e inkises da Roça Branca Terreiro de Candomblé, a
Casa de Angola mais antiga de Belo Horizonte, por mim fundada. Me iniciei por vontade do
inkise em 24 de abril de 1966, na primeira Casa de candomblé de Minas Gerais, Terreiro de
Oxóssi Caçador, de Terezino Nere Santana (Tata Italeji), pelas mãos do Tatetu dele, Miguel
Arcanjo Paiva (Tatetu Deuandá), filho de Olegário de Dandalunda, e este, filho de Maria
Neném (Mametu Tuendanzambi). Minha feitura foi muito rígida e se hoje tenho a sabedoria e o
encantamento do candomblé, devo tudo aos meus antigos, como Miguel, Oloiá, Mebandu,
Diantalá, Italeji. O meu primeiro barco consistiu em quatro muzenzas: Bandamoji, Monatolu,
Sesimuka e Dundalesi, pessoas iniciadas em minha Casa em 1971. De lá para cá venho
preparando gente no santo, confirmando kambonos e makotas. A Roça Branca foi fundada
em 1969 na Rua Itapetinga, bairro Cachoeirinha. Em 1975 mudei a Roça para o bairro
Floramar. Antes disso eu toquei candomblé nos bairros Aparecida, São Francisco, na cidade
de Caratinga e também na Casa de Mirtes, na Rua Itapecerica, onde preparei o meu primeiro
barco. Época em que as religiões de matriz africana eram perseguidas pela sociedade e pela
polícia. Tentavam acabar com os terreiros e prendiam os zeladores. Não foi fácil! Candomblé
é a nossa religião, e religião tem que ser com amor e fé, consciente do seu eterno
aprendizado, pois você nasce e morre dentro dela aprendendo, o que faz do candomblé uma
religião belíssima! Aqui na Casa louvamos todos os inkises, sendo os principais Gongobira
(Logun Edé) e Matamba, e o velho Chapéu de Couro, o primeiro caboclo assentado em Belo
Horizonte. As principais festas da Casa são o Lemba-mean, realizada duas semanas antes da
quaresma, a cerimônia para N’kosi, realizada uma semana depois do domingo de Páscoa, a
festa para Boiadeiro, a de Mutakalambô em junho e a festa de Kukuana para Kavungo, em
agosto. Em dezembro tocamos para as inkiseanas e em outubro temos a festa de Gongobira.
Sou zelador de candomblé há 43 anos e nunca recebi ajuda alguma do governo. Somente eu
e meus filhos de santo cobrimos todas as despesas das festas e da manutenção da Roça.
Para uma Casa com nossa história, tradição e raiz isso não deveria acontecer. Faço o que
posso pelo candomblé! Banda nguzo Kaká maiangonkisi bibi quaquamealunga! – Que a força
das divindades esteja com todos! Salve!
149
Cabana Espírita Umbandista Caboclo Pena Azul
Eu sou Geraldo Chamone Sobrinho, Tata de Inkise Kiluangojí, fundador da Cabana Espírita
Umbandista Caboclo Pena Azul, aberta em 1984. Desde criança eu tinha visões e, após o
falecimento do meu pai, quando eu tinha 9 anos, as visões começaram a se manifestar de
forma ruim. Essa situação persistiu até que a mãe de um amigo me levou a um centro espírita,
que frequentei dos 12 aos 24 anos.
Fui iniciado na umbanda aos 12 anos de idade pelo seu Didi, finado Silvestre Nogueira Souto
Maior, na Tenda Espírita Imaculada Conceição, que tinha um trabalho bonito na linha de
umbanda. Aos 18 anos parei de frequentar a umbanda por nove meses, porque queria ter
uma vida assim chamada “normal”. Foram nove meses bravos. Voltei para o centro de Pai
Didi e, após alguns anos, fiquei doente e fui orientado a procurar ajuda no candomblé.
Conheci a hoje finada mãe de santo Terezinha Lopes da Silva, Mãe Terezinha, Mameto Kitulá,
que me iniciou no candomblé de Angola em 1982. Em 1986, a Casa foi registrada como
associação civil sem fins lucrativos e reconhecida como sendo de utilidade pública municipal
e estadual.
Aqui na Casa, na medida de meus conhecimentos, preparo muito os médiuns, pois para que
eles possam cuidar dos outros têm que aprender primeiro a cuidar deles mesmos. No início
do desenvolvimento, antes que comecem a incorporar entidades, os médiuns aprendem a
fazer orações, preces, defumações, banhos, passes magnéticos e a cantar e aplicar as
curimbas (cantos) dos guias, entidades e orixás. Hoje temos 112 médiuns e raramente
recebemos menos de 120 pessoas nas sessões abertas ao público, que acontecem todas as
terças-feiras às 20:00 horas.
150
Tenda Espírita Umbandista Obaxaim
Sou Maria José da Silva (Iemanjá Apeajá), a mãe de santo deste terreiro, que fundei, junto
com outros médiuns, no ano de 1994, aqui no bairro Boa Vista.
Fiz o santo em 1974 no Terreiro Ogum Yara, no bairro Santa Inês, com o pai de santo
Edomeu Atanásio Mendes (Ocurim Saluba) e, desde então, continuo seguindo na umbanda,
tradição Omolokô. Obaxaim, que dá nome ao nosso terreiro, refere-se a Ogum, orixá
guerreiro, da luta e da batalha. Apesar do nome, aqui cultuamos todos os orixás da umbanda.
Realizamos anualmente as seguintes festas dedicadas aos orixás e entidades: Ogum em abril,
Preto Velho em maio, Exu em junho, Obaluaiê em agosto, Nanã e Cosme e Damião em
setembro. Além dessas, já fizemos também uma feijoada e uma festa junina, ambas
beneficentes, com o objetivo de angariar recursos para creches, asilos e hospitais. É possível
que façamos novamente essas festas nos próximos anos.
Nossas reuniões e festas são abertas ao público. Todos que queiram nos visitar são bem-
vindos e serão muito bem recebidos. Somos um terreiro de umbanda sério, voltados para o
ensino e a prática do bem.
151
Dandalunda Kissimbi Keuamasi - Candomblé Angola Moxicongo
Sou Italesimbi, zelador de santo deste terreiro. Em Belo Horizonte e região metropolitana,
pouquíssimos terreiros podem ser considerados como sendo verdadeiramente de candomblé.
Isso pode ser constatado verificando-se suas raízes e descendências. Muitos dizem ser do
candomblé, mas na verdade não o são, pois foram iniciados por praticantes de outros cultos.
O nosso terreiro é genuinamente de candomblé.
Sou filho de Tatetu Nepanji (Sr. Nelson Mateus), o qual iniciou-se com Mametu Oloia (D.
Helena), que foi iniciada no Terreiro do Bate Folha (Mata Escura) de Salvador por Tatetu
Ampumandenzo (Sr. Manoel Bernadino), que iniciou-se com Mametu Turenda de Azambi (D.
Maria Néném), que foi iniciada por Tatetu Kilunga (Sr. Roberto Barros), sendo que este último
foi um ex-escravo, iniciador do candomblé Angola no Brasil. Sou Angoleiro Moxiconguence,
tenho raízes provando quem sou e de onde vim.
Fundei este terreiro junto com meus filhos em 28 maio de 2000, numa festa de Preto Velho.
152
Ilê Axé Oba Tunde
Meu nome é Márcio Luiz de Castro. Fui iniciado pelo babalorixá Carlos Ney Simão, conhecido
como Kisymbi de Oxum, que foi iniciado por Terezino Nere Santana, que teve suas
obrigações com Pai Miguel Grosso Deuandá. Atualmente sou filho de Jorginho, conhecido
como Ofá de Ouro em Vitória. Minha religião é o candomblé e a nação que abrange minha
Casa é o Keto Nagô, mas temos influências de outras nações, pois louvamos orixás de outras
etnias, como Efon e o Logunede. Também cultuamos entidades umbandistas, como Tranca
Rua e Serra Nova. Esse sincretismo entre umbanda e candomblé é muito forte em Minas
Gerais e é importante para nós. A Casa Ilê Axé Oba Tunde tem uma história ainda curta,
fundada por mim em 2011 com a iniciação do Iaô Junior de Oxum. A cada dia a Casa vai
crescendo um pouquinho com ajuda de todos. Isso de forma devagar, pois no candomblé
tem muita energia para se colocar, por isso você não consegue montar uma Casa toda, como
ela deve ser montada, em menos de seis anos. Hoje o funcionamento do Ilê está mais voltado
para as obrigações de ano, de 1, de 3 e de 7, e para as festas tradicionais, como a Festa do
Tranca Rua em março; abril do Ogum; agosto a gente faz para o Caboclo; setembro tem a
festa para Xangô e dezembro fechamos com a festa das Iabás. Abrimos uma vez por mês, às
quartas-feiras, para celebrar a cerimônia do amalá, oferecida a Xangô em pedido de paz,
justiça, vitórias, caminhos e saúde. Nosso culto maior é para Oxumaré e também a Xangô, o
rei da nossa nação Keto, da qual somos fiéis.
Quero uma cultura melhor para meus filhos de santo, por isso ensino que nossa religião é
voltada para culinária, instruindo sobre a comida do santo: o porquê, da onde vem e como foi
criado aquilo, sempre exigindo que o estudo seja maior. Acho muito importante instigar essa
curiosidade neles, por isso sempre os lembro sobre nossa cultura, naturezas e origem,
relembrando quem são nossos ancestrais, para assim manter nossa verdadeira identidade no
candomblé. O que eu espero do candomblé é isso, que as pessoas estejam envolvidas, não
por estarem, mas por realmente saberem por que estão ali, conscientes. Pois para mim ela é
a religião mais linda, rica e culta que conheci, entretanto muitas pessoas ainda não têm noção
do poder e da beleza dos seus ensinamentos.
153
Centro Espírita Pai Serapião
Eu sou Claudia Bertonili Gregório, nascida em Belo Horizonte em 16 de abril de 1959. Sou
casada com Sebastião Pereira Corrêa. Depois de nossa união conjugal, sentimos a
necessidade de trabalharmos espiritualmente na umbanda pela caridade. Em comum acordo
decidimos que iríamos realizar atendimento ao público com passes e orientações espirituais
dadas pelas entidades com que fomos presenteados.
Nossos guias protetores são o Preto Velho Pai Serapião (incorporado por Sebastião) e o meu
Preto Velho Pai João de Aruanda. Colocando-os em incorporação para a caridade, mantemos
nossas reuniões uma vez por semana, levando a bandeira da umbanda com muita honra.
Sebastião realiza jogos de cartas para atender os consulentes e, graças a Deus e às forças
espirituais de nossas entidades, estamos conduzindo as reuniões para proporcionar aos que
nos procuram um pouco de paz e sabedoria espiritual.
Hoje fico à disposição de Pai Serapião para traduzir as palavras e ajudar nos banhos e
orientações espirituais necessárias aos consulentes e aos médiuns.
Arrecadamos utensílios para doações. Graças a Deus temos o orgulho de contar com a
espiritualidade amiga.
154
Centro Espírita Marechal Floriano Peixoto
Eu sou Cleone de Souza Pedro, nascido em Belo Horizonte no dia 7 de fevereiro de 1977.
Assumi a direção do Centro Espírita Marechal Floriano Peixoto, fundado por meu avô
Francisco Luiz da Souza, a seu pedido.
Quando ele adoeceu, em 2002, ficou impossibilitado de conduzir as sessões e me disse que
os trabalhos não poderiam ser paralisados. A missão que ele tinha seria minha, pois as
pessoas precisavam encontrar as portas abertas para receberem as bênçãos – suas
necessidades espirituais deveriam ser resolvidas. Essa era a vontade de meu avô e daí em
diante seria a minha. Com muita fé e confiança em Deus e nos guias de luz, com coragem e
responsabilidade, tomei frente dos trabalhos. É uma responsabilidade muito grande, mas não
poderia fugir a ela. É a minha missão.
Passei a abrir as sessões com as preces como o meu avô sempre fazia. Aos poucos fui
pegando experiência, sempre seguindo o ritmo do meu avô, que era a prática da invocação
das entidades de luz designadas a vir nos ajudar a prestar a caridade.
O que me deixa bastante contente é saber que tudo que meu avô idealizou e lutou para
construir está sendo realizado. Ele partiu sabendo que sua obra continuaria; que eu, Cleone
de Souza Pedro, seu neto, com a ajuda de todos, daria continuidade ao que ele semeou com
tanta fé e amor.
Agradeço a Deus todos os dias, pois todos que entram nesta Casa recebem bênçãos.
155
Ilê Axé d’Oyá Kunliejy
Em nossa Casa, o Ilê Axé d’Oyá Kunliejy, temos reuniões públicas para cultuar a umbanda e o
candomblé. Além de mim, é também responsável por esta Casa o meu irmão de santo,
Vantuir d’Xangô, o Babalorixá Obaokuta, muito respeitado e querido por todos da Casa.
Meus mentores espirituais foram: na umbanda, o senhor Didi, no bairro Floresta, há 40 anos.
No Kardec, o senhor Francisco, no bairro Serrano, há 38 anos. E na umbanda, e depois no
candomblé, o senhor Geraldo, no bairro General Carneiro, na cidade de Sabará, onde
permaneci por mais de cinco anos.
Meu pai de santo no candomblé é William Brands, o Babalorixá Obarejy, filho de Xangô na
nação de Keto, com quem me iniciei em 1997.
Foi meu Pai William quem plantou o Axé de minha Casa, em 1999, que na ocasião ficava na
rua Geraldo Faria de Souza, número 18, no bairro da Graça. Lá nos reuníamos para cultuar a
umbanda. Com o crescimento da Casa, e do número de filhos de santo, mudamos para o
atual endereço.
156
Centro de Umbanda Nanã e Xangô
Meu nome é Cássia Aparecida Carlota, Ialorixá Zienin, conhecida como Cássia d’Oxum.
Atualmente eu sou uma das governantas do Centro de Umbanda Nanã e Xangô, junto com
minha mãe, Kota Tainezi, também iniciada nas águas do Bate-folha, por Ia-Talanderê. Somos
responsáveis pelo Centro de Umbanda Nanã e Xangô.
Tenho os meus filhos de santo, que também são integrantes do corpo mediúnico desta Casa,
fundada no bairro Flávio Marques Lisboa no ano de 1977.
Este terreiro teve início no bairro Pindorama, ainda na minha infância. Ele foi fundado pela
minha mãe, Kota Tainezi.
157
Terreiro de Candomblé Angola Manzo Ngunzo Kaiango (Senzala de
Pai Benedito)
Meu nome é Mametu Muiandê, Efigênia Maria da Conceição. Fui iniciada na umbanda e
depois no candomblé e hoje eu tenho um terreiro de candomblé na rua São Tiago, 216, que
foi desativado por motivo de um suposto risco de desabamento. Enquanto esperamos a
liberação pelo poder público, estamos precariamente alojados em um abrigo. Nós
desenvolvemos um projeto social com crianças e adolescentes que se chama Projeto
Kizomba. É um trabalho sem fins lucrativos, que atua com doações e trabalho voluntário de
amigos e filhos da Casa. É coordenado pelos meus filhos carnais, Maurinho e Cássia. Nosso
projeto social atende aos jovens que necessitam de atividades esportivas e educacionais e
oferece palestras para prevenir o envolvimento com a criminalidade. Essas crianças estão
também desabrigadas com a interdição, pois não temos espaço para continuar a desenvolver
o projeto. Esperamos, com a ajuda dos amigos e dos órgãos públicos, poder solucionar este
problema do desalojamento. É a nossa maior preocupação. Nossas atividades religiosas
também estão suspensas, mas esperamos que as coisas se resolvam.
Eu comecei a minha história com um terreiro de umbanda em uma casinha de madeira – eu,
meus três filhos e mais duas pessoas amigas –, e hoje eu tenho um grupo de quase 200
pessoas entre filhos e netos da Casa. Esperamos a colaboração e a consciência dos órgãos
públicos para manter a Casa, pois ali distribuímos alimentos e desenvolvemos ações de ajuda
comunitária. Fazemos benzeções, chás, remédios e banhos para atendimento da comunidade
e oferecemos palestras educativas. Fazemos um apelo não só pela nossa cultura religiosa,
mas também pelo projeto social que desenvolvemos e que está paralisado. Por este motivo,
reforço o apelo para que as pessoas amigas e de boa vontade possam a nossa luta. Nossas
principais celebrações são: Festa de Pai Benedito, no último domingo de maio, quando é
realizado o batismo pelo preto velho; Festa de Erê, em outubro, quando também é realizada
uma caminhada pela paz no bairro, com a participação dos alunos de capoeira; e a Festa de
Matamba, em setembro, que também pode ser comemorada no fim do ano, no dia da festa
para as inkisianas. Participamos também de um Encontro Internacional de Capoeira, quando
acontecem os batizados dos alunos.
Rua São Tiago, 216 - Santa Efigênia - Belo Horizonte, MG. Telefone: (31) 3283-5986
158
Centro Espírita Pai José de Aruanda
Meu nome é Maria Ivone de Sena Brasil e eu sou a zeladora do Centro Espírita Pai José de
Aruanda. A minha filha é a mãe pequena e o Eduardo é o pai pequeno. Ogã é o Roberto ou o
Renato. O Júnior também ajuda. Meu envolvimento com a umbanda surgiu devido às minhas
vistas. Eles vieram a descobrir que eu tinha problema de vista depois dos meus 14 anos. A
gente foi no seu Zé Arigó, em Congonhas do Campo. Ele recebia o Dr. Fritz, o Bezerra de
Menezes... Então ele era mais ou menos assim, dessa linha. Aí ele falou que eu tinha que
prestar caridade. Nós continuamos, e mesmo assim eu ainda custei a aceitar porque a minha
família era muito católica. Depois, quando eu estava com 18 anos, eu já comecei a frequentar
alguns terreiros. E foi aí que eles pegaram e falaram que eu tinha mediunidade e que eu
precisava me desenvolver. Eu ainda fiquei um tempo fora, sem aceitar. Depois, aconteceu um
problema com o meu sobrinho. Eu já tinha casado, já tinha as minhas filhas nessa época.
Então eu comecei. Entrei no dia 13 de outubro e já estava prestando caridade com todos os
orixás. Eu devia estar com 35 anos na época. Agora eu já vou fazer 78. Fiquei seis anos nesse
Centro Pai João de Congo, onde fui feita. Foi então que os meus irmãos de santo pediram
que eu cedesse a minha sala para eles desenvolverem alguns pré-médiuns do nosso Terreiro
de Pai João de Congo. Eu cedi a minha sala e aí cresceu um movimento de gente. Foi só
aumentando, aumentando, e eu não tive jeito de fechar o terreiro. Então é aqui que eu sigo a
minha missão. Os rituais são às segundas, quartas e sextas feiras, das 20 às 22 horas. De
mais importante para mim é a união. Todos os filhos têm, assim, aquela fé viva. Para mim é a
coisa mais importante que tem dentro do terreiro. Que a união faz a força, não é? Sem a
união é muito difícil. Então, graças a Deus, eu não tenho com o que me queixar, não. Esse
terreiro não tem problema de desunião. Graças a Deus todo mundo obedece muito à gente e
a gente também faz por onde eles nos obedecerem. E no mais, é a ajuda mesmo aqui para o
terreiro que a gente não tem. Ajuda assim, de deputados, do governo, dos prefeitos, que não
olham para a nossa Casa. Nunca olharam! Agora vamos ver se Deus põe uma benção e
possa vir dar uma luz para eles entenderem que nós também precisamos dessa ajuda. O que
nós temos? Não temos nada! Temos Deus por nós. Não é isso? O que eu acho que devia ser
importante era conhecer essa parte nossa.
Rua Fluorina, 287 (bairro Pompéia). Belo Horizonte – MG. Telefone: (31) 3463 3191
159
Ilé Asè Odé Safé Edún Ará
Sou Luiz Safé, ministro religioso do Terreiro Ilé Asè Odé Safé Edún Ará, na Comunidade
Quilombola de Mangueiras. Nossa Casa é descendente do Gantois. A minha mãe de santo,
Mãe Myrian de Oxum, é filha de Seu Valdemiro de Xangô, que era filho direto de Mãe
Menininha.
A maneira como se deu meu encontro com a comunidade de Mangueiras foi realmente uma
coisa de orixá, estava escrito pra ser assim. Conheci o pessoal do quilombo em uma das
sessões de atendimento que eu realizava, e juntamos a fome com a vontade de comer: eles
buscavam alguém para resgatar a religião de matriz africana no grupo e nós buscávamos um
local para fundar a Casa de santo. Fui convidado para ir ao quilombo e assim fundamos o
Centro. Hoje, contamos com cerca de 40 pessoas envolvidas no terreiro, dentre os
moradores do quilombo, pessoas que já me acompanhavam, e outras de procedências
diversas que vão chegando ao longo do tempo.
Nosso candomblé é de Keto, mas também realizamos reuniões semanais das entidades da
umbanda. A partir deste ano vamos seguir um calendário de festas. Começa com Ogum em
abril, Xangô em junho, Olubajé e Oxóssi, dono da Casa, em agosto, Erê em setembro e a
Festa de Iabá em dezembro, para encerrar o ano.
Nosso terreiro é muito privilegiado pelo diferencial que a Casa tem: o fato de estar próxima à
energia dos orixás, de estar diretamente ligada a esta energia da água, da mata, da folha, e
também por estar dentro de um quilombo, um lugar onde tem essa tradição cultural africana
tão forte. Nós brincamos que “não tem santo que não chegue nesta Casa”. Uma das
principais intenções da nossa Casa é fazer um resgate da religião de matriz africana dentro do
quilombo, e por isso eu tenho um enfoque bem didático. Nos apresentamos como uma Casa
onde se aprende candomblé, onde se ensina candomblé, onde todas as manifestações são
bem vindas, e onde tudo é ensinado e é visto pelos olhos do orixá.
Rodovia MG 020, 1350 (km 13,5) - bairro Ribeiro de Abreu. Belo Horizonte - MG
E-mail: ile.oduara@gmail.com
160
Centro Espírita Caboclo Ficheiro
Meu nome é Marlene Tavares. Nasci em Belo Horizonte, em 11 de abril de 1944. Sou ialorixá.
Depois que raspei recebi o nome de Mãe Marlene das Minas Gerais. A casa do meu pai de
santo [já falecido] é uma Casa Nagô Vodum. Fica em Gongo Soco, em Barão de Cocais.
Minha Casa é Jeje Mahi e o patrono é o Caboclo Flecheiro. Os presidentes eram meu marido
e eu, mas meu marido faleceu. Nós fizemos o santo, mas continuamos na umbanda.
Eu tinha mais de 30 anos de umbanda quando raspei o santo no candomblé. É daí que a
pessoa sai para o candomblé: o santo exige e a pessoa tem que raspar. Desde que meu pai
de santo faleceu, a Casa dele ficou fechada e agora eu vou reabrir.
Quando o Centro Espírita Caboclo Flecheiro era uma casa só de umbanda a gente cultuava
os Pretos Velhos, os Exus, os Caboclos, os Meninos de Angola, os Baianos, os Marujos. E
não vamos nunca deixar de cultuar, porque na minha Casa eles têm lugar. Sabe por quê?
Porque não é que hoje eu raspei o santo e eu vou esquecer a umbanda.
Os Pretos Velhos já me ajudaram muito! Fizeram muito por mim. E eu vou acumulando,
entende? Vou fazendo a minha bagagem: agora tem a parte dos orixás e o meu compromisso
com eles. Mas vamos continuar cultuando os negros, os caboclos. Então, na minha Casa
reverenciamos os guias de umbanda e todos os orixás. Tem festa para todos.
A Casa está interrompida temporariamente porque está mudando de lugar. Na cidade a gente
não está tendo condição mais de manter uma Casa: por causa de uma folha que não tem,
não tem uma água. Por isso vamos mudar. Não defini ainda para onde. Porque a gente vai
reabrir também a Casa de Barão de Cocais – lá tem água, tem mato. Aqui já não tem o que é
mais importante no candomblé: as folhas, a água, esse axé. Quando eu reabrir minha casa,
sei que poderei contar com pelo menos uns 30 médiuns; é só avisar que os filhos voltam
todos.
161
a cultura soul em belo horizonte
162
07.
Soul
Tomás Amaral
Belo Horizonte hoje é a capital mundial do funky soul. A quantidade de eventos que ocorrem
semanalmente ligados à musica e à dança de James Brown e a quantidade, originalidade e
qualidade técnica de dançarinos de soul na capital mineira, hoje, fazem desta uma cidade
ímpar nesse universo. Pretendemos apresentar aqui um resumo – até onde nossa pesquisa
nos permite alcançar – da chegada e da eclosão do soul na cidade na década de setenta. E,
posteriormente, dos processos de resistência de uns, resgate de outros, e descoberta por
parte de uma nova geração; que juntos configuram uma volta potente da música e da dança
soul em Belo Horizonte, na atualidade.
A soul music tem origem nos Estados Unidos no final da década de cinquenta. Deriva
diretamente do gospel; do rhythm & blues; e carrega em seu DNA, como toda música negra
norte-americana, a matriz do blues. No final do Século XIX, os ritmos africanos que os
descendentes de escravos ainda tocavam e a energia com que se entregavam em suas
celebrações e cultos – em praças e terreiros em diferentes regiões dos Estados Unidos e
sobretudo em Nova Orleans – não deixaram de existir quando a maior parte da população
negra do país foi trocando os antigos cultos pelas igrejas cristãs. As igrejas batistas dos
negros – onde pastores performáticos entretêm as multidões cheios de ritmo e feeling em sua
pregações, entoando melodias, refrãos e berros; e a multidão responde em transe, cantando
e dançando – deram origem aos cantores de soul.
Os afrodescendentes levaram o ritmo, a energia, a dança e o transe para dentro das quatro
paredes das igrejas cristãs. Com contrabaixo, bateria, guitarra elétrica, piano ou órgão e às
vezes trompete e saxofone em suas mãos, os negros elevavam os ritmos da tradição da
música negra norte-americana, tais como o blues, o swing e o rhythm & blues, aos limites e à
transcendência da devoção religiosa. E cantando sempre letras religiosas. Através de músicas
que vão das baladas lentas às canções enérgicas, cheias de swing, o gospel ganha um papel
fundamental na formação musical de várias gerações negras nos Estados Unidos. A música
na tradição gospel é usada como um meio de louvar a Deus. A energia presente na música é,
para os participantes do culto, a própria manifestação de espírito divino.
163
Temptations, Stevie Wonder, Aretha Franklin, Al Green, Curtis Mayfield, Marvin Gaye e, claro,
James Brown.
O ex-garoto de rua e líder de gangue; criado em prostíbulos, em meio à jogatina; que dançava
para ganhar moedas de marinheiros e soldados; ex-cafetão; ex-traficante de drogas e
bebidas e ex-presidiário – e agora um obstinado e incansável artista e homem de negócios –
revoluciona a soul music emplacando hits como: Night Train (1962), Out of Sight (1964),
Pappa's Got a Brand New Bag (1965) e I Feel Good (1966). Em 1967, uma nova canção sai do
forno com o groove inspirado no cool jazz do antigo quinteto de Miles Davis.
A composição que James Brown encomendou ao saxofonista Pee Wee Ellis, chamada Cold
Sweat, é um marco do gênero funk. É conhecida como a primeira canção que reduz o que se
chama harmonia, em música, a apenas um acorde, privilegiando totalmente a rítmica,
também chamada de groove. É, também, a primeira canção que apresenta um breakbeat, ou
seja: um intervalo onde todos os instrumentos fazem uma pausa deixando apenas a bateria
tocar um ritmo vigoroso. Outros pioneiros da funky music, como Rufus Thomas e Sly & the
Family Stone, ajudam a desenvolver o gênero; e a música negra nunca mais seria a mesma.
O funk, como um subgênero do soul, – ou também chamado de funky soul, por não haver
uma fronteira nítida entre esses estilos – se torna uma febre pela próxima década. A era disco,
por volta de 1977, desbanca o funk das paradas de sucesso, mas por pouco tempo. Na
década de oitenta, surge um novo estilo de funk, caracterizado pelo uso de teclados,
sintetizadores e uma batida mais reta da música pop. E ainda no final da década de setenta,
eclode em Nova York a cultura hip hop, como uma evolução da música e das danças funk.
O hip hop abre um novo mercado e utiliza em suas bases musicais os chamados samples:
trechos de músicas reproduzidos, no caso, quase sempre de música funk. Isso faz com que
alguns cantores e músicos de funk e soul voltem a achar espaço no mercado no início da
década de oitenta, durante a ascensão comercial do hip hop, superando o ostracismo da era
disco. Dos anos setenta pra cá, todos os estilos que surgiram dentro da vasta tradição de
música dançante, em um âmbito internacional, beberam direta ou indiretamente na fonte da
funky music.
O auge da era funk nos Estados Unidos, entre aproximadamente 1968 e 1975, foi um
momento de explosão política, estética e comportamental da população negra norte-
americana. O movimento negro, que se fortaleceu no começo da década de sessenta,
despertou uma série de questionamentos que culminou, dentre outros acontecimentos, na
cultura funk. Enquanto o movimento dos direitos civis, tendo Martin Luther King como seu
maior representante, mobilizava parte da nação para a urgência de um tratamento igualitário
do indivíduo negro na sociedade americana; Malcolm X espalhava o seu pensamento
164
revolucionário, através de uma exímia oratória, em discursos públicos, entrevistas, palestras e
debates em programas televisivos, igrejas, escolas e centros acadêmicos. As questões
suscitadas por Malcolm iam além do âmbito jurídico.
O radialista carioca Big Boy é considerado o principal introdutor da soul music no Brasil. Em
seu programa Big Boy Show, no final da década de sessenta, Big Boy tocava o que havia de
bom, de novo e de raro na música pop internacional. Introduziu ao ouvinte carioca múltiplos
artistas do rock n’ roll dos anos sessenta e setenta, mas também da black music. Ao lado do
discotecário Ademir Lemos, promoveu os chamados Bailes da Pesada, de 1969 a 1972. O
primeiro Baile da Pesada aconteceu na casa de show Canecão, no Rio de Janeiro, e atraiu a
juventude da Zona Sul mas também das classes mais baixas. E assim como no programa Big
Boy Show, o rock e o soul eram tocados.
Os jovens das classes mais baixas, em sua maioria negros, se identificavam mais com a linha
da black music na discotecagem. Observando tal demanda, no início do anos setenta, um
negro da zona norte carioca, conhecido por Mr. Funky Santos, fundou uma equipe de som e
resolveu promover um baile exclusivamente soul. Esse é o marco da tradição dos bailes black
no Brasil. O termo black ganhou uma conotação especial: passou a significar algo ou alguém
relacionado com a cultura funk. Na época em que Mr. Funky Santos começou a promover o
seu baile soul, já havia ocorrido, lá fora, a transformação do soul para o funk. Devido a um
atraso na informação, o que é conhecido como cultura ou música funk nos Estados Unidos e
no mundo ficou sendo cultura e música soul no Brasil. O que não é de todo errado, por ser o
funk um subgênero do soul.
165
Seguindo a equipe Mr. Funky Santos, surgiram no Rio de Janeiro várias equipes de som
especializadas em black music, como: Black Power, Furacão 2000, Soul Grand Prix, Dynamic
Soul, Cash Box, Equipe Modelo, Soul da Massa, Luizinho e o Som dos Blacks e mais algumas
dezenas. Cada uma delas promovia o seu próprio baile e algumas, como as citadas acima,
conseguiram lançar discos de coletânea, na época em vinil, com músicas que eram tocadas
em seus bailes. Enquanto Big Boy e Ademir Lemos introduziam o soul na pista de dança do
Canecão em 1969, Tim Maia, Toni Tornado e Gerson King Combo já introduziam a linguagem
do soul em suas músicas, assim como a postura, o penteado e as roupas da nova onda. Toda
essa cena soul no Rio de Janeiro ficou conhecida como Black Rio. E esse foi o nome também
de uma banda muito representativa para o soul brasileiro. Os músicos da Black Rio
colaboraram com muitos dos principais músicos da MPB, nos anos subsequentes.
A cultura black dos anos setenta, eclodiu em outras capitais brasileiras, como: Belo Horizonte,
São Paulo, Brasília, Recife, Salvador, Porto Alegre e em mais algumas cidades. Não se sabe
até que ponto essas regiões foram influenciadas pela cena black carioca e até que ponto
consolidaram sua cena própria paralelamente ao Rio de Janeiro. Em Belo Horizonte, o
radialista Geraldão, do programa Ritmos da Noite, da antiga Rádio Cultura, fazia um trabalho
de difusão da soul music semelhante ao de Big Boy.
Belo Horizonte já, na década de setenta, se destacava entre as capitais brasileiras por
apresentar um movimento soul forte, com adesão em massa da população das periferias.
Enquanto nos bailes black em São Paulo se tocava uma vertente mais ampla da black music,
incluindo a onda brasileira do samba-rock, no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte os bailes
eram totalmente focados no funky soul.
Em Belo Horizonte, uma linha mais pesada do funky soul predominou sobre as demais. Isso
por causa de um clube no centro da cidade – estamos falando do clube Máscara Negra. O
Máscara Negra ficava no começo da Rua Curitiba, quase esquina com a Avenida Afonso
Pena, nas imediações da Praça Rio Branco ou “Praça da Rodoviária”. O clube foi fundado em
meados da década de setenta – depoimentos de frequentadores apontam para o período
entre 1974 e 1976 – e funcionou até o início da década de oitenta. Diversas equipes de som
especializadas em funky soul passaram pelo clube: Saturno Som; Sonimagion; Stereo Record
Som; e, por fim, Som James. A equipe Som James foi a que ficou mais tempo na casa e por
isso é a responsável pela identidade musical do clube. O Máscara Negra tinha a fama de ser o
clube mais pesado, onde frequentava a malandragem da época e onde as batidas policiais
intimidatórias eram constantes. E, também, de ser o clube onde a música era mais pesada ou,
como o próprio nome da equipe Som James sugeria, onde se tocava muito James Brown.
Para a cultura da dança soul em Belo Horizonte, o Máscara Negra foi um lugar obrigatório.
Outros clubes de dança no centro também eram bem frequentados pelos blacks. O clube
União Síria, com a equipe de som Woodstock, tocava soul de sexta a domingo e organizava
frequentemente torneios de dança soul, que atraíam os melhores dançarinos da cidade.
Muitos clubes em toda cidade promoviam seus bailes: Clube Orion, Fina Flor, Clube de Dama,
Clube da Amizade, Comercial Barreiro, Tremedal, etc. Toda uma geração de negros, pardos e
alguns brancos, hoje, em 2012, na faixa de 48 a 63 anos, aproximadamente, vivenciou e se
recorda do auge da cultura soul, em que a música e dança estavam por toda parte na cidade.
166
Por volta de 1976, um grupo de dançarinos de Belo Horizonte que foi a um encontro de soul
no Rio de Janeiro – onde também estiveram presentes dançarinos de São Paulo, Bahia, além
dos anfitriões cariocas – foi batizado como Black Minas. O dançarino Walmir Black, de São
Paulo, relata que a grande surpresa deste encontro nacional foram os dançarinos mineiros,
que apresentavam um estilo de dança bem virtuoso e diferenciado. O grupo Black Minas se
manteve por apenas dois anos. Em 1978, surgiu o segundo grupo de dança soul em Belo
Horizonte: além de contribuir para a cultura soul na cidade, o África Soul foi um dos
responsáveis por trazer, de São Paulo para Belo Horizonte, o MNU (Movimento Negro
Unificado).
Por volta de 1981, a cultura do soul começou a declinar na cidade. Os clubes no centro foram
se fechando. O Som James, no Máscara Negra, resistiu por mais um ou dois anos. Em 1983,
com o intuito de segurar a tradição dos bailes black, Toninho Black monta sua equipe de
som, chamada Som Zeppelin Soul, e começa a organizar o seu próprio baile na região de
Venda Nova. Com o passar do tempo, e com o soul cada vez mais distante do rádio e da
moda, Toninho colocou o nome Baile da Saudade em sua festa, que ficou sendo por muitos
anos o único evento periódico de soul na cidade.
O grupo de dança Brother Soul, fundado com dez integrantes, foi formado com o intuito de
participar de um torneio de dança promovido por Toninho Black no final de 1983, e, dali em
diante, se profissionalizou e realizou inúmeras apresentações em festas e eventos culturais. O
Brother Soul está em atividade até hoje, com quatro integrantes. Membros da primeira
formação do Brother Soul, ao lado de alguns amigos, foram dos poucos dançarinos que, na
segunda metade da década de oitenta e nos anos noventa, não pararam de frequentar o baile
do Toninho Black e outros eventos esporádicos ligados à black music.
No final dos anos oitenta, Misael Avelino passa a promover um baile de black music, no DCE
da Pontifícia Universidade Católica, onde sempre no final da noite o soul era tocado. Misael,
antes dos bailes no DCE, já coordenava a rádio comunitária chamada Rádio Favela, que,
fundada por ele no início do anos oitenta, no Aglomerado da Serra, apresentava um grande
repertório de funky soul em sua programação. O Aglomerado da Serra sempre foi um grande
foco da cultura soul na cidade. Nessa época em que a cultura soul declinou, além do baile de
Toninho Black, as favelas foram redutos onde a música e a dança do soul não cessaram.
Muitos adeptos da cultura, mesmo não frequentando bailes, não deixavam de ouvir suas
músicas favoritas de James Brown em sua laje, em um som potente que fazia com que seus
vizinhos ouvissem também. Mais do que isso, sempre houve nas favelas a cultura do som na
rua (ou no beco).
Em meados dos anos oitenta, DJ A Coisa, um DJ que vinha do circuito do rap, electro funk e
da moda do break, aparece na cena soul da cidade atuando em parceria com o Brother Soul
e passa a organizar eventos ligado à soul music. No final da década de noventa, Toninho
transfere seu baile para a danceteria Flash Dance, em Venda Nova, e seu baile passa a encher
mais, resgatando mais dançarinos de soul. Nos anos 2000, o grupo Brother Soul e outro
grupo formado por dançarinos veteranos, o BH Soul, se apresentam em diversas casas
noturnas da cidade. Uma nova geração começa a descobrir e apreciar a cultura do soul. O
Baile da Saudade passa a atrair gente de toda a cidade, sobretudo um público jovem e
universitário.
167
Em 2004, o dançarino Ronaldo Black e o lavador de carro e colecionador de discos,
Geraldinho, idealizam a partir de uma apresentação de dança espontânea na calçada a
realização de encontros semanais de música e dança na rua, que ganha o nome de
Quarteirão do Soul. Organizado com ajuda do DJ A Coisa, alguns amigos e um dono de
equipamentos de som chamado Abelha, o Quarteirão se torna um novo ponto de encontro
dos dançarinos que frequentavam o Baile da Saudade; e vai ganhando visibilidade no centro
da cidade. O DJ Abelha inaugura um movimento itinerante, o Movimento Black Soul, que
passa a tocar no próprio Quarteirão do Soul (o espaço físico), dividindo os sábados com o
discotecário Geraldinho.
Em 2008, Lord Tuca e Black Steve fundam a Comunidade do Soul, movimento que fixa sua
base aos domingos na Praça Sete. Dançarinos, eventos, público e DJs se multiplicam, no
entanto nem todos os veteranos são totalmente favorecidos pela situação. Dançarinos
profissionais perdem espaço no mercado para amadores, que chegam aos eventos de soul e
se contentam com qualquer oferta para apresentações de dança, nem sempre com a mesma
qualidade. E o principal responsável por manter a tradição na cidade, o discotecário Toninho
Black, tem seu negócio afetado pela abundância de eventos gratuitos.
A escolha dos dançarinos para representar o soul neste Catálogo é um recorte que leva em
conta o protagonismo dos mesmos no desenvolvimento e, sobretudo, na resistência dessa
cultura em Belo Horizonte. E sem dúvida, a originalidade e qualidade técnica também são
fatores observados nesta seleção, pois o bom dançarino é o carro chefe da cultura soul.
Leituras
AMARAL, Tomás. A cultura do soul. Brumadinho: Revista Asa-Palavra, nº 14. Faculdade ASA
de Brumadinho, 2011.
168
HOBSBAWM, Eric. A História Social do Jazz. Editora Paz e Terra, 1990.
SULLIVAN, James. O Dia em que James Brown Salvou a Pátria. Editora: Jorge Zahar, 2010.
Film es
BH Soul: a cultura Black de Belo Horizonte (2010), de Tomás Amaral.
169
Localização dos Entrevistados:
https://www.google.com/fusiontables/embedviz?viz=MAP&q=select+col2%3E%3E0+from+14
34MiGg0e-
pI19NbADjPO8hGNzOw0igo0WjGueY+where+col0%3E%3E0+%3D+'Soul'&h=false&lat=-
19.907279872731596&lng=-43.92802668383786&z=14&t=1&l=col2%3E%3E0&y=1&tmplt=2
170
Baile da Saudade (Black Power Hits)
Meu nome é Antônio Marçal dos Reis, conhecido como Toninho Black. Eu conheci a soul
music quando tinha uns 16 anos, no início dos anos 1970. Percebi que era uma música de
alma, uma música negra, mas para todas as pessoas, todas as raças. Daí, eu passei a
frequentar tudo quanto é baile de soul na cidade, até que essa cultura começou a perder
força, início dos anos 80, diante do aparecimento de outras modas, como a dance music.
Para continuar curtindo com os meus amigos a música soul, em 1983 eu aluguei um
lugarzinho em Venda Nova. Daí, aos poucos, com a adesão dos blacks de toda cidade, o
movimento cresceu. Então, em 1983, lancei o Baile da Saudade – na mesma região, mas
noutra casa.
O movimento foi feito para que as pessoas da minha época, que ficaram sem onde curtir o
soul, tivessem uma opção para dançar a música, numa forma de valorizar a nossa cultura.
Desde 1998 o Baile da Saudade está no espaço atual: a danceteria Flash Dance e acontece
aos segundos sábados de cada mês. A intenção de resgatar o pessoal da cultura soul foi
sendo alcançada aos poucos. Hoje, conseguimos levantar a cultura.
Acredito que foi a persistência do Baile da Saudade que conseguiu segurar o soul em BH.
Graças ao Baile da Saudade, vários outros eventos surgiram no centro da cidade. Se não
fosse o Baile, não existiria soul em BH atualmente. Essa é a importância deste trabalho de 29
anos. Eu fico muito satisfeito, pois em vários momentos o soul foi discriminado e eu fui
criticado por manter um estilo de música que não estava mais na moda. Houve também altos
e baixos, ao longo do tempo: dificuldades de manter o baile com pouco público etc. Mas,
hoje, o Baile da Saudade é referência na cultura soul e negra de Belo Horizonte e do Brasil. Eu
me sinto gratificado por realizar um encontro de todas as raças e cores, para o pessoal poder
curtir o que é a nossa cultura.
171
Black Steve
Meu nome é Aloísio Gomes Vaz, sou conhecido como Steve ou pelo nome artístico Black
Steve. Frequentei vários clubes de soul na década de 70, como Comercial do Barreiro,
Máscara Negra, União Síria, Orion e outros. Participei de muitos torneios de dança
promovidos por esses clubes e ganhei muitos troféus. Já fiz, como dançarino, várias
apresentações ao lado de bandas e cantores, como Gerson King Combo e Lauren Hill. Meu
estilo de dança é muito focado em James Brown, com movimentos elegantes no tronco,
cabeça e braços e um sapateado técnico e veloz.
Em 1976 fui um dos fundadores do primeiro grupo de dança soul em Minas Gerais: o Black
Minas. Depois fiz parte do grupo África Soul, de 1978 a 1981, que foi um dos responsáveis,
nessa época, por trazer o Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial, hoje
MNU, para Belo Horizonte. Já em 1983, surgiu o Brother Soul, que foi o maior grupo de dança
de que participei, em termos de repercussão. Permaneci no Brother Soul por quase duas
décadas, período em que fizemos várias apresentações. Durante o recesso do soul na cidade,
com a entrada de outros ritmos, fui um dos poucos dançarinos que resistiram: eu, os outros
integrantes do Brother Soul, o Toninho Black, do Baile da Saudade, e alguns amigos. O
Toninho às vezes pagava pra dar o baile, pra manter a chama do soul acesa. No início de
2000, fui um dos fundadores do BH Soul, último grupo de que participei. Tive participação
também na fundação de movimentos de soul na última década, como: Quarteirão do Soul,
Movimento Black Soul e Comunidade do Soul, em Belo Horizonte; e Esquinão do Soul, em
Santa Luzia.
Eu fui um dos primeiros blacks a aparecer na mídia, ainda na década de setenta. Na ocasião
era um programa de variedades, apresentado por Barbosa Neto, na TV Bandeirantes. De lá
pra cá, participei de várias reportagens e programas, como o programa "Qual é o Seu
Talento?", em cadeia nacional pelo SBT. Sou convidado eventualmente a participar de
debates relativos à cultura.
Uma das minhas preocupações é preservar a história do soul em Belo Horizonte e difundi-la
pelo mundo.
Black Steve
Rua Seis, 166 (Conjunto Novo Aarão Reis). Belo Horizonte-MG
Telefone: (31) 3445-8628; 9647-7534. E-mail: agvblacksteve@hotmail.com
172
Brother Soul
Meu nome é José Antônio Tito e sou conhecido como Mestre Tito. Sou mestre de capoeira,
também, e dançarino e fundador, juntamente com Conrad Brown, do grupo de dança Brother
Soul.
O grupo foi criado em 1983 para manter a tradição do estilo de dança de James Brown. A
partir dessa premissa, já realizamos mais de 1.400 apresentações nesses 30 anos de estrada.
O grupo já teve várias formações e hoje somos quatro integrantes: Conrad Brown, Don
Adenauer, Lord Tuca e eu, Mestre Tito. Nos apresentamos constantemente em toda região
metropolitana de Belo Horizonte e às vezes em outras cidades e estados, dividindo o palco
com diversos artistas.
Atuamos também em projetos sociais em parceria com ONGs e o poder público. Sempre
difundindo o estilo de dança ligado ao nosso grande ídolo James Brown.
Brother Soul
Associação de Capoeira Cultural Social Santa Rita, Sede Brother Soul
Rua José Pedro de Brito, 52 (Vila Santa Rita, Vale do Jatobá)
30668-590 Belo Horizonte - MG
Telefones: (31) 3385-673; 9107-2657 (Mestre Tito)
173
Comunidade do Soul
Lord Tuca
Eu sou o Lord Tuca. Tenho 48 anos, sou pintor industrial e civil e sou envolvido com o soul
desde os 9 anos de idade. Minha luta é para não deixar o soul acabar. O ritmo já andou
perigando, pois veio o rock, a lambada, a disco... Mas, sempre ficou a semente. Um dos
clubes responsáveis pela permanência do soul em BH é a Flash Dance, em Venda Nova.
Mesmo quando quase não recebia ninguém, o clube permaneceu firme, sem visar apenas o
lucro e sem se render aos ritmos da moda. Por isso, apoio e não deixo de frequentar o Baile
da Saudade, na Flash Dance.
Minha história com o soul é de fidelidade. Eu fui a todos os clubes de BH: Tremendal, União
Síria, Orion, Sparta, Máscara Negra, Italiana... Participei do Sucata Soul, do BH Soul e tenho
uma longa história com o Brother Soul, grupo do qual faço parte hoje. Eu e meus
companheiros militamos pelo soul durante várias décadas.
A Comunidade do Soul foi fundada por mim e por Steve, velho companheiro, no dia 19 de
junho de 2009. Nós começamos realizando eventos aos domingos, debaixo do Viaduto de
Santa Tereza e ficamos lá quase um ano. O Steve saiu, mas eu dei continuidade, aos trancos
e barrancos, com ajuda de outros companheiros. O Geraldinho, do Alto Vera Cruz, foi o
primeiro a emprestar o som. Depois veio o som do Pezão, que ficou muito tempo.
Em 2010, a Comunidade do Soul foi para a Praça Sete, com apoio do Sr. Oswaldo, síndico da
Galeria Praça Sete. O dono do som atual na Comunidade do Soul é o Valdir Black e os
discotecários que fazem o som são: Conrado, Marcos, Sr. Jair, Tomás e outros. Eles se
revezam, das 15 às 22 horas. No Movimento, eu também faço caravanas (com Lady Valéria,
minha esposa) para outros estados e para o interior de Minas Gerais.
174
James
Eu sou Alvimar Seixas, mas meu apelido de dançarino é James. Eu cresci na Pedreira Prado
Lopes, nas imediações dos bairros Bonfim e Lagoinha, zona boêmia de Belo Horizonte.
Quando eu tinha 7 anos de idade, as mulheres da zona já me davam moedas para eu dançar
twist encerando o quarto delas, ali nas ruas Bonfim e Paquequer.
A partir dos 14 anos comecei a dançar o soul e não parei mais. Frequentei todos os grandes
clubes de soul da cidade, como o Máscara Negra, o União Síria e outros, e era um dançarino
de destaque nesses clubes.
Eu fui o dançarino que mais ganhou troféus em concursos de dança soul em Belo Horizonte.
Participei dos grupos Black Minas, de 1976 a 1977, África Soul, de 1978 a 1981, e Brother
Soul, de 1984 a 1987, aproximadamente.
Sempre me destaquei individualmente por ter um estilo mais rápido e agressivo de dança,
sem perder a elegância.
Hoje eu danço principalmente na Praça Sete. Minha situação financeira não me permite ir
frequentemente a eventos pagos, por isso frequento mais os movimentos de rua. Mas às
vezes sou convidado para festas e outros eventos.
Minha vida inteira foi baseada em dança e, na época, em karatê e capoeira, também. Já
passei por muitas provações e a dança é o que me mantém vivo. Eu tenho a dança como
uma coisa espiritual. A dança pra mim é tudo, é o que me faz sentir feliz.
175
Kaká
Meu nome é Antônio Carlos dos Santos, conhecido como Kaká. Eu me defino como um
dançarino de soul e black music.
O meu maior objetivo é engrandecer o nosso estilo de dança. Tenho mais de 30 anos de
dança, já frequentei vários bailes black e procuro estar sempre praticando, aperfeiçoando e
levando a dança para novos lugares e novas pessoas.
A dança pra mim é muito importante. Comecei a dançar imitando o Toni Tornado na televisão
e frequentando as festinhas em casas de família. Depois frequentei clubes e quadras, conheci
muita gente que dançava bem e desenvolvi o meu estilo próprio. Eu tive uma equipe nos anos
80 que se chamava Eletric Soul. Participei de vários eventos e concursos, tanto com equipe
quanto individualmente, e ganhei muitos troféus.
Eu fui um dos dançarinos que resistiu na época em que o soul estava em baixa. Fui
frequentador fiel do baile do Toninho Black, nesse período, depois conseguimos levantar o
soul e eu continuo frequentando o baile até hoje.
Hoje frequento os principais eventos de soul que acontecem na cidade e, enquanto eu tiver
saúde, vou estar praticando e difundindo a arte da dança black.
Kaká
Rua Maria Rosa da Silva, 84 (bairro Mantiqueira, Venda Nova)
Belo Horizonte - MG
Telefone: (31) 8560-5682
176
Lília
Meu nome é Lília Mari e sou adepta do soul desde a adolescência – desde os anos 1970,
durante o período de ditadura, época de muita repressão.
Essa cultura retornou na atualidade resgatando a velha guarda e hoje a vemos como um
programa familiar.
A dança é uma terapia tanto para a mente quanto para o corpo. Através do soul temos a
oportunidade de reviver o passado e rever as amizades de décadas atrás.
O soul é carente de apoio por parte do poder público, mas é uma cultura negra muito
presente na nossa cidade.
Apesar da discriminação que sofremos no passado, a gente resistiu e nossa tradição continua
sendo transmitida de geração pra geração.
Ao acompanhar novos segmentos musicais, como o hip hop, identifico reivindicações que os
jovens fazem hoje por justiça social entre pobres e ricos, negros e brancos, que já estavam
presentes de alguma forma no nosso movimento, durante minha juventude.
Eu fico feliz por fazer parte desta história e quero deixar aos meus netos esse legado.
Lília
Rua Gabro, 412 (bairro Santa Tereza)
Belo Horizonte – MG
Telefone: (31) 3434-9738
177
Lorinho
Meu nome é José Maria Gonçalves e, no cenário do soul, sou conhecido como Lorinho. A
dança sempre fez parte da minha vida, eu danço desde a década de 60. Mas minha entrada
no universo do soul ocorreu quando tive contato com a performance do cantor e dançarino
Toni Tornado. Foi nesta época que eu e meus amigos do Aglomerado da Serra nos reuníamos
nas casas vizinhas para curtirmos juntos o estilo que chamávamos de Brown.
Em relação à dança individual, eu tive influência da dança afro e do jazz, que me ajudaram a
desenvolver um estilo diferenciado de dançar o soul. O que me proporcionou premiações em
concursos de clubes de dança.
A dança faz parte do meu cotidiano. Eu invisto em um visual diferenciado, composto de muito
brilho, para dar destaque e embelezar o movimento.
O soul é uma cultura da rua e uma riqueza cultural do povo negro de Belo Horizonte e do
mundo. Esse movimento merece um status de atração turística, por ser uma manifestação
que atrai um público amplo e variado.
Lorinho
Rua João Samaha, 456 (São João Batista)
Belo Horizonte - MG
Telefone: (31) 8612-3908
178
Luís Cadeado
Meu nome é Luiz Carlos Candido de Oliveira, sou conhecido como Cadeado. Sou adepto da
cultura black desde menino e, já por volta dos 14 anos, comecei a participar dos bailes de
soul, sendo o antigo Máscara Negra a grande referência dos bailes da época. Já promovi
bailes com o meu próprio som em clubes e comunidades. Fui ganhador de vários concursos
de dança na época dos grandes bailes, mas o que tenho de mais precioso são as amizades
que permaneceram e as recordações de vários momentos. Não é por acaso que soul significa
“alma”.
O soul, em sua origem, teve como adeptos as classes menos favorecidas e, na atualidade,
novas gerações de todas as classes vêm aderindo a essa cultura periférica. Nem todos têm
conhecimento das reivindicações manifestadas por nós nos anos setenta – contra a pobreza,
a discriminação, as injustiças sociais... Ainda hoje existe uma espécie de ditadura velada. A
cultura soul pode, através de sua ideologia, auxiliar a juventude atual na contestação dessa
ordem vigente de desigualdade.
É necessário reconhecer, hoje, que o soul é uma manifestação cultural com virtudes. Cabe ao
poder público da cidade conceder um apoio à cultura soul, reconhecendo o seu valor. É
preciso valorizá-la concedendo espaços e estruturas mais condizentes com o ambiente de
família que o soul proporciona. Os bailes black são uma oportunidade de confraternizarmos
com antigas amizades, esquecermos nossos problemas e, na pista de dança, nos sentirmos
jovens novamente, com a alegria de viver.
Por ser, o movimento soul, uma referência positiva para a sociedade, seria legítimo a
obtenção de um auxílio no sentido de resgatar os veteranos da década de 70, para multiplicar
essa cultura. Soma-se a isso o fato de que a cena de BH é referência no universo soul do
Brasil.
179
Miquita
Eu sou o Miquita, dançarino há quatro décadas. Hoje estou com 61 anos, em plena atividade
física, dançando o soul. Fui também, por muitos anos, bailarino de jazz, afro e balé clássico.
Sou um dançarino da primeira geração do soul em Belo Horizonte, quer dizer, do início dos
anos 1960.
Fui fundador, ao lado de Flávio Pereira, do grupo Black Panthers, que foi o primeiro grupo de
dançarinos de soul da cidade, que se expandiu para a dança afro e o balé.
Frequentei diversos clubes de soul nos anos 70 e 80 e continuo praticando a arte do soul,
com a preocupação de manter a tradição e não deixar que a banalização e o oportunismo
prejudiquem a essência da cultura.
180
Misael Avelino
Meu nome é Misael Avelino dos Santos. Sou idealizador e radialista da Rádio Autentica FM,
antiga Rádio Favela, que emite suas ondas como sendo “a voz do morro”, desde 1981. No
final dos anos 1980, buscando alternativas de preservação do soul, criei o Som Sheik, que
tocava no DCE da PUC e foi até meados dos anos 90. Nessa mesma década, passei a
realizar na Rádio o programa Favela Soul, que vai ao ar todas as sextas-feiras a partir das 22
horas. E, mais recentemente, auxiliei na realização do movimento Quarteirão do Soul, que
ocorre todos os sábados no centro de Belo Horizonte. Sou o único locutor oficial na América
Latina a possuir um programa semanal de difusão da soul music e me orgulho de ajudar na
preservação da memória dessa expressão, cujo precursor é o nosso grande ídolo James
Brown.
Defendo a cultura soul por sua ideologia e por seu rico legado e acredito que o poder público
deveria assegurar a preservação dessa cultura negra, que cativa a todos e possui status de
atração turística na cidade. A black music é uma forma de resistência, pois, apesar de toda a
opressão e discriminação sofrida até então, a ideia persiste e promove uma valorização da
cultura negra na atualidade por parte do próprio povo negro.
Uso o microfone para assegurar a difusão e a permanência do soul. Eu não sou um dançarino
na condição de artista, mas tenho a dança como uma grande forma de prazer. Na condição
de difusor dessa cultura, vejo a necessidade de as pessoas encontrarem um local aprazível,
uma vez que esta contempla crianças, idosos, senhoras, enfim – toda a família. Defendo
também a ideia da valorização de outras manifestações artísticas oriundas da cultura negra
em Belo Horizonte, tais como o movimento hip hop, o samba e o pagode, entre outros.
181
Movimento Black Soul
Meu nome é Valdeci Candido, mais conhecido como DJ Abelha. Sou o responsável pelo som
intitulado Movimento Black Soul, que realiza sons itinerantes com o objetivo de resgatar os
dançarinos de soul da cidade.
Meu envolvimento com música e som acontece desde a década de oitenta, quando eu já
realizava sonorização em festas e eventos. A partir de 2003, comecei a trabalhar com a black
music de forma itinerante, em uma Caravan dourada, 86, nos aglomerados e bairros diversos
da nossa grande Belo Horizonte.
Em 2004, ajudei a fundar o Quarteirão do Soul, ponto de encontro dos blacks no centro da
cidade, onde dou som até hoje pra rapaziada dançar na rua.
182
Quarteirão do Soul
Eu comecei a curtir a black music em 1972 e frequentei os grandes bailes de Belo Horizonte
existentes na época. De 1975 pra frente, já tinha minha equipe de som; eu comecei a tocar,
era discotecário e dançava também. Eu fazia bailes no Bairro São Geraldo, Caetano Furquim,
Pompéia, Vera Cruz, Boa Vista, Santa Inês. A gente fazia muitos bailes naquela época.
Com o tempo, o estilo de música mudou; entrou a discoteca, a lambada... Foi passando a
moda da black music. Hoje, o ritmo está de volta. A maior parte do público do Quarteirão do
Soul é dos anos setenta, pessoas que iam aos grandes bailes da época, como Máscara
Negra, União Síria, Tremedal e Orion. Tinha também grupo do Clube do Dama, o Clube do
Barreiro, o Saturno, do Pompéia...
Os meninos, os jovens, estão vindo hoje para aprender a dançar no Quarteirão do Soul. A
gente tenta trazê-los para verem o que era a música dos anos setenta. Hoje, os dançarinos
dos anos setenta estão na faixa de 50 a 60 anos. E os jovens estão frequentando e
conhecendo a nossa cultura. Vindo para dançar passinhos, trocando o funk de hoje pelo
black dos anos setenta. Daqui a algum tempo teremos uma nova geração de dançarinos de
soul. Aí vai ser bom...
Quarteirão do Soul
Aos terceiros e quartos sábados do mês
Rua Santa Catarina, entre rua dos Tupis e avenida Amazonas (Centro)
Belo Horizonte - MG
Telefone: (31) 8533-6210 (Geraldinho)
183
Ronaldo Black
Meu nome é Ronaldo Bernardo, mais conhecido como Ronaldo Black. Tenho 55 anos, hoje, e
danço desde os 8. Eu comecei na época do iê-iê-iê, do twist, daquele rock mais dançante; aí
veio o estilo beliscat e depois veio o soul. Até hoje estou nesse mesmo movimento. O auge da
onda black, no final dos anos setenta, foi a época mais pesada que a gente viveu. Era a
época da repressão... Mas a gente tinha tanto amor pelo soul que éramos presos numa
semana e na outra estávamos de novo no mesmo clube pra dançar. Nos anos oitenta, o soul
decaiu, mas eu e alguns amigos como o Tuca, Marlúcio, Zé Adão, Tito, Conrado, Steve,
insistimos com o movimento. A gente frequentava o som do Toninho, que era o único baile
soul na cidade e começamos a fazer apresentações em casas noturnas, principalmente na
Zona Sul. Depois começamos a nos apresentar também com a banda Berimbrown, no meio
dos anos noventa. Então quando as pessoas nos viam dançando e gostavam, a gente
indicava o Baile da Saudade. Daí o Baile e o movimento foram só crescendo. Nós levamos
esse processo de resgate até mesmo pro Rio de Janeiro. Os blacks de lá se inspiraram na
gente, através do contato que tivemos, para também voltar com a cena soul de lá.
Em 2004, eu, o Geraldinho e outros amigos estávamos ouvindo um som na rua Goitacazes e
eu comecei a dançar na calçada. Depois chegou o Abelha, que a gente conheceu naquele
momento, com um carro que tinha um som mais potente. Daí parou um tanto de gente pra
me ver dançar. Eu propus pro Geraldinho, pro Godê, pro Zezinho, pra gente fazer, ali, no
Centro, um ponto de encontro dos blacks, como era a Galeria do Ouvidor nos anos setenta.
No sábado seguinte estávamos lá com o som na rua, o DJ A Coisa trouxe o equipamento.
Esse encontro se tornou o Quarteirão do Soul. Depois comecei a achar que os dançarinos
foram deixando de ser maioria e o Quarteirão virou um ponto para as pessoas beberem e
baterem papo, perdendo um pouco daquela essência de praticar a cultura. Então eu resolvi
fundar um movimento em Santa Luzia, onde moro, pra tentar pôr em prática esses ideais.
Fundei, em 2007, junto a alguns amigos, o movimento Esquinão do Soul, na Avenida Brasília,
no bairro São Benedito. O que eu tento transmitir para as pessoas é que o soul pode
despertar a cidadania e a paz interior.
Ronaldo Black
Rua Geraldo Teixeira da Costa, 1670 (bairro São Benedito). Santa Luzia – MG
Telefone: (31) 8618-4064
184
a capoeira em belo horizonte
185
08.
Capoeira
Caroline Césari
Rubens Silva
Difícil localizar com precisão no tempo e no espaço a origem mais remota deste jogo e arte,
dança e luta, que se insinua ser a expressão viva do “somatório de diversas danças rituais
praticadas em um amplo arco da África que abasteceu os negreiros” (SOARES, 2004). Há
versões que situam o aparecimento da capoeira no espaço marginal das senzalas, praticada
pelos escravos dos grandes engenhos monocultores do período colonial, enquanto outras
contextualizam o surgimento da capoeira nos grandes centros urbanos do século XVIII, com
destaque para as cidades de Salvador e Rio de Janeiro (SOARES, 2004).
Destacada como uma expressão das variadas formas de resistência dos africanos e dos seus
descendentes contra o regime opressor da escravidão, a capoeira, ao longo de sua história,
para alcançar legitimidade e tornar-se aceita no contexto da sociedade brasileira, exigiu dos
seus praticantes a coragem de não se acomodar diante dos inúmeros desafios enfrentados
para dedicar-se de corpo e alma a esta prática cultural afro-brasileira; bem como lançar mão
de estratégias, as mais diversas, para sobreviver, principalmente durante o período em que foi
duramente perseguida, ao lado de outras modalidades culturais de matriz africana no Brasil
(como, por exemplo, as religiões e os batuques). Em 1890, a capoeira foi alvo recorrente da
perseguição policial e acabou criminalizada de acordo com o Código Penal como prática
violenta e um tipo de “vadiagem” que colocava em risco a ordem social vigente.
É no contexto político desse governo que a capoeira sai da ilegalidade, em 1936, ao ser
excluída a referência a esta prática cultural do Código Penal Brasileiro. Os interesses que
envolveram essa decisão eram, todavia, meramente políticos. Tratava-se de uma estratégia
de cooptação da capoeira, visando, por um lado, o controle pelo Estado das práticas culturais
consideradas marginais; e, por outro, a promoção da imagem desta prática cultural, que
começava a cair no gosto das elites intelectuais e econômicas como autêntico esporte
nacional e símbolo da configuração identitária da nação brasileira ao lado de outras
expressões de matriz africana prestigiadas, como o candomblé e o samba.
186
Neste cenário é que entram em cena duas importantes referências do processo de
legitimidade e divulgação da capoeira dentro e fora do Brasil: os mestres capoeiristas Manuel
dos Reis Machado, o “mestre Bimba”; e Vicente Ferreira Pastinha, o “mestre Pastinha”.
De modo inovador e inspirado na prática das artes marciais, mestre Bimba introduziu no
cenário da capoeira o jogo da “pernada alta”, caracterizado pelos movimentos acrobáticos e
ligeiros que distinguiu o estilo da “capoeira regional” inventada por ele. Bimba também se
destacou como fundador da primeira organização oficialmente registrada, voltada para o
ensino da capoeira como atividade física e esporte no Brasil, chamada “Centro de Cultura
Física”.
A trajetória da capoeira em Belo Horizonte apresenta as suas particularidades, mas não deixa
também de refletir as experiências individuais e dramas coletivos que se registra na história,
de um modo geral, das expressões culturais e religiosas de matriz africana reinventadas no
Brasil: perseguição policial, discriminação, estigma, preconceitos e marginalização. Tradição
introduzida tardiamente na cidade, a chegada e disseminação da capoeira nesta localidade é
atribuída ao esforço, a partir da década de 1960, de dois pioneiros: um capoeirista vindo de
Juiz de Fora, Toninho Cavalieri, o “mestre Cavalieri”, iniciado desde os sete anos de idade na
“pernada carioca” (como era chamada a capoeira aprendida por ele); e Amadeu Martins, o
“grão-mestre Dunga”.
Mestre Cavalieri foi quem deu o primeiro passo ao chegar na capital mineira nos anos 1960.
Por questão de sobrevivência, ele se ofereceu para trabalhar como professor de capoeira
numa entidade associativa da cidade, a Associação Cristã de Moços (ACM). A atividade
chamou a atenção da clientela e atraiu um contingente significativo de pessoas pertencentes
à classe média da capital mineira. Assim, lembra o mestre, “foi o começo da capoeira aqui
em Belo Horizonte” (ver LUCE, 2012).
187
Já mestre Dunga, quando chegou na cidade no início dos anos 1960, foi ensinar esta arte do
corpo no quintal de sua casa, numa favela conhecida pela denominação de “Vila dos
Marmiteiros” e em espaços públicos como a estação rodoviária e a Praça da Liberdade,
dividindo espaço com a feira de artesanato, surgida com os hippies, na década de 1970,
naquele lugar.
Contudo, o mais importante é considerar que estes dois grandes mestres da capoeira em
Minas Gerais foram persistentes. A despeito da perseguição policial, as críticas negativas, a
discriminação e o preconceito contra a prática da capoeira e, por extensão, contra eles
pessoalmente, mestre Cavalieri e grão-mestre Dunga não se furtaram ao desafio de abrir
caminhos e participar ativamente da construção da história da capoeira em Belo Horizonte.
Em suma, nos dias de hoje, em que a capoeira tornou-se uma expressão cultural
mundializada – tendo sido, inclusive, registrada pelo Instituto de Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (IPHAN) como patrimônio cultural brasileiro (e é uma das candidatas ao
reconhecimento pela UNESCO como patrimônio da humanidade) – está em pauta a
reivindicação dos capoeiristas pela inclusão de uma aposentadoria para os mestres mais
188
velhos, de um plano de saúde específico e de financiamento e ajuda na manutenção ou
construção das sedes dos grupos onde esses mestres são referências, entre os itens do
“Plano de Salvaguarda” vinculado ao processo de patrimonialização dos bens imateriais; o
Conselho de Mestres de Capoeira de Belo Horizonte e região metropolitana (que surgiu por
iniciativa dos próprios capoeiristas da capital mineira) acaba de ser fundado; e a imagem e
voz da capoeira e capoeiristas é valorizada e trazida a público nas páginas deste catálogo –
há que se reconhecer que os afrodescendentes desde o passado longínquo, assim como
aqueles de outras origens étnico-raciais que beberam na fonte das expressões religiosas e
culturais afro-brasileiras, tiveram que aprender de vez a lição de “quem traz na pele essa
marca”: é preciso, sempre, ter força, ter manha, ter graça, ter sonhos e ter fé na vida!
CAAB - mestre Medonha Braz; Centro Cultural e Social Cais da Bahia - mestre Chocolate;
Grupo de Capoeira do Bairro Mineirão - Eduardo; Associação de Capoeira Cultural Social
Santa Rita - mestre Tito; Centro Mineiro de Capoeiragem - mestre Guto; Capoeira Origem -
professor Pretinho; Grupo Kuenda - Márcio; Grupo de Capoeira Aruanda - Belson;
Associação Capoeira e Cultura Arte Nossa - mestre Tocha; Capoeira Amazonas - mestre
Baiano; Capoeira Brasil - professor Bambu; Associação Mineira de Capoeira Raça de Minas
- Neide; Grupo de Capoeira Abolição - Carlos Roberto; Grupo Ancestrais - professor Val;
Senzala Novo Horizonte - Emerson de Paula; Guerreiros de Palmares Unidos do Faísca -
mestre Faísca; A Capoeira - professor Sururu; Grupo de Capoeira Belo Horizonte - mestre
Tigre; Os Quilombolas - Everton Dias; Roda Capoeira - contramestre Sorriso; Capoeira
Vanguarda - mestre Calango; Grupo de Capoeira Axé Carcará - Márcio; Grupo Esporão -
professor Peninha; Arte e Ofício Capoeira - mestre Parafuso; Gingarte - mestre Pelota; Grito
de Liberdade - mestre Saci; Capoeira Vanguarda - mestre Calango; Associação de Capoeira
Quilombo Raízes de Minas - mestre China; Capoeirarte Brasil - mestre Poeta; Centro Cultural
Terreiro de Brasil - contramestre Mandruvá; Equilíbrio Físico - Ricardão; Grupo Raiz de
Minas - mestre Boi; Grupo Mundo Capoeira - Zé Baixinho; Grupo de Capoeira Cordel Afiado
- professor Polako; Centro Esportivo União Zona Norte - mestre Fantasma; ACCAAP -
Leandro; Capoeira Lenço de Seda - Diogo.
ABIB, Pedro R. J. Capoeira Angola: Cultura Popular e o jogo dos saberes na roda. Tese de
Doutorado em Ciências Sociais aplicadas à Educação: UNICAMP, 2004.
LUCE, Patrícia Campos. O local e o global na capoeira em Belo Horizonte. Belo Horizonte:
Nandyala, 2012.
PASTINHA, Vicente Ferreira. Capoeira Angola Por Mestre Pastinha. Salvador, Escola Gráfica
N. Sra. de Loreto, 1964.
189
REGO, Waldeloir. Capoeira Angola: Ensaio Sócio-Etnográfico. Salvados: Editora Itapoã, 1968.
SOARES, Carlos Eugênio Líbano. A Capoeira Escrava: e outras tradições rebeldes no Rio de
Janeiro (1808-1850). Campinas, SP: Editora da UNICAMP/ Centro de Pesquisa em História
Social da Cultura, 2001.
Em Belo Horizonte
GONÇALVES, Ramon Lopes (Mestre Negoativo). Capoeiragem no País das Gerais. Belo
Horizonte: Nandyala, 2010.
LUCE, Patrícia Campos. O local e o global na capoeira em Belo Horizonte. Belo Horizonte:
Nandyala, 2012
MAIA, Carla Linhares. Entre gingas e berimbaus: culturas juvenis e escolas. Belo Horizonte,
MG: Autêntica, 2008. 154 p.
Docum entários
Mandinga em Manhattan
Colaboraram realizando as entrevistas: Alder Oliva, Caroline Césari, Iran Joter Lacerda, Luiza
Vianna e Luiz Divino Maia
190
Localização dos Entrevistados:
https://www.google.com/fusiontables/embedviz?viz=MAP&q=select+col2>>0+from+1434MiG
g0e-pI19NbADjPO8hGNzOw0igo0WjGueY+where+col0>>0+=+'Capoeira'&h=false&lat=-
19.90975639182015&lng=-43.93920613101193&z=13&t=1&l=col2>>0&y=1&tmplt=2
191
Grupo Bantus Capoeira
Meu nome é Maíra Cesarino Soares. Faço capoeira há 14 anos, sempre no grupo Bantus
Capoeira. Em 1992, mestre Pintor fundou o Grupo Bantus Capoeira em Belo Horizonte e
convidou o mestre João Pequeno para ser padrinho do grupo. Nossa sede funcionou durante
muito tempo na rua Rio Grande do Norte, perto da trincheira da Savassi. Hoje nós não
estamos mais nesse endereço, mas as ações do grupo continuam ligadas principalmente a
projetos sociais como o Fica Vivo, do Governo Estadual de Minas Gerais, e a Escola
Integrada, da Prefeitura de Belo Horizonte. O mestre Pintor hoje está morando em Brasília,
mas vem aqui em BH uma vez por mês, daí fazemos rodas e encontros com os outros
integrantes do grupo.
Nossas cores são o vermelho, o preto e o branco, que remetem ao povo Bantu, na África. O
mestre Pintor escolheu essas cores e determinou que o nome seria Bantus, no plural, como
uma referência à africanidade e às nações Bantu que vieram para o Brasil. Como o mestre
Pintor não vive na cidade, o formado Lobão e eu estamos contribuindo para a manutenção do
grupo em BH. Temos também outros professores que trabalham em outros países que nos
ajudam no sustento do grupo. Além de cada professor realizar seus eventos nos projetos nos
quais trabalham, realizamos, juntos, anualmente, um festival que conta com a presença do
mestre Pintor, de mestres convidados de outros estados brasileiros, dos alunos do grupo e
dos envolvidos nos projetos sociais, dos professores que atuam em BH, dos professores que
trabalham nos outros países e alguns de seus alunos. Já contamos com mais de trezentos
participantes nesse evento.
O grupo para mim é a minha segunda família, sempre fui muito ligada ao mestre Pintor e hoje
uso a capoeira também como referência para a minha vida profissional. A capoeira deixa
marcas em nosso corpo que nunca se apagam. Sou atriz e dou aulas de preparação corporal
para atores utilizando elementos dessa corporeidade afro-brasileira característica da
capoeira.
192
Instituto de Capoeira Brasileira
Eu, Marcelo de Paula, nascido em 16 de janeiro de 1968, conhecido como mestre Marcelinho,
sou discípulo do grão mestre Reinaldo. Comecei com o mestre Toninho Bocão, com quem
aprendi os primeiros passos. A gente nunca pode negar nossas raízes. Sou oriundo de uma
legião de capoeiras do bairro Paraíso, de onde saíram grandes capoeiristas. Comecei em
1980 a praticar a capoeira. Já estive em outros grupos, sendo que fui um dos fundadores do
Artes das Gerais e trouxe o Muzenza para BH. Hoje sou um dos alunos mais antigos do
mestre Reinaldo em atividade, mas tem outros grandes alunos do grão mestre Rei em
atividade por aí. Me sinto honrado por fazer parte deste time.
Pratico capoeira porque sempre gostei de defender minha raça e tudo aquilo que está
envolvido com a negritude, pois isso significa a minha cultura e do meu povo. Não abro mão
de estar sempre praticando uma capoeira com qualidade e acima de tudo com lealdade.
Procuro respeitar a todos de forma igual e jamais me aproveitar da fraqueza de alguém para
tirar qualquer tipo de proveito.
Sou o fundador do Instituto de Capoeira Brasileira (ICB), grupo que faz um trabalho
totalmente voltado para o resgate da velha guarda da capoeiragem de Minas e a valorização
dos capoeiristas que estão chegando no momento. O ICB estará sempre valorizando aquelas
pessoas que abriram o mato e colocaram as primeiras pedras para essa construção tão
maravilhosa chamada capoeira. Procuro fazer dela a minha filosofia de vida, agindo sempre
com honestidade, e ensinando, dando exemplo, sendo um espelho para aqueles que estão
nos acompanhando no dia a dia. Nossa meta é colocar a capoeira nos melhores lugares da
nossa sociedade e temos o projeto de um dia ainda fazermos um batizado no Palácio das
Artes. O ICB estará sempre de portas abertas para todo e qualquer tipo de movimentação
onde a raça negra estiver.
193
Centro de Cultura Canzuá Capoeira
Meu nome é Bocão. Sou aluno do mestre Mão Branca. Iniciei a capoeira com o meu mestre
em 1980. Em 1995 fui formado mestre do Grupo Capoeira Gerais por ele.
Fundei o Centro de Cultura Canzuá Capoeira no ano de 1999, com a intenção de consolidar
um trabalho de pesquisa e documentação referentes à capoeiragem. Mantenho um forte
vínculo com o trabalho do meu mestre, inclusive utilizando o mesmo nome do seu grupo,
Capoeira Gerais, para o grupo de capoeira mantido pelo centro.
Uma grande meta do Centro de Cultura Canzuá Capoeira é consolidar o diálogo entre o saber
popular e o conhecimento acadêmico. Dessa maneira, realizamos eventos que buscam
permitir aos alunos a convivência com os grandes mestres da cultura popular, como também
com pesquisadores de diversos campos.
O grupo conta com uma sede própria, onde é desenvolvido o trabalho com a capoeira e
outras atividades ligadas ao acervo documental do núcleo, como apresentações de filmes,
palestras e reuniões de grupos de pesquisa.
Atualmente, o grupo tem mais de 200 integrantes em Belo Horizonte, além de representantes
no exterior, e alunos desenvolvendo esse trabalho em escolas, universidades e centros
sociais.
194
Grupo Internacional Oficina da Capoeira
Meu nome é Raimundo Ferreira de Souza, completo 50 anos em agosto 2012. Sou conhecido
no mundo da capoeira como mestre Ray, já a pratico há 35 anos.
Tenho levado a capoeira a diversas partes do Brasil e do mundo. Eu considero que minha
função na sociedade seja ensinar capoeira, que a minha principal missão é levar a capoeira a
todos as pessoas.
Onde tiver alguém que queira e goste de capoeira eu estou disposto a ensinar. Se eu
conseguir incluir na capoeira uma pessoa por dia, trinta pessoas por mês, 365 pessoas por
ano, aí eu posso dizer que estou cumprindo a minha trajetória.
Nós temos alunos nos representando em quinze países no mundo, oito estados do Brasil,
com a nossa principal filosofia que é: axé e felicidade. A capoeira é uma coisa séria que nós
fazemos brincando.
Temos que respeitá-la, preservar seus fundamentos, mas sempre atentos à evolução do
mundo, à globalização, à ciência que está dentro da capoeira, porque dessa forma estaremos
mantendo as tradições e fundamentos que foram deixados pelos velhos mestres.
Eu gosto e pratico a capoeira como um todo: como filosofia, como história, como luta, como
música, como tudo, como vadiação. A capoeira é a minha paixão. Conheça e pratique a
capoeira!!!
195
Muzenza Capoeira
Sou Allisson Gray de Souza, meu apelido na capoeira é mestre Cavalo. Esse apelido foi dado
pelo mestre Reinaldo por eu ter me destacado numa corrida, que era um exercício físico dado
pelo mestre. Meu primeiro contato com a capoeira foi em 1985, depois parei, retornei em
1987 e estou aí até hoje.
O grupo Muzenza Capoeira tem o mestre Burguês, do Rio de Janeiro, onde eu me formei
como mestre em 2005. Estamos fazendo um trabalho aqui, no bairro Esplanada, zona Leste,
onde fazemos as nossas rodas todas as sextas-feiras, às 19:30. E participamos da roda da
feira hippie, aos domingos.
Uma vez por mês a gente visita creches e asilos levando o jogo, a brincadeira, o samba de
roda e a alegria que a capoeira proporciona. Nos divertimos também onde o aprendizado é
muito bom.
Aqui em Belo Horizonte temos de 100 a 150 integrantes, entre professores, instrutores,
monitores, graduados, alunos e simpatizantes. Estamos aí, buscando o nosso espaço na
resistência da capoeira.
196
Centro de Cultura Arte Quilombo Capoeira
Meu nome é Joemilson Marques da Silva, conhecido como mestre Buléia. Iniciei a capoeira
em 1976, na época jovem, adolescente ainda, por necessidade de praticar a cultura afro-
brasileira. Hoje sou fundador do Arte Quilombo Capoeira, com sede própria aqui na
comunidade do bairro Vista Alegre, região do Cabana. A gente atende crianças e
adolescentes no espaço cultural aqui.
Vivo da capoeira, vivo pela capoeira. A capoeira, pra mim, significou minha inclusão social e
foi muito significativo ter entrado em contato com a capoeira ainda na juventude.
Hoje sou educador social, trabalho em creches aqui na região Oeste e também na zona Sul.
Desenvolvemos trabalhos de capoeira com parcerias em Ibirité, Nova Contagem e outras
localidades.
Estou fazendo parte da Comissão dos mestres do estado de Minas Gerais, o que é muito
importante para estar divulgando mais a nossa cultura afro-brasileira. Nós temos parceria
também com outros segmentos afro como, por exemplo, o hip hop e o soul. A gente sempre
está ai fazendo os trabalhos. Tive a oportunidade de divulgar a nossa cultura afro-brasileira na
Alemanha e em outros estados do Brasil também.
197
Centro Cultural e Social de Capoeira Mandinga Mineira
Meu nome é Jamil Francisco da Costa, tenho 46 anos de idade e 30 de capoeira. Em 1994
fundei o Mandinga Mineira. No grupo, procuramos divulgar a capoeira regional, ensinada por
mestre Bimba, e valorizar os mestres daqui e os alunos que participam dos trabalhos sociais
que fazemos em várias comunidades carentes de BH.
Sou fruto de um projeto social: comecei a capoeira na década de 80, no Alto Vera Cruz, e sou
protagonista da minha própria história. Então resolvi fundar o grupo para divulgar a capoeira
em Minas e no mundo e para dar continuidade a esse trabalho do qual eu sou fruto.
Eu sou mineiro da gema e a mandinga, pra mim, é o jogo de cintura que temos no dia a dia.
Nosso maior foco é o desenvolvimento de trabalhos sociais com alunos carentes em toda a
cidade. Busco, junto com o mestre Peninha, que também está nessa luta comigo, transformar
a capoeira em uma ferramenta capaz de promover educação, cidadania e a valorização das
crianças e jovens dessas comunidades.
No grupo trabalhamos também com outras expressões como a dança afro, a puxada de rede,
o samba de roda, a percussão e o maculelê. Desenvolvemos uma roda na feira hippie, na
avenida Afonso Pena, uma vez por mês e contamos com a participação de vários mestres e
vários grupos. Nossa ideia é mostrar para o nosso povo o valor da capoeira de Minas.
198
Associação de Capoeira Angola Dobrada
Meu nome é Carlos Roberto Gallo, mestre Índio. Sou mestre de capoeira, formado por mestre
Rogério, que foi o responsável pelo primeiro trabalho de capoeira Angola de Belo Horizonte.
Nasci em Várzea da Palma, MG, e sou o responsável pelo grupo de Belo Horizonte e também
pelos núcleos da Itália, em Cesena e Bolonha. Vivo hoje no interior de Minas, em São Gonçalo
do Rio da Pedras, onde trabalho com capoeira com crianças e desenvolvo um trabalho na
comunidade ligado à saúde popular.
Sou raizeiro e trabalho com a saúde das comunidades rurais e tento também sensibilizar
meus alunos daqui da cidade. Vivo pela capoeira e com a capoeira e não da capoeira. Venho
a BH uma vez por mês, mas sempre estou ligado em tudo o que acontece e tenho uma
participação no grupo no sentido de dar as diretrizes e ajudar na organização de projetos e
eventos.
Essa minha preocupação com os métodos de cura ligados aos conhecimentos populares das
plantas e ervas medicinais é o que diferencia minha forma de pensar e atuar como produtor
da cultura popular. Tento levar esses meus conhecimentos para a capoeira angola, no sentido
de sensibilizar meus alunos quanto à importância dos cuidados com a saúde e com hábitos
alimentares e de vida mais saudáveis. Capoeira é saúde!
199
Associação Sinhá Bahia de Capoeira
Meu nome é Robiston Mateus da Silva, sou conhecido como mestre Binha. Iniciei na capoeira
em 1978 e a partir de 1985 comecei a desenvolver um trabalho em BH voltado para a
educação, inclusão social e para promover a cidadania.
A Associação Sinhá Bahia de Capoeira tem hoje 7 mestres e aproximadamente 6 mil pessoas
frequentes dentro do nosso trabalho. Além da capoeira fazemos percussão, dança e outras
atividades culturais. Trabalhamos em comunidades, em parceria com paróquias, escolas,
creches e associações.
Nosso objetivo é atingir o público infantil e a classe mais vulnerável através da educação, que
é para nós um todo: tem a parte formal – a escola –, e a informal – a cultura, o esporte e o
lazer. Realizamos rodas, palestras, passeios e eventos nacionais e internacionais. Temos
parceria com várias instituições que simpatizam com nosso trabalho e abrimos espaço para
formação de pessoas que buscam promover trabalhos culturais.
200
Associação de Capoeira Cordão de Ouro
Iniciei na capoeira já no grupo Cordão de Ouro, em 1992. No ano 2000, me formei como
professor e em 2010 recebi a primeira graduação de mestre. Aqui no grupo, crianças, jovens
e adultos podem praticar capoeira, dança afro-brasileira, maculelê, puxada de rede e samba
de roda. Além disso, temos parcerias com escolas infantis e de educação especial, sem
contar com o grande trabalho social na comunidade do Morro do Papagaio/Barragem Santa
Lúcia, em um projeto que conta com o apoio das famílias e das instituições envolvidas.
Em 2009 formei uma turma de 8 professores. Entre eles, três estão nos EUA e outros no
interior de Minas Gerais com grandes trabalhos e parcerias com prefeituras, escolas e ONGs.
Hoje, conto com uma equipe de profissionais de 14 pessoas que atendem mais de 20 escolas
só na capital.
A capoeira é o grande meio no qual nos tornamos todos iguais e aprendemos a respeitar
essas diferenças. E principalmente aprendemos uns com os outros para crescermos juntos
de uma maneira consciente.
201
Grupo Axé Para Todos
Eu me chamo Humberto Placedino da Silva, sou conhecido como Nego Humberto. Iniciei
capoeira aos 8 anos de idade, em 1965, com um dos alunos do mestre Pastinha, o Josemir,
filho da Dona Maria Baiana.
Com o tempo eu fui conhecendo outros mestres, como o mestre Jacaré, que me levou pra
treinar na casa dele, o mestre Dunga, Mestre Cavalieri, Marcio Alexandre. Assim, fui
desenvolvendo meu trabalho na capoeira até que eu fui treinar com o Caica, no bairro
Floresta. E lá eu fiquei treinando uns 15 anos, no grupo Meia Lua. Em 88 eu fundei o grupo
Axé Para Todos, no dia 13 de maio de 1988, com 15 jovens daqui do bairro Boa Vista. E até
hoje nós estamos nessa caminhada. Já passaram vários alunos pelo grupo, mas por motivos
da vida, cada um às vezes tem que partir para um lado, mas o grupo continua.
O meu objetivo é o trabalho social – poder tirar as crianças da rua e do caminho das drogas e
formar cidadãos. Não apenas um capoeira, mas um cidadão. Esse é o meu objetivo.
Pratico vários tipos de atividades culturais, como dança afro, frequento o movimento negro,
sempre em busca de coisas novas para poder passar para os alunos. Recebo convites para
viajar, para me apresentar.
Cada dia que passa a gente vai sendo mais conhecido e conhecendo novos capoeiristas
nessa caminhada. O capoeira é um “caminhador”. A gente tem que caminhar pra divulgar o
nosso trabalho.
202
Grupo de Capoeira Mãe África
Meu primeiro contato com a capoeira foi com oito anos de idade, no bairro Primavera. Ficava
vendo Antônio, Mandioca e João se movimentando e não entendia muito bem o que era
aquilo. Foi então que perguntei pra eles e conheci a capoeira.
Nessa época, não era muito comum ter crianças na capoeira, praticava sozinho mesmo,
olhando e praticando. Depois de ficar dos 8 aos 11 anos treinando sozinho, meu irmão viu
que eu levava jeito para o negócio e falou que eu tinha que treinar mesmo, em um lugar
próprio, com mestre.
Como já frequentava (como espectador) a roda da Praça Sete, procurei o grão-mestre Dunga
e lá chegando percebi que estava com os “bambas” de Belo Horizonte. Logo pensei: quero
estar na nata da capoeira, ser bamba também. Continuei treinando com o mestre Chuvisco,
aluno do Dunga até ser formado mestre.
Meu objetivo maior é elevar a capoeira ao seu real prestígio, sempre construindo e
fortalecendo essa nossa arte.
203
Grupo Ginga de Capoeira
Eu me chamo José Agostinho, sou conhecido como mestre Agostinho, do Grupo Ginga.
Nasci em Olhos D’Água, no norte de Minas, e vim para BH aos 18 anos de idade pra trabalhar
na “cidade grande”. Comecei fazendo vários serviços, de ajudante de pedreiro a serviços de
faxina e segurança.
Lembro do dia em que vi pela primeira vez a capoeira... Vi o filho da dona da casa em que eu
trabalhava fazendo movimentos diferentes, com alguns amigos na rua, que só depois fui
saber que se tratava de movimentos da capoeira. Mas fiquei encantado com aquilo e ficava
em casa sozinho tentando repetir o que tinha visto.
Depois de um tempo, fui chamado para trabalhar em uma academia que estava abrindo – era
o início da Ginga em 1984. Eu era responsável pela limpeza da academia e também fazia
alguns serviços de office boy. Mas continuei encantado com a capoeira e comecei a treinar
de manhã cedo, antes dos primeiros alunos chegarem. Aos poucos fui pegando o jeito e meu
mestre, que é o mestre Macaco, falou para eu substituir algum professor que não pudesse ir
dar aula. Assim eu comecei e até hoje não saí da capoeira...
Hoje estou na coordenação do grupo, que já tem núcleos em Nanuque e também fora do
Brasil – na Dinamarca e na Espanha. Além das aulas na Ginga, tenho um projeto com
crianças carentes no bairro Jardim América e outro com pessoas portadoras de necessidades
especiais.
Meu desejo é retribuir para a capoeira tudo que ela já me deu... A ideia aqui é levar a capoeira
da melhor maneira possível, colocar ela no lugar que ela merece, com respeito, com
humildade e união. Esse é o Grupo Ginga!
204
Grupo de Capoeira Minas Gerais
Meu nome é Juraci Guimarães dos Santos, sou conhecido por mestre Jiboia.
Faço meu trabalho aqui no bairro Primeiro de Maio há muitos anos. Comecei na capoeira com
20 anos e passei por vários grupos: treinei com mestre Paulinho Jesus Cristo, com o mestre
Chuvisco e depois com o mestre Mão Branca.
Minha paixão mesmo é a criançada, o trabalho social que faço aqui no bairro. Procuro tirar
essas crianças da rua e sempre falo pra eles o que é bom e o que é ruim.
Hoje temos que tomar conta mesmo, não podemos deixar eles aí à revelia das drogas e do
crime, pela rua afora. Inclusive, minha vinda para o bairro foi muito bacana, hoje eu recebo
muitos elogios da população daqui. As mães me procuram para colocar as crianças na
capoeira e muitas me agradecem pelo trabalho que realizo. Isso pra mim é minha vida.
Acho que todo mundo da capoeira tinha que trabalhar no morro, porque eles estão
precisando. Eu estou aqui pronto pra ajudar e fazer minha parte.
Sou bem conhecido no bairro onde atuo, e também no meio da capoeira. Hoje tenho meu
grupo, o Capoeira Minas Gerais, um grupo conhecido e respeitado na cidade.
205
Grupo Abadá Capoeira
Professor Camaleão, ao centro, durante um encontro de capoeira em Pitangui, MG. (Foto: acervo pessoal)
Meu nome é William José da Silva, conhecido como professor Camaleão. Eu atuo na capoeira
desde 1995, quando entrei no Grupo Abadá Capoeira, mas estou no movimento há mais
tempo, desde 1984.
O que me fez entrar para a capoeira foi a energia boa e positiva que senti quando, pela
primeira vez, vi uma roda de capoeira. Isso aconteceu no bairro Alto Vera Cruz, há 28 anos. O
sentimento foi contagiante, e muito forte também pelo fato de gostar de instrumento, de
música e de luta.
O Abadá Capoeira existe desde 1988, fundado por mestre Camisa, no Rio de Janeiro. Está
em Belo Horizonte desde 1993. Como disse, faço parte do grupo desde 1995. Nesse ano, eu
entrei como estagiário, apesar de já ser instrutor, condição adquirida na experiência que tive
com a academia do mestre Chuvisco, do Barro Preto, entre 1984 a 1995. Com o tempo no
Abadá Capoeira, em 2006 eu conquistei a graduação de professor. Desde então, ministro
aulas e treinos em vários locais de BH e várias cidades de Minas Gerais, onde também realizo
cursos, jogos, batizados e coordenação de outros alunos. Eu participo também de cursos em
outros estados do Brasil. Quero dizer ainda que, com os treinos e os eventos que organizo,
além das participações em outros eventos, pretendo me formar mestre de capoeira.
Eu entendo a capoeira como a filosofia de minha vida, pelos diversos benefícios que ela me
traz, como ter uma boa saúde, por ser uma atividade física; o reconhecimento adquirido por
poder ajudar muitas pessoas; os lugares que me leva, pelas viagens que faço para
desenvolver atividades do grupo; e os intercâmbios que me proporciona com pessoas de
diversos lugares do mundo.
206
Associação Cultural Eu Sou Angoleiro
Sou conhecido como mestre João Angoleiro ou mestre João. Comecei capoeira aos 12 nos
no Colégio Padre Eustáquio e logo fui aprender com o mestre Dunga, na Vila dos Marmiteiros.
Fiz reciclagem em capoeira angola com mestre Rogério (responsável pela difusão da capoeira
angola em BH) em 1982, e de 1985 a 1987 com mestre Moraes, da Bahia. Depois fiquei sob a
tutela do mestre João Pequeno, que me deu o título de mestre.
Em 1993 fundei a ACESA para praticar e difundir a capoeira angola. Hoje temos trabalhos em
mais de 12 comunidades em BH e região metropolitana.
Nossos multiplicadores vêm das ruas, periferias e favelas e também do meio artístico, cultural
e estudantil. Nesse processo sociocultural integrativo militamos em escolas, ONGs e junto a
movimentos sociais, como o movimento negro e outros.
Nossa missão é alegrar e fortalecer o povo com a chama acesa da verdade e da justiça, por
amor a todos os povos e nações da terra. Iê dá volta ao mundo camará!
207
Grupo Capoeira Gerais
Meu nome é William Douglas Guimarães, mais conhecido como mestre Mão Branca. Sou o
presidente/fundador do grupo Capoeira Gerais e também da Federação de Capoeira do
Estado de Minas Gerais. Nasci em 14 de abril de 1960 em Belo Horizonte e conheci a
capoeira aos 10 anos de idade na Central do Brasil, RJ.
Aos 15 anos comecei com o mestre Jacaré, daqui da cidade. Fiquei com ele por volta de um
ano e meio. Retornei ao Rio e treinei com o mestre Hélinho Aganera da escola de samba Flor
da Pedra, que foi quem me levou à academia do mestre Gigante (RJ), de quem me tornei
discípulo.
Nos anos 80, quando voltei para Belo Horizonte, conheci o mestre Dunga e começamos a
trabalhar com pintura juntos, aí ele me chamou para dar aula na Católica (PUC). Depois um
amigo meu do Rio me visitou e viu como o meu trabalho tinha crescido e contou ao mestre
Gigante que me ligou e me convidou para ir ao Rio conversar. No sábado fui formado
professor, mas já no domingo eles se reuniram e disseram que eu tinha que ser contramestre.
Aqui nosso lema é garra, união e força. Baseamos o grupo no número três, por causa dos
berimbaus, dos atabaques do candomblé, do Deus, Filho e Espírito Santo. Contudo, o que
diferencia a minha prática é a minha ideologia. Acredito que a capoeira é um instrumento
transformador de pessoas, porque ela me transformou no que sou hoje.
A capoeira me escolheu e me deu oportunidade de ser melhor, realizado, e devo tudo à ela.
Capoeira é história, é luta, é resistência, é sentimento!
208
Centro Cultural Social Tradição de Bamba Capoeira
Iniciei na capoeira em 1979 e estou nela até hoje, e só paro quando morrer. Eu fui aluno do
mestre Chuvisco e depois do mestre dele, o grão-mestre Dunga. Em 1994 resolvi montar meu
próprio grupo de capoeira, com uma filosofia mais voltada para o social. Aqui a base é
crianças e adolescentes em risco social, e nosso trabalho é feito no sentido de melhorar os
problemas que eles enfrentam.
Faço meu trabalho para tentar devolver pra sociedade tudo de bom que a capoeira trouxe pra
mim. Sou educador e dou exemplo. No meu grupo busco sempre incluir a todos que querem,
que buscam a capoeira para esquecer seus problemas e se tornarem pessoas melhores.
Fui formado professor em 1995 pela Federação Mineira de Capoeira e acredito que o papel
fundamental de um mestre de capoeira é ser como um pai é dar ao aluno a segurança e os
fundamentos para que possam sair da situação de risco em que se encontram.
Busco plantar essa semente, divulgar a essência da capoeira, e oferecê-la como válvula de
escape para as mazelas em que os jovens das comunidades mais carentes se encontram,
como uma oportunidade de mudança.
209
Grupo Negaça
Meu nome é Cristian Régis Amado, conhecido na capoeira como mestre Aranha. Eu comecei
capoeira em 1979 no bairro Pindorama, com o mestre Coelho no CIAME - Centro de
Integração do Menor.
Em 1985 fui para o grupo Morro de Santana, do mestre Reinaldo; fiquei lá por cinco anos. Em
1987 me formei professor com o mestre Reinaldo; em 1988 fui a contramestre. Quando o
mestre saiu para outro grupo, fui viajar para comer capoeira, para conhecer mais. Em 2005 fui
morar no México e fiquei lá por seis anos. Logo depois ajudei a formar o grupo Artes das
Gerais, e dado o meu desenvolvimento na capoeira, resolvi dar meus próprios passos – fundei
o Grupo de Capoeira Negaça em 26 de novembro de 1996.
No grupo, à medida que o capoeirista vai crescendo, vai ganhando mais responsabilidade –
ele passa a ter obrigação com a capoeira. Tem que jogar, cantar, tocar, viajar, viver esse
universo, estar sempre em contato. Tem que ter responsabilidade não só como ser humano,
mas como capoeirista mesmo.
Procuro ser sempre um exemplo para meus alunos, sou um educador e respondo por aqueles
que estão sob a minha proteção.
O aluno se espelha em quem está na frente e eu busco sempre dar o bom exemplo, pois
minha função é formar cidadãos através da capoeira e da educação que ela proporciona.
210
Associação Malícia Brasil Capoeira
Eu, mestre Chicoreba, comecei capoeira em 1977. Eu via a capoeira na Praça Sete e daí
comecei a ir lá todos os domingos, para assistir a roda, ver os jogos. Quando chegava em
casa, eu tentava fazer tudo aquilo que eu via.
Foi então que eu conheci o mestre Chuvisco, na década de 1980, e passei a treinar com ele.
Isso foi até 1999. Em 1984 comecei meu primeiro trabalho na cidade de Raposos.
A história do nome do grupo é bem interessante, porque a malícia dos escravos nada mais é
do que a capoeira.
Com o passar do tempo, após a minha saída do grupo Mandingueiros dos Palmares, do
mestre Chuvisco, resolvi fundar um grupo com esse nome “Malícia dos Escravos”. Depois,
optei por mudar o nome do grupo para “Associação Malícia Brasil Capoeira”. Isso aconteceu
em 27 de novembro de 1999.
O que diferencia nosso grupo é a união. Meus alunos são como filhos pra mim. Tenho
pessoas ótimas me acompanhando e somos sempre companheiros, estamos todos no
mesmo barco e nos apoiando, haja o que houver.
211
Grupo Estilo Capoeira
Meu nome é Carlos Fernando da Silva, Mestre Gato. Eu nasci em 23 de janeiro de 1970 em
um vilarejo daqueles bem pequenininhos mesmo, conhecido como Engenho, em Taquaraçu
de Minas, Minas Gerais. Aos seis anos de idade minha família mudou-se para Belo Horizonte.
Já no inicio da década de 80, mais precisamente em 1981, comecei a treinar por influência
dos amigos e colegas que faziam capoeira com o professor Joel, que era uma figura bastante
significativa e representativa na minha região, bairro Pirajá, região nordeste de Belo Horizonte.
Lembro que na época a capoeira não era bem vista. Eu mesmo praticava escondido dos
meus pais, que me proibiam de fazê-la. Mesmo assim pratiquei a capoeira com o mestre Joel
alguns anos.
Ainda na década de 80 conheci o mestre Chuvisco, com quem treinei por alguns anos e me
formei realmente como capoeirista. Mestre Chuvisco é também um grande Capoeirista – foi o
primeiro mestre formado pelo mestre Dunga, um dos precursores da capoeira em Belo
Horizonte.
Mais tarde fui fazer parte do grupo Oficina da Capoeira, do mestre Ray, com quem convivi
onze anos e pude ampliar ainda mais os meus conhecimentos e ter oportunidades, como
viajar por vários países da Europa e também para a Colômbia. No ano de 2006 recebi das
mãos do mestre Ray minha graduação de mestre.
No ano de 2009 eu decidi então fundar minha própria escola com o nome Estilo Capoeira.
Desde então venho me dedicando bastante a esse novo trabalho, organizando e realizando
várias atividades e eventos em prol da capoeira.
212
Fundação Internacional de Capoeira Angola
Meu nome é Cinésio Feliciano Peçanha, nasci em 19 de maio de 1960 em Duque de Caxias,
Rio de Janeiro. Iniciei na capoeira em 1973, aos 13 anos, com o mestre Josias da Silva. Na
década de 70, com a chegada de mestre Moraes ao Rio de Janeiro, tornei-me seu aluno. Em
1981 junto com ele fui para Salvador e fundei o GCAP, em 1982, no Forte Santo Antônio.
Durante esse período também me formei em Educação Física na cidade de Salvador.
Permaneci no GCAP até 1994 quando fui para Washington e em 1996 fundei a FICA
(Fundação Internacional de Capoeira Angola), juntamente com mestre Valmir e o mestre
Jurandir. Fui um dos responsáveis pela revitalização da capoeira angola.
Já viajei para a África (Angola) em 2006 para realizar pesquisas junto com o professor
Matthias Röhrig. Participei das filmagens do documentário “Mandinga em Manhatan” e
introduzi a disciplina “Capoeira” na Universidade de George Washington (EUA) em 1997.
Aqui em Belo Horizonte temos o mestre Jurandir, que viveu muito tempo fora do país e hoje
voltou definitivamente pra cá. Ele é o responsável pelo trabalho na cidade, e juntos fomos
também os precursores da capoeira angola daqui.
213
Associação Cultural de Capoeira Angola Camujere
Sou o contramestre Rene Lopes. Comecei capoeira em 1976, quando conheci a capoeira
regional.
Nessa época ainda não tinha capoeira angola em Belo Horizonte. Eu ia a todas as rodas que
aconteciam na rua. Comecei treinando com o Quinzinho, passei para o mestre Boca, depois
conheci o mestre Léo. Fiz regional com ele e fiz a mudança junto com ele para a capoeira
angola.
Além desse contato com o mestre Léo, também treinei com o mestre Jurandir, com o mestre
Cobrinha e com o mestre Rogério, que me deu o título de contramestre em 2004.
Na verdade, eu fiz parte do Grupo de Capoeira Angola Pelourinho, GCAP, de 1985 a 2002,
onde treinei com o mestre Moraes e todos os mestres de lá, e foi graças à capoeira angola e
a seu ensinamentos que eu não fui para o lado do crime. Ela me formou a pessoa que sou
hoje, um contramestre que tem a responsabilidade de ensinar, de ser um educador através da
capoeira angola.
Em 2003 passei a caminhar com minhas próprias pernas, busquei o significado da palavra
‘camujere’, e fundei o Grupo de Capoeira Angola Camujere, com a permissão dos mestres
Léo e Moraes. Desde que entrei na capoeira não parei um dia até hoje, continuo sempre, e
estou aí na luta!
214
Associação Cultural de Capoeira Angola BHZ
O meu nome é William, sou contramestre de capoeira angola. Meu envolvimento com a
capoeira foi na rua da minha casa, aqui na região Leste, na rua Sumaré, bairro Alto Vera Cruz.
Lá eu via o Quinzinho, o Dito, o Bambaia, entre outros, jogar capoeira.
Foi então que uma paixão despertou em mim, mas como brincadeira de criança. Daí, com uns
13 para 14 anos eu comecei capoeira angola com o mestre Léo, que era do Grupo de
Capoeira Angola Pelourinho, GCAP. Não tenho título, não fui formado pelo mestre Léo, mas
sou reconhecido pelo trabalho que eu tenho e venho desenvolvendo esses anos todos.
Foi através da capoeira angola que eu realmente abri os olhos para além do movimento, e foi
graças ao GCAP, ao mestre Moraes e ao mestre Léo que pude perceber a preocupação
social e de inclusão que a capoeira angola prima, por natureza.
Em 2001 fui para a Inglaterra como representante do Grupo de Capoeira Angola Pelourinho-
GCAP. Eu era o coordenador desse núcleo, mas em 2005 eu me desliguei do GCAP e desde
2006 resolvi trilhar meu caminho.
Como a nossa intenção não era criar “mais um grupo’’ de capoeira..., demos o nome de
Associação Cultural de Capoeira Angola, até porque queríamos trabalhar outras linguagens
como música, teatro e dança.
215
Associação Cultural Companhia de Pernas pro Ar
Sou conhecido como mestre Boca de Peixe, e meu nome é Danny Alexandro Lopes de
Oliveira. Eu comecei a capoeira como uma brincadeira, como uma busca por maior qualidade
de vida.
Como meu pai obrigava todos lá em casa a estudar, trabalhar e praticar esporte, eu reconheci
na capoeira essa possibilidade. Eu vi a capoeira em 1986 em Arraial D’Ajuda, em uma
apresentação. Quando eu voltei para Belo Horizonte, eu saí do esporte que eu estava e passei
a treinar capoeira numa academia de kung-fu.
Depois conheci o mestre Reinaldo, vulgo Bazuca. Treinei quatro anos com ele, e quando ele
se filiou a um grupo do Rio de Janeiro, fui treinar no grupo Artes das Gerais com Marcelinho,
Museu e Aranha. Depois o Marcelinho e eu fomos para o Porto de Minas e fiquei lá por dez
anos.
Eu e meu irmão (mestre Porquinho) fundamos o nosso grupo em maio de 2000. Já tínhamos
13 anos de capoeira e sentimos a necessidade de fazer um trabalho diferenciado.
Na época os grupos aqui eram muito grandes, treinavam muito, mas primavam pelo
desempenho e nós queríamos fazer um trabalho mais voltado para o lado cultural.
Hoje nós estamos trabalhando, prezando os ensinamentos dos velhos mestres, e do toque do
berimbau, seja angola ou regional.
216
Mestre Beto Onça
Meu nome é Norberto Fernandes Damasceno, sou conhecido também como Mestre Beto
Onça. Nasci em Belo Horizonte em 24 de janeiro de 1963. Iniciei a capoeira em 1978 com o
mestre Paraná, com quem fiquei até o ano de 1986.
Fui ao Mercado Modelo, na cidade de Salvador. Lá me encontrei com capoeiristas, mas fiquei
decepcionado porque não encontrei a tradição em sua raiz. Isso não me abateu, pois quando
voltei a Minas tive mais vontade de estudar.
Comecei a ensinar capoeira no terreiro em casa, onde dava aulas gratuitas. Os alunos
aumentaram e fui ensinar na academia Tatame. Depois, dei aulas no SESC, onde fiquei os 19
anos seguintes. Durante esse tempo, em 1991, juntamente com meu mestre, fundamos a
AMEC (Associação Mineira do Estudo da Capoeira), da qual sou presidente. Em minha
jornada, fui ajudado também pelo mestre Ginásio e mestre Baiano.
Minha visão é desenvolver a capoeira como um todo, com seus vários toques, sem distinção
entre angola e regional. Aqui, o jogo depende do toque do berimbau e do gosto de quem
joga.
217
a dança-afro em belo horizonte
218
10.
Dança-Afro
Joana Brauer
A dança afro-brasileira pode ser entendida como um estilo que é composto por “conjuntos de
diferentes danças e dramatizações, que apresentam em comum a raiz negra africana”
(BERTOLINO 2011). As danças africanas foram apropriadas no Brasil como uma composição
criativa de diversos estilos tradicionais, que desse modo ganhou novas expressões e
significados.
Atualmente, os estudos sobre a dança afro incluem não só os movimentos executados, mas
também uma discussão que percorre temáticas sobre a tradição, oralidade e a identidade
afro-brasileira. A dança afro-brasileira é, como foi ressaltado pelos grupos entrevistados, uma
das maneiras que os afrodescendentes encontraram de conhecer mais sobre si mesmos,
sobre sua origem, ancestralidade, história e cultura – “é descobrir o que a negritude
representa, de onde você veio e quem você é”, e ainda, para as mulheres, descobrir o que é
ser uma mulher negra. Mas enquanto a origem afro é a marca de todos os grupos – que
baseiam seu trabalho na história e na expressão corporal e musical de povos africanos – a
ancestralidade não é uma referência imutável, mas se manifesta criativamente como uma
expressão do povo brasileiro. Se há o destaque para a afro descendência, também há o
fundamento na identidade multicultural brasileira.
A dança afro em Belo Horizonte tem como pioneira Marlene Silva, que por sua vez teve como
mestra Mercedes Batista, considerada a mãe do balé afro no Brasil. Mercedes foi discípula de
Katherine Dunhanque, que criou a técnica ‘Dunham’, baseada na estrutura do negro norte
americano. Como discípulos de Marlene Silva temos Evandro Passos e Carlinhos Afro, que
também teve como mestre Márcio Valeriano (falecido) e João Bosco. O Mestre João teve
como mestre Mamour Bá e ainda podemos citar Márcio Alexandre (Mestre Negão) que teve
como discípula Rô Fatawá, que por sua vez passou adiante seus conhecimentos, como os
outros já citados, para aqueles que hoje são considerados a ‘nova geração’ da dança afro
mineira. Assim, foram a partir desses mestres que hoje encontramos profissionais que atuam
com a dança afro em Belo Horizonte. A questão do mestre e discípulo é bastante respeitada
pelos grupos, que fazem questão de esclarecer com quem aprenderam, mantendo assim a
linhagem da ancestralidade.
A expressão cultural na capital mineira tem como característica fluir entre outras artes, como
a música, o teatro, a dramaturgia, as artes plásticas e a literatura, além de manterem uma
forte relação com outras expressões culturais – como o candomblé, congado, maculelê,
samba de roda, mas principalmente a capoeira – o que se alinha aos objetivos de ampliar o
conhecimento da história e cultura afro-brasileira. Alguns dos grupos estudam outros estilos
artísticos e os incorporam em seus trabalhos. É comum também trabalhos envolvendo
discussões sobre a exclusão do negro, a escravidão e a ancestralidade afro. Alguns grupos
se articulam com movimentos de consciência negra regularmente, principalmente em eventos
219
promovidos por estes. Unir as forças é uma forma de lutar por maior visibilidade, preservação
e valorização da cultura afro-brasileira. Mesmo se alguns têm um histórico de premiações e
sejam incluídos em guias e catálogos, o reconhecimento da dança-afro pelo público em geral
continua limitado. A promoção de políticas públicas pode ajudar a firmar essa arte, e valorizar
os grupos de dança afro da capital.
Infelizmente, muitos dos grupos de dança afro, que antes estavam na cena mineira, hoje não
atuam mais – alguns foram desmembrados, outros permanecem com núcleos menores e
somente fazem apresentações vez ou outra. Esse quadro reflete as condições difíceis a falta
de apoio que os grupos belorizontinos enfrentam. As dificuldades enfrentadas pelos grupos
não são poucas. A maioria não tem espaço próprio para ensaiar, tendo que utilizar espaços
emprestados ou até mesmo abandonados. Entre os problemas mais comuns, além da falta de
espaço, são citadas a escassez de verba e de apoio para darem continuidade às suas
atividades. No entanto, isso parece não abalar os grupos, que “fazem por onde” para manter
suas atividades e passar seus conhecimentos adiante. As demandas por políticas públicas
giram em torno da viabilização das atividades e a valorização na só da dança afro, mas da
cultura negra de modo geral. Além do apoio financeiro e da alocação de locais para realização
de ensaios e treinos dos grupos, eventos vinculados à dança afro e à cultura afro-brasileira
poderiam ser promovidos, por meio de editais específicos.
A paixão por essa expressão artística, muitas vezes vinda de uma experiência íntima e
pessoal, é nítida e a consciência do poder da dança como transformador social também. Os
colaboradores que realizaram as entrevistas encontraram artistas apaixonados, que relataram
sua história de determinação e garra. A hospitalidade e o carinho também se mantêm
evidente. Colaboradores foram convidados a almoçar, tomar café e a conhecer outros
membros do grupo. Entrevistas que estavam previstas para durar no máximo uma hora,
acabaram durando quatro. A aproximação com os grupos provocou a indagação – por que
uma arte tão bela não tem o reconhecimento merecido? Alguns grupos relataram o duplo
preconceito em torno de sua dança, às vezes vista como ‘macumba’ – como se isso fosse um
impedimento para serem reconhecidos. Referiram também à existência de uma janela de
visibilidade, restrita a datas de comemorações afro-brasileiras, como em 13 de maio e 20 de
novembro, permanecendo invisíveis durante o resto do ano.
Os grupos de dança afro mantém uma importante relação com a cidade e a comunidade em
torno. Para alguns, a cidade é ora um palco, ora uma sala para ensaio. Daí uma das
reivindicações mais frequentes, a possibilidade de utilizar os espaços públicos ociosos.
Muitos grupos oferecem cursos e oficinas para os moradores dos bairros onde realizam suas
atividades, na maioria dos casos de baixa renda. O trabalho com jovens, crianças e mulheres
é o carro-chefe de alguns grupos. Também há o interesse em levar a dança afro para regiões
de média e alta renda, como o bairro Savassi, na esperança de com isso romper com o
preconceito contra a dança. Há uma preocupação em efetivar a Lei nº 10.639 (que tornou
obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira na educação básica), ao incentivarem
discussões sobre a dança afro em oficinas e apresentações em escolas públicas.
O universo da dança afro de Belo Horizonte é pequeno, mas os grupos trazem consigo uma
história de resistência, luta e garra. Buscam a valorização da dança como instrumento de
220
arte-educação, com respeito pelo que fazem, sempre procurando oportunidades de continuar
levando a todos uma arte do corpo e da alma.
Angoleiro é o que Eu Sou. Associação Cultural Eu Sou Angoleiro. Ed. Lutador. Belo Horizonte,
MG. Junho, 2006. (Pequena introdução à dança afro)
BERTOLINO, Júnia. Fonte: http://revistaterreirocontemporaneo.blogspot.com/2011/08/danca-
afro-brasileira-1.html
BRANDÃO, Jéssica. Revolução em palavras. Novembro, 2006.
CONRADO, Amélia Vitória de Souza. Dança étnica afro-baiana: educação, arte e movimento.
Dissertação de mestrado (PPGE). Salvador, UFBA. 1996.
MOREIRA, Ana Luísa Coelho. Do silêncio ao batuque da dança afro: considerações da
identidade negra. Belo Horizonte – MG. 2006. Trabalho de conclusão de curso
(Graduação em Psicologia). PUC-MG.
OLIVEIRA, Nadir Nóbrega. Dança afro: Sincretismo de movimentos. 1991. Salvador: UFBA.
PASSOS, Evandro. A Cor da Cultura. São Paulo, 2009.
PONTES, Ana Cristina; MORAIS, Fernanda Emília de. Tradições afro-brasileiras em Belo
Horizonte. Fundação Municipal de Cultura: 2006.
SANTOS, Inaicyra Falcão dos. Corpos e Ancestralidade: dança, arte e educação. 2002.
Salvador: UFBA.
SILVA, Júnia Bertolino da. Expressões de Ancestralidade Negra na Dança afro brasileira.
Monografia apresentada ao curso de pós-graduação Estudos africanos e afros
brasileiros da Universidade Católica de Minas Gerais. 2010.
SILVA JUNIOR, Paulo Melgaço da. Mercedes Batista: a criação da identidade negra na dança.
Brasília: Fundação Cultural Palmares. 2007.
SILVA, Marlene. Dança Afro Brasileira (Documentário).Belo Horizonte.Ano.2004
SIQUEIRA, Maria de Lourdes. Imagens Negras: ancestralidade, diversidade e educação. Belo
Horizonte: Mazza Edições. 2006.
SOUZA, Edilson Fernandes de. Representações sociais da cultura negra através da dança e
de seus atores. 1995. 182 f. il. Dissertação (mestrado) - Universidade Gama Filho, Rio
de Janeiro, 1995.
XAVIER, Evandro dos Passos. Companhia de Danças Afro-Brasileiras Bataka: Ações
artísticas, sócio culturais e políticas. Monografia de Mestrado pela Universidade
Estadual Paulista - UNESP. São Paulo, agosto de 2011.
http://revistaterreirocontemporaneo.blogspot.com/2011/08/danca-afro-brasileira-1.html
221
Localização dos Grupos Entrevistados:
https://www.google.com/fusiontables/embedviz?viz=MAP&q=select+col2>>0+from+1
434MiGg0e-pI19NbADjPO8hGNzOw0igo0WjGueY+where+col0>>0+=+'Dança-
Afro'&h=false&lat=-19.901201896818066&lng=-
43.91483021548458&z=13&t=1&l=col2>>0&y=1&tmplt=2
222
Agbara
Sou Djalma Januário, cantor e compositor, produtor e arranjador musical, ativista em prol das
bandeiras da luta do povo negro e idealizador do grupo Agbara, um movimento político-
cultural que busca valorizar a cultura afro, sem perder a mineiridade.
O Agbara nasceu no bairro 1º de Maio no ano 2000, no âmbito do “Centro de Cultura Popular
do Bairro 1º de Maio”, porque a manifestação musical tornou-se indispensável no contexto do
movimento. O 1º de Maio, assim como os bairros Santa Cruz e Maria Goretti, é considerado
como um dos locais de maior concentração de população negra de BH.
Participam do grupo sete pessoas: Djalma Januário, Jone Herno, Walace Bosco, Tarcísio de
Sidônio, Gelton Fiúsa, Priscila Moreira e Nidin Sanches.
Além das oficinas de expressão corporal, o grupo também promove uma série de atividades:
oficinas de percepção musical; saraus, nos quais a poesia, a culinária, o teatro e as
discussões se mesclam; shows musicais; a “Feira de Cultura Popular do bairro 1º de Maio”,
que acontece desde 1981, uma vez por ano (nos anos em que isso é possível); e o “Agbara
Dumdum”, evento especificamente direcionado para o dia 20 de novembro.
223
Carlos Afro e Cia
Sou Carlos Afro. Bailarino, professor, coreógrafo de dança brasileira de matrizes africanas,
afro-brasileiras, indígenas e populares. Figurinista, roteirista e aderecista de espetáculos de
dança afro-brasileira. Fundador e atual diretor do balé-teatro Carlos Afro e Cia. e pesquisador
da dança e da influência africana na formação da cultura brasileira.
Comecei em 1983 como um bailarino “pássaro sonhador”, quando fui aluno de Marlene Silva
e Márcio Valeriano.
A estreia da Carlos Afro e Cia. se deu em 1986. Em 1988 a Cia. se apresentava no teatro
Casanova com o show “Legados de Negritude”. A partir daí, a Cia. foi crescendo em
qualidade e rigor técnico, e junto cresci – como bailarino, professor e, gradativamente,
despontava o coreógrafo, figurinista, roteirista, e diretor artístico.
224
Companhia Primitiva de Arte Negra
Conhecido como João Angoleiro, sou mestre de capoeira angola, presidente da Associação
Cultural Eu Sou Angoleiro (ACESA) e dançarino e coreógrafo da dança étnica. Na década de
70, fui frequentador de quadras de black soul e samba. A partir de 1983, tive como mestre o
senegalês Mamour Ba, dançarino do Balé de Senegal e da Escola de Dança Africana
Moderna Mudra.
Em 1989, fundei a Companhia Primitiva de Arte Negra com um coletivo de dançarinos afros e
capoeiristas. Militando junto ao movimento negro, criamos espetáculos valorizando o povo e
a cultura afro-brasileira. Em 2000, gravamos ao vivo no Chico Nunes o espetáculo Poethoria
Afro, exaltando o milênio do feminino através da Rainha N’Zinga N’Band, com um olhar
poético-histórico sobre os 500 anos do Brasil.
A Companhia tem sede própria há vinte anos e oferece à comunidade aulas e ensaios.
Nossas apresentações se dão em palcos, ruas, praças e escolas. Junto à ACESA, a
Companhia produz os eventos “Lapinha Museu Vivo no Mês da Abolição” e “Aldeia Kilombo
Século XXI”, que se tornam fóruns de fortalecimento da dança afro.
Meu lugar na dança é o da livre criação, com base na tradição, e daqui saúdo a todos. Zambi
Zambolá!
Rua da Bahia, 570 Edifício Calazan 12o andar (Centro). Belo Horizonte - MG
Telefones: (31) 4063-9822 e 3224-8973 (recado)
E-mail: falecom@eusouangoleiro.org.br Site: www.eusouangoleiro.org.br
225
Associação Cultural Odum Orixás
Aos 13 anos, conheci o sociólogo Paulo Cezar Valle que me levou para trabalhar no
restaurante Aruanda. Lá tive meu primeiro contato com a dança folclórica, através do Grupo
Folclórico Aruanda, que se apresentava no local. O Grupo Odum Orixás surgiu desse grupo.
Foi criado em 1972 pelo próprio Paulo Cezar Valle, junto com a musicista Celsa Rosa e pela
atriz Eliane Mares, entre outros. A partir de 1975, com a saída dos criadores, alguns
integrantes decidiram continuar e passamos a trabalhar com o foco nas questões de
negritude e no combate à ditadura. Nesse período me envolvi mais profundamente, buscando
local e infraestrutura para o grupo continuar existindo. Instalados no Colégio Loyola no
período noturno por meio de um projeto social, realizávamos oficinas de dança. Na época do
Loyola eu não pude dançar, devido à minha cor de pele (parda), embora eu estivesse
completamente comprometido com a organização. Somente em 1977 foi que pude participar
da dança e da direção. Nesse período consolidei as múltiplas linguagens áfricas de hoje, com
a inclusão da música, da poesia, do teatro, e recentemente, da linguagem circense. Em 1981
montei a peça Empregado é bicho à toa? e dirigi a peça Arena conta Zumbi. Após uma
dispersão, o grupo retornou em 1998, quando foram iniciados os debates em torno dos 500
do Brasil e o Odum Orixás fez um trabalho que ia de encontro a outros movimentos sociais
com uma visão mais crítica, denunciando os 500 anos de exploração do Brasil. Com a
expansão dos objetivos e atividades do grupo, tornou-se necessária a transformação do
grupo em Associação Cultural Odum Orixás. Atualmente realizamos oficinas de dança,
artesanato, cabelos afro, percussão e comidas afro-brasileiras. Contamos ainda com um
grupo de pesquisa sobre a cultura afro-brasileira e ações afirmativas. Também fazemos
apresentações em teatros, escolas municipais, estaduais e de ensino superior e
desenvolvemos o projeto Negro na praça, em diversos espaços públicos da capital e interior,
interagindo com o público e artistas locais. Como este projeto é executado com recurso
próprio, precisamos de mais recursos para sua continuidade. Anualmente realizamos uma
festa (Kizomba) como forma de confraternização e encerramento das atividades do ano.
226
Fabiano Camilo – Samba de Terreiro
Meu nome é Fabiano Camilo, conhecido também como Camilo Gan. Fui criado em
Vespasiano, local onde cresci vivenciando diversos movimentos da cultura popular.
Meu trabalho com a dança afro se realiza em uma linguagem que trabalha a expressão rítmica
corporal, perpassando o afro orixá, o afro inkise, o afro vodun, o afro silvestre, o samba e o
tambor. Tudo isso é a (minha) pedagogia Corpo e Tambor.
Realizo atividades abertas ao público aos sábados, que é divulgado no nosso Facebook:
Samba de Terreiro.
Nessas atividades, tem uma oficina que eu idealizei que se chama Terreiro das Mulheres, na
qual eu procuro trabalhar a feminilidade fundamentada na cultura negra através do corpo e do
tambor.
Convido a todos pra ficarem de olho no Facebook e vir. Pode vir com mãe, tia, menino, não
tem faixa de idade. Se já tiver andando, pode vir!
227
Primeira Dança
Eu, Patrícia Alencar, negra brasileira, 31 anos, filha de Iansã, moradora do Morro do Papagaio,
engajada na luta contra o racismo e pela igualdade social, sou diretora e coreógrafa do grupo
Primeira Dança. Trabalho no dinamismo da natureza com as mulheres, crianças e jovens da
comunidade, em homenagem aos grandes guerreiros e heroínas do nosso país, e também
abordando o resgate da nossa verdadeira história, a nossa identidade cultural, a beleza, a
ternura, a força e a comunicação. Em 2003 iniciei um trabalho de oficinas de dança-afro e
percussão em comunidades periféricas do Brasil, um trabalho com foco na mulher, mas com
o tempo, o que era de se esperar aconteceu: a mulher, pilar da família, começa a levar para
as oficinas os filhos, marido, namorado e a diversidade torna a troca de saberes ainda mais
rica e interessante. Em 2006, as oficinas no Morro do Papagaio deram origem ao grupo
Primeira Dança. Nessa época, o grupo percebeu a complexidade do universo da arte e
aprofundou o estudo em busca de aprimoramento com foco na dança afro e tudo que
envolve o universo da cultura negra, no qual a música, a dramaturgia, o corpo, sua intenção,
ação e emoção são elementos que não se desassociam. Iniciam-se, no meio deste processo,
performances e intervenções em ruas, becos, vielas e quintais, traduzindo em gestos e
movimentos a nossa luta diária contra os preconceitos, as nossas conquistas e desejos por
uma nação onde haja o respeito pela diversidade cultural. Mas, antes de qualquer coisa,
buscamos constantemente o entendimento do nosso primeiro elemento de comunicação – O
CORPO. Desde sua criação o grupo vem se inspirando nos mitos dos orixás, no universo
feminino de mulheres fortes, empenhadas na transformação social, no cotidiano da
comunidade. Atualmente, fazem parte do grupo Primeira Dança 11 pessoas, todas moradoras
da comunidade, oriundas das oficinas de dança-afro e percussão. O grupo realiza seminários,
workshops e oficinas de dança-afro, samba de roda, palestras referentes à diáspora negra,
cidadania, violência, juventude, mulher, em torno do encontro e da busca de valores e da
liberdade. A arte é uma das minhas maiores ferramentas para a transformação social que
almejo em minha comunidade, por isso me tornei arte educadora, porque posso transmitir
através da Dança ensinamentos adquiridos ao longo de minha trajetória. No diálogo corporal
levamos ao público a formação e informação, aprofundando nos saberes milenares, na busca
do reencontro com nossas raízes africanas.
228
Cia Baobá de Dança
Fundamos, em 1999, a Companhia Baobá de Arte Africana e Afro brasileira que, desde 2009
passou a se chamar Cia. Baobá de Dança Minas. Eu, Júnia Bertolino, sou uma das
fundadoras. Atualmente sou diretora e coreógrafa da Companhia, que tem como meta a
valorização, a pesquisa e a difusão da cultura afro-brasileira. A pesquisa foca os gestuais,
figurinos, adornos, pinturas, palavras, ritmos e cantos inspirados nas mães ancestrais da
mitologia dos orixás, principalmente observando o notório saber dos mestres populares.
A Companhia ensaia duas vezes por semana e damos cursos de dança-afro, palestras nas
escolas, universidades e fóruns sobre a importância da arte negra, identidade e dança negra.
Trabalhamos a dança cênica, chamada de dança-afro de sala, a partir das pesquisas que
fazemos nas diversas danças populares brasileiras e africanas, objetivando manter o corpo
étnico e o caráter político-ideológico para a valorização da identidade negra.
Nessa trajetória fizemos vários trabalhos: Fertilidade (1999), Canto de Amani (2000),
Quebrando o Silêncio (2005), Ancestralidade - Herança do Corpo (2008), Corporeidade
Negras (2010) e Mulheres de Baobá (2011/2012). A Comemoração da Consciência Negra no
Palácio das Artes, em 2009, foi um marco para nós, pois lançamos o Prêmio Zumbi de
Cultura, idealizado por mim e já na terceira edição, que tem como objetivo premiar e
homenagear personalidades que se destacam com seus trabalhos sobre a temática negra na
cidade. A Cia Baobá não tem sede própria.
229
Cia de Dança Bataka
Meu nome é Evandro Passos Xavier. Sou coreógrafo e faço a direção geral da Cia de Dança
Bataka, no novo formato de Associação Sócio Cultural Bataka. O Grupo foi criado em 20 de
novembro de 1982, quando fizemos uma apresentação no Sindicato dos Bancários, o que
nos aproximou do Movimento Negro. São várias gerações da Companhia Bataka, que já
completou 30 anos e realizou muitos trabalhos com bailarinos, músicos e percussionistas.
Mesmo aqueles que não estão trabalhando com a dança acabam adquirindo esses
conhecimentos quando desenvolvem outras atividades no Bataka.
Minha trajetória começou em 1975 quando vim de Diamantina (MG) para Belo Horizonte. Foi
quando conheci Marlene Silva, através do bailarino Edu Passos. Lembro que naquela data ela
estava inaugurando sua academia na rua Carangola e fiquei impressionado com o seu
trabalho. Mais tarde conheci Marita Carlos, que dava aula de dança-afro no Aruanda. Ela foi
aluna de Mercedes Batista, que também é mestra de Marlene Silva.
Minha militância artística no movimento negro sempre esteve ligada com minha atuação na
cidade. A Companhia Bataka desenvolve diversas atividades sobre a arte negra, como shows,
palestras, oficina e cursos para professores e alunos. Atualmente são 14 componentes.
Alguns vivem especificamente da dança e percussão, mas outros são professores em escolas
públicas ou arte educadores. Muitos são oriundos da periferia de Belo Horizonte. O grupo
realizou atividades em outros estados e também na Itália e África (Costa de Marfim). Em 1999
recebemos uma premiação de reconhecimento artístico (Sated) pela atividade com os
meninos portadores de paralisia cerebral na Escola Estadual Doutor Moreira Sales, o que foi
um grande marco para nós. Não temos sede própria e ensaiamos no espaço do Grupo
Aruanda.
230
Grupo Cuenda
Meu nome é Márcio Júnior, sou conhecido por Munrra e, na ausência do Mestre Pantera, sou
o pivô, juntamente com os outros professores, da organização e apresentações do Grupo
Cuenda. Então, tudo que está relacionado ao grupo passa por mim.
O Grupo Cuenda foi idealizado por Edmilson Inocêncio, o Mestre Pantera, no Morro do
Papagaio em 2006. O Grupo nasceu com uma ideologia diferente; para trabalhar na
comunidade, tínhamos percebido que os jovens não estavam focados na área cultural, então
resolvemos dar essa oportunidade aos nosso jovens e alguns até se tornaram professores de
dança afro e de capoeira também. Estamos lá para resgatar essas joias espalhadas por ai na
comunidade do Morro do Papagaio.
O Pantera e eu participávamos do Grupo Raízes Cordão de Ouro, que era coordenado pelo
Mestre Zé Paulo. Eu entrei para esse grupo com 14 anos. Em 2006 nos desvinculamos do
grupo e criamos o Grupo Cuenda de dança e maculelê. Atualmente oferecemos aulas de
dança guerreira, maculelê, dança do facão, pirofagia (dança do fogo) e capoeira, que
acontecem de segunda a sexta. Temos 70 jovens, mas no grupo de apresentação são 20.
Quase todos trabalham e estudam, e estão na faixa etária de 12 a 24 anos. A galera é muito,
muito bacana. Eles esperam o dia e o horário para praticarem essa atividade com maior amor
do mundo.
O Grupo Cuenda realiza também um encontro anual, que é a festa da capoeira, em agosto,
no Morro do Papagaio. O Grupo tem atuado em escolas, festivais, projetos culturais e
faculdades através da apresentação de espetáculos (Origens, 2010), oficinas, seminários e
mostras culturais, como a mostra Cultural Fica Vivo (2011). Não temos sede própria e
utilizamos o espaço da Igreja Velha no Morro do Papagaio.
231
Associação Aruê das Gerais
Sede provisória: Rua E, 141 (bairro São Geraldo, Mariano de Abreu). Belo Horizonte - MG
Telefones: Rô Fatawá (31) 3487-6134 e (31) 9976-3384
232
Companhia de Dança Arte da Pedra
Flávia Soares: – Eu fundei a Companhia Arte da Pedra com o intuito de fazer um resgate da
minha própria identidade. Digo que nasci dançando e que a dança sempre foi meu ponto de
fuga para sair do sofrimento. A dança chegou em uma fase da minha vida muito conturbada.
Com 18 anos, eu saí andando descalça pelas ruas de Santo André e então escutei barulhos
de atabaque, misturado com berimbau, que me fez chorar e refletir sobre o que significa ser
mulher. Alguém me convidou para entrar naquele espaço, era o mestre Edson, responsável
pelo Grupo Angolas de Minas; o som do berimbau aquebrantou o meu coração. Foi através
desse contato com a capoeira angola que conheci o coreógrafo Wiliam Silva e pude iniciar
finalmente o meu trabalho com a dança afro-brasileira. A companhia Arte da Pedra surgiu por
uma necessidade da comunidade Pedreira Padro Lopes. Com a chegada do Espaço Cidadão
na comunidade, coordenado por Raquel Romano, consegui realizar o sonho de desenvolver
com as crianças e a comunidade o trabalho da dança afro-brasileira. Em 2003 o Espaço
Cidadão passou por um período político e, com a troca da coordenação, a Arte da Pedra
tomou sua primeira rasteira. Acabamos perdendo a parceria, o apoio e o espaço; então, fui
convidada pela vida a deixar o projeto adormecer. O trabalho da Arte da Pedra com as
crianças ficou parado por dois anos corporalmente, mas permaneceu vivo em cada uma das
crianças. Em 2006 reiniciamos o trabalho com os adolescentes aqui na comunidade através
do programa Fica Vivo, com uma certa autonomia. Pude iniciar um trabalho mais profissional,
que resultou no documentário Pedreira de Cima a Baixo, com o jornalista Luan Gomide de
Souza Candido e com o apoio da USP. Assim, iniciei um trabalho que abordava também a
questão da segurança pública, da cultura, da educação, do social e da saúde. Entendemos
que a Companhia Arte da Pedra tem a missão de levar o trabalho em locais desassistidos,
nos interiores, pois acreditamos que a dança, a percussão e o canto fazem parte da
educação cultural. Além da dança-afro, o Arte da Pedra produz oficinas de percussão com
Fred Santos e promove palestras e debates sobre a história e cultura negra com Luan
Gomide. Fazemos parte do Aldeia Quilombo Século 21, Festival de Arte Negra (FAN) e
Lapinha Museu Vivo, no mês da abolição. A Arte da Pedra trabalha diretamente com a
formação dos professores das redes públicas, atendendo a lei 10.639 por todo o estado.
233
a cultura hip hop em belo horizonte
234
11.
A Cultura Hip Hop
Joana Brauer
Rodrigo Amaro
O Hip hop é um fenômeno sociocultural que surgiu na cidade de Nova Iorque entre as
décadas de 1960 e 70. Ora classificado como um movimento social, ora como uma “cultura
de rua”, o fato é que hoje o hip hop mobiliza milhares de jovens pelo mundo afora.
A expressão hip hop significa, numa tradução literal, movimentar os quadris. Foi inventada
por quem atualmente é tido como o fundador dessa forma de expressão cultural, o DJ Afrika
Bambaataa. Assim, no ano de 1968, a expressão foi criada para “nomear os encontros dos
dançarinos de Break[sic], DJs (Disc-jóqueis) e MCs (Mestres de Cerimônias) nas festas de rua
no bairro do Bronx, em Nova York” (ROCHA, DOMENICH, CASSEANO, 2001: p. 17).
Com o passar do tempo, o hip hop se consolida nos Estados Unidos, como resultado da
composição de quatro elementos: o Breaking ou B-boy (break-boy, aquele que dança no
break, parte instrumental, da música), o Grafite (pintar ou desenhar com spray, ou tinta,
espaços urbanos), os DJs (disc-jockey ou disco-jóquei – pessoa que seleciona e toca músicas
gravadas para um público). No universo do hip hop, o DJ produz efeitos sonoros singulares
na música, utilizando técnicas próprias (como o scratch, ou o ato de ‘arranhar’ o LP), e MCs
(mestre de cerimônias – aquele que no microfone anima as festas – hoje o MC é conhecido
como rapper, ou aquele que faz rap, ritmo e poesia).
No entanto, é importante ressaltar que o hip hop não é formado por apenas quatro elementos
como é comumente divulgado pela mídia. Tem sim quatro pilares (MC, DJ, grafite, b-boying),
mas como apontado por estudiosos, o break-beat, um estilo de música que se caracteriza
pelos samplers (apropriação de músicas gravadas) de ritmos hip hop, funk e electro e que
logo se modificam e alteram para criar os denominados "breaks" – ou a parte em que o
instrumental fica em evidência, é outro elemento que junto com a moda e os flyers constitui o
que hoje entendemos por cultura Hip hop.
Em sua origem, o movimento hip hop tinha por base um caráter político, com o objetivo de
promover a conscientização coletiva dos seus praticantes acerca dos problemas sociais que
assolavam as periferias das grandes metrópoles. Ao longo do tempo, o movimento hip hop
ganhou novas feições, sendo visto, muitas das vezes, somente como uma manifestação
artístico-cultural das periferias das grandes cidades. Também cabe, portanto, a
caracterização do hip hop como uma “cultura de rua”, que é o conceito mais utilizado pelos
seus próprios integrantes.
O hip hop, por estar na moda e na mídia dos Estados Unidos, chegou em cheio às periferias
brasileiras por meio de vídeo clipes. Como aconteceu no Bronx, os participantes do hip hop
no Brasil escolheram espaços públicos para suas performances; muitos deles até destacam o
paralelismo da experiência entre a história do hip hop no Bronx e no Brasil, já que eles tinham
235
as mesmas dificuldades, eram excluídos e marginalizados pela sociedade. Os integrantes da
cultura hip hop identificam a rua como um espaço de inspiração e criação. “O hip hop possui
a capacidade de fluir por múltiplos ‘locais’ que não lhe são próprios” (MACHADO, 2003, p.35).
Assim, a rua é vista como uma sede, como o próprio palco.
Em Belo Horizonte, inúmeros espaços urbanos foram e ainda são utilizados pelos membros
do hip hop, lugares como Praça da Savassi, Praça Sete, Viaduto Santa Tereza, Terminal
Turístico JK, Praça da Liberdade, entre outros, sem contar os inúmeros bailes, e depois
baladas, que abarcaram as manifestações do hip hop.
É importante ressaltar que a cultura do soul, cultura negra, já tinha forte presença no Brasil,
principalmente em Belo Horizonte. A forte relação entre o soul e o hip hop, em Belo Horizonte,
é algo salientado frequentemente pelos próprios atores dessa cultura, que citam,
principalmente, James Brown como um de seus maiores inspiradores. Por esse motivo, não é
raro encontrar membros que transitam entre o soul e o hip hop.
Na capital mineira existe também um intenso intercâmbio entre o hip hop e outras expressões
afro-brasileiras, tais como a capoeira, o samba e a dança afro. Nesse sentido, as entrevistas
feitas para este Catálogo revelaram que a grande maioria dos grupos reconhece uma origem
afro no hip hop, embora alguns grupos não consideram o hip hop como sendo uma
expressão genuinamente brasileira. Para esses grupos, o hip hop é uma manifestação de
origem afro-americana que incorpora elementos de outras manifestações brasileiras,
reforçando, assim, o caráter “multicultural” do hip hop. Além disso, os grupos ressaltam a
importância dos pioneiros do hip hop, seja nos Estados Unidos, seja no Brasil, enfatizando a
necessidade de respeitar e conhecer os fundadores e a história da cultura hip hop.
Levando em conta a grandeza dos eventos que vem ocorrendo em Belo Horizonte podemos
afirmar que o hip hop está em destaque e em um grande processo de ascensão. Não é por
acaso que, em entrevista com a apresentadora Marília Gabriela, no Programa “De Frente com
Gabi”, ao ser perguntado sobre as batalhas de MC, o rapper Emicida disse “hoje em dia eu
acredito que o lugar que tenha tido as iniciativas mais interessantes é Belo Horizonte” (a
entrevista está em http://www.youtube.com/watch?v=CRt8IytaN3A&feature=related).
Para corroborar a importância do hip hop em BH, podemos citar eventos como o Duelo de
MCs, Palco Hip Hop, Cidade Hip Hop, Hip Hop na Veia, a festa Instinto Louco de Expressão,
Movimento Periferia Criativa, dentre muitos outros. Nesses eventos, os produtores e artistas
buscam uma integração dos quatro elementos em suas programações, incluindo em suas
atividades oficinas, debates, exposições e apresentações DJs, MCs, grafiteiros e B-boys. De
um modo geral, os eventos visam estabelecer uma relação direta com a comunidade belo-
horizontina, sendo de fácil acesso a todos.
236
As principais demandas apontadas pelos grupos de hip hop junto ao poder público, em linhas
gerais, giram em torno, do acesso aos espaços públicos, da disponibilização de recursos
materiais e da capacitação voltada para a elaboração de editais. A maioria dos grupos
argumenta que o acesso aos espaços públicos e aos editais de fomento à cultura são
extremamente burocráticos, o que dificulta as atividades cotidianas dos grupos e,
consequentemente, sua visibilidade.
Outra questão fundamental presente nas falas dos entrevistados diz respeito às relações com
algumas esferas do poder público, particularmente aquelas que são responsáveis pela
segurança pública. Sentem urgência em efetivar um diálogo mais harmonioso entre as partes.
Como por exemplo, poderíamos citar a questão problemática que envolve um dos principais
eventos de hip hop da cidade de Belo Horizonte, nesse caso, o Duelo de MCs, que enfrenta
dificuldades na realização semanal do evento, por conta das constantes intervenções da
Guarda Municipal.
O conjunto aqui apresentado é apenas uma pequena amostra do vasto universo que é o hip
hop em Belo Horizonte. Inevitavelmente, muitos grupos importantes na cena do hip hop
mineiro não foram contemplados. Mas os que estão aqui apresentados revelam que, apesar
dos problemas e dificuldades enfrentados, os grupos persistem na luta não só pelas
reivindicações políticas, sociais e raciais, como também pelo reconhecimento do hip hop
como uma manifestação cultural, artística e por vezes, até mesmo, profissional.
BH tem Hip Hop. 2008. Direção: Maurício PC e Júnia Torres. Belo Horizonte. Documentário.
Sinta o Som que vem das Ruas. 2011. Direção: Daniel Veloso e Eduardo Zunza. Belo
Horizonte. Documentário. 35 min.
Nos Tempos da São Bento: memória coletiva do hip hop em São Paulo. 2010. Direção:
Guilherme Botelho, São Paulo. Documentário. 90 min.
Colaboraram realizando as entrevistas: Bruno Oliveira, Daniel Antônio Gomes Cruz, Danúbia
Cardenia da Silva, Fabricio Costa, Joana Brauer, Mariana Frizero, Rodrigo Amaro.
238
Localização dos Entrevistados:
https://www.google.com/fusiontables/embedviz?viz=MAP&q=select+col2%3E%3E0+from+1434
MiGg0e-pI19NbADjPO8hGNzOw0igo0WjGueY+where+col0%3E%3E0+%3D+'Hip-
Hop'&h=false&lat=-19.920085731495224&lng=-
43.93105221560665&z=16&t=1&l=col2%3E%3E0&y=1&tmplt=2
239
Negro F
Meu nome é Frederico Eustáquio, mais conhecido como Negro F. Atuo como grafiteiro,
coordenador artístico, arte-educador e sou formado em design gráfico. A minha atuação
profissional nesta área, que completa 15 anos, iniciou-se a partir da fundação do grupo
Manos do Graffiti. Nesse período, atuei também com a banda NUC e participando do projeto
Guernica, do Observatório da Juventude UFMG e do Conselho de Juventude de Belo
Horizonte. Formei em Design Gráfico pela UNA em 2011.
Em minha trajetória artística, já instalei três exposições com o projeto Cidade Hip Hop em
2010 e 2011 – duas que aconteceram no Centro Cultural UFMG e uma que aconteceu no Plug
Minas. Este é o maior festival de hip hop do estado de Minas Gerais.
Hoje, utilizo o grafitti como base inovadora dos meus projetos, incluindo design, educação e
arte.
Busco em minhas ações difundir e propagar a arte do grafitti, criando redes para o
fortalecimento de nossa produção artística no estado. Dessa forma, mostro que é possível
viver da arte.
240
Eduardo Sô
Meu nome é Eduardo Augusto da Silva, conhecido como Sô, e pelos mais antigos como
Minhoca. Fui um dos pioneiros do breaking, locking e popping em Minas, que na época a
gente chamava de breakdance, e também um dos precursores dessas danças no Brasil.
Conheci o hip hop vendo vídeo clipes. A televisão transmitia alguns passos de dança, isso
entre 77 e 83, que me encantaram. Em 1983 eu vi o filme Flashdance, tinha uma cena na qual
alguns rapazes dançavam em um corredor. Depois ficamos sabendo que era a Rock Steady
Crew. Do filme eu tentava fazer o giro de costas e o robô, que eram os movimentos que eu
lembrava.
Eu vim da cultura de passinhos, fazíamos passinhos nas festas nas casas dos colegas e eu
pensava que para dançar qualquer coisa eu precisava aprender jazz. Aí eu entrei para o corpo
de dança do Mauricio Tobias; lá eu conheci os rapazes com quem formei meu primeiro grupo
de breaking, o Break Crazy. Na época saiu no cinema o filme Break’n, que aqui no Brasil foi
intitulado de “Breakdance”. Aí pronto, a febre pegou mesmo. Passávamos a tarde no cinema,
uma sessão terminava e ficávamos escondidos para ver a próxima – vários meninos perderam
o ano escolar porque tínhamos muitas faltas. Mas tudo mudou mesmo quando saiu o filme
Beat Street, que mostrou melhor o hip hop. Daí começamos a entender melhor a cultura.
Então mudamos a forma de vestir, de andar. O Beat Street foi impactante pra nós, pra quem
era do movimento mesmo.
Fiz parte da Companhia Discípulos do Ritmo de São Paulo, onde vivi por pouco mais de 10
anos. Foi lá que recebi o apelido “Sô”. Logo que cheguei em São Paulo, em 89, Os Gêmeos
(grafiteiros) me apelidaram com esse nome por eu ser mineiro. Hoje ainda danço. Atualmente
faço parte da CO4 Crew, fundada por mim e meu amigo Fabricio Costa, que tem como
objetivo pesquisar sobre a cultura hip hop e criar pocket shows para mostrar a beleza de suas
danças. Também sou membro da Spin Force Crew e organizo a Sexta da Dança, que
acontece toda última sexta feira do mês no Duelo de MCs.
241
HISNE
Trabalho com grafite e faço parte do grupo de grafite Entre Família Crew. Como o nome
mesmo fala, o grupo sou eu, minha esposa, meu cunhado, e mais amigos que a gente
considera uma família mesmo.
A gente tenta promover a ideia do grafite enquanto raiz, enquanto origem, que é aquela ideia
de se encontrar e fazer painéis com temas, se dedicar à questão de fazer produções com
grafite, procurando valorizar o bairro e a comunidade onde ele se encontra.
Nossas referências são tiradas do grafite “old school” mesmo, bem das origens, onde se
trabalha com letras, personagens. A gente vem trabalhando em cima disso, produzindo
nossos painéis pela cidade. Nossa ideia é bem simples, nossa questão mesmo é pintar.
Eu faço grafite desde 2000; na verdade eu estudo grafite desde 2000, pois desse ano para cá
o grafite evoluiu de maneira absurda e a gente tem que ir acompanhando, mesmo que você
não pinte determinado estilo de grafite. A gente vem acompanhando as técnicas, o material
que vem sendo lançado, pois cada dia tem material diferente.
Eu acredito que o nosso grupo é um grupo mesmo de estudo, porque a gente vem estudando
o grafite e redescobrindo o grafite. Essa é a nossa ideia.
242
Grupo Cultural Arte Favela
Meu nome é Hely Costa, sou um dos motivadores do projeto Arte Favela. Hoje são vários
jovens envolvidos nas ações do grupo, nas áreas de desenho animado, grafite e música. Falo
que sou um motivador, pois no grupo não há hierarquia – todos tem voz ativa. As decisões
são tomadas coletivamente. O Arte Favela é formado por um Conselho Juvenil e dentro do
projeto tudo é decidido por todos.
O Projeto foi criado em 2003 na região nordeste de Belo Horizonte, no bairro Goiânia, em uma
comunidade chamada Vila Presidente Vargas. A ideia foi trabalhar com a identidade cultural
dos jovens da região. A principal influência vem da cultura hip hop, entrelaçada com
elementos da cultura afro-brasileira: o samba, o soul, a história das favelas e de um povo que
luta por dignidade. Foi quando começamos a realizar o trabalho Arte Favela nos becos. A
ideia foi trabalhar o grafite a partir de personagens da cultura e da história da arte brasileira e
expor nos becos, nos espaços públicos e nas comunidades onde os jovens do projeto
moram.
Este ano vamos realizar a quarta edição do Arte Favela nos Becos – “Olhares de Belo
Horizonte”, com a ideia de mostrar um pouco do olhar das pessoas sobre Belo Horizonte,
como esse olhar mudou com as gerações.
243
Spin Force Crew
Reinaldo Ribeiro, diretor e coreógrafo da Spin Force Crew: – A Spin Force Crew surgiu em 1992,
com Beat, Jack, Harllen e Shirley. Além de dançar, eles tinham o intuito de transmitir e
organizar a cultura hip hop em Belo Horizonte.
O meu envolvimento com o grupo foi por meio do breaking e do grafite. Um dia, fiquei
sabendo do encontro que faziam no terminal Turístico JK lendo um flyer; fui lá e encontrei
com os eles, os fundadores. Falei do meu interesse em treinar e me chamaram para treinar no
bairro Céu Azul, e assim começou. Logo depois, em 1996, eles me convidaram para fazer
parte do grupo. Um tempo depois, Jack passou a bola para mim, para organizar o grupo.
O grupo sempre quis trabalhar com as quatro subculturas do hip hop – Mcing, DJ, grafite,
breaking –, mas isso só ficava na teoria. Aí quando entrei, convidei outras pessoas da cultura
hip hop. Hoje o grupo possui 18 membros, entre b-boys e s, grafiteiros e MCs. Temos dois
integrantes de São Paulo, um de Montes Claros, um do Rio de Janeiro, um de Sete Lagoas e
os restantes são de Belo Horizonte.
O grupo faz várias apresentações, workshops e palestras de breaking e grafite. Todo ano
realizamos a festa Back to the Tape, em que acontecem batalhas de grupos de breaking,
apresentações e workshops de outros estilos de danças urbanas e exposição de grafite. A
apresentação do evento é feita pelo MC do grupo, Monge.
O objetivo do grupo é divulgar a cultura hip hop, trabalhar na propagação dessa cultura,
organizar e poder levar a informação certa para aqueles que não tem acesso.
244
Kontrast
Foto: Divulgação
Meu nome é Cleidson de Paula, sou conhecido no meio do hip hop como Negão do grupo
Kontrast. Faço parte do grupo como rapper. O grupo Kontrast foi criado em 1999 na
comunidade do Novo Aarão Reis, passando por várias transformações até chegar à formação
atual, que é composta por Gibi, Lau e eu, sendo que o Gibi é rapper e compositor, a Lau é
rapper e back vocal, e eu também sou rapper e compositor.
A gente tá aí na ativa. Hoje eu também faço parte do Coletivo Bambaatta, juntamente com
outros nomes da cena do hip hop da cidade, como Julgamento, SOS Periferia, Doctor Bhu e
Shabê.
A gente procura fomentar a cultura hip hop dentro de Belo Horizonte como uma forma de
crescimento até para os outros artistas.
245
DJ A Coisa
Sou Paulo da Silva Soares, também conhecido como DJ A Coisa. Sou filho de Dona Geralda
e Sebastião Crispim, tenho quatro irmãos e tenho como referência “Tia Dóia” (Maria da Glória)
e Sr. Gilvan, meus professores do primário que me prepararam para a vida e com quem
mantenho contato até hoje.
Comprei meu primeiro disco com nove anos de idade e me tornei colecionador. Hoje possuo
mais de 30 mil discos de vinil e muitos CDs. Comecei a fazer as primeiras festas como DJ por
acaso, em festa nas casas de família no bairro em que cresci, Alvorada, em Sabará, Minas
Gerais. O protagonista da cena na época era o DJ soul Jair, mas ele gostava muito de ficar
conversando com as meninas. Certa vez ele queria sair com uma moça e eu estava por perto,
então ele me chamou, me ensinou mais ou menos como fazer e me deixou no comando do
som para tocar. Depois disso comecei a trabalhar com ele, já tendo uma festa só para mim.
Jair ficava em uma festa e eu fazia outra com o som dele, isso entre 1975 e 1979. Minha
primeira festa para um grande público foi em 1977, no Centro Esportivo Alvorada.
Fiquei conhecido no Brasil através do grupo Protocolo do Subúrbio, formado em 1986 por
Natalício “Lesma Preta”, Ronaldo “Linguiça”, Johnny Peneira, Douglas “Carniça” e eu, DJ A
Coisa. No Protocolo fiquei conhecido pelo disco Funk Brasil e pelos shows que o grupo fez
na época – em programas de TV e em diversos lugares. Foi lá no Protocolo do Subúrbio que
conheci melhor meu amigo, que considero hoje como família, o Ronaldo “Linguiça”.
Trabalhei em alguns programas de rádio em Belo Horizonte. O primeiro, em 1989, foi o Só
Mix, na BH FM, e o último, em 2005, na Transamérica, o Adrenalina. Sou produtor musical, já
lancei mais de 18 discos de 1992 até 2010, entre eles: Fábrica Ritmos, Black Soul e Retrato
Radical. Sou produtor de eventos. Atualmente faço todo ano o Hip Hop na Veia pela Vida em
Betim, Minas Gerais, e sou assessor de imprensa da ACCDJMG - Associação Cultural Clube
dos DJs de Minas Gerais. Desde 1999 faço parte da Banda Berimbrown como DJ,
percussionista e dançarino – isso há 13 anos. Junto ao Berimbrown pude mostrar meu
trabalho para vários estados do Brasil e para outros países também.
Contato: DJ A Coisa
Telefone: (31) 9948 4019. E-mail: djacoisa@hotmail.com
246
Elemento X
Sou Rodrigo, conhecido como Rodrigo B-boy. Fundei a Cia. Elemento X em 2001. Eu treinava
breaking com alguns b-boys no Viaduto Santa Teresa e nessa época eu já trabalhava como
dançarino na Cia. SeráQ., que tem Rui Moreira como diretor.
Vindo desse contato com o mundo artístico e com o meio cênico, nasceu em mim o desejo
de usar a dança de rua como linguagem cênica.
Foi ali mesmo, no Viaduto Santa Teresa, que aconteceu a primeira formação da Companhia,
no local que hoje é palco para várias ações da cultura hip hop.
A Cia. Elemento X fez diversos trabalhos expressivos de lá para cá, como abertura de
premiações de teatro, participações em festivais de arte e cultura, produções de videoclipes
de alguns artistas e do filme “Uma Onda no Ar” de Helvécio Ratton.
Quem quiser conhecer nosso trabalho, ande pelas ruas da cidade ou vá ao Engenho. Paz,
Rodrigo B-boy, Elemento X e Stance 333 na área!
247
Retrato Radical
No início da década de 90, nas lendárias rodas de break, surgiu o primeiro contato com três
eternos amigos: Canela Fina, Radical Tee e Iceman. Juntando e dividindo conhecimento,
respeitando a música negra, conhecendo sua trajetória, formamos o Retrato Radical.
A primeira e original formação teve eu (DJ Pooh), Canela Fina, Radical Tee, DJ Iceman e Mano
África, meu irmão que se incorporou à proposta do grupo. Tivemos o privilégio de ser o
segundo grupo de rap a gravar um vinil em BH com o nosso primeiro disco “Seja Mais Um”.
Com o fortalecimento da cultura na cidade, somado ao amadurecimento do grupo, chegamos
ao nosso segundo álbum, já em CD, “O Barril Explodiu”.
Nessa época, tivemos a incontestável e valorosa parceria das rádios comunitárias, levando o
Retrato Radical a ser um dos grupos musicais de maior influência na cidade, o que
inevitavelmente nos deu a condição de lançar nosso terceiro disco “Homem bomba”. Esse
trabalho solidificou o grupo como instrumento de informação e referência para o público para
o qual somos voltados.
Reservamos para o futuro a certeza de vencer novos obstáculos e chegarmos com novas
mensagens positivas para entrarmos mais uma vez na vida e no dia a dia de quem respeita e
aprecia o Retrato Radical.
248
Ed Mun
Meu nome é Edgar, mas sou conhecido como Ed-Mun. Trabalho com grafite 3D há mais ou
menos 15 anos. Comecei em 1997 e já participei de vários grupos e projetos sociais como
grafiteiro, rapper e b-boy. Fundei alguns grupos também. O que durou mais tempo, 10 anos,
foi o Nossart, no qual trabalhávamos os quatro elementos da cultura hip hop. Desde aquela
época organizo oficinas, eventos e dou palestras. Atualmente atuo como grafiteiro em um
grupo de âmbito nacional, fundando por mim em 2008, chamado Ponto de Fuga (PDF) Crew.
No grupo somos cinco, e moramos longe, então trabalhamos via internet e fazemos alguns
eventos de grafite e algumas coisas mais artísticas para nós mesmos.
Acho que o grafite hoje perdeu muito daquela ideia de conversar com as pessoas, de passar
uma mensagem, então a gente, meu grupo, está se propondo a fazer isso agora, fazer grafite
que passe alguma coisa.
Faço, ainda, algumas intervenções com a Família de Rua, organizando o grafite embaixo do
Viaduto Santa Teresa; no Duelo de MCs trabalho junto com o Monge no grupo dele, o
Caminho De Zion; e organizo o Palco Hip Hop. Hoje também estudo design e trabalho um
pouco como designer e assim tento trazer o design para o grafite e o grafite para o design, no
intuito de fazer algo inovador.
Eu sou um amante do hip hop, sou até meio doente. Eu gosto muito do que é o hip hop
mesmo, da essência do hip hop, que acredito vem se perdendo, então eu tento sempre
manter o hip hop vivo nos meus trabalhos. Teve momentos em que eu achei que o hip hop
tinha morrido, mas o hip hop vive em cada um de nós, como o próprio Monge fala.
249
Dj Roger Dee
Foto: Divulgação
Meu nome é Roger Cândido Ferreira, tenho 41 anos e sou conhecido como Roger Dee.
Tive meu primeiro contato com o hip hop em 1983 através da dança, pois treinava sozinho
em casa, mas na realidade comecei a dançar o breaking no início de 1984.
Por volta de 1990 me tornei DJ, acompanhando vários grupos de rap, e nessa trajetória tive
contato com vários grupos que não eram do hip hop, mas do Pop e da Música Instrumental
Brasileira, como Jota Quest, Wilson Sideral e Írio Júnior.
Participei do grupo de dança Break Crazy, que foi o primeiro grupo profissional de breaking
em Belo Horizonte, e de músicas de grupos como Prefixo T, Bento Brothers e Macunaíma X.
Participei dos documentários “BH tem Hip Hop” (inclusive na edição), “Nos Tempos da São
Bento” e “O Som que Vem das Ruas”. Produzi alguns artistas como Código B e, em 2011, o
CD “O Som que Vem das Ruas”, que reuniu os MCs de maior destaque no Duelo de MCs.
Atualmente trabalho com o Coletivo Família de Rua, que realiza todas as sextas-feiras o Duelo
de MCs, a partir das 21 horas, embaixo do viaduto Santa Tereza.
250
Ice Band
Meu nome é Hudson Carlos de Oliveira, rapper Ice Band. A minha história é assim: na década
de 80, pegando traseiro de ônibus e matando aula, na década de 90, tentando dominar o
morro. Meu sonho era ser piloto de avião, acabei me tornado avião de boca de fumo e tive a
fuselagem toda furada por tiro de 28”. Aí fiquei mal, no fundo do poço, fiquei internado várias
vezes, fiquei preso várias vezes, aí você volta e a sociedade não te abraça, mas a família me
segurou e aí eu conheci o hip hop.
Foi escutando rap nas rádios comunitárias que eu me identifiquei com a música e com a
cultura e comecei a escrever minhas próprias letras. Aí eu vi no movimento um modo de me
subsistir. Então o rapper Ice Band veio de uma necessidade de dialogar com a sociedade,
através das músicas, sem ser através das armas, através da didática da rima, da revolução
(sem revólver na mão) e do microfone. Em 98, então, me tornei rapper, que foi quando fiz
minha primeira gravação, da música ‘Moro numa Favela’.
De 95 a 2002 trabalhei na Rádio Favela, como repórter; também já atuei em filmes de longa e
curta metragem, como ‘Um Onda no Ar’ e ‘BH tem Hip Hop’. Hoje faço palestras em escolas,
realização de shows, produção de CDs, e sou realizador do projeto ‘Hip Hop Educação para a
Vida’, que consiste na mediação de conflitos no ambiente escolar. Ele existe desde 97; hoje
temos o apoio do Fundo Municipal de Cultura e desde que começou já passamos por mais
de 400 escolas em Minas Gerais. Sou também presidente do Centro de Referência Hip Hop
Brasil, que tem o objetivo de reunir tudo que é produzido sobre a cultura hip hop, a fim de
criar um acervo. Já recebi a Medalha de Honra ao Mérito de Cidadania (Câmara Municipal de
BH) e recentemente o Prêmio Bom Exemplo - Cultura (Jornal O Tempo, Rede Globo, FIEMG e
Fundação Cabral).
Se hoje o Ice Band tá tendo reconhecimento, é porque eu já suei pra caramba, já perdi
pedaços do meu corpo nos becos e favelas de BH – então foi uma evolução natural das
coisas. Eu venho subindo devagar essa escada até o topo.
251
Julgamento
A história do Julgamento começa em 1993. Foi quando eu, Roger Deff, comecei a me
interessar por rap, assim como todo garoto criado nas periferias dos grandes centros.
Comecei ouvindo Gabriel, Racionais, Pavilhão 9, entre outras coisas, mas nem sabia direito o
que era hip hop.
Traduzindo o novo projeto, assumimos o nome que usamos até hoje, “Julgamento”.
Hoje somos um dos mais atuantes trabalhos de rap da capital mineira, com diálogos
estabelecidos não apenas com o rap, mas com outras possibilidades musicais.
A formação atual é: Roger Deff, Rivardo HD e Khumalo (vocais), Tobias e Giffoni (DJs),
Prestes (baixo), Helder (guitarra) e Gusmão (batera). O grupo tem dois trabalhos lançados:
“No Foco do CAOS” (2008) e “Muito Além” (2011) e estamos desenvolvendo um novo
trabalho para ser lançado em breve.
252
Lokomotion
Então, meu nome é João, conhecido como B-boy João, B-boy Afrokong. Tenho 21 anos, sou
um dos fundadores da Lokomotion Kingz, junto a mim o B-boy Matheuzinho e o B-boy Izaías.
Nós montamos a crew com o intuito de ser uma crew legal, sempre respeitando as outras
crews em campeonatos, respeitando nossos adversários, e nós estamos aí com essa
formação desde o comecinho de 2010, e na luta até hoje Graças a Deus. E na crew, tipo, já
teve, dentro desse tempo, algumas alterações, porque saíram alguns caras, entraram outros,
mas nós estamos aí, firme e forte.
Todo ano a gente dá workshops e faz apresentações. A Lokomotion Kingz faz um evento
anual que é o Game Over, e é um evento que tem o intuito de reunir a galera, fazer disso uma
festa, não ser só um campeonato, mas um encontro de amigos.
Vem várias crews de Minas Gerais e de outros estados pra trocar ideias, sem rixas e sem
discriminação. Lá é aceito qualquer um, é só chegar e dançar, não importa o estilo, a intenção
do evento é fortalecer a amizade.
A gente compete em vários eventos, como o Freestyle Session, B. boy Evolution, Batalha na
Vila, entre outros. Nosso treino acontece no Viaduto Santa Tereza toda terça-feira a partir das
20 horas.
253
Iron
Meu nome é Sergio Luiz Amaral, mais conhecido como IRON. Moro em Belo Horizonte e
tenho 30 anos de idade. Faço grafite há dez anos, pois comecei em 2002.
Comecei a desenhar desde criança, por influência da minha mãe, dos meus tios e da minha
família. Quando ainda tinha oito anos aprendi a pintar e a desenhar com a minha mãe que
pintava em panos de prato. Então o grafite veio para mim, pois eu já desenhava desde
criança.
Hoje em dia eu pratico atividades de grafite e trabalho com isso também, com trabalhos de
intervenção urbana e coordenando um grupo de “oficineiros”. Faço pintura de quadros, telas
e exposições. Então, eu estou sempre fazendo arte. Já participei de alguns eventos
internacionais, e em outros estados também – por exemplo, participei da Bienal Internacional
de Grafite.
É essa a minha vida, cara. O meu grafite é influenciado pelo surrealismo, e hoje em dia eu
estou trabalhando nessa área de surrealismo, desenhando animais, pois as minhas
referências são muito as aves, os cachorros.
Eu curto muito desenho preto e branco, gosto muito de hachura, do artista Gustave Doré,
porque ele gosta muito dessa técnica, dessas coisas assim em preto e branco. Mas as
minhas referências no grafite foram tipo o GUD, Os Gêmeos, os caras que eu via pintando. O
ser humano eu também gosto de trabalhar. Tenho também umas referências gringas, e umas
referências daqui mesmo de Minas, de BH, e também de outros estados.
254
MC Simpson
Meu nome é Jonathan Augusto de Souza Pádua, sou conhecido como Simpson Souza. Meu
primeiro contato com a música foi através da família. A minha mãe dançava soul na época
que eu era moleque, meu tio também – na época soul era febre. Ela me levava para aqueles
sons em que eles fechavam os quarteirões – que colocavam as caixas, rolavam uns Miami,
uns snap, underground, e eu gostava de tudo que parecia com isso, até eu conhecer Michael
Jackson. A partir daí eu gostava de tudo que parecia com Michael Jackson.
Tenho várias influências de músicos antigos, o que fortaleceu a minha trajetória. Aí eu ouvi
Racionais MCs, do álbum “Raio-X do Brasil”, a música “O Homem na Estrada”. Lá em casa
minha mãe tinha uma fitinha, eu olhei aquela capinha, coloquei pra ouvir e falei: é isso que eu
quero ouvir. Passei a pesquisar tudo de rap. Foi assim que conheci Câmbio Negro, DJ
Jamaica, Doctor MCs, GOG.
Atualmente eu faço parte de um selo chamado Beat Hit e também sou do selo Sindicado
Indie, do produtor Gorila Mangani. Lancei um CD intitulado “Cultura Imortal Suburbana”, em
2010. Em 2007 fui campeão da Liga dos MCs, me sagrando Campeão Brasileiro de Freestyle.
Também fui campeão do Encontro das Ruas que aconteceu em Joinville em 2009. Esse é o
maior festival de dança do país. Teve um projeto de hip hop nesse evento e eu fui convidado
pelo conhecido Crioulo Doido para participar das batalhas de MCs e fui campeão. A
premiação em dinheiro é que me ajudou a lançar o CD “Cultura Imortal Suburbana” em 2010.
Atualmente estou trabalhando em um EP que será intitulado “Imprevisível”. Pretendo lançá-lo
até no meio desse ano, 2012. Estou gravando alguns videoclipes também, posso adiantar
inclusive o da música Voltei de Voadora. E enfim, é isso.
255
Coletivo Nós Pega e Faz
Foto: Divulgação
Meu nome é Júnior Marques da Silva, sou mais conhecido como Rapper Blitz. Faço parte do
grupo de rap Crime Verbal e do coletivo de hip hop Nós Pega e Faz. A minha trajetória no rap
vem desde 1998. Em 2001, criei o Crime Verbal e em 2005 criamos a Nós Pega e Faz.
A nossa influência vem do Áfrika Bambaataa, vem do Thaíde, vem dos Racionais, que são as
pessoas, dos mais antigos, que começaram o rap aqui, que foram se tornando ícones pra
gente. E a partir desses conhecimentos fomos tendo outras influências. Para mim, com o
Crime Verbal, eu tenho como influências o Z’África Brasil, que é um grupo que carrega muito
essa questão da África, da negritude mesmo, e o GOG, que é um cara político pra caramba e
sempre leva esse conceito político-social pra dentro das suas letras.
Com o Coletivo Nós Pega e Faz realizamos diversas atividades. A gente realiza a mostra
Canta e Dança, que acontece uma vez por ano e é um evento simultâneo dos quatro
elementos (grafite, DJ, rap, break). Realizamos a festa “Instinto Louco de Expressão”, uma
festa comemorativa que já vai para a décima quarta edição. A gente desenvolve também o
programa “Aí Favela” no portal rapmineiro.com, a coluna “Boca no Trombone” dentro do blog
do Parks, desenvolvemos a mixtape Rapdemia – que é temática e que a cada edição vem
trazendo uma questão.
Temos a marca de roupa UComboio. Além disso, temos um estúdio de gravação e áudio,
fazemos design gráfico, artes para capas, cartazes e tal. E estamos nos aventurando,
também, na questão do audiovisual – a gente conseguiu uns equipamentos e acredito que um
dia vamos conseguir fazer nossa própria produção de audiovisual.
256
DJ Francis
DJ Francis: – Sou Coordenador Geral do Grupo Cultural NUC. Venho desenvolvendo, como
coordenador geral, várias ações que são efetivadas pela Instituição.
O Grupo Cultural NUC foi fundado em 2003, desenvolvendo vários programas socioculturais
que promovem a médio e longo prazo a capacitação dos moradores do Alto Vera Cruz.
Meu envolvimento no hip hop se deu em meados de 90. Iniciei com um grupo de dança, de
break. Em 1996 eu me integrei numa equipe de som que se chamava Black Star Som, e
passei a ser DJ dessa equipe por vários anos.
Além do trabalho que eu tive com essa equipe, eu fazia a discotecagem em alguns eventos e
também era DJ de alguns grupos de rap. Até que em 97 entrei para o grupo de rap NUC –
Negros da Unidade Consciente – e a partir de 1998 a trajetória artística foi se desencadeando,
com a participação em shows, eventos, em viagens internacionais e nacionais.
A minha influência, em grande parte, são os artistas do rap nacional. Passei a me interessar
mais pela música quando eu comecei a conhecer o rap nacional, porque eu vi que tinha muito
mais a ver comigo, falava mais da minha realidade e ia mais direto ao assunto.
Aí, é lógico, essas coisas vão se ampliando, porque quem gosta do hip hop, por exemplo,
sabe que a base musical do hip hop é de origem da música soul, do jazz, da música negra,
principalmente norte-americana, e a base dessas músicas norte-americanas é uma vertente
da música negra e africana.
257
Coletivo Bambata
Meu nome é Victor Magalhães, sou integrante do Coletivo Bambata. A minha trajetória no hip
hop vem de mais ou menos 1998, 99, inicialmente mais como um entusiasta, de gostar e de
ter uma identificação muito grande com o hip hop. Minha trajetória veio mais desse interesse.
Eu comecei a frequentar as festas, conhecer os grupos e frequentar uns eventos que tinham
no meu bairro, o Barreiro.
Participo do Bambata, que é um Coletivo que surgiu no ano passado através do Coletivo
Pegada, um dos braços do Fora do Eixo aqui em Minas Gerais, em Belo Horizonte, porque
eles viram uma demanda muito grande do hip hop na cidade. Temos por objetivo a
divulgação dos artistas e o fortalecimento da cena mesmo. Resolvemos nos articular e foi
muito bacana porque se envolveram vários grupos, produtores e artistas. O grupo se tornou
um grupo forte, que se encontra toda semana para estabelecer discussões sobre a cena do
hip hop mineiro. Criamos o “Bambata Convida”, que já teve quatro edições.
O Bambata hoje participa de inúmeras atividades na cidade. Uma é dentro do “Palco Hip
Hop” – idealizado para fomentar ações do hip hop na cidade, tem a curadoria da Família de
Rua. Hoje o Bambata não faz uma só determinada ação, não faz só show. A prioridade do
Bambata é fomentar ações que gerem resultados para a comunidade como um todo, e isso
envolvendo shows, debates, palestras, interesses de todos os lados.
O meu papel nessa história ainda está em missão. Eu quero contribuir para fortalecer mais e
mais. Estamos ainda caminhando. Sabemos da importância de todas essas ações terem
continuidade para que realmente o que está sendo feito aqui pelos artistas, grupos e
produtores dentro do hip hop mineiro tenha uma visibilidade nacional.
258
Família de Rua
Meu nome é Pedro Valentim, a galera me chama de PDR ou PDR Valentim. Sou MC da
cultura hip hop e jornalista por formação. Integro o Coletivo Família de Rua, que é um grupo
de Belo Horizonte que nasceu da ideia de alguns amigos tentarem promover ações que
priorizem a originalidade e a essência da cultura hip hop e do skate na cidade. Hoje somos
sete, os DJs Roger Dee e Junin Bum Bep, os MCs Thiago Monge, Ozléo, e eu, a jornalista
Ludmila Ribeiro e o produtor cultural Rafael Lacerda.
O Família de Rua nasceu em 2007 e é fruto do Duelo de MCs, encontro da cultura hip hop
que ocupa todas as noites de sexta-feira o Viaduto Santa Tereza, no centro de BH. O Duelo
de MCs nasceu da vontade de levar a cultura hip hop de volta para as ruas, promovendo um
espaço de convivência que permitisse às pessoas se encontrarem nas ruas, no espaço
público, pois a rua é o palco, é onde tudo se dá, é a referência maior. Temos outro projeto
que também é periódico, o Família de Rua Game Skate, que é um campeonato de skate
muito simples, que acontece todo segundo domingo do mês, embaixo do Viaduto mesmo.
Queremos transmitir a mensagem de que o hip hop é a maneira como vivemos, como a gente
enxerga o mundo e as pessoas e dizer que essa cultura tem muita riqueza filosófica e
artística.
Atualmente a gente faz a curadoria do Palco Hip Hop, realizamos o Duelo de MCs nas duas
edições do Cidade Hip Hop, participamos em festivais e eventos, como o FIT-BH (Festival
Internacional de Teatro de Belo Horizonte), FAN (Festival de Arte Negra), Feira Música Brasil,
Juventude Okupa a Cidade e Verão Arte Contemporânea. O tempo inteiro a gente é
convidado pra participar de alguma coisa.
Eu acho que essa coisa de agregar sempre as pessoas, em prol da cena, é extremamente
importante. A gente tá aí pra isso mesmo – conseguir dialogar com a nossa cidade, com as
pessoas da nossa cidade e pensar cada vez mais uma cidade melhor pra a gente viver, tendo
a arte e a cultura como coisas primordiais e essenciais para a vida das pessoas.
259
Negras Ativas
O nosso grupo de rap, o Negras Ativas, surgiu em 2003 a partir da necessidade de intervir
junto às mulheres da cultura hip hop por causa de um incômodo que sentíamos em relação
ao machismo que existia no movimento. A princípio eram feitas algumas intervenções
pontuais, como a distribuição de panfletos temáticos, como o “Recado das Minas”. Com o
amadurecimento de nossa formação, nosso trabalho foi crescendo e também os debates e as
discussões.
O rap veio no princípio como um instrumento de aproximação das meninas que frequentavam
as festas de rap daquele período, os bailes. A gente foi trabalhando esse elemento da cultura
hip hop, procurando ter uma atuação maior na cultura.
O grupo foi se qualificando e repensando a sua atuação e aí passamos de um simples grupo
de rap para uma Organização de Mulheres até chegar ao que somos hoje – uma Organização
de Mulheres Negras Feministas. O grupo de rap é um braço importantíssimo da Organização.
Então, a gente tem esse viés do feminismo negro, temos foco em mulheres negras jovens,
principalmente moradoras de favelas, vilas e periferias da cidade. Nossos projetos e
atividades são feitos pensando nesse público.
Temos como influência sobretudo os Movimentos Negros Tradicionais e temos também a
participação de algumas mulheres que vieram da militância de Partidos de Esquerda. É isso,
essa é a mistura que deu o Negras Ativas: ativistas do Movimento Negro, de Movimentos de
Juventude e de Partidos de Esquerda apaixonadas pela cultura hip hop.
260
Lelo Black
Meu nome é Cássio Marcelo Vieira, mais conhecido como Lelo Black. Tenho 18 anos de
capoeira e uns 15 anos de cultura hip hop. O meu começo se deu na minha comunidade, que
era muito carente. Eu cresci sem bicicleta, sem vídeo game, então o negócio era jogar
capoeira e dançar.
Todo periférico já teve essa fase de não poder exigir muito e foi aí que eu cheguei ao “I
Grafitando BH”, que ocorreu em 1995. Foi aí que eu escolhi: “é isso aí que eu quero ser”; foi
quando eu vi o grafite, o rap e os DJs tudo junto.
E aí o tempo foi passando e hoje eu sou grafiteiro, conhecido também como MC porque eu
cantei rap uma boa parte da minha caminhada, mas eu sempre desenhei muito. Nosso grupo
sempre convidava um grafiteiro para pintar no nosso show.
Bem antes do Duelo de MCs, a gente já acreditava que isso aí ia acontecer – os quatro
elementos acontecendo junto. E aí eu fui cantar rap. Já fui convidado para cantar lá em
Ipatinga, na época com o Fator R, que era o meu grupo. De Ipatinga a gente foi mais longe,
mas só que fazendo grafite eu fui muito mais longe, fui ao Rio de Janeiro em uma edição do
MOF (Meeting of Favela), fui também ao Espírito Santo.
A gente vem pintando a cidade e realizando umas oficinas de arte e educação, uns trabalhos
para a comunidade, com pessoas que não foram muito privilegiadas, tipo a gente mesmo.
Mas o grafite é o meu ganha-pão, é o meu lazer, é a minha diversão também.
É o que eu gosto de fazer, é tudo para mim. As características do meu grafite, então, eu
misturo muito as técnicas, mas o meu personagem preferido são os macacos, desde criança
eu sou fascinado com macaco e eu não sabia por quê. Gosto de pintar uns balões, que é uma
referência mesmo ao Balão Mágico Super Fantástico que eu tinha um disco e ouvi muito. E é
isso aí.
261
DJ Bené Ramalho
Eu, Bené Ramalho, faço parte dessa história da cena cultural de BH há 12 anos contribuindo
como um discotecário na área da black music.
Dentro de um processo cultural fiz rádio durante o período de 3 anos no qual eu levava ao ar,
junto com Guilherme (Bizarro), Genilson, Rubens e Nem, um maravilhoso programa por nome
de Onda Negra na rádio Comunitária Santê FM localizada no bairro Santa Tereza. Esse
programa ia ao ar às sextas-feiras de 21:00 às 22:30 e se tratava de um programa de
entretenimento com informações, dicas culturais, além da boa música. Tocávamos de Tim
Maia a Miriam Maqueba e de Miriam Maqueba a James Brown. Nessa rádio, também fiz um
programa chamado Descareggae.
A Santê era muito plural tanto na vivência com muitas pessoas, quanto na diversidade de
programas. Lá foi o meu princípio de descoberta cultural onde construímos com muito
carinho esse espaço que cresceu dentro da gente.
Quando eu saí da rádio pensei em como as pessoas gostavam do meu som e um amigo me
convidou para tocar numa festa, a partir daí toquei em diversas casas noturnas da capital
como De Puta Madre, Cervejaria Oficial (Movimento Balanço), Lapa Multishow, Demode, entre
outros.
Também nesse período discotequei em eventos de peso como bar do FIT, Comida de
Boteco, Eletrônica Telemig Celular, Conexão Vivo, Palco Conexão Hip Hop e Festival
Internacional de Bonecos. Hoje sou um residente no Bar Graças a Deus.
DJ Bené Ramalho
Telefone: (31) 9149-2270
E-mail: bene.ramalho@yahoo.com.br
262
quilombos em belo horizonte
263
11.
Quilombos
“Tem o nome de quilombo, porque aqui tem uma turma de negros que constitui
um local de resistência, um local de afirmação, um local onde moram pretos!
Que maravilha, isso é que é quilombo! Então hoje ser quilombola pra mim é
isso, é romper a barreira das opressões, viver as ações afirmativas que tanto
nos prestigiam”... Mauricio dos Santos, Quilombo de Mangueiras, 2012
É necessário ir além da visão que entende os quilombos apenas como patrimônio histórico,
esquecendo que se trata de um patrimônio vivo, que comunica passado, presente e futuro.
Quilombo não é apenas uma tipologia de dimensões, atividades econômicas, localização
geográfica, quantidade de membros e sítio de artefatos de importância histórica. É (e se
pensa como) uma comunidade e um lócus de produção material e simbólica. Como podemos
perceber nas entrevistas concedidas a este Catálogo, constituem-se a partir de vários fatores,
entre eles: um etnônimo, um conjunto de rituais e expressões religiosas compartilhadas, uma
origem ancestral comum, um vínculo territorial de longo prazo, relações de parentesco
abrangentes e laços de simpatia, um passado ligado à escravidão e, principalmente, uma
ligação umbilical com seu território. Não é possível reduzir a ideia de quilombo às ideias de
isolamento, fuga ou mesmo a uma suposta unicidade entre os quilombos. Eles devem ser
264
considerados em suas especificidades: cada grupo com suas características próprias. Na fala
de Miriam Aprigio do Quilombo Urbano dos Luízes:
“Veja, eu mesma tenho um sentimento acerca da noção de pertencimento
quilombola como algo em construção. No entanto, acredito que somos
imbuídos dos mesmos ideais dos quilombolas tradicionais, já que temos uma
relativa experiência comunitária e o espírito de resistência, como projetos em
comum.”
Para Mauricio dos Santos do Quilombo de Mangueiras: “Um exemplo é o descaso do poder
público, a falta de uma numeração no endereço da comunidade para efeitos de CNPJ (...) Hoje
nós somos uma comunidade quilombola que poderia estar em qualquer ponto da MG-20.” A
pressão imobiliária, a acessibilidade à comunidade, o descaso do poder público bem como
outros impactos sociais, psicológicos e ambientais são citados por Maurício, para quem a
urbanidade tem trazido problemas como o despejo de esgotos nas nascentes que existe na
265
comunidade. Por sua vez Cássia, Makota Kidoialê, do Quilombo Manzo Ngunzo Kaiango
relata que:
“Há vários anos a comunidade tem procurado regularizar seu território e sua
ocupação, mas não tem tido sucesso. Faltou providências urgentes por parte
desta administração municipal em relação à situação de risco eminente de
desabamento da construção edificada no território.”
266
PARA SABER M AIS:
ALMEIDA, Alfredo W. B de. 1996 “Quilombos: sematologia face a novas identidades”, in
SMDDH, C. C. N. (org.), Frechal Terra de Preto: Quilombo reconhecido como reserva
extrativista, São Luís, pp. 11-19.
ALMEIDA, Alfredo W. B. 2002 “Os Quilombos e as Novas Etnias”, in O’DWYER, Eliana C.
(org.), Quilombos: identidade étnica e territorialidade, Rio de Janeiro, Ed. FGV, pp. 83-
108.
ARRUTI, José Maurício A. P. 2003 “O quilombo conceitual: para uma sociologia do artigo 68
do ADCT”, in Texto para discussão: Projeto Egbé, Rio de Janeiro, Koinonia Ecumênica.
CAMPOS, Juliana M.S. 2011. “Religião e Etnicidade: Etnografia da formação de um terreiro de
candomblé no Quilombo de Mangueiras” (MG). Monografia de graduação no curso de
Ciências Sociais, UFMG. Belo Horizonte.
CAMPOS, Juliana M.S. 2012. “Religião no Quilombo: relações entre candomblecistas e
evangélicos em Mangueiras (MG)”. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA
PRÊMIO CLAUDE LÉVI-STRAUSS MODALIDADE B.
link: http://www.abant.org.br/news/show/id/10
LEITE, Ilka B. 2003 “Os Quilombos no Brasil: questões conceituais e normativas”, disponível
em http://www.nead.org.br/index.php?acao=artigo&id=21.
MARQUES, C.E. 2009 De Quilombos a quilombolas: notas sobre um processo histórico-
etnográfico. Revista de Antropologia, Volume 52 n°01, janeiro-junho de 2009. São Paulo,
p. 339-374.
MARQUES, C.E. 2009 Vinte Anos da Constituição Federal Brasileira (1988-2008): algumas
reflexões a respeito da categoria “remanescentes de quilombos”. Revista TEORIA E
SOCIEDADE nº 17.1 – janeiro-junho de 2009.Belo Horizonte p.176-201.
NASCIMENTO, Abdias. 1980 Documento n° 7: Quilombismo: um conceito científico
emergente do processo histórico-cultural das massas afro-brasileiras. In: NASCIMENTO,
Abdias. Quilombismo: documentos de uma militância Pan Africana. Petrópolis,
Editora Vozes. 1980.
SIMIAO, D. S.; FÍGOLI, L.H.G; SAMPAIO, A.; CAMPOS, Juliana M. S.; SANTOS, C. A;
NASCIMENTO, L. G; BECHELANY, F.; VILELA, I. T.; SOUZA, M.O. Quilombos Urbanos
em Belo Horizonte. Pensar BH - Política/Social, Belo Horizonte, p. 19 - 23, 01 maio
2009.
SIMIÃO, Daniel; SAMPAIO, Alexandre; GOMES, Laura; ADRIADNE, Cynthia; BRAGA, José
Luiz; SIQUEIRA, Otávio; CAMPOS, Juliana. Relatório Antropológico de Caracterização
Histórica, Econômica e Sociocultural: O Quilombo de Mangueiras. MG. INCRA-MG,
2008.
WEBER, Max. Relações Comunitárias Étnicas. In: Economia e Sociedade. Vol. 1. Brasília:
Editora da UNB, 1991, p. 267-277.
267
Localização dos Quilom bos:
https://www.google.com/fusiontables/embedviz?viz=MAP&q=select+col2%3E%3E0+from+14
34MiGg0e-
pI19NbADjPO8hGNzOw0igo0WjGueY+where+col0%3E%3E0+%3D+'Comunidade+Remanes
cente+de+Quilombo'&h=false&lat=-19.920085731495224&lng=-
43.931052215606655&z=16&t=1&l=col2%3E%3E0&y=1&tmplt=2
268
Comunidade Quilombola de Luízes
Meu nome é Miriam Aprígio Pereira. Sou membro do quilombo dos Luízes, professora e
historiadora. Eu cresci nesse ambiente de vida comunitária que sempre permeou o nosso
grupo. Tenho atuado para além das questões políticas de defesa do território, na tentativa de
pensar projetos de registro histórico e ações educativas e culturais de valorização da história
da cidade. Dentro dessas ações, destaque para os quilombos urbanos, especialmente Luízes.
O nosso quilombo é um agrupamento étnico presente na cidade desde o século XIX – por
volta do ano 1893, nossos ancestrais migraram da cidade de Nova Lima, portanto antes
mesmo do início de Belo Horizonte. O seu histórico de evolução está vinculado ao
crescimento da cidade. Nesta área se dedicaram à produção agrícola, resumindo-se a cidade
neste período ao cordão formado pela avenida do Contorno. Nosso território se localizava na
Fazenda das Piteiras, uma região então considerada suburbana.
Ocupamos desde então o mesmo espaço, mas ao longo do século passado uma ampla
movimentação de cunho especulativo imobiliário e invasão urbana, modificações viárias e
outras implantadas pelo poder público ou com a sua anuência, levaram a perdas significativas
de nosso território.
269
Manzo Ngunzo Kaiango
Meu nome é Cássia e faço parte da Comunidade Quilombola Manzo Ngunzo Kaiango. Nos
auto-reconhecemos e fomos certificados pela Fundação Cultural Palmares em 2007. Estamos
localizados no bairro Santa Efigênia, em Belo Horizonte, há mais de 32 anos.
Possuímos um terreiro de candomblé e um trabalho social com toda a cultura afro-brasileira,
onde atuamos com as crianças e adolescentes do morro daqui de Santa Efigênia, que nós
tiramos das ruas e de qualquer risco de cair no tráfico de drogas.
Além disso, temos a capoeira, que é uma manifestação também do Brasil, e a gente fala que
é o nosso gancho, porque é através dela que a gente consegue incentivar os jovens a pensar
no futuro, na oportunidade de fazer uma ponte com o exterior, que é onde tem grupos que
apoiam nosso trabalho.
Todo esse trabalho é reconhecido, mas não tem nenhuma ajuda do governo. Ele é praticado
pelos voluntários e oficineiros que vêm dar as aulas, ensinar o ofício junto com nós mesmos
da comunidade. É uma comunidade em que toda a família é envolvida em todas as
atividades, não só religiosas como também culturais. Todo ano a gente tem um encontro
internacional de capoeira e todo ano também tem a festa tradicional do Pai Benedito, que é a
festa de preto velho, que acontece no último domingo do mês de maio.
Nós temos uma relação muito boa aqui, pois conseguimos conquistar e marcar o nosso
território. A sensação que a gente tem aqui é de um verdadeiro quilombo porque a gente se
sente livre.
Nós sabemos que o que a gente faz aqui é manter, e não resgatar. A gente mantém a nossa
tradição, a nossa cultura e tentamos repassar isso para a população, para a comunidade do
entorno, para todas as pessoas que visitam e frequentam o terreiro. Apesar disso, fomos
obrigados a sair de nosso território porque as casas correm risco de desabamento.
270
Comunidade Quilombola de Mangueiras
271
perfil dos entrevistados
272
12.
Um Perfil dos Entrevistados
O perfil demográfico dos 210 grupos entrevistados revela, com uma linguagem numérica mais
impessoal, outro lado da história das expressões culturais afrobrasileiras em BH.
Por esse retrato, vemos que foram entrevistados principalmente homens (75%), negros (63%)
– ou negros e pardos (85%), se somadas as duas categorias – com idade em torno de 50
anos e escolaridade até o ensino fundamental ou médio (76%).
Esse perfil é relativo ao universo de protagonistas das expressões culturais do qual
pertencem os entrevistados e não reflete necessariamente o público de seguidores.
A escolha dos entrevistados seguiu recomendações de participantes e estudiosos de cada
expressão cultural e é possível dizer, com segurança, que são representantes inequívocos de
seus grupos.
274
de 60%, e são encontrados nas comunidades de terreiros e no hip-hop. Já no soul e no
samba os entrevistados autodeclarados negros apresentam as porcentagens mais elevadas:
em torno de 80% dos entrevistados dessas expressões culturais são negros. Em nenhuma
expressão cultural a proporção de autodeclarados brancos alcançou mais de 18% do total de
entrevistados.
O padrão de escolaridade por expressão cultural sugere ter relação com a média de idade
dos entrevistados. Entre as expressões culturais, os entrevistados com escolaridade média
mais baixa, indo só até o ensino fundamental, estão no reinado, grupo em que os
entrevistados apresentaram média de idade em torno de 57 anos. No hip hop todos os
entrevistados, que apresentam a média de idade mais baixa, 35 anos, possuem pelo menos o
ensino médio. Essa diferença reflete o surgimento de melhores condições de acesso à escola
a partir de 1980.
A variação na proporção de gênero entre os entrevistados revela que a predominância do
sexo masculino é mais forte na capoeira, no hip hop e no soul, expressões em que apenas
uma entrevistada foi do sexo feminino.
275
No caso da capoeira, a predominância masculina deverá mudar nos próximos anos, pois o
número de capoeiristas mulheres cresceu nos últimos anos e muitas delas deverão chegar a
mestre.
No reinado a situação é inversa: é maior o número de mulheres entre os expoentes
entrevistados, e essa proporção expressa uma mudança estrutural recente. Até duas ou três
gerações atrás as mulheres não podiam ocupar cargos de direção, nem tocar instrumentos,
ficando restritas a atividades de apoio como a preparação de comida.
Com relação à participação dos entrevistados no movimento negro, menos de 40% dos
entrevistados responderam positivamente, mas entre esses a participação não foi
especificada e pode variar desde uma participação ativa a apenas o comparecimento a
alguns eventos. Houve espaço para justificar a não participação no movimento e a resposta
mais comum foi não ter tempo livre, sendo poucos os que declararam franca oposição.
276
13.
Ficha Técnica
CATÁLOGO 2012-2013
COORDENAÇÃO
PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE
PBH COMACON – Coordenadoria Municipal para Assuntos da Comunidade Negra
CPIR – Coordenadoria de Promoção da Igualdade Racial
Graça Saboia (in memoriam), Luciana Teixeira, Denise Antônia de Paula Pacheco, Valéria Jane
Almeida Dutra, Rosangela da Silva, Tânia Cristina Silva Oliveira (Makota Kisandembu)
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
UFMG FAFICH – NuQ Núcleo de Estudos Quilombolas, Indígenas e de Povos Tradicionais
C O O R D E N A Ç Ã O G E R A L Deborah Lima
C O O R D E N A Ç Ã O E X E C U T I V A Alexandre Sampaio, Flora Gonçalves, Luisa Girardi
C O O R D E N A Ç Õ E S T E M Á T I C A S Carlos Eduardo Marques: Quilombos e Comunidades
Tradicionais de Terreiros; Caroline Césari: Capoeira; Deborah Lima: Apresentação, Ligação com
África, Perfil dos Entrevistados; Fernanda Oliveira: Comunidades Tradicionais de Terreiro,
Samba; Joana Brauer: Dança afro, Hip hop; Juliana M. Soares Campos: Comunidades
Tradicionais de Terreiros; Liliana Vasconcelos Xavier: Reinado; Pedro Moutinho: Comunidades
Tradicionais de Terreiros; Rodrigo Amaro: Hip hop; Rubens Silva: Capoeira, Reinado; Tomás
Amaral: Soul.
R E V I S Ã O D E T E X T O Alexandre Sampaio, Deborah Lima, Flora Gonçalves, Luisa Girardi
B O L S I S T A S P r o e x - U F M G & C N P q Ana Carolina Fernandes, Eduardo Mancilha,
Ernst Kurt Clauss, Marco Gatti, M. Augusta Oliveira, Mariana Frizero, Marilene Ribeiro,
Maurício Siqueira, Pedro Moutinho, Thâmara Carvalho. C O L A B O R A D O R E S Alder Oliva -
Alysson Armondes - Amaralina Fernandes - Ana Carolina De Oliveira Costa - Bruno Oliveira -
Carolina Brauer - Caroline Césari - Claudio Antônio Meireles Rocha - Daniel Alves de Jesus -
Daniel Antônio Gomes Cruz - Danúbia Cardenia da Silva - Diogo Raul - Eduardo Costa de
Mancilha - Érica Coelho - Fabrício Costa - Felipe Moreira - Flora Gonçalves - Gabriel
Campos Cunha - Geíse Pinheiro - Gilmara Souza - Guilherme Abu-Jamra - Helen Carolina
Almeida Moreira - Isabel Casimira - Iran Joter Lacerda - Joana Brauer - José Cândido Ferreira
- Julinéia Soares - Júlio César Soares - Júnia Bertolino - Lilian Bernardes - Liliana
Vasconcelos Xavier - Lucas Cunha - Luciléia Vieira - Luisa Girardi - Luiz Divino Maia - Luiza
M. Vianna - Mariana Frizero - Mariana Oliveira - Marilza Maximo - Maurício Siqueira - Melina
Rocha - Natália Menhem - Paula Pimenta Gomes - Poliana Vasconcelos Xavier - Pedro Ivo
Souza - Ricardo Oliveira - Robson Paulo Santos - Rodrigo Amaro - Rodrigo Martins - Ronald
Aguiar - Sarah Schimdt - Virgínia Baptista Cá. O U T R A S P A R T I C I P A Ç Õ E S Priscila
Fonseca: Banco de dados; Pedro Ivo e Sara Schmidt: Google Maps; Ernst Kurt Clauss,
Marcelo Cardoso: W eb design.
F O T O G R A F I A S Patrick Arley (capa, páginas: 261; 270); Nian Pissolati (páginas: 16; 63; 90;
160; 183; 216; 232).
P R O J E T O G R Á F I C O E E D I T O R A Ç Ã O Deborah Lima
277