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Ensino Médio – 2ª série

Correspondências
A Natureza é um templo onde vivos pilares
Deixam às vezes soltar confusas palavras;
Por florestas de símbolos, lá o homem cruza
Observado por olhos ali familiares..

Como os longos ecos que de longe se confundem


Em uma tenebrosa e profunda unidade,
Vasta como a noite e como a claridade,
Os perfumes, as cores e os sons se transfundem.

Há perfumes frescos como as carnes das crianças,


Doces como o oboé, verdes como os prados,
– E outros, corrompidos, ricos e triunfantes,

Possuindo a expansão de algo inacabado,


Como o âmbar, o almíscar, o benjoin e o incenso,
Que cantam o elevar dos sentidos e o senso.
(Baudelaire)

Vocabulário
Almíscar: substância de origem persa, de odor penetrante e persistente, obtida a partir de uma
bolsa situada no abdome do almisqueiro macho.
Âmbar: aroma, cheiro suave, o que tem cor entre acastanhado e o amarelo.
Benjoim: resina balsâmica, aromática, usada para a fabricação de incensos e cosméticos.
Oboé: instrumento de sopro.
Prado: campina
Transfundir: transformar-se, converter-se, levar algo a se tornar parte de outra coisa.

Violões que choram...


Ah! plangentes violões dormentes, mornos,
Soluços ao luar, choros ao vento...
Tristes perfis, os mais vagos contornos,
Bocas murmurejantes de lamento.

Noites de além, remotas, que eu recordo,


Noites da solidão, noites remotas
Que nos azuis da Fantasia bordo,
Vou constelando de visões ignotas.

Sutis palpitações à luz da lua,


Anseio dos momentos mais saudosos,
Quando lá choram na deserta rua
As cordas vivas dos violões chorosos.

Quando os sons dos violões vão soluçando,


Quando os sons dos violões nas cordas gemem,
E vão dilacerando e deliciando,
Rasgando as almas que nas sombras tremem.

Harmonias que pungem, que laceram,


Dedos nervosos e ágeis que percorrem
Cordas e um mundo de dolências geram
Gemidos, prantos, que no espaço morrem...

E sons soturnos, suspiradas mágoas,


Mágoas amargas e melancolias,
No sussurro monótono das águas,
Noturnamente, entre ramagens frias.

Vozes veladas, veludosas vozes,


Volúpias dos violões, vozes veladas,
Vagam nos velhos vórtices velozes
Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas.

Tudo nas cordas dos violões ecoa


E vibra e se contorce no ar, convulso...
Tudo na noite, tudo clama e voa
Sob a febril agitação de um pulso.

Que esses violões nevoentos e tristonhos


São ilhas de degredo atroz, funéreo,
Para onde vão, fatigadas do sonho,
Almas que se abismaram no mistério.[...]
(Cruz e Sousa. Poesias completas)

Vocabulário:
Dolência: mágoa, dor.
Ignoto: ignorado, desconhecido.
Lacerar: dilacerar, cortar em pedaços.
Plangentes: lastimoso, que chora.
Pungir: ferir, causar dor.

Sobre um mar de rosas que arde


Sobre um mar de rosas que arde
Em ondas fulvas, distante,
Erram meus olhos, diamante,
Como as naus dentro da tarde.
Asas no azul, melodias,
E as horas são velas fluidas
Da nau em que, oh! alma, descuidas
das esperanças tardias.
(Pedro Kilkerry.)

Vocabulário
Fulvo: cor amarelada, alaranjada, amarelo-ouro ou castanho- avermelhado.

1) . A linguagem simbolista caracteriza-se por ser vaga, fluida, imprecisa. Destaque dos
poemas palavras ou expressões que indicam algo indefinido, vago.
2) O emprego de substantivos abstratos e de adjetivos também contribui para reforçar a ideia
de fluidez nos textos:
a) Destaque dos poemas exemplos desses recursos.
b). No Realismo, o emprego de substantivos e de adjetivos cumpre o papel de compor um
painel objetivo da realidade. Nos três textos lidos, esses recursos linguísticos contribuem para
compor um painel subjetivo ou objetivo da realidade?
3. Em vez de nomear ou explicar objetivamente, a linguagem simbolista procura sugerir. Com
relação ao poema “Violões que choram...”:
a) O que sugere a aliteração do fonema /v/ da 7ª estrofe?
b) Com base na 1ª e na 5ª estrofes e no título do poema, indique os sentimentos ou estados de
alma que, na visão do eu lírico, os sons do violão sugerem.
c) Na atribuição de características como “dormentes”, “chorosos” e “tristonhos” aos violões, que
figura de linguagem se verifica?
4. Para os simbolistas, uma das formas de expressar as sensações interiores por meio da
linguagem verbal é pela aproximação ou cruzamento de campos sensoriais diferentes. Esse
procedimento, a que se dá o nome de sinestesia, foi inspirado justamente no poema
“Correspondências”, de Baudelaire.
a) Identifique no poema de Baudelaire o verso em que ele propõe a fusão de campos
sensoriais diferentes.
b) Releia as três estrofes iniciais do poema de Cruz e Sousa. Que campos sensoriais são
aproximados nessas estrofes?
c) Que campos sensoriais se aproximam na 1ª estrofe do poema de Pedro Kilkerry?
5. O Parnasianismo e o Simbolismo nasceram juntos na França, com a publicação da revista
“Parnasse Contemporain”. Embora apresentem propostas artísticas diferentes, esses dois
movimentos têm em comum a preocupação com a linguagem artística. Por isso, é comum entre
simbolistas o exercício do princípio da “arte pela arte” ou “arte sobre a arte”.
a) Na 1ª estrofe de “Correspondências”, Baudelaire faz referência a “palavras confusas” e a
“florestas de símbolos”. A que tipo de arte ele se refere nesses versos?
b) Em “Violões que choram...” manifesta-se o princípio da “arte pela arte” ou da “arte sobre a
arte”? Por quê?
6) contrapondo-se à visão “positiva” e equilibrada do pensamento científico, os simbolistas
manifestam estados de dilaceração da alma e uma profunda “dor de existir”. Justifique a
presença desses sentimentos no poema “Violões que choram”, tomando por base sua última
estrofe.
7) Outros traços da linguagem simbolista são os estados contemplativos e a sondagem interior,
manifestada no interesse pelas zonas profundas da mente (inconsciente e subconsciente),
incluindo o sonho e a loucura. Qual desses traços é possível identificar nos seguintes trechos
dos textos?
a) “A Natureza é um templo onde vivos pilares/ Deixam sair às vezes palavras confusas”
b) “Rasgando as almas que nas sombras tremem”, “E sons soturnos, suspiradas mágoas”
c) “Sobre um mar de rosas que arde/ Em ondas fulvas, distante, / Erram meus olhos,
diamante”.

CAVADOR DO INFINITO
Com a lâmpada do Sonho desce aflito
E sobe aos mundos mais imponderáveis,
Vai abafando as queixas implacáveis,
Da alma o profundo e soluçado grito.

Ânsias, Desejos, tudo a fogo escrito


Sente, em redor, nos astros inefáveis.
Cava nas fundas eras insondáveis
O cavador do trágico Infinito.

E quanto mais pelo Infinito cava


Mais o Infinito se transforma em lava
E o cavador se perde nas distâncias...

Alto levanta a lâmpada do Sonho.


E com seu vulto pálido e tristonho
Cava os abismos das eternas ânsias!
O Assinalado

Tu és o louco da imortal loucura,


O louco da loucura mais suprema.
A Terra é sempre a tua negra algema,
Prende-te nela a extrema Desventura.

Mas essa mesma algema de amargura,


Mas essa mesma Desventura extrema
Faz que tu'alma suplicando gema
E rebente em estrelas de ternura.

Tu és o Poeta, o grande Assinalado


Que povoas o mundo despovoado,
De belezas eternas, pouco a pouco.

Na Natureza prodigiosa e rica


Toda a audácia dos nervos justifica
Os teus espasmos imortais de louco!
(Cruz e Sousa.)

1) O eu lírico do texto vive um drama existencial, representado pela ação de cavar o infinito. A
propósito da 1ª estrofe do soneto, responda:
a) Que verbos sugerem a ação de cavar?
b) Que instrumento o eu lírico utiliza para cavar o infinito?
2. De acordo com o texto, o eu lírico, enquanto cava, abafa queixas e gritos da alma. Observe
que, na escavação do infinito, o eu refere-se a “Sonho”, “Ânsias”, “Desejos” e, na última
estrofe, diz cavar “os abismos das eternas ânsias”.
a) O que se supõe ser o “infinito” cavado?
b) O que provavelmente o eu lírico busca encontrar?
c) De acordo com a 3ª estrofe, pode-se dizer que o eu lírico encontrou o que procura?
3) . Releia a última estrofe e, com base nela, responda:
a) É possível afirmar que o processo de escavação terminou ou continua? Por quê?
b) Que sentimento acompanha o eu lírico nesse processo?
4) . O poema “O Assinalado” põe em destaque a própria criação poética.
a) Qual é a visão do eu lírico acerca do trabalho do poeta? Justifique sua resposta, explicando
também o título do poema.
b) Considerando o contexto racionalista e científico do final do século XIX, interprete estes
versos:
Tu és o Poeta, o grande Assinalado
Que povoas o mundo despovoado,
De belezas eternas, pouco a pouco...
5) Compare os dois poemas.
a) Aponte semelhanças entre eles quanto às ideias e à visão de mundo.
b) Aponte diferenças entre os textos quanto à relação do eu lírico (ou do poeta) com o mundo.

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