Você está na página 1de 9

Poetas Contemporâneos

MIGUEL TORGA

Bucólica

A vida é feita de nadas:


De grandes serras paradas
À espera de movimento;
De searas onduladas
Pelo vento;

De casas de moradia
Caídas e com sinais
De ninhos que outrora havia
Nos beirais

De poeira;
De sombra duma figueira;
De ver esta maravilha;
Meu pai a erguer uma videira
Como uma mãe que faz a trança à filha.

1. O sujeito poético afirma que “A vida é feita de nadas” (v.1).


1.1. Regista os “nadas” a que se refere”.
1.2. Interpreta o verso acima transcrito.

2. Explicita a importância que os “sinais/ De ninhos que outrora havia/ Nos beirais” (vv. 7-
9) assumem no poema.

3. Identifica o sentimento expresso pelo “eu” poético ao ver o pai “a erguer uma videira”
(v. 13).

4. Refere a figura de estilo presente no último verso do poema e analisa o seu valor
expressivo.
Poetas Contemporâneos

Mar

Mar!
Tinhas um nome que ninguém temia:
Eras um campo macio de lavrar
Ou qualquer sugestão que apetecia...

Mar!
Tinhas um choro de quem sofre tanto
Que não pode calar-se, nem gritar,
Nem aumentar nem sufocar o pranto...

Mar!
Fomos então a ti cheios de amor!
E o fingido lameiro, a soluçar,
Afogava o arado e o lavrador!

Mar!
Enganosa sereia rouca e triste!
Foste tu quem nos veio namorar,
E foste tu depois que nos traíste!

Mar!
E quando terá fim o sofrimento!
E quando deixará de nos tentar
O teu encantamento!

1. O sujeito poético faz uma evocação do mar.

1.1. Relê a primeira estrofe e refere os sentimentos que o mar lhe suscita.

2. O poema desenvolve-se em dois momentos: o apelo irresistível do Mar e as suas


consequências.

2.1. Indica as estrofes que correspondem ao primeiro momento e ao segundo.


2.2. Transcreve o verso que faz a articulação entre estes dois momentos.

3. Na segunda estrofe, o sujeito poético atribui características humanas ao Mar.


3.1. Explica essa personificação.

4. O primeiro verso de cada estrofe repete-se. Explica a intenção dessa repetição.

5. Partindo da quarta estrofe, caracteriza a sereia.


6. Por que motivo pensa o poeta que, apesar do sofrimento, somos tentados pelo
encantamento do mar?
Poetas Contemporâneos

Perspetiva

Olho a sebe de versos que plantei


Ao longo do caminho dos meus dias:
Tristezas e alegrias
Enlaçadas
Como irmãs vegetais.
Silvas e alecrim ...
O pior e o melhor que havia em mim,
Num abraço de arbustos fraternais

Nada quero mudar dessa harmonia


De agruras e doçuras misturadas.
Pasmo é de ver a estranha maravilha.
Poeta que partilha
O coração magoado
Por presentes e opostas emoções,
Contemplo, deslumbrado,
O renque de vivências do passado,
Longo poema sem contradições.

1. Apresenta o tema geral do poema.

2. Interpreta o sentido do último verso do poema.

3. Identifica o primeiro recurso expressivo presente no poema e refere o seu valor literário.
Poetas Contemporâneos

Identidade

Matei a lua e o luar difuso.


Quero os versos de ferro e de cimento.
E em vez de rimas, uso
As consonâncias que há no sofrimento.

Universal e aberto, o meu instinto acode


A todo o coração que se debate aflito.
E luta como sabe e como pode:
Dá beleza e sentido a cada grito.

Mas como as inscrições nas penedias


Têm maior duração,
Gasto as horas e os dias
A endurecer a forma da emoção.

1. Evidencia as duas conceções de poesia presentes na primeira estrofe.

2. Interpreta o sentido dos versos “Universal e aberto, o meu instinto acode/ A todo o
coração que se debate aflito”

3. Justifica o titulo do poema.


Poetas Contemporâneos

Manuel Alegre

Trova do vento que passa


Para António Portugal

Pergunto ao vento que passa


notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.

Pergunto aos rios que levam


tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.

Levam sonhos deixam mágoas


ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.

Se o verde trevo desfolhas


pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.

Pergunto à gente que passa


por que vai de olhos no chão.
Silêncio – é tudo o que tem
quem vive na servidão.

Vi florir os verdes ramos


direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.

E o vento não me diz nada


ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.

Vi meu poema na margem


dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.

Vi navios a partir
(Portugal à flor das águas)
vi minha trova florir
Poetas Contemporâneos

(verdes folhas verdes mágoas).

Há quem te queira ignorada


e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.

E o vento não me diz nada


só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.

Ninguém diz nada de novo


se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.

E a noite cresce por dentro


dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.

Mas há sempre uma candeia


dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.

Mesmo na noite mais triste


em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.

1. Apresenta dois exemplos, presentes no poema, da «desgraça» anunciada no verso 4.

2. Comprova que o poema traduz a inquietação do sujeito poético relativamente ao


destino do seu país.

3. Explicita o valor simbólico da referência à «noite» (v. 50).

4. Justifica a presença da conjunção coordenativa que inicia o verso 54.

5. Tem em atenção as duas últimas estrofes. Identifica quem é nelas referido.


Poetas Contemporâneos

Fernando Pessoa

Vem ver agora o meu país que já


não tem Camões nem Índias para achar
só tem Pessoa e o império que não há
sentado à mesa como em alto mar.

A viagem que faz é só por dentro


e escreviver-se a única aventura.
No pensamento é que lhe dá o vento
ele é sozinho uma literatura.

Eis a vida vidinha cega e surda


ditadura do não do só do pouco.
Ser homem (diz Pessoa) é ser-se louco.

Heterónimo de si na hora absurda


viajando no sentir escreve sentado.
E é Pessoa: “futuro do passado”.

1. Descreve a estrutura externa do poema.

2. Indica a quem se refere o sujeito poético na segunda estrofe, justificando.

3. A terceira estrofe apresenta dois períodos, o primeiro constituído pelos dois


primeiros versos, o segundo pelo terceiro verso. Relaciona, justificadamente,
ambos os períodos.

4. Explicita o sentido da expressão com valor metafórico «viajando no sentir» (v. 13).
Poetas Contemporâneos

Quarteto do Mondego

Digo Mondego ó águas que passais


e há salgueiros por dentro das imagens
há um rio a correr pelas vogais
banhando do poema as verdes margens.

Digo Mondego e há folhas a cair


levemente levadas pelo vento.
São as metáforas mais tristes de setembro
digo Mondego e há aves a partir.

Este é um rio que se escreve aos poucos


devagar devagar nos ritmos dissonantes.
Digo Mondego e há letras como choupos
na página onde choram consoantes.

Mondego fica para lá dos mitos


abstratos são os símbolos e os sinais.
E todos os poemas foram escritos
em suas águas para nunca mais.

1. Esclarece a função da memória do sujeito poético na apresentação do «Mondego».

2. Identifica, justificando, o recurso expressivo que organiza o poema.

3. Comprova que as referências à flora são essenciais na construção da visão do


«Mondego».

4. Identifica o recurso expressivo presente no verso 6, «levemente levadas pelo


vento», explicitando o seu valor literário.
Poetas Contemporâneos

Primeiras sílabas

Pássaros na manhã
signos de março
as sílabas cantavam no teu quarto.

Retratos relógios restos: um passado


a poeira do tempo no tampo da mesa
havia um começar no desde há muito começado.

E tudo tinha um sentido: a folha caída


a macieira em flor o copo de cristal
a chávena que tinha uma asa partida.

Havia um livro azul


e em cada coisa havia uma porta aberta
alguém dizia: navegar mais para o sul.

Ruídos da casa sobressaltos


a sombra de um melro no jardim
verdilhões a cantar nos ramos altos.

Um cheiro a julho e alfazema


uma tarde em Águeda não mais e sempre.

Assim o poema.

1. Comprova a presença de sensações de vária ordem no poema para sugerir o


ambiente em que se desenrola o ato criativo da escrita.

2. Relaciona, justificando, os «Pássaros» e as «sílabas» presentes na primeira estrofe.

3. Identifica o recurso expressivo que estrutura todo o poema e indica o seu valor
literário.

Você também pode gostar