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“Aviso à Navegação” aviso à navegação!

Alto lá! Não espereis de mim a paz


Aviso à navegação! que vos não sei perdoar!
Eu não morri:
Estou aqui (Joaquim Namorado, 1941)
na ilha sem nome,
sem latitude nem longitude,
perdida nos mapas,
perdida no mar Tenebroso! Análise:
 Joaquim Namorado era
Sim, eu, professor de matemática
o perigo para a navegação! da UC e ao mesmo tempo
o dos saques e das abordagens, poeta neorrealista.
o capitão da fragata  “Não espereis de mim a
cem vezes torpedeada, paz”, funciona com um
cem vezes afundada, refrão.
mas sempre ressuscitada!  O poeta escolhe a guerra
em vez da paz.
Eu que aportei  Na guerra só conhece dois
com os porões inundados, destinos: vencer ou morrer
as torres desmoronadas, a lutar.
os mastros e os lemes quebrados  Não há lugar para
- mas aportei! situações de compromisso.
 É um discurso radical. Este
Aviso à navegação: tipo de discurso presta-se
Não espereis de mim a paz! à radicalização política.
Tem um tom retórico,
Que quanto mais me afundo eloquente; como se fosse
maior é a minha ânsia de salvar- fazer um hino devido à
me! repetição de frases
Que quanto mais um golpe me exclamativas.
decepa  O próprio título pede que o
maior é a minha força de lutar! ouçam.
 O poema tem um campo
Não espereis de mim a paz! semântico de navegação.
 O sujeito poético,
Que na guerra praticamente, define-se
só conheço dois destinos: como um pirata.
ou vencer – ai dos vencidos! –
ou morrer sob os escombros
da luta que alevantei!

- (Foi jeito que me ficou


não me sei desinteressar Os poetas dizem “eu”
do jogo que me jogar.) Como os reis dizem “nós”
– ímpeto da terra e do céu
Não espereis de mim a paz, na mesma voz.
Voz que parece só minha
– labareda fugida da fogueira –
embora, tão rubra e sozinha,
arda o sonho de todos nós
como numa bandeira.

(Manuel da Fonseca, 1950)


Aná lise:
 O sujeito poético apresenta-se
como porta-voz de uma
comunidade.
 “Os reis dizemos nós” porque
assumem uma autoridade que vem
de cima.
A 2ª estrofe desenvolve o sentido
da 1ª, na medida em que explica
que, embora só o poeta fala, o
senho é de todos nós- é como se

falasse em nome do povo português.


 Na 2ª estrofe, a voz do poeta é
transformada em metáfora
(“labareda de fogueira”) e
podemos relacioná-la com o
“rubro” (vermelho).

DIES IRAE

Apetece cantar, mas ninguém canta.


Apetece chorar, mas ninguém chora.
Um fantasma levanta
A mão do medo sobre a nossa hora.

Apetece gritar, mas ninguém grita. Análise:


Apetece fugir, mas ninguém foge.  O fantasma é o medo.
Um fantasma limita  Há uma sugestão de que não é
Todo o futuro a este dia de hoje. Apetece preciso haver quem trave a sua
morrer, mas ninguém morre. liberdade porque eles interiorizaram
esse sentimento de medo.
Apetece matar, mas ninguém mata.  O poema dirige-se como crítica à
Um fantasma percorre política e ao povo.
Os motins onde a alma se arrebata.  Quanto mais direta for a crítica, mais
difícil é a aplicabilidade do poema
noutro contexto.
(Miguel Torga, 1950)
 Esta poesia é arrebatadora.
É para levar o leitor a agir e a sentir-
se parte de um todo que é guiado
pelo poeta.
E O BOSQUE SE FEZ BARCO

Já o meu país foi uma flor de verde pinho.


País em terra. (E semeá-lo uma aventura).
Depois abriu-se o mar como um caminho.
Depois o bosque se fez barco e o barco arado
dessa nova e fatal agricultura:
colher no mar o fruto nunca semeado.

Análise:
 Em todo o poema está presente uma “linguagem oblíqua”, que simultaneamente
revela e encobre. É ambígua.
 “flor de verde pinho” - referência a D. Dinis e à sua cantiga de amigo.
 “meu país” - o sujeito poético fala de Portugal; o tema deste texto pode ser
considerado os descobrimentos ou as reviravoltas da história de Portugal.
 “País em terra” - alusão à fundação do reino.
 “fatal” - palavra chave do poema; introduz um discurso valorativo; transmite a
opinião negativa do sujeito poético sobre a viagem histórica que foram os
Descobrimentos.
 Verso 6- espécie de sentença, pois no mar não se pode semear nada.

PEREGRINAÇÃO

Depois o bosque se fez barco. E ramo a ramo


Foi leme e quilha.
Era um povo a perder-se por seu amo
Que perdia o seu povo de ilha em ilha.

Eras tu que morrias na morte das lavras


Eras tu que ficavas cada vez mais nu.
E a cada terra onde chegavas eras tu
Que morrias na terra que deixavas.

Porque nenhum Brasil foi teu. Nenhuma


Ilha a tua. Em cada barco terra a terra
Perdeste a pátria por achar. E guerra a guerra
Por tuas armas te perdeste. E o mais foi espuma.

E o teu sangue corria por dentro das lavras.


Construías muralhas e ficavas
Pedra a pedra cercado. E desarmado
Eras tu que morrias nas batalhas
Enredado nas armas que tecias:
Malhas onde sem glória te perdias.

E as fogueiras ardiam. Inventavas fantasmas.


E era o teu corpo o corpo que queimavas.
Eras tu que cantavas dentro das palavras
Tecendo desarmado o canto e as armas.

Manuel Alegre, O Canto e as Armas (1967)

Análise:
 Há continuação da narrativa do poema anterior e a mesma contraposição de palavras dos
campos semânticos de agricultura e de navegação.
 Há uma utilização repetida do pronome “tu” (sinédoque do português) - invocação
do leitor; é aproximado o sujeito poético ao leitor.
 Versos 3 e 4- presença de dois sentidos do verbo “perder”; no verso 3, é um perder
ideológico pelo rei, enquanto no verso 4, é um perder efetivo de pessoas.
 Verso 8- para viver noutro lugar, morre-se no anterior.
 Verso 11- “perdeste a pátria por achar” - não achou a pátria pois era lá, dentro das
fronteiras geográficas, que estava o segredo do sucesso.
 Verso 12- “espuma”, palavra-chave. Tem uma conotação negativa, remetendo para
a ideia de ilusão e de não substância das coisas (são bolhas de ar).
 “e o mais” - pode ser interpretado como tudo o resto que sobrou dos
Descobrimentos.
 Estrofe 4- remete para uma ideia de autodestruição. Somos mortos pelas armas que
tecemos. (“malhas que o império tece” -remete para a Mensagem, de Fernando
Pessoa).
 Estrofe 5- “fogueiras” - alude à inquisição. Foi na época dos Descobrimentos que
nasceu a inquisição em Portugal e na Espanha.
“fantasmas” - início de momento sombrio na história de Portugal. Encontram-se
inimigos que nunca existiram verdadeiramente.

AO CORPO ACADÉMICO (Almeida Garrett)


Ergo tardia voz, mas ergo-a livre
Ante vós, ante os céus, ante o universo,
Se os céus, se o mundo minha voz ouvirem.
[...]
Livres… ah! livre um português foi sempre,
Que a morte, que os grilhões nunca o renderam.
— Sim, que essa infame, sórdida caterva,
30 Esse rebanho vil de vis escravos
Que ao cetro da ignorância acurvam tímidos,
Do nome português vergonha e opróbrio,
Portugueses não são, jamais o foram.
[...]
Anos de escravidão vingue um só dia,
65 Séculos ganhem fugitivas horas;
Em livres brados à virtude, à glória
O froixo peito aos cidadãos movamos.
Pode mais do que a espada a voz e a pena;
Mas, se a espada cumprir, cinja-se a espada,
70 E veja o mundo com terror e espanto
Em cada filho de Minerva, um Marte.
Tremam à nossa voz, caiam por terra
Aos nossos golpes, quantos se atreverem
A usurpar os direitos deste povo
75 Que em nós, sua escolhida juventude,
A melhor esperança tem da pátria.

Oh! não lhe malogremos esta esperança.


Sejamos como sempre Portugueses,
Vivamos livres… ou morramos homens.

Coimbra — Novembro, 1820

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