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Castro Alves

Castro Alves é considerado o principal poeta da Terceira Geração do Romantismo brasileiro e figura
entre um dos mais renomados escritores da literatura nacional. Sua obra divide-se em dois principais
eixos temáticos: a temática lírico-amorosa, na qual se percebe a influência da poesia ultrarromântica
de Lord Byron e Junqueira Freire, entre outros poetas; e a temática abolicionista, cuja veia social é
um traço do último período do movimento romântico.

Foram esses poemas inspirados pela revolta contra a escravatura que o tornaram célebre entre os
escritores brasileiros. É hoje o patrono da cadeira nº 7 da Academia Brasileira de Letras.
Antônio Francisco de Castro Alves nasceu em 14 de março de 1847, na vila de Curralinho (BA), lugar
que hoje abriga um município com seu nome. Seu pai, médico e professor, fora convidado para
lecionar na Faculdade de Medicina em Salvador, o que levou a família a mudar-se para a capital, em
1854, onde o poeta iniciou seus estudos no Ginásio Baiano, demonstrando desde cedo apreço e
vocação pela poesia.
Foi em 1860, aos 13 anos, que Castro Alves recitou em público, pela primeira vez, um poema de sua
autoria, em ocasião de festividade escolar. A aptidão para o trabalho com as letras também era
percebida nas traduções de Victor Hugo, nas quais o poeta-mirim, ainda adolescente, trabalhava
com afinco.
Tendo sua mãe morrido em 1859, seu pai casou-se novamente, em 1862, ano em que o casal, Castro
Alves e seu irmão mudaram-se para Recife, onde o poeta iniciou o preparatório para ingressar na
Faculdade de Direito da cidade. Foi reprovado duas vezes antes de conseguir matricular-se no curso.
Os ideais abolicionistas e republicanos pululavam na capital pernambucana na época, e viam campo
ainda mais fértil na Faculdade de Direito, onde o poeta encontrou as leituras e o respaldo teórico
para suas mais célebres composições. Os estudantes estavam sempre no Teatro Santa Isabel, tido
como uma extensão da própria faculdade, por sediar torneios e campeonatos – e foi lá que Castro
Alves viu pela primeira vez a atriz portuguesa Eugênia Infante da Câmara, por quem, aos 16 anos,
apaixonou-se perdidamente.
Data de 1863 a publicação de seu primeiro poema abolicionista, intitulado “A Canção do Africano”,
publicado no jornal A Primavera. Nesse mesmo ano, seu irmão, José Antônio, foi diagnosticado com
uma doença mental, e o próprio poeta começou a apresentar sintomas de tuberculose. No ano
seguinte, apesar do suicídio de seu irmão e da doença, conseguiu finalmente matricular-se no curso
de Direito.
Em outubro de 1864, a tuberculose complicou-se o que levou o poeta a escrever os versos
“Mocidade e Morte” e a perder os exames na faculdade. No ano seguinte, no entanto, retomou os
estudos, sendo convidado para falar nas solenidades do início do ano letivo, declamando ao público
versos republicanos e de apelo social.
Em 1866, Castro Alves perdeu o pai e iniciou um caso amoroso com a atriz Eugênia da Câmara, que
há tanto despertava seu encanto. No ano seguinte, partiram juntos para Salvador, onde ela
representou no palco uma peça escrita por ele, intitulada O Gonzaga ou a Revolução de Minas. O
casal despertou as fofocas e burburinhos da cidade: ele, um jovem de 20 anos; ela, uma mulher de
30 anos, separada, mãe.
Ainda em 1867, o poeta foi ao Rio de Janeiro, onde conheceu Machado de Assis, que o ajudou a
ingressar nos círculos literários da época. Transferiu-se para a Faculdade de Direito do Largo São
Francisco, em São Paulo, ainda sempre mais preocupado com os versos do que com a carreira de
bacharel.
Em 1868, rompeu o relacionamento com Eugênia, já muito atribulado graças aos ciúmes sentidos
por ambas as partes. Nesse mesmo ano, durante uma caçada, acidentou-se, ferindo o pé esquerdo
com um tiro de espingarda, complicação que levou à amputação do membro.
Publica, em 1870, sua única obra editada em vida, intitulada Espumas Flutuantes, cuja temática
principal é a poesia lírico-amorosa. Os poemas abolicionistas seriam publicados em outro livro, sob o
título Os Escravos, mas a tuberculose impediu que o próprio poeta pudesse ver lançada essa obra.
Castro Alves morreu em 6 de julho de 1871, em Salvador, aos 24 anos de idade.

Contexto histórico
Castro Alves viveu entre os anos de 1847 e 1871, período do Segundo Reinado brasileiro e de
diversas agitações políticas. O cenário nacional fora marcado pela Guerra do Paraguai, que se
estendeu entre 1864 e 1870, conflito que durou mais tempo do que o esperado e que contribuiu
para diminuir a popularidade de Dom Pedro II, fazendo crescer os ideais republicanos.
A Inglaterra, já em avançado desenvolvimento industrial, pressionava o governo brasileiro para a
abolição da escravatura, promulgando leis como a Bill Aberdeen, de agosto de 1845, que autorizava
os britânicos a prender qualquer navio suspeito de traficar escravos no Oceano Atlântico.
A legislação brasileira, em 1850, lançou mão da Lei Eusébio de Queirós, proibindo definitivamente o
tráfico de mão de obra escrava no país. No entanto, as elites agrárias, poderosas e influentes, ainda
encontravam maneiras de fazer ingressar novos escravos no Brasil. Foi apenas a partir da Lei Nabuco
de Araújo, de 1854, que o governo brasileiro conseguiu fazer cumprir a Lei Eusébio de Queirós.
Ainda que novos africanos não pudessem ingressar no país em situação de escravidão, e ainda que o
debate abolicionista estivesse em pauta, a escravatura continuava oficial no Brasil, perpetuando o
ciclo desumano e racista dos tempos coloniais. Crescia lentamente uma cultura urbana e o Brasil
rural via-se cada vez mais desgastado, trazendo à tona a repulsa pela política do senhor-e-servo e
aumentando os anseios por um ideal democrático. Esse acalorado certame influenciou diretamente
a obra de Castro Alves, cujo engajamento social debruçava-se principalmente sobre a urgente
necessidade abolicionista.
Grande nome do Condoreirismo, a última geração de escritores românticos brasileiros, Castro Alves
encontra pares em Tobias Barreto e Joaquim de Sousa Andrade, também engajados em questões
sociais, característica principal da produção literária do período.

Obras

• Poesia

♦ Espumas Flutuantes (1870)


♦ A Cachoeira de Paulo Afonso (1876)
♦ Os Escravos (1883)
♦ Hinos do Equador (1921)

Poeta dos escravos – Navio Negreiro


O envolvimento direto de Castro Alves com a causa abolicionista rendeu-lhe o epíteto de poeta dos
escravos. Foram inúmeros poemas dedicados à denúncia da situação dos negros escravizados no
Brasil, material que o poeta pretendia compilar em uma publicação intitulada Os Escravos, lançada
apenas em 1883, doze anos após a morte prematura do autor.
O mais conhecido poema dessa publicação chama-se “O Navio Negreiro (Tragédia no Mar)”,
provavelmente o mais célebre entre os versos abolicionistas já escritos. Dividida em seis partes ou
cantos, a composição possui pungentes tons de indignação e ânsia por justiça, em construção que
surpreende pelas imagens, trabalhadas com afinco.
Articulando o tema da escravidão como o principal problema do Brasil recém-independente, Castro
Alves partiu da cena de um navio que, em condições abjetas, trazia africanos agrilhoados para o
trabalho escravo, enfatizando, ora pela dialética liberdade-escravidão, ora pelas descrições trágicas
e dramáticas, a desumanidade e a injustiça da escravatura, desde o aprisionamento dos africanos
até sua chegada aos portos brasileiros. Veja alguns trechos:

O Navio Negreiro

'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço


Brinca o luar — dourada borboleta;
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.
[...]
Bem feliz quem ali pode nest'hora
Sentir deste painel a majestade!
Embaixo — o mar em cima — o firmamento...
E no mar e no céu — a imensidade!
[...]
III

Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!


Desce mais ... inda mais... não pode olhar humano
Como o teu mergulhar no brigue voador!
Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras!
É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ...
Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!
[...]
V

Senhor Deus dos desgraçados!


Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!
[...]
Ontem a Serra Leoa,
A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d'amplidão!
Hoje... o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar...
Ontem plena liberdade,
A vontade por poder...
Hoje... cúm'lo de maldade,
Nem são livres p'ra morrer. .
Prende-os a mesma corrente
— Férrea, lúgubre serpente —
Nas roscas da escravidão.
E assim zombando da morte,
Dança a lúgubre coorte
Ao som do açoute... Irrisão!...
[...]
Destaque maior se dá para a última parte, em que o poeta exibe a escravatura como um problema
brasileiro, em grave lamento e revolta:

[...]
VI

Existe um povo que a bandeira empresta


P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa... chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto!...
Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...

Fatalidade atroz que a mente esmaga!


Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu nas vagas,
Como um íris no pélago profundo!
Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!

(Os Escravos)

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