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Nuno Júdice Poetas contemporâneos

EDUCAÇÃOLITERÁRIA|ORALIDADE APRESENTAÇÃO ORAL

1. Com base nos títulos, infere o tema que será abordado nos dois poemas.

2. Lê os dois poemas e confirma se a tua inferência está correta.

Poética
Quero que o meu poema fale de barcos e de azul, fale
do mar e do corpo que o procura, fale de pássaros e
do céu em que habitam. Quero um poema puro, limpo
do lixo das coisas banais, das contaminações de quem
5 só olha para o chão; um poema onde o sublime nos
toque, e o poético seja a palavra plena. É este poema
que escrevo na página branca como a parede que
acabou de ser caiada, com as suas imperfeições
apagadas pela luz do dia, e um reflexo de sol
10 a gritar pela vida. E quero que este poema desça
às caves onde a miséria se acumula, aos bancos onde
dormem os que não têm teto nem esperança,
às mesas sujas dos restos da madrugada, às
esquinas onde a mulher da noite espera o último
15 cliente, ao desespero dos que não sabem para onde
fugir quando a morte lhes bate à porta. E canto
a beleza que sobrevive às frases comuns, às
palavras sujas pelo quotidiano dos medíocres,
aos versos deslavados de quem nunca ouviu
20
o grito do anjo. E digo isto para que fique, no
poema, como a pedra esculpida por um fogo divino.

JÚDICE, Nuno (2008). A Matéria do Poema. Lisboa: Dom Quixote, p. 11.

Arte poética com melancolia


Preocupam-me ainda as coisas do passado. Escrevo
como se o poema fosse uma realidade, ou dele nascessem
as folhas da vida, com o verde esplêndido de uma súbita
primavera. Sobreponho ao mundo a linguagem; tiro
palavras de dentro do que penso e do que faço, como
5
se elas pudessem viver aí, peixes verbais no
aquário do ser. É verdade que as palavras não nascem
da terra, nem trazem consigo o peso da matéria;
quando muito, descem ao nível dos sentimentos, bebem
10 mesmo sangue com que se faz viver as emoções,

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e servem de alimento a outros que as leem como se, nelas,


estivesse toda a verdade do mundo. Vejo-as caírem-me
das mãos como areia; tento apanhar estes restos de tempo,
de vida que se perdeu numa esquina de quem fomos; e
15 vou atrás deles, entrando nesse charco de fundos movediços
a que se dá o nome de memória. Será isso a poesia? É
então que surges: teu corpo, que se confunde com o das
palavras que te descrevem, hesita numa das entradas
do verso. Puxo-te para o átrio da estrofe; digo o teu nome
20
com a voz baixa do medo; e apenas ouço o vento que empurra
portas e janelas, sílabas e frases, por entre as imagens
inúteis que me separam de ti.

JÚDICE, Nuno (1999), Teoria Geral do Sentimento. Lisboa: Quetzal Editores, p. 9.

3. Analisa comparativamente os dois textos, preenchendo o quadro.

“Arte poética
“Poética”
com melancolia”
Conceção de
__a. __ __b. __
poema
Perfil psicológico
__c. __ __d. __
do sujeito poético
Linguagem e estilo __e. __ __f. __

4. Em trabalho de grupo, com base na análise efetuada, faz uma apresentação oral dos dois textos.
A apresentação deverá ser iniciada pela leitura expressiva dos poemas, após preparação da leitura.

ESCRITA TEXTO DE OPINIÃO

1. Lê um outro excerto da entrevista dada por Nuno Júdice ao semanário Sol.

O quotidiano dá-lhe boa matéria-prima?


Sim, mas também a memória, as leituras, aquilo que vejo, o mundo. Há muitos materiais que permitem fazer um
poema a partir deles.

“Nuno Júdice: ‘Quando acabo um poema não sei muito bem o que escrevi’” [Em linha].
Sol/Sapo, 22-07-2015 [Consult. em 07-01-2017].

2. Tendo como ponto de partida o ponto de vista de Nuno Júdice, redige um texto em que
expresses a tua opinião sobre a seguinte questão:

Poderá o quotidiano constituir uma boa matéria-prima para criar poesia?

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SOLUÇÕES|SUGESTÕESMETODOLÓGICAS

“Poética”, “Arte poética com melancolia” (p. 106)


Educação Literária | Oralidade

1. Tema da poesia / conceção de poesia / arte poética.

3. a. Poema como: forma expressão da realidade (vv. 1-3); fruto da depuração e da procura do ideal (vv. 5-6, 16-21); arma
de intervenção / forma de denúncia dos aspetos negativos da sociedade (vv. 10-16); canto (v. 16). b. Reflexividade;
entusiasmo; comprometimento social. c. Poema de carácter teórico e programático (enunciação das características da
poesia defendidas); verso longo; linguagem descritiva e prosaica; predomínio da 1.ª pessoa do singular; recurso à metáfora
e à enumeração para evidenciar a variedade da matéria poética (vv. 1-3, 10-16). d. Poema como: origem da realidade (vv.
1-4); sobreposição entre a linguagem e a realidade (vv. 4-12); possibilidade de recuperar o passado (vv. 1, 12-16); espaço
da representação do sentimento amoroso (vv. 17-22). e. Reflexividade; nostalgia do passado. f. Poema de carácter teórico
e programático (enunciação das características da poesia defendidas); verso longo; linguagem descritiva e prosaica;
predomínio da 1.ª pessoa do singular; recurso à metáfora para realçar o carácter cíclico da vida e a passagem do tempo
(vv. 2-4, 12-14, 15-16), o relacionamento amoroso e o processo de criação poética (vv. 19-22).

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