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Trabalho de Comunicação

e Expressão
António Nunes

Alunos: Vitorino, Barbara, Idilma, Patricia


História de António Nunes
 Passou despercebido o centenário de António Nunes
(Praia, 9.Dezembro.1917 – Lisboa, 14.Maio.1951),
“o poeta do quotidiano crioulo”, assim definido por Jaime de
Figueiredo (Praia, 1905 –
1974), outro escritor praiense ilustre praticamente esquecido e
que também precisa ser apropriado pela cidade.

 Aproveito este espaço para assinalar essa efeméride e anunciar os 7


5 anos da publicação da “Certeza, Fôlha da Academia” (São
Vicente, Março de 1944), onde António
Nunes publicou o seu “Poema de amanhã”,
a acontecer no próximo ano.

 O Poeta António Nunes fixou-se em Lisboa em 1940 onde


conviveu com o grupo neo-realista de que fazia parte, entre outros,
Manuel da Fonseca, Francisco José Tenreiro e Henrique Teixeira de
Sousa, um patrício seu, o que o fez abandonar o seu estilo
romântico e integrar a corrente que então surgia.
 Estava-se no fim da Segunda Guerra Mundial e vivia-se em Cabo Verde a grande crise que
viria a dar origem às fomes de 1943 e de 1947. De Lisboa, António Nunes integra a
geração da Certeza, com o “Poema de Amanhã”, publicado no número 2 da folha dessa
academia (Junho de 1944), considerado por Manuel Ferreira (1975) como “o
ideário colectivo do grupo”.

 Na sua fase ainda romântica António Nunes publicou o livro de poemas Devaneios (1938),
que seriam, de facto, meros devaneios ou exercícios poéticos. Na fase posterior, de
orientação neo-realista, publicou Poemas de Longe (1945).
Obras de António
Nunes
 Pedro da Silveira, poeta açoriano e estudioso da literatura cabo-
verdiana, coadjuvado por Francisco José Tenreiro, pensou ainda
em reunir todos os poemas de António Nunes da fase
modernista. Poemas seria o título do livro e teria a seguinte
organização: “iniciação”, com os poemas correspondentes a 1940-
1942; “Poemas de Longe”, os aparecidos em caderno impresso sob
esta designação; “Versos de Lisboa”, três poemas alheios à cabo-
verdianidade; e “Outros Poemas”, contemporâneos ou posteriores
ao Poemas de Longe. Contudo, por razões várias, o projecto não se
concretizou.

 Dá título ao livro Poemas de Longe o primeiro poema onde o


sujeito poético se declara num espaço definido como um aqui
(numa cidade enorme), num tempo presente (agora) e se dirige a
um tu, uma entidade feminina que está longe: “na cidade
pequenina/ da ilha/ lá ao longe…”
 O poema chega de longe e evoca recordações distantes: “Acendo um cigarro/ e ponho-me
a olhar/ as casas que se elevam pela encosta […]/
o Sol morre numa lagoa de sangue […]/ Entristeço-me”. Os referentes “casas” e “pôr-do-
sol” associam-se às experiências passadas do sujeito poético e fazem-
no entristecer. O lexema “casa” indexa para lar, constituído de família, enquanto a morte do
Sol indica o fim, no caso, de um amor que acabou.

 O sujeito poético, num acto de cumplicidade com o leitor, explica a razão da sua tristeza falando dos
passeios que tinha com a amada pela Praça (aos domingos), do emprego –
que era a garantia da realização dos seus sonhos – e dos versos
que lhe dedica. Pensa que, devido à publicação dos seus escritos, a que foi a amada, ainda que por es
cassos momentos, lembrar-se-á dele (“nesta cidade enorme”), imaginando-o “nalgum cinema
[…] / Talvez nalgum café […]/ Talvez no rio coalhado/ de barcos e
de velas […] ”, em companhia feminina “E no íntimo talvez então sinta/ a desolação de continuar/ na
cidade pequena/ da ilha/ lá ao longe […] ”.
 Toda a estruturação de Poemas de Longe obedece a uma lógica, em que o
primeiro poema apenas faz a introdução das recordações que estão ligadas entre
si em cadeia, como como contas de um rosário e o último anuncia um amanhã
de esperança.

 As recordações, que começam por ser difusas e esbatidas, à medida que se


aproximam do tempo da escrita, vão ficando mais focalizadas e trazidas para o
primeiro plano.

 Da evocação da antiga namorada passa para os locais onde estiveram juntos. É o


poema “Praça”, cujo lexema música leva à “Morna” que, por sua vez, se associa
ao “Baile”, cujo último verso “[…] a noite lá fora […]”, leva ao “Caminho Grande” –
“Fidjinho,/ Não fiques nunca, à noite, no caminho grande” – e a “Paisagem” –
“Os campos perdem-se/ longe/ tostados pelo Sol/ e ervas daninhas secas […]”.
 Na segunda parte do livro, o sujeito poético segue outra lógica e evoca pessoas que, de alguma
forma, estiveram ligadas a si e ao quotidiano crioulo, mais propriamente dito, ao quotidiano da
ilha de Santiago e da cidade da Praia.

 Identifica-se com “Puxim Mêndi” – menino de Engenho que vai para a cidade da Praia Maria no
camião do senhor Júlio, retoma a lembrança da antiga namorada e da sua fuga, em “Moça do
Sobrado” – “O moço Poeta que de ti se enamorou um dia/ de repente fugiu como uma sombra”
– e imagina-se regressando ao ponto de partida.

 Na sequência do regresso, segue o “Manú Santo” que correu Mundo mas quer tornar a
embarcar. O sujeito poético antevê o futuro em “A Tua Casa” e dirige-se à antiga namorada:
“Mas a Vida vincou-te, como vinca a todos…”. Segue-se “Titina” e “Maninho di Nha Noca” que
“na ânsia de ver Mundo/ fugiu ainda menino a bordo de um vapor”. Segue “Juca” e, por último,
o poema “Terra”, em que o sujeito poético pede para lhe contar “aquela história/ de meus
irmãos/ hoje perdidos/ no mundo grande […]”.

 A fechar, o “Poema de amanhã, é uma esperança-certeza, uma antevisão dum futuro melhor –
a independência de Cabo Verde:
Poema mamã

 Mamãi!
 sonho que, um dia,
 em vez dos campos sem nada,
 do êxodo das gentes nos anos de estiagem
 deixando terras, deixando enxadas, deixando tudo,
 das casas de pedra solta fumegando do alto,
 dos meninos espantalhos atirando fundas,
 das lágrimas vertidas por aqueles que partem
 e dos sonhos, aflorando, quando um barco passa,
 dos gritos e maldições, dos ódios e vinganças,
 dos braços musculados que se quedam inertes,
 dos que estendem as mãos,
 dos que olham sem esperança o dia que há-de vir
 – Mamãi!
 sonho que, um dia,
 estas leiras de terra que se estendem,
 quer sejam Mato Engenho, Dacabalaio ou Santana,
 filhas do nosso esforço, frutos do nosso suor,
 serão nossas.

 E, então,
 o barulho das máquinas cortando,
 águas correndo por levadas enormes,
 plantas a apontar,
 trapiches pilando
 cheiro de melaço estonteando, quente,
 revigorando os sonhos e remoçando as ânsias
 novas seivas brotarão da terra dura e seca,
 vivificando os sonhos, vivificando as ânsias, vivificando a Vida!...
 O poema estrutura-se em duas partes, segundo os momentos temporais. Do passado, que
se prolonga até ao presente, e do futuro, por antecipação, com recurso a uma prolepse.
Os dois momentos são introduzidos pelo vocativo “Mamãi”, assim mesmo, na língua
materna, numa identificação com as suas origens.

 Na primeira parte, o sujeito poético retrata a passividade e a indiferença dos homens de


“braços musculados que se quedam inertes,/ dos que estendem as mãos,/ dos que olham
sem esperanças o dia que há-de vir”.
 Na segunda parte, o sujeito poético recorre-se ao desafio da posse da terra – “estas leiras de
terra” […]/ filhas do nosso esforço, frutos do nosso suor/ serão nossas” – como um apelo
estimulante à luta por novas realidades na própria terra, sonho de um amanhã que desvela
confiantemente: “E então,/ […]/ novas seivas brotando da terra dura e seca,/ vivificando as
ânsias, vivificando a Vida!...”.

 Deste modo, um acontecimento que, no desenvolvimento cronológico da História viria a ter


lugar trinta anos mais tarde – a Independência de Cabo Verde – é o sonho-certeza do Poeta
visionário António Nunes.

 Passam-se os anos e o sonho de António Nunes torna-se realidade. Corsino Fortes, Poeta
Militante, na manhã de 5 de Julho, anuncia ao seu confrade, num tempo sem espaço, que o dia
chegara:
Poema bom dia António Nunes
 António! sob o olho do carvão dos séculos
 Há sons & aves de solidão
 Que ano a ano
 Burilam o coração da ilha
 Como o dia E o diamante
 E do carvão do corpo
 E do carvão dos séculos nasce a Estrela da Manhã

 Aqui! entre as rochas do teu pai


 E os vales da tua mãe…
 Grávido
 o ventre da ilha
 Já empurra
 A roda do mundo Entre dois pólos
 Então
 António vem & dança como ovo na praça pública
 António vem
 Pela casca & gema do primeiro comício
 Vem & abraça
 O rosto do sol que nasce do poema da vertigem
 ……………………………..
 Árvore & Tambor, 1986

 Estabelecendo uma ponte entre o sonho futuro de António Nunes e o presente da


independência por ele anunciado, Fortes fecha e fecha-se no discurso da
intertextualidade – “Bom dia! António Nunes”.

 A saudação ao nascer do Sol (da independência) é, ao menso tempo, um novo desafio à


labuta e a novos sonhos.

 – Manuel Brito-Semedo

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