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Agrupamento de Escolas Sá da Bandeira - 170562

Escola Secundária de Sá da Bandeira – 402837

ÁLVARO DE CAMPOS

Fase futurista - o futurismo, a vanguarda e o sensacionismo

A “Ode Triunfal”, o texto mais representativo desta fase, constitui um elogio explosivo e excessivo da
civilização tecnológica. Segundo Pessoa, Campos passa da fase decadentista para a futurista, por in-
fluência de Caeiro e pelo fascínio da sensação. Só que enquanto Caeiro sente de forma plácida e serena,
Campos sente de forma excessiva e conturbada.
Ao tédio e ao desencanto da fase decadentista, sucedem os excessos do sensacionismo e da vanguarda
próprios da fase futurista, com o cântico exacerbado e claramente provocatório do progresso e da
civilização moderna.

O início da “Ode Triunfal” [vv.1-32] permitir-nos-á apreender os aspetos essenciais da fase futurista
deste heterónimo pessoano:
 identificação da relação existente entre o “eu" e a realidade exterior;
 relação ambígua feita de violência e paixão (1a estrofe);
 características do real que envolve e quase submerge o sujeito poético:
- “lâmpadas elétricas da fábrica”;
- "rodas” e “engrenagens”;
- “máquinas” e “luzes elétricas”;
- “correias de transmissão", “êmbolos”, “volantes”.
 ambiente moderno, mecânico, dominado pela técnica e pela evolução industrial;
 visão excessiva e intensa do real, provocando no sujeito poético um estado de quase alucinação
marcadamente sensual que começa a desenhar-se na segunda estrofe (“Em fúria fora e dentro de
mim”, v.7),intensifica-se na terceira e atinge o clímax na última, conferindo, assim, ao texto a sua
faceta provocatória e escandalosamente futurista;
 perceção do real baseado num excesso de sensações - "excesso / De expressão de todas as
minhas sensações” (vv. 12-13):
- visuais: luz - “À dolorosa luz das grandes lâmpadas elétricas da fábrica’’(v.1);
- cinéticas - “Andam por estas correias de transmissão e por estes êmbolos e por estes volantes”(v.
23), “Ó rodas, ó engrenagens!’’ (v. 5);
- auditivas: “...r-r-r-r-r-r-r eterno!" (v. 5);
- olfativas: “A todos os perfumes de óleos e calores e carvões” (v. 31);
- táteis: "Tenho os lábios secos” (v. 10).

Comparando com o “real” de Caeiro, podemos afirmar que, em Campos, a Natureza é substituída pela
visão do mundo moderno e “super-civilizado” (“Em febre e olhando os motores como a uma Natureza
tropical”, “Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável!”), com o qual o sujeito poético estabelece uma
ligação estranha, eufórica e exaltada, mas revelando, também, um erotismo frenético e quase doentio
("Fazendo-me um excesso de carícias ao corpo numa só carícia à alma.", “Poder ao menos penetrar-me
fisicamente de tudo isto, / Rasgar-me todo, abrir-me completamente, tornar-me passento / A todos os
perfumes de óleos e calores e carvões”.).
O sensacionismo de Campos inspira-se no de Caeiro, visível no modo como um e outro apreendem o
real: através das sensações. No entanto, enquanto que Caeiro o faz de uma forma calma e tranquila,
Campos deixa-se levar pelos excessos característicos do futurismo, bem evidentes na linguagem utilizada:

 onomatopeias - “r-r-r-r-r-r-r eterno!” (v. 5);


 aliterações - "Rugindo, rangendo, ciciando, estrugindo, ferreando” (v. 24);
 frases exclamativas - "Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!” (v. 26);
 adjetivação - "Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável!” (v. 32);
 interjeições - “Ah” (v. 26);
 repetições - “Canto, e canto o presente” (v. 17);
 enumerações - “(...) e canto o presente, e também o passado e o futuro” (v. 17);
 ritmo rápido e excessivo - "Em fúria fora e dentro de mim, / Por todos os meus nervos
dissecados fora”(vv. 7-8).
Fase intimista / abúlica - Campos, irmão gémeo de Pessoa

A última etapa do percurso de Campos torna-o “irmão gémeo” de Pessoa. Ao excesso da fase futurista,
segue-se uma outra fase marcada pelo desencanto, o tédio e a náusea existenciais.
Em poemas como Lisbon Revisited ou “Aniversário”, Campos é aquele que, dominado pelo pensamento,
é incapaz de sentir; experimenta o tédio existencial e olha a infância como tempo de felicidade e paraíso
para sempre perdidos. Mas o poema mais emblemático é “Tabacaria”, ao revelar o fracasso existencial de
um “eu” dividido, a quem falta energia para concretizar o sonho, experimentando um pungente sentimento
de estranheza que “pesa como uma condenação”. É impossível não reconhecer afinidades entre o ortónimo
e este Álvaro de Campos: as experiências de viagem e de educação no estrangeiro, nomeadamente. Foram
experiências intensas, difíceis, abafadas, para um Fernando Pessoa menino que, arrancado da sua Pátria,
se vê fazer parte de uma nova família, num novo país, com uma cultura e língua igualmente novas.
Campos expressa então o que Pessoa não conseguiu confessar, mas indo muito mais além, tornando-se
excessivamente alguém que está sempre a partir e a chegar, a ficar, quer no real, quer no imaginário, e
afirmando-se “Estrangeiro aqui e em toda a parte" (Lisbon Revisited II)

Síntese da poética de Álvaro de Campos

A seguir aparecem sistematizados os principais aspetos temáticos e formais que individualizam a


produção poética de Álvaro de Campos.

Aspetos temáticos

2ª Fase - futurista

 Sensacionismo;
 Futurismo - exacerbamento da força, da energia, da civilização mecânica, aniquilamento do
passado, exaltação do presente e do futuro;
 atitudes sadomasoquistas;
 expressão exacerbada de sensações;
 erotismo doentio e febril.

3ª Fase - abúlica / intimista

 regresso ao abatimento, ao cansaço da vida;


 tom introspetivo e reflexivo;
 dor de ser lúcido;
 a infância como o paraíso perdido;
 a incapacidade de sentir;
 o desencanto da vida;
 o pessimismo;
 a inadaptação ao presente;
 o presente como tempo de prisão;
 a “fragmentação do eu”.

Aspetos formais

 estrofes e versos longos;


 verso livre;
 estilo torrencial, repetitivo e excessivo;
 linguagem marcada por um tom excessivo e intenso: exclamações, apóstrofes, enumerações,
adjetivação abundante, anáforas, interjeições, onomatopeias, metáforas ousadas, aliterações...;
 construções gerundivas.

In Coleção Resumos, Poemas de Fernando Pessoa, Ortónimo e Heterónimos, Ideias de Ler

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